1 - Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar alguns apontamentos sobre o pluralismo jurídico, analisado a partir da teoria constitucional de Peter Häberle, em especial seu conceito de Estado Constitucional, da sociedade aberta dos intérpretes da constituição e do pensamento das possibilidades.
O pluralismo jurídico é apontado por Häberle (2003) como um dos pilares da democracia e é expressamente previsto em diversos artigos da Constituição Federal Brasileira, sendo fundamento do nosso Estado de Direito.

2 ? O Estado Constitucional


O Estado Constitucional häberliano tem por base dois elementos: a democracia e a dignidade da pessoa humana. Haberle (2003) afirma que os dois conceitos devem ser concebidos em conjunto.
El "pueblo" no es una magnitud unitaria que " emana" (solamente) el día de las elecciones, y que como tal otorgue legitimación democrática. Como magnitud pluralista, el pueblo no se encuentra menos presente respecto de las interpretaciones en el proceso constitucional ni tampoco es menos legitimador: "como" partido político, como opinión científica, como grupo de intereses, como ciudadano; ¡su competência material para participar en la interpretación constitucional es un derecho ciudadano en el sentido del artículo 33 de la LF! Así vistos, los derechos fundamentales son una pieza de la base de la legitimación democrática para la interpretación constitucional que es abierta no sólo por sus resultados sino también por el círculo de sus participantes. ¡En la democracia en libertad el ciudadano es intérprete de la Constitución! Tanto más importantes se hacen las medidas para la garantía de la libertad real: política de derechos fundamentales prestacionales, libertad en La formación de la opinión, constitucionalización de la sociedad, por ejemplo, a través de la separación estructural de poderes en el ámbito público, y en particular en el económico. (HÄBERLE, 2003, p. 201).

Häberle, portanto, propõe que o conceito de democracia não esteja vinculado à idéia rosseauniana de povo, mas a de cidadania. Assim, mais que a troca do soberano-monarca pelo soberano-povo, haverá uma democracia interligada aos direitos humanos, com a devida proteção às minorias, sendo o pluralismo o ponto de referência da Constituição.
Para Häberle (2003, p.05), a Constituição é um processo em constante desenvolvimento, que agrega tanto as experiências quanto os anseios de uma sociedade plural e aberta, se identificando com o estado cultural desta, o que compreende hermenêutica constitucional aberta aos cidadãos e grupos sociais em geral, e não apenas os juristas:
Canotilho (2001) afirma que na teoria häberliana a Constituição não se reduz a um Staats-Verfassung (constituição do Estado), antes inclui estruturas fundamentais da sociedade plural, como relações dos grupos sociais e cidadãos, efeitos externos dos direitos fundamentais, não podendo ser aniquilado o momento constituinte do pluralismo, devendo a constituição ser entendida como uma ordem que vai além da lei fundamental escrita.

3 ? A sociedade aberta de Intérpretes da Constituição e o pensamento das possibilidades

Com essa nova concepção de democracia, abrem-se novas possibilidades de participação democrática, não restritas aos modelos tradicionais, inclusive no âmbito da interpretação constitucional. É nesse contexto que se insere um dos componentes centrais da teoria constitucional de Häberle: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição. Para o constitucionalista alemão, até o momento as teorias sobre hermenêutica constitucional tem se preocupado com os objetivos e métodos da interpretação da Constituição, não se preocupando com os participantes desse processo de interpretação.
De acordo com Bonavides (2006), Häberle distingue dois sentidos para interpretação: o estrito, que se vale dos métodos tradicionais, e o lato, que oferece um largo terreno à renovação, um processo aberto, devendo a compreensão da constituição ser a mais dilatada possível, não se limitando àquela dada pelos tribunais, mas de todos que participam da vida política da comunidade.
Para Häberle (2003), todo aquele que vive na e com as situações regulamentadas pela norma é intérprete da mesma, seja direta, seja indiretamente. O destinatário das normas participa de maneira ativa do processo interpretativo, muito mais do que se aceita atualmente, "puesto que no solo los intérpretes jurídicos de La Constituición viven las normas, tampoco son los únicos y ni siquera los intérpretes primários" (HÄBERLE, 2003, p. 151).
Em uma sociedade fechada de intérpretes da constituição, as possibilidades de interpretação da norma constitucional não representariam toda a pluralidade da sociedade, sendo o processo interpretativo, de acordo com Fonseca (2006, p. 124) considerado um elemento da sociedade pluralista.
Essas considerações geram uma relativização da interpretação jurídica da constituição. O juiz não é mais o único intérprete no processo constitucional, mas um de diversos sujeitos, sendo que em alguns momentos, não há inclusive a participação do judiciário, como na própria elaboração das leis, ou em sua aplicação antes da análise judicial da constitucionalidade. Por isso, é importante que o direito processual constitucional crie formas de participação das forças públicas, como intérpretes em sentido amplo. (HÄBERLE, 2003).
Segundo Fonseca (2006), com a teoria constitucional de Häberle, a interpretação jurídica traduz a pluralidade das realidades, das necessidades e possibilidades da sociedade, se esquivando da supervalorização dada ao texto jurídico até o momento. Com a abertura do rol de intérpretes da constituição, as decisões constitucionais ocorrem dentro de uma vasta gama de possibilidades interpretativas.
Para Häberle, o pensamento das possibilidades é uma expressão do direito à liberdade, garantindo às minorias como alternativas às maiorias, que não detém o poder absoluto em uma democracia cidadã, sendo expressão de uma teoria constitucional da tolerância.
O pensamento das possibilidades não é um fim em si mesma, mas meio para conservar a Constituição no tempo e o desenvolvimento da coisa pública do ser humano e para o ser humano. Por isso, o constitucionalista alemão ressalta que junto ao pensamento das possibilidades, está o pensamento da realidade e da necessidade.

4 ? O pluralismo na Constituição Federal do Brasil

O art. 1º, V, da Constituição Federal estabelece como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito o pluralismo político. No art. 3º, a lei constitucional exorta à construção de uma sociedade livre, solidária e sem preconceitos.
No art. 5º, que elenca uma série de direitos fundamentais, há, no inciso VIII a proteção à liberdade religiosa, de convicção filosófica e política, sendo livre, segundo o inciso IX, a expressão artística, cultural, científica e de comunicação.
No inciso LXXIII, é prevista a ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão para anular ato lesivo ao patrimônio público, histórico e cultural e a moralidade pública.
Realçando ainda seu caráter plural, a Constituição Federal prevê como legítimo para propor ação direta de inconstitucionalidade partidos políticos com representação nacional, confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional.

5 ? O amicus curiae e as audiências públicas

Mendes e Vale (2009) demonstram que a jurisdição constitucional no Brasil garante um processo pluralista e aberto, com interferência de diversos sujeitos e grupos sociais na análise da constitucionalidade das leis. Segundo eles, a lei 9868/99, ao prever a figura dos amicus curiae, membros ou entidades sociais que se manifestam sobre determinado tema discutido no Supremo Tribunal Federal, além de audiências públicas e a oitiva de peritos, há uma abertura cada vez maior a uma pluralidade de sujeitos no processo constitucional brasileiro. Um dos exemplos mais emblemáticos foi a audiência pública acerca da utilização de células-tronco embrionárias para pesquisas científicas, permitida pela lei 11105/2005. Existia uma grande divergência social sobre o tema, sendo de muito valor a participação pública no processo.
Interessante o projeto do novo Código de Processo Civil que prevê a possibilidade de audiência pública q

6 ? Direito ao pluralismo jurídico e as súmulas vinculante e impeditivas de recurso

A Emenda Constitucional 45/2004 incluiu expressamente no rol, exemplificativo, dos direitos fundamentais do art. 5º, CF, o direito a celeridade processual, com a razoável duração do processo, seja judicial ou administrativo.
Com o objetivo de instrumentalizar a nova norma, foram criadas a Súmula Vinculante, pela própria reforma do judiciário de 2004, e a súmula impeditiva de recurso, pela lei 11276/06 que alterou o Código de Processo Civil.
O art. 103-A da Constituição da República traz o conceito de súmula vinculante:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

A súmula vinculante tem por objeto a interpretação, validade e eficácia de determinadas normas, cuja controvérsia cause insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos pelo mesmo fundamento, conforme o parágrafo primeiro do artigo citado acima. É uma forma de unificar o entendimento sobre determinada matéria, cabendo inclusive reclamação ao STF no caso de seu descumprimento por autoridade judiciária e administrativa. A reclamação é a medida judicial cabível para preservar a competência e a autoridade das decisões do STF.
A súmula impeditiva de recurso é prevista no art. 518, §1º do CPC, que estabelece como requisito da apelação desconformidade da sentença com súmula do STF ou do STJ, isto é, se o fundamento da apelação contrariar súmula dos tribunais superiores, esta não será recebida. O desrespeito ao art. 5º , XXXV, CF, é evidente: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Apesar da diminuição das ações e de recursos que as duas medidas proporcionam, as duas insinuam um monismo hermenêutico incompatível com o nosso Estado Constitucional.
O juiz que constitucionalmente tem o direito ao livre convencimento em suas decisões, desde que apresente seu fundamentos na decisão, se vê limitado a determinações pré-estabelecidas pelos tribunais superiores. O advogado e as partes, mesmo com a garantia do direito de ação e ao duplo grau de jurisdição, não tem o direito de ter sua tese debatida nos tribunais de segunda instância e superiores.
Destarte existirem algumas "válvulas de escape" para a modificação das súmulas, sejam elas vinculantes ou não, há uma tendência em se cristalizar os atuais entendimentos jurisprudenciais, um contrassenso em uma sociedade tão dinâmica e plural como a atual.

7 ? Celeridade, conciliação e informatização do Judiciário

Há um mito no Brasil de que o grande responsável pela morosidade na Justiça é o excessivo número de recursos. Apesar de ser interessante aperfeiçoar nosso sistema recursal, evitar recursos protelatórios, não se pode admitir a limitação de preceitos fundamentais, como o direito de ação e à pluralidade.
O próprio Poder Judiciário tem encontrado soluções mais eficazes e, inclusive, mais fáceis de serem feitas. O movimento pela conciliação é um deles.
Em Caldas Novas, o juiz da 2ª vara cível conseguiu realizar mais de 200 audiências previdenciárias, sendo que em noventa porcento foi feito acordo. (fonte: http://www.tjgo.jus.br/bw/?p=38814 ). Outros exemplos como este são encontrados facilmente no site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
O processo eletrônico, em implantação nas comarcas de Goiás, finalizado no STJ e em desenvolvimento no STF também permite uma tramitação mais rápida e segura dos processos. Não há mais problema de retenção indevida dos autos, demora no envio via postal dos vários volumes, etc.
Exige-se, para tanto, apenas criatividade do Judiciário e, obviamente, investimento. Não há processo célere sem uma estrutura compatível.

BIBLIOGRAFIA

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. México: Instituto de Investigações Jurídicas, UNAM, 2003. Disponível em: <http://www.bibliojuridica.org/libros/libro.htm?l=14>. Acesso em: 24/03/2010

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador: contributo para compreensão das normas constitucionais pragmáticas. 2. Ed. Portugal: Coimbra, 2001. 581 p.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, promulgada em 5 de Outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm > , acesso em 19 de agosto de 2010.

TJGO. Caldas Novas realiza mutirão de audiências previdenciárias. http://www.tjgo.jus.br/bw/?p=38814