O MENINO E O PROTESTO DAS RUAS
Publicado em 18 de junho de 2013 por Edevaldoleal
O MENINO E O PROTESTO DAS RUAS
Crônica
Edevaldo Leal
O pai sabia : o menino queria dizer alguma coisa. O pai tentava adivinhar o que ele queria dizer, mas enquanto a palavra estivesse presa na garganta, melhor era fazer-se de desentendido. No cumprimento ao chegar do colégio, na passagem do quarto para a cozinha, os lábios ensaiando a palavra impronunciada, no jeito de olhar, ele queria falar alguma coisa, alguma coisa importante, pensou o pai, que preferiu o silêncio a dizer ao filho que abrisse a voz à liberdade da palavra.
Dezesseis anos de idade e cursando o segundo ano do ensino médio, o filho recolheu-se à mesa de estudo e aprisionou dentro de si a palavra que o pai queria revelada. E enquanto o filho estudava, o pai trabalhava as várias hipóteses que poderiam decifrar o enigma do silêncio. Entre ser oficial de máquinas da Marinha Mercante, piloto ou juiz de direito, o menino teria, finalmente, definido a vocação? Ah, o pai tinha quase certeza: com poucos meses para completar 17 anos, o menino queria anunciar a primeira paixão de sua vida ,quem sabe a coleguinha de sala de aula, mas estaria temeroso com a reação do pai, que sempre lhe disse que namoro e casamento devem vir em terceiro lugar e os estudos e a formação profissional em primeiro e segundo , respectivamente. Não, que nada, com a inflação solta por aí ,ele deve estar é ensaiando um pedido de aumento da mesada, pensou o pai, enquanto armava outras hipóteses e outras e mais outras, que foram, aos poucos, sendo,uma a uma, riscadas de seu mapa mental em razão da inconsistência do raciocínio.
Próximo das 17 horas, o menino mandou a seguinte mensagem para o celular do pai: “Assim que as emissoras de televisão começarem a divulgar o protesto do povo brasileiro, me avise “. Daí por diante, pai e filho travaram o seguinte diálogo pelo celular:
Pai: – Você está se referindo ao protesto dos estudantes?
Filho: – Estou falando do protesto do povo brasileiro.
Pai: – Protesto que eu sei é dos estudantes contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus no Estado de S. Paulo e v. fala de povo brasileiro?
Filho: – Em todos os Estados o povo se levantará contra o desvio do dinheiro público e o sucateamento da segurança, da saúde e da educação. Contra os políticos corruptos.
Pai: – Como é?
Filho: – Copa do mundo: 33 bilhões.
Olimpíada: 26 bilhões.
Corrupção: 50 bilhões.
Impostos recolhidos: 710 bilhões.
Filho: – Não é só pelos vinte centavos, pai.
Aquele menino estava formando uma consciência política: a moralização das instituições e o fortalecimento da cidadania. Já sem nenhuma dúvida do que ele queria dizer e orgulhoso, chamei o menino, meu filho Maykon Rafael , para acompanhar pela televisão o protesto das ruas.
17 de junho de 2013.