O MENINO  E O PROTESTO DAS RUAS

             Crônica

                                     Edevaldo Leal

                                                  O pai sabia : o menino queria dizer alguma coisa.  O pai tentava adivinhar o que ele queria dizer, mas enquanto a palavra estivesse presa na garganta, melhor era fazer-se de desentendido. No cumprimento ao chegar do colégio, na passagem do quarto para a cozinha, os lábios ensaiando a palavra impronunciada, no jeito de olhar, ele queria falar alguma coisa, alguma coisa importante, pensou o pai, que preferiu o silêncio  a dizer ao filho que abrisse a voz à liberdade da palavra.

                                               Dezesseis anos de idade e cursando o segundo ano do ensino médio, o  filho recolheu-se à mesa de estudo e aprisionou dentro de si a palavra que o pai queria revelada. E enquanto o filho estudava, o pai trabalhava as várias hipóteses que poderiam decifrar o enigma do silêncio. Entre ser oficial de máquinas da Marinha Mercante, piloto ou juiz de direito, o menino teria, finalmente, definido a vocação? Ah, o pai tinha quase certeza: com poucos meses para completar 17 anos, o menino queria anunciar a primeira paixão de sua vida ,quem sabe a coleguinha de sala de aula, mas estaria temeroso com a reação do pai, que sempre lhe disse que namoro e casamento devem vir  em terceiro lugar e os estudos e a formação profissional em primeiro e segundo , respectivamente. Não, que  nada,  com a inflação solta por aí ,ele deve estar é  ensaiando um pedido de aumento da mesada, pensou o pai, enquanto armava outras hipóteses e outras e mais outras, que foram, aos poucos, sendo,uma a uma, riscadas de seu mapa mental em razão da inconsistência do raciocínio.

                                             Próximo das 17 horas, o menino mandou a seguinte mensagem para o celular do pai: “Assim que as emissoras de televisão começarem a divulgar o protesto do povo brasileiro, me avise “. Daí por diante, pai e filho travaram o seguinte diálogo pelo celular:

                                             Pai: – Você está se referindo ao protesto dos estudantes?

                                             Filho: – Estou falando  do protesto do povo  brasileiro.

                                                     Pai: –  Protesto que eu sei é dos estudantes contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus no Estado de S. Paulo e v. fala de povo  brasileiro?

                                                  Filho: – Em todos os Estados o povo se levantará contra o desvio do dinheiro público e o sucateamento da segurança, da saúde e da educação. Contra os políticos corruptos.

                                             Pai:  –  Como é?

                                             Filho: – Copa do mundo: 33 bilhões.

                                                           Olimpíada: 26 bilhões.

                                                            Corrupção: 50 bilhões.

                                                            Impostos recolhidos: 710 bilhões.

                                              Filho: – Não é só pelos vinte centavos, pai.

                                           Aquele menino estava formando uma consciência política:         a moralização das instituições e o fortalecimento da cidadania. Já sem nenhuma dúvida do que ele queria dizer e orgulhoso, chamei o menino, meu filho Maykon Rafael , para acompanhar pela televisão o protesto das ruas.

                                                                     17 de junho de 2013.