O INÍCIO DA VIDA HUMANA
Eis o eixo central da disputa que resultou na ADIN nº. 3510, que trata da constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). A grande polêmica é determinar quando exatamente se inicia a vida humana, esta questão tem grande repercussão, desde os biólogos, passando entre os religiosos, até chegar aos filósofos, não há um posicionamento unânime, até mesmo dentro dos vários grupos que se dispõe a tratar do assunto há divergência.
Sobre o início da vida pode-se elencar algumas teorias, como por exemplo, a que defende a tese de que a vida se inicia com a fecundação, pois, neste momento, já há toda a informação genética necessária à formação da pessoa humana; há também quem defenda que o início se dá quando ocorre com a nidação, momento em que o óvulo se fixa no útero, por volta do 14º dia após a concepção; ou com o surgimento da crista neural, ou seja, do sistema nervoso, o que se verifica em torno da 22ª semana de gestação.
Entretanto, devemos buscar nos diversos ramos do conhecimento, mais elementos que nos ajudem a definir este conceito, como por exemplo, a lição do Dr. Dermival da Silva Brandão, lição apresentada na ADIN ? 3510, pelo então Procurador Geral da República ? Cláudio Fonteles, especialista em Ginecologia e Membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina, leciona que:
"O embrião é o ser humano na fase inicial de sua vida. É um ser humano em virtude de sua constituição genética específica própria e de ser gerado por um casal humano através de gametas humanos ? espermatozóide e óvulo. Compreende a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção, com a formação do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida.

Perante de tal ensinamento, a de se reconhecer que o embrião é, no mínimo, um ser humano em potencial, portanto, se faz necessário a sua proteção, diante da grande proximidade do ser embrionário com a criatura humana. Logo, conforme consta em nosso texto constitucional, no que tange aos princípios referentes à proteção da vida e da dignidade da pessoa, não se deve ater a critérios e/ou a estágios de desenvolvimento, para que se possa garantir a proteção aos embriões gerados e conservados em laboratório.
Para os religiosos, o desrespeito inserido no ato de manipulação embrionário seria total, uma vez que a vida humana trata-se de um plano divino e o homem não possui discernimento para tal ato, pois, no embrião já haveria a centelha da alma humana, segundo trecho bíblico contido em Isaías, 49, 1: "Desde o seio materno Iahweh me chamou, desde o ventre de minha mãe pronunciou meu nome".
Há muito tempo à doutrina busca estabelecer um padrão para estabelecer ou para identificar o início da vida humana.
Nesse sentido Damásio de Jesus , diz que:
"O problema básico é saber se um embrião é ou não um ser vivo. Se houvesse consenso, da unanimidade moral dos cientistas, sobre a matéria, pela afirmativa ou pela negativa, a decisão seria clara e imperiosa. Se é certo que há vida no embrião, ela não pode ser violada sem ferir o Direito Natural e sem lesar nossa Carta Magna. Se está correto que não há, nada impede que utilizem os embriões, tanto mais que serão usados para preservar outras vidas humanas."

Para Maria Helena Diniz , ressalta que:
"[...] a vida teria início, naturalmente, com a concepção no ventre materno. Desse modo, fertilização in vitro, embora seja a fecundação do óvulo pelo espermatozóide que se inicia a vida, seria a nidação do zigoto ou ovo que a garantiria".

Versar sobre o presente assunto sob a perspectiva do Direito e da Bioética significa que as reflexões devem transpor o campo do jurídico-legal positivo, neste caso, resolver conflitos tendo como base apenas o Direito, é uma tarefa menos complicada, entretanto, a referência dada pelo Direito é imprescindível para a Bioética, principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.
Todavia, o jurista, não está isento da influência de seus valores pessoais, morais e culturais na emissão de um conceito, desta forma, a definição acerca do início da vida ou de quando a sua proteção deva se iniciar, virá contaminado de vício.
De toda forma, ao se intentar definir tal marco, é essencial que tal procedimento seja norteado pelos princípios fundamentais elencados na Constituição Federal, especialmente o da dignidade da pessoa humana. Tal balizamento, entretanto, deve ser realizado por profissionais do Direito, da Bioética e de áreas afins, em atenção à diversidade democrática das profissões, devendo-se debater tal questão com toda a sociedade, com clareza e responsabilidade. Uma vez que, a sociedade vive em evolução constante, e é extremamente importante que o ordenamento jurídico acompanhe tal evolução, de modo rápido e preciso. Sendo assim, surge a necessidade de informação sobre assuntos modernos e que deixam esperanças para o futuro.
A Constituição Federal de 1988 foi estruturada com objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito:
Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I ? construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II ? garantir o desenvolvimento nacional;
III ? erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV ? promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Alexandre de Moraes, em sua obra sobre Direito Constitucional ? 11ª edição de 2002, diz que: "O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência de todos os demais direitos."
"A constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter vida digna quanto à subsistência " (grifo nosso).

Diante do exposto, cabe aos biólogos, através de pesquisas, determinarem o momento do início da vida, e aos juristas, tão somente, o enquadramento legal deste momento.

CONCLUSÃO
Diante do grande impasse a respeito da definição do início da vida, toda a sociedade deve estar atenta no sentido de que as técnicas utilizadas na manipulação genética, na procriação assistida, na guarda e conservação de embriões congelados, se não forem devidamente acompanhadas de normas que protejam à vida e a dignidade humana, poderão estimular enormes atentados contra toda a humanidade, como seria o caso, da produção de embriões além do número necessário para a realização de fertilizações "in vitro", gerando assim, um grande número de excedentes, e desta forma, serem utilizados em pesquisas sob a justificativa do progresso científico.
Desta maneira, cabe aos operadores do Direito, o acompanhamento da evolução científica, através de instrumentos jurídicos capazes, não só de orientar, os presentes e futuros avanços científicos, mas, principalmente, garantir os direitos inerentes à pessoa, e de modo especial, os que dizem respeito à sua dignidade.
E, enquanto não forem editadas normas jurídicas específicas, os princípios constitucionais devem ser invocados para a elucidação de possíveis conflitos oriundos desta célere evolução genética, prevalecendo sempre às proteções aos direitos da personalidade e da dignidade humana.



REFERÊNCIAS

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