O ILICÍTO PENAL DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO À LUZ DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: A aplicação do Princípio da Insignificância nos Crimes de Contrabando e Descaminho: uma análise critica frente à Jurisprudência Brasileira Felipe do Vale Nunes e Marine Mota de Melo RESUMO O presente artigo tem por escopo apresentar uma breve analise sobre os principais aspectos para a exclusão da tipicidade material utilizada pelo Princípio da Insignificância no Direito Penal, através de seu conceito e fundamentos. Analisando tal temática no crime previsto no artigo 334 do Código Penal, bem como alcançar o confronto com Leis Especiais e na própria Jurisprudência. E por fim, explanar a aplicação deste princípio frente aos casos concretos, assim como por em voga os critérios e pressupostos utilizados pelo julgador. Palavras-chave: Contrabando; Descaminho; Princípio da Insignificância. 1 INTRODUÇÃO O artigo 334 do Código Penal vigente aborda duas condutas que apesar de estarem no mesmo tipo, possui características peculiares. O contrabando apresenta-se como a entrada e saída de mercadorias do país de forma ilícita, enquanto o descaminho denota uma infração de natureza tributária que é a fraude quanto ao pagamento de tributos na importação e na exportação. Tais condutas ferem diretamente o prestígio da Administração Pública e o interesse econômico-social do país, e de forma secundária afetam a segurança pública, a tutela do produto nacional e a moralidade. No que diz respeito à punição de tais crimes, os Tribunais Brasileiros em reiteradas decisões tem aplicado o Princípio da Insignificância. Tal princípio foi introduzido no direito Penal moderno por Claus Roxin, apregoando que os danos de pouca importância não devem ser cuidados pelo Direito Penal. 2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E OS LIMITES PARA A TIPIFICAÇÃO PENAL Antes de expor os conceitos fundamentais de tal princípio é salutar uma pequena retomada histórica de suas origens. Não há entre a doutrina consenso sobre a origem histórica do princípio da insignificância. Para Fernando Capez (2009) este tem suas bases no Direito Romano, fundando-se no brocardo de mínimis non curat praetor. Entretanto, críticas a esta concepção acreditam que esta era apenas uma máxima genérica. Baseados no fato de que o direito romano reconhecia o chamado “qualitativo mínimo”, que era a ideia de racionalizar a atividade jurisdicional, esta corrente acredita que o interesse jurídico-penal do princípio da insignificância não surge nesse contexto. Para alguns autores, a primeira expressão de tal princípio se deu no século XX na Europa. Em um contexto de desequilíbrio social marcado por duas grandes guerras mundiais, a falta de alimentos e de recursos de mínima subsistência culminou uma série de pequenos furtos. Surge aqui a denominação de criminalidade de bagatela. Independente das divergências acerca de suas origens, é pacífico que o reconhecimento de tal princípio se deu em 1964 com Claus Roxin, como assim discorre Luiz Flávio Gomes: Se por um lado não se pode duvidar que é muito controvertida a origem histórica da teoria da insignificância, por outro, impõe-se sublimar que o pensamento penal vem (há tempos) insistindo em sua recuperação (pelo menos desde o século XIX). São numerosos os autores que desse esse período a invocam e pedem sua restauração: assim Carrara, Von Liszt, Quintialiano Saldaña ,Roxim, Baummann, Blaso e Fernandez de Moreda, Soler, Zaffaroni ,etc. Nas últimas décadas destaca-se o trabalho de Roxin surgido em 1964, que postulo o reconhecimento da insignificância como cauda de exclusão da tipicidade penal. (2010, p.54-55). O princípio da insignificância está consagrado em nossa Constituição Federal em seus artigos 1°, III, 3º, I, II e IV e 5º caput de forma implícita. A motivação de tal princípio consiste na necessidade de equilíbrio entre o delito e a pena. Este se correlaciona diretamente com outros princípios penais como a legalidade, a adequação social, a lesividade e a proporcionalidade. Nesse contexto explica Cezar Roberto Bitencourt: É necessária uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Frequentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Essas circunstâncias podem-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado [...] Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação a importância do bem jurídico atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida. (1997, p. 45-46) Nas palavras do mesmo autor não podemos considerar que toda vez que um bem jurídico for ofendido haverá o injusto típico, é necessário para a tipicidade penal a ofensa grave ao bem tutelado. Há necessidade de proporcionalidade entre a ação e a consequência que a intervenção estatal gera. Em nosso país a jurisprudência utiliza o princípio da insignificância para excluir a tipicidade dos delitos que são considerados de pouca relevância para o bem jurídico protegido. No crime de descaminho, que juntamente com o contrabando são temas centrais do presente artigo, o Supremo Tribunal Federal adota que o limite para aferição de relevância encontra-se instituído pela Lei n° 11.033/04. Ou seja, valores inferiores a RS 10.00,00 não devem ensejar ação penal. Devemos considerar que o cerne da questão não é a atipicidade em virtude do valor do tributo devido, até porque o montante de RS 10.000,00 não pode ser considerado irrisório frente à realidade nacional. A aplicação do principio da insignificância se da em face de um dos bens tutelados que é o erário. Não seria razoável movimentar a máquina estatal para cobrança de créditos que até na esfera cível são arquivados a espera de atingirem valor maior para que a Fazenda Nacional utilize os meio necessários à cobrança. Não se trata de agraciar quem comete tal delito nestas condições, mas sim direcionar a força do Estado para cobrança de valores mais significativos. Portanto, é prudente a análise do caráter fragmentário do Direito Penal onde sua atuação deve se dar na proteção dos bens mais importantes para a sociedade. Este é a ultima ratio. No entanto, críticas severas quanto à aplicação deste princípio surgem das mais diversas correntes doutrinárias. O critério patrimonial adotado é um dos pontos controversos, ao adotar tal critério há uma vinculação ao bem jurídico “administração pública”. Como será demonstrado a seguir, tais crimes são pluriofensivos ferindo outros valores fundamentais da sociedade como a proteção aos direitos autorais, direitos do consumidor, saúde, etc. A falta de punição para tal delito seria uma afronta aos outros princípios tutelados que sofrem lesão com tais praticas. Seria imperioso deixar de destacar que no crime de contrabando o posicionamento dos Tribunais não é equiparado ao descaminho. Os bens jurídicos protegidos no contrabando não se referem apenas ao fisco, mas a preservação de questões correlatadas a segurança, a saúde, etc., como assim demonstraremos no decorrer do presente artigo. O princípio da insignificância precisa de requisitos para sua aplicação. O primeiro é a mínima ofensividade da conduta, depois é necessário se observar a periculosidade social da ação, em seguida o grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e por fim a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Caso falte qualquer um destes requisitos não haverá aplicação do princípio, pois é preciso cautela para que este não seja um estímulo a condutas que atentam interesses da sociedade como um todo. Há no Direito Penal uma relação de interdependência entre os princípios norteadores. Os princípios da igualdade, proporcionalidade, liberdade e fragmentaridade são considerados basilares do Princípio da Insignificância. O princípio da igualdade correlaciona-se com o da insignificância em seu sentido material, uma vez que este evita que uma conduta com grau de lesividade pequeno seja tratado como algo de alto grau de lesividade, para que assim o autor da ação não receba uma pena mais gravosa que a reprovabilidade da sua conduta, ou seja, que os iguais sejam tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual. O princípio da proporcionalidade correlaciona-se com o da insignificância pela proibição de penas excessivas, de forma sucinta podemos dizer que o que for penalmente insignificante não pode ser alvo de pena, pois esta seria desproporcional. A fragmentaridade estabelece que nem sempre ilícitos cometidos ensejaram punições no âmbito penal, afinal este deve se ocupar com o que realmente for agressivo, portanto esta seleciona os bens jurídicos a serem protegidos pela tutela penal. O princípio da liberdade tem estreita relação com o da insignificância, afinal este deve ser observado para a aplicação de sansões, devendo este ser aplicado somente em último caso. 3 CONTRABANDO E DESCAMINHO: ASPECTOS HISTÓRICOS E DEFINIÇÃO Para Luiz Regis Prado (2004, p. 259), a palavra ‘contrabando’ tem origem latina contra e bandum definido como atravessamento dos limites territoriais com mercadorias sem o pagamento das devidas taxas estipuladas. O termo contrabando também é definido como originária da junção de duas palavras "contra o bando", sendo que "bando" na época do império era considerado norma jurídica, pois "bando" era mencionado pelos regulamentos de Capitanias como o que poderia ser importado e exportado, dessa forma “contra o bando” seria o mesmo que desobedecer ao bando, ou seja, ato contrário ao bando. (SALUSTIANO, 2010, p. 11). No Código Penal Brasileiro, embora contrabando e descaminho estejam tipificados no mesmo artigo, o mesmo os diferencia. Analisando o tipo penal, divide-se em dois momentos: a) importar ou exportar mercadoria proibida - contrabando; b) iludir (enganar, burlar), no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria - descaminho. O artigo 334, CP expresso no Título XI, capítulo II, são crimes praticados por particulares que ofendem a ordem econômica do país, onde se faz necessário a intervenção do Direito Penal, visando estabelecer sanções para determinadas condutas “uma vez que o Estado deixa de arrecadar os pagamentos dos impostos de importação, exportação ou consumo” no crime de descaminho, e “protege-se, também, a saúde, a moral, a ordem pública, quando os produtos forem de importação ou exportação proibida” (CAPEZ, 2012, p. 590), no crime de contrabando, tratando-se então de um crime pluriofensivo. No sentido jurídico, a expressão contrabando quer dizer importação ou exportação de mercadorias ou gêneros cuja entrada ou saída do País é proibida, enquanto o termo descaminho significa fraude no pagamento de impostos e taxas devidos para o mesmo fim (entrada ou saída de mercadorias ou gêneros). A diferença entre contrabando e descaminho reside em que no primeiro a mercadoria é proibida; no segundo, sua entrada ou saída é permitida, porém o sujeito frauda o pagamento do tributo. (NOSCHANG, 2006, p. 185). Por ser crime praticado por particular, este é classificado como crime comum, pois qualquer pessoa pode praticá-lo, aqui não é exigido nenhuma condição especial, podendo inclusive ser praticado por funcionário público. Referente a este último sujeito, o funcionário público que participar do crime, facilitando, responde pelo artigo 318, facilitação de contrabando ou descaminho, “se não infringe dever funcional específico é co-autor ou partícipe do contrabando ou descaminho” (JESUS, 2002, p. 238). Embora “não se trate de delito plurissubjetivo, muitas vezes o crime é praticado por um grupo, associado em quadrilha. Se tal se verificar, os coautores responderão em concurso pelos crimes de descaminho e de quadrilha ou bando (art. 288)” (COSTA JR., 1992 apud NOSCHANG, 2006). Quanto ao sujeito passivo, este polo é o Estado quem o ocupa. Também é classificado como crime formal, “pois é um crime que não exige para sua configuração resultado naturalístico consistente na produção de efetivo dano para a Administração Pública, nas modalidades importar e exportar” (SIVIERO, 2011, p.13). A consumação no crime de contrabando pode ocorrer em duas situações distintas: Na primeira, o sujeito ingressa ou sai do território nacional pelos caminhos normais, transpondo as barreiras da fiscalização alfandegária. Nessa hipótese, o crime se consuma no momento em que é ultrapassada a zona fiscal; no segundo caso, o sujeito que se serve de meios escusos para entrar e sair do País clandestinamente. A consumação ocorrerá no exato instante em que são transpostas as fronteiras do País. Tratando-se de importação feita por meio de navio ou avião, a consumação se dá no exato instante em que a mercadoria ingressa em território nacional, muito embora se exija o pouso da aeronave ou o atracamento da embarcação, uma vez que, se o sujeito estiver apenas em trânsito pelo País, não ocorrerá o delito em questão. (CAPEZ, 2012, p. 594). Já o descaminho, “é também com a liberação que se consuma o descaminho: a fraude ou o expediente surtiu efeito, iludiu as autoridades alfandegárias, entrando o destinatário na posse da coisa sem pagar os tributos ou direitos respectivos” (NORONHA, 2003, p. 342). Tanto na forma de exportação quanto na de importação, o crime se consuma quer o agente evite a barreira alfandegária, atravessando clandestinamente a linha de fronteira, quer o agente passe através das citadas barreiras, iludindo o pagamento dos encargos respectivos. Vale gizar, no entanto, que o descaminho, na modalidade de exportação, requer, para consumar-se, a ultrapassagem da linha da fronteira, quando termina, portanto, a zona fiscal; enquanto o agente não cruza a fronteira, achando-se dentro da zona fiscal, o delito permanece tentado; já no descaminho por importação, o delito consuma-se ainda nos limites da zona fiscal, não se cogitando de haver o agente ultrapassado a faixa de fronteira. (CARVALHO, 1988 apud GRECO, 2006, p. 573). Cabe ressaltar ainda que “admite-se, igualmente, a tentativa em ambos os delitos, vez que o iter criminis é fracionável” (NOSCHANG, 2006, p. 188). Seu elemento subjetivo é o dolo que consiste na vontade livre e consciente de importar ou exportar mercadoria proibida; ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria, “não havendo previsão para a modalidade de natureza culposa” (GRECO, 2006, p. 573). O agente deverá conhecer todos os elementos do tipo, visto que “o erro do agente que recai sobre o elemento do tipo, consistente na natureza proibida da mercadoria, exclui o dolo e, portanto, o tipo penal, incidindo o art. 20 do CP.” (CAPEZ, 2012, p. 593). Os núcleos importar e exportar mercadoria proibida pressupõem um comportamento comissivo por parte do agente. No que diz respeito à conduta de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria, poderá ela ser considerada comissiva ou omissiva própria, dependendo da forma como o delito de descaminho for praticado. (GRECO, 2006, p. 574). Podendo ainda ser cometido na forma omissiva imprópria, quando o agente como garantidor nada fizer para evitar. A pena do delito é de reclusão de um a quatro anos, sendo aplicada em dobro, se o crime for praticado por transporte aéreo (art. 344, §3º, CP). 4 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME DE CONTRABANDO E DESCAMINHO SEGUNDO ENTENDIMENTO DO STJ Cezar Roberto Bitencourt analisando o tipo penal do descaminho, em confronto com o princípio da insignificância, diz o seguinte: A simples introdução no território nacional de mercadorias estrangeira sem pagamento dos direitos alfandegários, independente de qualquer prática ardilosa visando iludir a fiscalização, tipifica o crime de descaminho. Tratando-se, entretanto, de mercadorias de valor de pouca expressão econômica, a infração não se caracteriza, ante o princípio da insignificância que afasta a tipicidade. (2004, p. 484). O princípio da insignificância penal tem por escopo “não cuidar de bagatelas, nem admitir tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico” (CAPEZ, 2012, p.597). Dessa forma, questões insignificantes não são tratados pelo Direito Penal, funcionando como excludente da tipicidade. Claramente, este princípio deve ser aplicado com cautela para não acabar servindo como um incentivo para a prática deste tipo de crime. Por essa razão, a jurisprudência brasileira, vem se posicionando razoavelmente frente a cada caso concreto, e para “não exacerbar o repúdio social a ponto de nela despertar o interesse em buscar a devida tutela jurisdicional penal, uma circunstância é levada em consideração: o valor mínimo exigido para que se proceda a uma execução fiscal” (NOSCHANG, 2006, p. 190). Neste diapasão, com a alteração da Lei n. 10.522/02, cuja nova redação foi dada pela Lei n. 11.033/04, o valor mínimo de débitos que a Fazenda Nacional se dispõe a executar, via judiciário, passou de R$ 2.500,00 para R$ 10.000,00. Esta lei tem sido usada como fundamento para pedidos do Ministério Público Federal e para decisões da Justiça Federal com vista ao arquivamento de processos cujo delito imputado é o descaminho (art. 334 do Código Penal), sob o argumento de que não se interessando a União em executar valores de até R$ 10.000,00, menos razão há para que seja deflagrada uma ação criminal sujeitando o suposto infrator à reprimenda penal. Em corolário disto, o valor fixado pela nova lei é tido como insignificante no âmbito do Direito Penal. (NOSCHANG, 2006, p. 168). Este princípio só irá incidir nesse delito, se de acordo com a análise do STF, cumulativamente, tais condições estiverem presentes: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ainda de acordo com este, “o princípio da insignificância não se aplica quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo” (HC 84.412, STF, Rel. Min. Celso de Mello, decisão publicada no DJU de 2/8/2004). Não obstante o baixo valor dos impostos devidos constituir condição necessária à aplicação do princípio, não se mostra, todavia, suficiente para tanto; não se deve olvidar que as condutas praticadas, na medida em que a ação ora em exame não se mostra isolada, mas constitui meio habitual para recomposição de estoques comerciais, mostram-se bastante reprováveis sob o ponto de vista de sua repercussão social, tornando inaceitável a complacência do Estado para com tal comportamento. (HC 44986/RS, 6.ª Turma, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ de 07/11/2005). Chega-se a notar então, que se a conduta for contrária a lei penal, mesmo que se trate de algo insignificante, se houver reprovabilidade, os Tribunais não aplicaram o princípio, perdendo assim a bagatela, e a conduta ser punida. Assim como a habitualidade, pois “nos delitos de descaminho, embora o pequeno valor do débito tributário seja condição necessária para permitir a aplicação do princípio da insignificância, o mesmo pode ser afastado se o agente se mostrar um criminoso habitual em delitos da espécie” (REsp 784.091/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 30/10/2006). Em contrapartida, no que toca o crime de contrabando, os Tribunais vêm julgando de maneira diferente. Como mostra o voto da Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz do Supremo Tribunal de Justiça, relatora do Habeas Corpus nº 258.624 - RR 2012/0233472-7): No contrabando, não há o que perquirir acerca do pagamento, ou não, de tributos, para avaliar se cabe ou não a aplicação do princípio da insignificância. Afinal, não há tributo a ser recolhido, relativamente à importação de mercadoria cuja importação é proibida, ao contrário do que ocorre no crime de descaminho. Aliás, ad argumentandum tantum, ainda que, neste caso, se cuidasse de descaminho, não seria caso de aplicação do princípio da insignificância, pela considerável quantidade de gasolina apreendida (360 litros), e a ausência de informação técnica da Receita Federal sobre eventuais tributos que seriam devidos, em decorrência da efetiva avaliação do produto, cuja importação constitui monopólio estatal. De qualquer forma – repito –, o princípio da insignificância não pode ser aplicado a casos tais, de vez que a objetividade jurídica do crime de contrabando não está calcada no interesse arrecadador do Fisco, mas no direito da Administração de controlar o ingresso e saída de produtos no território nacional, visando preservar questões correlatas à segurança, saúde, proteção de indústria nacional, dentre outras. Os Tribunais então, não aplicam tal princípio ao crime de contrabando, visto que esse não se trata de crime puramente fiscal. Dessa forma, ao contrário do que ocorre com o descaminho, “o bem juridicamente tutelado, no crime de contrabando, vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido. Trata-se de proteger o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional” (HABEAS CORPUS Nº 258.624 - RR 2012/0233472-7). A relatora (juíza federal convocada Maria Almada Lima de Ângelo) citou em seu voto precedentes jurisprudenciais do próprio TRF da 1.ª Região de que é inaplicável o princípio da insignificância como excludente de tipicidade no crime de contrabando, uma vez que o objeto jurídico tutelado não se resume ao interesse arrecadador do Fisco, mas sim na garantia do controle da entrada de determinadas mercadorias pela administração pública. (REVISTA JUS VIGILANTIBUS, 2012). Assim, “a atipia por insignificância da conduta daquele que pratica descaminho, sob o viés do quantum do tributo iludido (no máximo 10 mil reais), não encontra campo de aplicação analógica no crime do art. 334, primeira figura, do Código Penal” (AgRg no REsp 1.325.931/RR, 5.ª Turma, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 06/11/2012). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS É de conhecimento geral que a tutela do Direito Penal é sobre bens jurídicos essenciais a sociedade. É imprescindível que a haja afronta significativa ao bem jurídico para que este seja acionado, pois caso uma conduta insignificante seja punida há risco que seja gerado dano muito maior que a própria pratica. Portanto, o Direito Penal deve ser acionado em ultimo caso, assegurando a proporcionalidade entre a sanção e a conduta delitiva. O presente trabalho se propôs analisar as decisões jurisprudenciais quanto à aplicação do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Concluímos que tal princípio é comumente aplicado no crime de descaminho quando os impostos devidos não ultrapassarem o valor legalmente estabelecido. Salvo algumas exceções, as decisões atendem aos requisitos expostos neste artigo para aplicação do princípio. Quanto ao crime de contrabando a jurisprudência não se mostra pacifica, nestes casos são utilizados critérios mais subjetivos como a periculosidade da mercadoria. Observamos que nossos Tribunais preocupam-se com as quadrilhas especializadas nesses crimes não aplicando o princípio da insignificância quando o crime é recidivo, pois careceria de um de seus critérios de aplicação que é o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo. Portanto, é imprescindível que seja criteriosa aplicação do princípio da insignificância para evitar que a tolerância do Estado seja além do razoavelmente aceito em observância aos bens jurídicos protegidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.412. 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