O exame criminológico de classificação para individualização da execução[1] está previsto na Lei de Execução Penal com o intuito de analisar aspectos peculiares da personalidade do condenado com relação às necessidades e adequações do seu cumprimento de pena, analisando, entre outros fatores, a casa prisional pertinente ao seu caso, assim como, os companheiros de cela, entre outras coisas, como modo de atender ao princípio da individualização da pena na forma do artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal.

Desta feita, dispõe a LEP o seguinte:

Art. 5º - Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

Art. 6o - A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.

Art. 7º - A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e será integrada por fiscais do serviço social.

Outrossim, há a expressa determinação legal no art. 8º da LEP em definir a obrigatoriedade da realização do exame criminológico de classificação em condenados a penas privativas de liberdade em regime fechado, ao passo que, tal norma não é extensiva com relação à condenados do regime semiaberto, onde a sua realização é facultativa[2].

Contudo, o próprio diploma legal cria embaraços neste entendimento, pois, contrariando a LEP, o próprio Código Penal, em seu artigo 35, estabelece a obrigatoriedade da feitura do exame de classificação em condenados do regime semiaberto, entendimento defendido por grande parte da doutrina[3], sob alegação de que a norma expressa na LEP não contempla ao princípio da individualização da pena, criado restrições inconcebíveis à luz da força normativa deste princípio.

De outra banda, no condizente ao exame criminológico nos moldes do antigo art. 112 da LEP e o exame classificatório previsto na Lei de Execução Penal no seu artigo 5º, alguns doutrinadores defendem evidentes e pontuais diferenciações, senão vejamos:

Segundo NUCCI[4], o exame criminológico fundamentalmente analisa a parte específica dos fatores psicológicos e psiquiátricos do apenado, ao passo que, diferentemente do exame de classificação previsto nos artigos 5º e 6º da LEP, não se presta a uma análise ampla dos aspectos gerais do preso, tais como, a sua personalidade, seus antecedentes, sua vida social e familiar, assim como, a sua capacidade laboral entre outras coisas.

O EXAME CRIMINOLÓGICO

O exame crimiminológico é uma forma de perícia conduzida e realizada por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais integrantes do Sistema Prisional onde determinado condenado cumpre pena, cujo objetivo preponderante visa avaliar o comportamento e a personalidade do mesmo, como uma forma de averiguar diversos fatores subjetivos do preso, como por exemplo, a noção de arrependimento pela prática de determinado crime, a possibilidade ressocialização, entre outras coisas. Neste sentido[5], o estudo dos fatores particulares do reeducando são relacionados com a análise do crime em concreto.

A entrada em vigor da Lei 10.792/03 alterou o texto legal do art. 112 da LEP[6], extirpando o exame criminológico como requisito para fins da progressão de regime. A partir de então, o requisito subjetivo necessário para tanto passou a ser o bom comportamento carcerário, condição adstrita a critério do diretor do estabelecimento prisional onde o apenado cumpre pena, mediante expedição de atestado.

Nestes termos[7], rapidamente a alteração do art. 112 da LEP percebeu uma legislação penal muito mais benéfica com relação à progressão de regime, tornando o benefício menos subjetivo e distante da discricionariedade de juízes e peritos, vez que, o bom comportamento carcerário fundamentalmente encontra-se atrelado a ausência de falta grave por parte do preso, o que, aparentemente tornou, naquele momento, a progressão de regime menos subjetiva e mais técnica.

Contudo, em virtude de uma agressiva supressão do exame criminológico como requisito subjetivo para a progressão de regime, diversos juízes continuaram utilizando-o na prática forense, o que gerou a edição da súmula vinculante 26 pelo STF, que passou a admitir a possibilidade da exigência deste critério na hipótese de condenados por crimes hediondos, desde que, na presença de peculiaridades que indique a necessidade do seu uso. Por fim, o mesmo ocorreu na seara do STJ, que, mediante sumula 439[8] passou a admitir a utilização do exame criminológico, devendo prescindir de real necessidade e decisão motivada para tanto.

Neste sentido, dispõe súmula vinculante nº. 26:

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

Assim, pelo regramento geral não é exigido o exame criminológico como requisito para a progressão de regime, exceto quando as peculiaridades do caso em concreto indicarem a sua real necessidade, a qual, deverá ser previamente justificada pelo juiz competente mediante motivação idônea.

Segundo MARCÃO[9], com a nova redação trazida pela Lei 10.791/03, tal dispositivo passou a não trazer mais a exigência de exame criminológico para a progressão de um condenado, mas a jurisprudência do STJ admite, de modo excepcional, a realização de tal exame, em razão de particularidades de cada caso, desde que por ordem judicial fundamentada.

Neste sentido, a jurisprudência do TJ/RS é clara sobre a realização do exame criminológico, nestes termos:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ADMISSÍVEL É A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO OU PSICOLÓGICO QUE SE AFIGURE NECESSÁRIO PARA A AVERIGUAÇÃO DO PREENCHIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO À PROGRESSÃO DE REGIME. A nova redação dada ao art. 112 da Lei de Execução Penal pela Lei nº 10.792/03, ao afastar dos requisitos legais a necessidade de exame criminológico para a análise dos pedidos de progressão de regime, não vedou a possibilidade de o julgador utilizar outros meios de prova para balizar seu convencimento, conforme precedentes desta Corte e do STJ. PROGRESSÃO DO REGIME FECHADO PARA O SEMIABERTO QUE SE MOSTRA INVIÁVEL NESTE MOMENTO. Evidenciado, à luz de seu histórico carcerário, que o apenado ainda não apresenta condições de ser reinserido em convívio social mais amplo, é imperativa a manutenção da decisão indeferitória do pedido de progressão para o regime semiaberto. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. POR MAIORIA. (Agravo Nº 70058903196, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 05/06/2014)

Finalmente, segundo TRISTÃO[10], o incremento da lei 10.792/2003 passou a focar efetivamente a individualização da pena como modo de atenuar as dimensões do cárcere, buscando combater a manutenção de prisões aquém da legalidade, sobretudo baseadas em preceitos subjetivos e sem o devido amparo legal. Outrossim, na prática cotidiana os objetivos da legislação não obtiveram tal êxito, vez que, o Poder Judiciário passou a utilizar subterfúgios para a manutenção da mesma sistemática anterior, situação amparada pela manutenção do exame criminológico sob a premissa de que “a retirada da sua obrigatoriedade não vedou a sua utilização”.



[1] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 229.

[2] 3 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 229.

[3] BITENCOURT, Cesar Roberto; PRADO, Luiz Regis. Código penal anotado e legislação complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 260.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1013..

[5] BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 66.

[6] Prescrevia o parágrafo único do art. 112 da LEP: “A decisão será precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário”.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1013 – 1014.

[8] Súmula 439: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

[9] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. Editora Saraiva, 7ª Edição, 2009, p. 126.

[10] TRISTÃO, Rafael Barcelos. Exame Criminológico. Movimento "DIREITO PARA QUEM?”. Disponível em: <http://direitopraquem.blogspot.com.br/2012/03/exame-criminologico.html>. Acesso em: 01.06.2014.