1. Introdução O presente estudo busca fazer uma análise pormenorizada dos valores propostos pelo jurista argentino José Roberto Dromi, em sua teoria do "Constitucionalismo do por vir", explicitando suas acepções, bem como avaliando as circunstâncias em que se encontram dentro da atual conjuntura político-jurídica do ordenamento brasileiro. Inicialmente, busca-se conceituar, ainda que sintaticamente, o constitucionalismo, percorrendo sua evolução histórica, desde épocas remotas até os dias atuais, com o Neoconstitucionalismo. Após essa contextualização, discorre-se sobre o que se propõe a ser o "Constitucionalismo do por vir", analisando cada um dos seus valores pertinentes, a saber: verdade, solidariedade, continuidade, participação, integração e universalidade. Após toda a explanação alvitrada, conclui-se com um posicionamento crítico, ainda que não inovador, acerca da temática. 2. Constitucionalismo Antes de qualquer consideração sobre o tema proposto é necessário, para uma melhor compreensão sistemática do estudo, abordar-se, ainda que sucintamente, a noção de Constitucionalismo, bem como um breve percurso em sua evolução histórica sem, no entanto, aprofundar-se em uma seara tão instigante e vasta como essa. Entende-se o constitucionalismo, em um conciso raciocínio, como sendo um movimento ideológico que teve como escopo fundamental a limitação do poder arbitrário do Estado, a fim de se tutelar juridicamente as liberdades dos cidadãos, seus direitos fundamentais. Apesar de ser um termo novo, a ideia de constitucionalismo é bastante remota, tendo, segundo Karl Loewenstein1, seu embrião ainda na antiguidade hebraica, com a figura dos profetas, que, fundados em um Estado teocrático, fiscalizavam os atos governamentais baseando-se nos limites impostos pela bíblia. Para o renomado constitucionalista Lâmmego Bulos, o constitucionalismo teve quatro perspectivas distintas, a saber: a jurídica, na medida em que regulamentou o exercício do poder através da Lei Maior do Estado, a que todos os atos governamentais deveriam estar subordinados; a sociológica, estabelecida através de um movimento social de luta contra o poder arbitrário do Estado; a política, que, pela tutela dos direitos e garantias fundamentais, insurgiu-se contra a opressão e o livre arbítrio estatal; e por fim, a ideológica, exprimindo uma ideologia liberalista, baseada em um governo das leis, abrangendo neste quadro não apenas a limitação do poder estatal e a tutela dos direitos e garantias fundamentais, como também aspectos econômicos, sociais e políticos, entre outros. 2.1 Evolução histórica do Constitucionalismo Como já supramencionado, a origem do constitucionalismo remonta à Idade Antiga, com o povo hebreu. E mesmo antes, na era primitiva do politeísmo e dos ordálios2, houve traços de um direito público e supremo, a que os grupos sociais dos povos sem escritas encontravam-se subordinados. Há de se mencionar ainda na Idade Antiga, a prática política grega da democracia direta, onde os cidadãos exerciam o poder político, participando das tomadas de decisão através do seu voto direto. Enfim, essa experiência grega pode de fato ser considerada um exemplo de democracia constitucional. Erroneamente, há quem pense que durante a Idade Média a ideia do constitucionalismo ora incipiente havia se perdido na prática do feudalismo e da sua rígida sociedade estamental. Mas, foi durante esse período que surgiram as primeiras concepções do direito natural, alçando-o à condição de direito superior por excelência, ao qual deveriam se subordinar os soberanos. E foi graças a essa percepção jusnaturalista, além de outros motivos que aqui não cabe ater-se, que surgiu na Inglaterra a Magna Carta de 1215, documento escrito que estabelecia a proteção a direitos fundamentais, ainda que de certo modo apenas formalmente, mas que é considerada "o grande marco do constitucionalismo medieval3". Diversos documentos, durante a Idade Moderna, deram continuidade à proteção a direitos individuais, apenas para citar alguns deles, o Petition of Rights, de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679, entre outros. O que caracterizou esse período, além dos pactos, foram os Forais ou Cartas de Franquia, expedidos também para a tutela de direitos individuais, mas que tratavam de direitos de certos homens, não tendo assim universalidade. Foi no final desse período histórico que certos valores fundamentais passaram paulatinamente a serem adotados por alguns Estados, surgindo na forma de declarações de direitos e garantias fundamentais, nascendo aí um constitucionalismo moderno, marcado pelas constituições escritas, destacadas como sendo documentos formais, escritos e rígidos de garantia contra as arbitrariedades do Estado, bem como da liberdade do indivíduo. Nesse cenário, duas constituições tomaram posição de evidência, a Constituição dos Estados Unidos de 1787 e a Constituição Francesa de 1791, esta última tendo como preâmbulo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 17894. Faz-se importante frisar aqui, que o constitucionalismo moderno nesse primeiro momento foi marcado pelo liberalismo exacerbado, buscando até um absoluto absenteísmo estatal, e pela valorização do indivíduo e da propriedade privada, caracterizando-se aí o que a doutrina moderna chama de direitos de primeira dimensão, ou seja, direitos civis e políticos que traduzem o valor da liberdade. Ainda dentro de um constitucionalismo moderno, já no século XX, os contornos históricos e políticos da época autorizaram um chamamento do Estado para conter abusos do poder econômico, dando-se assim ênfase ao caráter social da constituição. Em decorrência disso, pode-se afirmar que surgiram assim os direitos de segunda dimensão, direitos sociais, econômicos e culturais exprimindo o valor da igualdade. Já no final do século XX, surge o constitucionalismo contemporâneo, marcado por textos constitucionais amplos, uma forte cultura do constitucionalismo exacerbado, ou totalitarismo constitucional, conforme preleciona Lâmmego Bulos, decorrendo assim a ideia de que as constituições deveriam prever, abarcar, e posteriormente se tentaria cumprir o que nela está consubstanciado. È nesse sentido que surgem robustamente as normas programáticas, podendo ser entendidas como sendo aquelas normas vagas que indicam as metas a serem perseguidas pelo Estado, na busca pela concretização de seus objetivos fundamentais, marcantes em uma constituição dirigente, como a Constituição Brasileira de 1988. Decorrendo da própria evolução natural da sociedade, surgem os direitos de terceira dimensão, aqueles expressos pelo valor de solidariedade e fraternidade. Passa-se assim a haver uma maior preocupação com a coletividade, bem como valores fraternos, representados pelos direitos difusos em geral, já asseverados pela nossa Constituição vigente. Ainda dentro dessa nova perspectiva moderna, é sabido que batem à porta do Judiciário novos conflitos, relacionados com temas como manipulação genética, softwares, eutanásia, enfim questões surgidas com a evolução da humanidade, que marcam os direitos de quarta dimensão, e sobre os quais surgem defesas no sentido de que esses também devam integrar o texto constitucional. De certo modo, pode-se afirmar que, de modo geral, existem duas acepções claras nesse constitucionalismo contemporâneo, sendo a primeira delas a de que nele os direitos fundamentais do indivíduo vêm retratando uma busca, um clamor, por uma sociedade mais justa, humana e fraterna, e a segunda, e sobre a qual ainda aqui não se tratou, de que os textos constitucionais buscam consagrar mecanismos de autodefesa, bem como de tutela às liberdades públicas. Inserem-se nesse contexto, os mecanismos de controle de constitucionalidade, bem como os remédios constitucionais. 2.2 Neoconstitucionalismo Hodiernamente, pode-se falar em um neoconstitucionalismo, também chamado constitucionalismo pós-moderno, ou ainda pós-positivismo, cuja ideia preponderante é a eficácia do texto constitucional, principalmente no que tange à concretização dos direitos fundamentais. Destacam-se nesse contexto, alguns pontos: a Constituição passa a ser definitivamente o centro do sistema, onde todo o ordenamento jurídico deve estar em consonância com ela, aumentando cada vez mais assim o papel do Supremo Tribunal Federal; o predomínio de valores éticos constitucionais, salientando aqui a dignidade da pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do Brasil pela Constituição de 1988, e de tal proporção que toda norma deve-se interpretar sob a sua ótica, em outras palavras, o ordenamento jurídico deve se submeter a ele; como já sobredito, a busca da eficácia da Constituição, através da plena concretização de seus valores expressos; a garantia de condições dignas mínimas de sobrevivência, ressaltando aqui uma aproximação da figura do ser humano com valores substantivos como a ética, a justiça, a moral, entre outros; e decorrente desse último, a extrema valorização dos direitos fundamentais do homem, traduzida em uma busca incessante pela sua concretização efetiva, em que mesmo nos casos de conflito entre eles onde um sobressaia-se a outro, deve-se buscar uma ponderação entre ambos, lhes restringido o mínimo possível. Pode-se afirmar, por grande maioria da doutrina inclusive, que o Brasil vive atualmente um neoconstitucionalismo. A nossa Constituição vigente assume funções primordiais, de caráter estruturante, político, limitador, funcionalístico, garantístico, enfim, uma gama de funções que a eleva ao topo do ordenamento jurídico, grandiosa e imponente como se deseja que ela seja, mas ainda refletindo problemas de efetividade e concretização que urgem serem resolvidos. É diante de toda essa perspectiva que a tese do "constitucionalismo do por vir", do jurista e doutrinador argentino José Roberto Dromi5, colabora com a construção de uma nova linha diretiva constitucional, trazendo a perspectiva de um novo estilo constitucional, imbuído de valores essenciais a essa ideia, alinhada com todas essas expectativas, e sobre a qual se passa a tecer algumas considerações. 3. A Constituição do por vir Em sua tese, Dromi busca fundamentar o seu constitucionalismo do por vir na evolução humana, na perspectiva da chegada de dias melhores, idealizando assim, um futuro melhor para a humanidade, ainda que este não seja tão próximo assim. Indubitavelmente, esse constitucionalismo que se espera é embasado nas circunstâncias pós-modernas e atualíssimas, devendo consubstanciar e consolidar amplamente, no texto constitucional, os modernos direitos de terceira e quarta dimensão aqui citados. Deve ainda avançar no sentido de se construir um constitucionalismo não apenas social como também solidário e fraterno, calcado na própria evolução da humanidade. Deve buscar tutelar os chamados bens da vida, e não apenas os interesses individuais, como se remontam todas as constituições, desde a origem do constitucionalismo como se entende no presente. Enfim, visto sob esse prisma, o constitucionalismo do por vir deve alicerçar cada vez mais o princípio da segurança jurídica, primordial para a certeza do direito e da justiça, além de ser, de fato, uma idealização constitucional, sendo esta traduzida em um instrumento de transformação social a fim de se alcançar um porvindouro superior a todo o passado da humanidade. Dromi, em seu prenúncio do futuro, e aqui se pode dizer, haja vista estar ele extraindo de acontecimentos hodiernos, uma tendência futura, conforme lição de Norberto Bobbio6, traz seis preceitos éticos de maior relevância para toda essa concretização idealizada, a saber: a veracidade, a solidariedade, a continuidade, a participatividade, a integracionalidade e a universalidade. Por certo esses valores, apesar de já estarem presentes, ainda que apenas em alguns traços, devem se concretizar a longo prazo, com mudanças contínuas e lentas, que delinearão paulatinamente os contornos dessa nova concepção constitucional. E é exatamente à análise pormenorizada de cada um desses preceitos éticos que o presente estudo se propõe, buscando além de uma conceituação, a análise de como vem se posicionando o sistema jurídico brasileiro acerca deles e o que ainda se espera por vir. 4. Verdade Uma verdade efetiva. É isso que o texto constitucional deve expressar. Mas o que se pode considerar verdade? É na própria semântica que se encontra o sentido que se quer dar para o preceito ético do constitucionalismo do por vir, a saber: verdade, no Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa7, quer dizer aquilo que está em conformidade com o real. Para Dromi, as Constituições devem abandonar suas normas pragmáticas, que prometem situações inalcançáveis, optando por normas possíveis, eficazes e efetivas. Enfim, as Constituições não podem mais conter promessas inatingíveis, só podendo consubstanciar o que for plausivelmente alcançável, e o que nelas se consolida deve refletir a verdade, pois o conteúdo de seus preceitos não mais podem ser vagos e indeterminados. Ademais, necessário se faz dotar essas Constituições de eficácia social na íntegra e não apenas em algumas das suas normas, explica-se: a Constituição precisa ter a potencialidade necessária para ser inteiramente aplicada a casos concretos. Manifestado nesse valor, tem-se um texto constitucional transparente, na medida em que se reflete fielmente o que nele se transcreve para o que realmente se faz, ético, adequado, conveniente e razoável. Há de se registrar aqui que a nossa Constituição Federal de 1988 adveio de uma época onde a esperança pulsava no povo brasileiro e a participação popular durante a Assembleia Nacional Constituinte foi intensa. Em outras palavras, o povo recém saído da época escabrosa do regime militar, influenciou diretamente o poder constituinte originário, ansiando por dias melhores, e no intuito de se estabelecer um verdadeiro Estado Democrático. Inegável que essa "Constituição Cidadã", de certo modo, é temperada com ideias utópicas, e que não lhe faltam normas programáticas, sem efetividade e sem correspondência com a realidade social, estando muitas vezes revestidas de mera expectativa. Exemplo clássico de norma programática da nossa Constituição de 88 é o art. 7º, IV8, que institui o salário mínimo a fim de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador, que nem de longe é dotada de efetividade. Uma promessa inalcançável, principalmente na atual conjuntura do país, inclusive dispensando-se aqui maiores comentários por adentrar em searas não alcançadas pelo objetivo desse estudo, por exemplo, economia ou políticas públicas. Enfim, não é de promessas ou expectativas que a sociedade urge. Sua necessidade é de normas dotadas de potencialidade, de efetividade, capazes de tornar certo o que lhe é prometido, consubstanciado na Lei Maior do Estado. E aqui, dentro dessa perspectiva, não se poderia deixar de citar uma busca pela constituição normativa de Karl Loewenstein, totalmente adaptada e integrada à realidade social, onde o processo político do Estado estaria subjugado à sua ordem jurídica, com total respeito à sua Lei Maior. Assim, o próprio texto constitucional já conteria verdadeiros direcionamentos para a solução de problemas concretos. 5. Solidariedade A solidariedade apregoada por Dromi não é tão somente aquele vínculo que une os indivíduos reciprocamente. É muito mais que isso. É uma solidariedade de caráter superior, que traz para as Constituições vindouras uma outra concepção da palavra. Para Dromi, os próximos textos constitucionais trarão uma nova ideia de solidariedade, intimamente ligada à igualdade, e calcada na solidariedade dos povos, dignidade da pessoa humana, e por fim a justiça social. Na contextualização desse valor, encontra-se a categoria dos direitos fundamentais de terceira dimensão, consagrando o postulado da solidariedade, o qual se pode considerar que constitui não apenas as garantias individuais do cidadão em sua singularidade, mas principalmente, a materialização das garantias de titularidade coletiva, a saber, direitos ligados à noção de fraternidade. Atuais, esses direitos surgiram no século XX, o que explica a sua ausência em movimentos constitucionalistas anteriores. Essa dimensão é dotada de alto poder de humanização e solidariedade universal. Dimensão ainda não tão bem definida, mas que abriga uma gama de direitos difusos e coletivos. A preocupação com o coletivo em detrimento do individual passa a ser cada vez mais frequente nos textos constitucionais, além de uma forte tendência humanista. Como temáticas pertinentes a essa dimensão pode-se citar aquelas que refletem sobre o desenvolvimento, a paz, o patrimônio histórico mundial, entre outros. Na Constituição Brasileira de 1988 esses direitos estão refletidos em vários de seus dispositivos, a título de exemplificação pode-se citar o art. 215, §3º, I, que dispõe sobre o patrimônio cultural brasileiro, bem como o art. 225, caput, que trata do direito ao meio ambiente. Enfim, a solidariedade dos povos, traduzida no preceito ético da fraternidade, está cada dia mais presente, ainda que buscando efetividade, nas Constituições dos Estados soberanos. Quanto à dignidade da pessoa humana, alçada a fundamento da República Federativa do Brasil pelo art.1º, III, da CF88, à luz de que todas as normas do ordenamento jurídico devam ser interpretadas, pode-se dizer que os órgãos jurisdicionais vêm incessantemente buscando cumpri-lo à risca, a exemplo disso registra-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, bastante atuante na temática. Enfim, o fato é que atualmente o princípio da dignidade da pessoa humana é assente na jurisprudência do STF, tendendo a concretizar-se sempre mais. Adentrando na seara da justiça social, e abstendo-se aqui de conceituá-la, em virtude da sua difícil conceituação, haja vista sua ampla acepção, busca-se aqui entendê-la dentro do cerne da solidariedade, traduzida fraternalmente. Assim sendo, toma-se um sentido amplo, entendido como sendo uma igualdade de oportunidades e condições aos cidadãos, ou seja, a busca pelo bem comum da sociedade, incluindo uma procura pela igualdade substancial das minorias e, de fato, esse princípio de solidariedade fraterna vem aparecendo frequentemente nos julgados do STF9. Indubitavelmente, a Constituição de 1988 busca essa justiça social dentro de seus dispositivos. Porém, mais uma vez o que se sobressai é a falta de efetividade do texto constitucional que apesar de garantir expressivamente condições de desenvolvimento dessa justiça social, não passa de meras palavras escritas, ainda que essa ausência de efetividade decorra de políticas públicas mal elaboradas, mal estruturadas ou ainda sequer executadas. 6. Continuidade A ideia de continuidade traduz-se na necessidade das constituições terem prosseguimento sem a perda da sua identidade. Assim, o poder constituinte originário, apesar de romper por completo com a ordem jurídica antecedente, estabelecendo um novo Estado, deve respeitar padrões, valores, direitos e garantias já arraigados pela constituição anterior, por estes já fazerem parte da consciência jurídica do povo. Entra-se aí em uma questão dentro da seara do direito intertemporal constitucional, de relevante importância social, na medida em que confere segurança jurídica aos cidadãos em pontos pertinentes ao que já foi conquistado, tutelando-os inclusive contra o abuso de poder por parte dos titulares do poder constituinte originário. Ora, deve-se atentar que, partindo de uma evolução lógica do direito, vê-se que direitos já alcançados não desaparecem com o advento de novos direitos. O que ocorre é a necessidade de aqueles se redefinirem, se reorganizarem, se amoldarem aos recém surgidos, tomando novas proporções, enfim, expandindo-se. Destarte, conclui-se que não é razoável esperar que uma nova constituição traga uma regressão neste sentido. Assim sendo a Constituição brasileira de 1988, que trouxe em seu cerne um rol de valores supremos e ainda por ser advinda de período posterior a um regime de exceção instaurado pela ditadura militar, não poderia ser regressiva. Ao contrário, conhecida como Constituição cidadã, restabeleceu direitos e garantias suspensos ou vulnerados pela Constituição de 1967 e sua malfadada emenda n.º 01, de 1969. Para exemplificar, cita-se o preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdição, que adquiriu esse status com a Constituição de 1946, e foi limitado pelo art. 11, do Ato Institucional n.º 5, incorporado à Constituição de 1967, segundo o qual: "excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos." Como bem se sabe a Constituição de 1988 o trouxe de volta, dentro de seu título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais"10. Sob a ótica das reformas constitucionais, advindas do poder constituinte derivado reformador, cabe ressaltar que novas alterações no texto constitucional, ainda que estejam atreladas e subordinadas ao poder constituinte originário, devem ocorrer com ponderação e equilíbrio, dando continuidade ao que foi originalmente traçado, buscando-se tão somente adaptar a Constituição às exigências da evolução natural da sociedade. 7. Participação Para Lenza, a participação apregoada por Dromi refere-se à participação efetiva de "corpos intermediários da sociedade, consagrando a ideia de democracia participativa e de Estado Democrático de Direito11", que antes de se adentrar na explanação propriamente dita acerca desse valor, buscar-se-á tecer breves comentários sobre ambos. Como democracia participativa, entende-se um sistema híbrido, onde o poder é desempenhado pelo povo de maneira indireta, por intermédio dos representantes, mas também o realiza diretamente, através de canais de participação como o sufrágio universal, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Já o Estado Democrático de Direito, para Alexandre de Moraes, exprime a exigência fundamental da participação de todos os cidadãos na vida política do país, a fim de se garantir o amplo respeito à soberania popular. Enfim, é nessa ideia de participação concreta dos cidadãos na vida política do Estado que Dromi resguarda mais esse valor nas constituições porvindouras. Por certo, o que se busca por ele é a cidadania em sentido pleno, não apenas ligada aos direitos políticos, uma visão reduzida onde ser cidadão é ter direito de votar e ser votado, mas abrangendo também a noção de cidadão partícipe, que luta incansavelmente pelos seus direitos, e constrói a sua definição dia a dia, com valores que transcendem a política, se reportando a solidariedade, a ética, a fraternidade, aos direitos humanos, entre outros tão sublimes. Enfim, os cidadãos participam da construção de uma Constituição, não apenas quando escolhem seus representantes em uma Assembleia Nacional Constituinte, mas diariamente e em casos concretos, quando encontram mecanismos ainda que sejam apenas deliberativos, de colocar em prática os seus dispositivos. Ora, se o poder constituinte originário, em uma Constituição promulgada como a nossa de 1988, representa o anseio popular no momento da elaboração de uma nova Constituição, é razoável que esse soberano, leia-se aqui o povo brasileiro, possa de algum modo participar da sua aplicação. Dentro desse contexto, e ainda considerando lição de Peter Häberle, segundo o qual a norma jurídica só existe quando interpretada, vê-se o quanto a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, por ele defendida, assume um papel relevante. Para Häberle, a interpretação constitucional deve ser pluralista e democrática, não pode ficar restrita ao Estado, devendo ser aberta para todos aqueles que vivenciam a norma, a saber: cidadãos e grupos, sistema público, opinião pública, etc. Neste sentido, podem-se citar as figuras do amicus curiae12 e das audiências públicas, sendo esta novíssima como mecanismo auxiliar de interpretação constitucional aqui no Brasil. A título de ilustração, a primeira audiência pública utilizada pelo STF ocorreu em abril de 2007, em processo jurisdicional de controle concentrado de constitucionalidade, que versava sobre a utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias13. Atenta-se ainda que essa ideia de participação, no sentido dado por Dromi, ainda é incipiente, que há de ser trabalhada, inclusive buscando-se novas formas de aperfeiçoar e ampliar essa participação popular tanto na interpretação constitucional, como política ou juridicamente, através de seus dispositivos. 8. Integração Uma integração entre os povos, entre os planos internos e externos dos Estados soberanos. É essa a ideia refletida por Dromi no contexto desse valor. Dentro dessa acepção, Dromi não abarca tão somente uma integração econômica, política ou ainda social, como se vê na experiência da União Europeia, por exemplo. O que se almeja é algo ainda mais amplo. Uma integração ética, moral, espiritual e institucional, tendo em vista uma finalidade maior de desenvolvimento de funções comuns entre os Estados. Nessa perspectiva, espera-se a previsão, dentro dos dispositivos constitucionais, de órgãos supranacionais, em que se lhes delegariam poderes através de Tratados gerais internacionais integrativos. E é justamente nesse ponto que o direito internacional contemporâneo assume um papel de destaque nessa integralização, quando regula e legitima esses tratados entre Estados, com metas comuns a serem alcançadas. Não se pode aqui deixar de citar o Mercado Comum do Sul ? MERCOSUL, organismo supranacional de integração regional, iniciado em 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção, pelos governos de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e de certo modo legitimado pela Constituição de 1988, em seu artigo 4º, parágrafo único, in verbis: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações." Ressalta-se, porém, que a ideia prevista pela constituição é de uma integração econômica, política, social e cultural, estando ainda longe do proposto por Dromi. Vale salientar que uma integração de Estados soberanos deve ser vista, neste sentido, como condição fundamental para acelerar o desenvolvimento das Nações envolvidas não apenas nos planos econômicos, políticos, sociais e culturais, como também mais intensamente, em questões éticas e morais. Enfim, espera-se que essa integração priorize o bem comum dos povos envolvidos, surgindo assim inclusive uma forte identidade supranacional. De certo modo, essa integração dos povos vem umbilicalmente ligada à universalização, da qual se trata a seguir, na medida em que proporciona uma corrente única de respeito e obediência absoluta aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, atualmente primados universais do direito contemporâneo. 9. Universalização Universalização dos direitos fundamentais internacionais consagrados nas constituições que virão. De fato, Dromi defende que as Constituições porvindouras devem garantir uma universalização dos direitos fundamentais internacionais14, ao expressá-los em seus textos, consagrando a dignidade da pessoa humana e o banimento de todas as formas de desumanização. Importante aqui destacar que essa questão toma proporções universais na medida em que se refere à humanidade como um todo, não sendo mera questão interna estatal. Por certo, deve imperar nos textos constitucionais, como já assim vem sendo, pelo menos em se tratando da Constituição brasileira, o preceito da dignidade da pessoa humana, princípio de difícil conceituação, porém de imensurável magnitude. Conforme já mencionado, no Brasil esse princípio assume uma posição de destaque em nossa Constituição vigente, sendo assim concebido como um fundamento da República. Incontroversa é a contribuição da Organização das Nações Unidas15, que serviu de inspiração a constituições dos mais variados Estados soberanos, a partir da sua Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração, um dos documentos básicos da ONU, foi assinada em 1948, em um frágil período de pós-guerra, e resguarda os direitos que todo o ser humano possui. Enfim, é fato notório que os direitos fundamentais do homem atualmente vêm sendo resguardados por constituições modernas de vários países, entre elas pode-se aqui citar a Costituzione della Repubblica Italiana de 1948, a Constituição da República Portuguesa de 1976, a Constitución Española de 1978, a Constituição Brasileira de 1988, entre outras. Por fim, torna-se imprescindível se fazer aqui uma alusão ao que preleciona Norberto Bobbio, quando defende que a enorme importância do tema dos direitos fundamentais do homem depende do fato de ele estar extremamente ligado aos dois problemas fundamentais do nosso tempo: a democracia e a paz. 11. Considerações finais Após toda essa explanação, conclui-se que os valores propostos por Dromi, os quais espera estarem comprometidos nas Constituições futuras, de certo modo e ainda que em forma embrionária, já vem sendo encontrado em constituições modernas. Salienta-se aqui que no presente estudo buscou-se uma análise mais pormenorizada dentro do ordenamento brasileiro, tão somente em razão da amplitude do tema. Nesse contexto interno, e sem adentrar em comparações com outras constituições contemporâneas, pode-se perceber que a Constituição Brasileira, de forma geral ainda deixa a desejar, mas já deu largos passos na concretização desses valores. De fato, é animador ver que essa perspectiva alvitrada por Dromi, tão otimista de um porvindouro melhor para toda a humanidade, já venha arraigada em nossa Constituição vigente. Agora, necessário se faz um envolvimento comum de toda a sociedade com os poderes tripartites na busca pela efetiva concretização desses valores de acordo com as acepções aqui expostas. Indubitavelmente, a plenitude dessa Constituição aqui idealizada, com toda a nobreza e magnitude de valores morais e éticos, tem muito o que contribuir na construção de uma sociedade mais justa, humana, igualitária, sublime, e por que não dizer quase perfeita? Enfim uma sociedade até surreal, mas que sirva de paradigma para sonhos, aspirações de um mundo. E é nesta concepção que se acredita na Constituição de um Estado como sendo o seu grande norte na busca pela sociedade ideal. Referências bibliográficas BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Norberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. ? Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. ? 7ª reimpressão. BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. LEITE, George Salomão. Constitucionalismo e Jurisdição Constitucional. Disponível em: . Acesso em 17 de abril de 2010. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª edição rev. ampl. e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. PRADO, Rodrigo Murad do. O amicus curiae no Direito Processual brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 676, 12 maio 2005. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2010. Sítios consultados: http://www.mercosul.gov.br