Vale dizer, de início, que a parte sucumbente no processo, quando devolve ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada, nem sempre, por desconhecimento ou desinteresse, aponta vícios de ordem processual que devem ser combatidos a fim de que o processo tenha um desenvolvimento válido.

Tais questões, de índole processual, e que, se presentes, maculam a própria existência válida da jurisdição, são as chamadas questões de ordem publica, as quais devem ser conhecidas em qualquer tempo e grau de jurisdição, e, portanto, de ofício pelo Juiz, consoante autorizam os artigos 267, parágrafo 3º. e 301, parágrafo 4º., ambos do CPC.

É justamente nessa seara que deverá atuar o magistrado, seja de 1º. ou 2º. grau, quando devolvida a matéria à sua apreciação, a fim de que verifique se foram atendidas as exigências de ordem processual como condições de existência da própria jurisdição, independentemente se a matéria foi argüida por qualquer das partes em suas razões ou contrarrazões recursais, bastando, para tanto, que tenha havido a devolução de qualquer matéria ao órgão revisor, segundo o disposto nos artigos 515, p. 1º. e 2º. e 516, ambos do CPC.

Essa é a lição do Mestre Nelson Nery Junior, para quem:

"Há casos, entretanto, em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento extra, ultra ou infra petita. Isto ocorre normalmente com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas pelo juiz e a cujo respeito não se opera a preclusão".[1]

Vale ressaltar que o efeito translativo é efeito autônomo dos recursos que não excepciona o efeito devolutivo e o princípio dispositivo[2], apenas resguarda da vontade das partes a apreciação de certas matérias de ordem processual consideradas fundamentais e que devem ser tratadas de modo uniforme, justamente em virtude de suas relevâncias.

E por que o efeito translativo seria útil? Primeiro porque atende às necessidades de um processo isento de vícios, regular e justo, direito fundamental do cidadão à jurisdição e ao devido processo legal com todas as suas garantias e exigências na forma como estabelece nossa Constituição da República em seu artigo 5º., LIV.[3]

Em segundo lugar, e talvez resida aí sua maior utilidade prática, quando se percebe que a possibilidade de reconhecer vícios processuais como aqueles estampados nos incisos do artigo 301 do CPC (excetuando-se o inciso XI) podem evitar (como nos casos dos incisos II e VI) o ajuizamento de futura ação rescisória (artigo 485, incisos II e IV, do CPC).

Nessa toada, se a matéria de ordem pública é levada ao órgão revisor em decorrência da manifestação recursal, nada mais prático do que reconhecer o vício e impedir que um processo eventualmente fadado a não produzir efeitos percorra, ainda, um longo caminho até que esse vício possa ser, se for o caso, argüido em sede rescisória, ou mesmo através de ação autônoma de nulidade, preservando-se, assim, a celeridade e economia processuais, corolários do devido processo legal.

E mesmo que não seja argüido, que se evitem, futuramente, discussões acerca de eventual desconstituição da coisa julgada, ou mesmo, e como já dito, para que se preserve a jurisdição límpida, isenta de vícios, controle esse que deve ser exercido pelo juiz.

Nada impede, assim, que temas tão relevantes, que podem ser apreciados em qualquer tempo e grau de jurisdição, sejam apreciados em grau de recurso. Leciona nesse sentido, o Mestre Marinoni: "Se esses temas devem ser examinados pelo juízo em qualquer tempo e grau de jurisdição, eles certamente poderão ser apreciados quando da análise do recurso.".[4]

E aí há que se reconhecer outra utilidade na aplicação do efeito translativo, uma vez que seria oportunizado ao órgão revisor, primeiro através de seu relator e depois, se for o caso, de seu colegiado, chances maiores de perceber questão de ordem pública que passou despercebida em primeiro grau, muito provavelmente em decorrência do assoberbamento por que passam os julgadores de primeira instância.

Vale dizer, por fim, que a aplicação do efeito translativo se coaduna com os fins preconizados pelo legislador que, com a recente reforma de parte do Código Processo Civil, pretendeu dinamizar o processo com vistas a implementar maior celeridade à prestação jurisdicional[5], ressalvando-se, contudo, as opiniões de expoentes da doutrina pátria acerca da aplicabilidade desse efeito dos recursos.

Bibliografia:

(1)Nelson Nery Junior, Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, vol. 1, 5ª. Ed., RT, p. 415.

(2)http://.frosa.com.br/docs/artigos/Efeito%20translativo.pdf., acessado em 03/12/2009.

(3) Lucon, Paulo Henrique dos Santos – Devido Processo Legal Substancial, Leituras Complementares de Processo Civil, 5ª. ed., ed. Jus Podivm; Salvador: 2007, p.21

(4) Marinoni, Luiz Guilherme, Arenhart, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo, SP: 4. Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 523.

(5) Araújo, José Henrique Mouta, Reflexões sobre as reformas do CPC, Salvador: JusPodivm, 2007, p.11.



[1]Nelson Nery Junior, Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, vol. 1, 5ª. Ed., RT, p. 415.

[2]http://.frosa.com.br/docs/artigos/Efeito%20translativo.pdf., acessado em 03/12/2009.

[3]Lucon, Paulo Henrique dos Santos – Devido Processo Legal Substancial, Leituras Complementares de Processo Civil, 5ª. ed., ed. Jus Podivm; Salvador: 2007, p.21.

[4]Marinoni, Luiz Guilherme – Manual do Processo de Conhecimento, 4a. ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 523.

[5]Araújo, José Henrique Mouta, Reflexões sobre as reformas do CPC, Salvador: JusPodivm, 2007, p.11.