O Direito de ser Mulher? e Negra

Firmação da igualdade entre as pessoas

Há décadas, tem-se desencadeado o princípio da igualdade como precípuo em uma sociedade.
Busca-se, abarcar o tema da igualdade de forma que a mesma seja efetivamente aplicada em determinados povos. Cabe, portanto, aos integrantes dessa coletividade a missão de compreensão e aplicação da igualdade, isonomia, equidade entre os indivíduos.
Não há de se questionar, que durante muito tempo, o homem, cada vez mais dotado de inteligência, foi aperfeiçoando-se no sentido de convivência com os demais, buscando igualar os direitos e também os deveres.
Contudo, para que a igualdade seja respeitada, este teve que se dar primeiramente como uma imposição legal para as pessoas, caso contrário, não existirá paridade entre os indivíduos.
Nesse sentido, prescreve o renomado jurista Hans Kelsen em uma de suas maiores obras:

"colocar a igualdade perante a lei, é colocar simplesmente que os órgãos de aplicação do direito não têm o direito de tomar em consideração senão as distinções feitas nas próprias leis a aplicar, o que se reduz a afirmar simplesmente o princípio da regularidade da aplicação do direito em geral; princípio que é imanente a toda ordem jurídica e o princípio da legalidade da aplicação das leis, que é imanente a todas as leis ? em outros termos, o princípio de que as normas devem ser aplicadas conforme as normas." (Teoria Pura do Direito, tradução francesa da 2ª edição alemã, por Ch. Einsenmann, Paris, Dalloz, 1962, p.190).

Essa manifestação feita por Kelsen, permite-nos dizer, que somente a partir da colocação da igualdade perante a lei é que a aplicação do direito conduzirá à tomar em considerações as distinções feitas nas próprias leis a serem aplicadas.
Nesse diapasão, é que o Estado surge, já que é o grande editor das leis que procuram igualar um indivíduo perante o outro.
Essa igualdade se firma por meio da Constituição que veda a distinção entre as pessoas.
Igualdade na edição de normas e consequentemente na sua aplicação

Na obra O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, do autor Celso Antônio Bandeira de Melo, ele afirma que "as constituições especialmente a brasileira em seu artigo 5º aduz que todos são iguais perante a lei. Que o alcance do princípio não pode se restringir de forma a nivelar os cidadãos diante da norma imposta, a lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia." (Celso Antônio Bandeira de Melo, 3ª edição, 19º tiragem. Editora: Malheiros Meditores. São Paulo: 2010).
Afirma mais o autor, que a isonomia antes de mais nada, deve ser exalada ainda no momento da edição da norma, não apenas quando da sua aplicação. Quando adentramos ao mérito da questão proposta por Celso Antônio Bandeira de Melo, podemos observar que a sua sugestão é que a igualdade seja observada de imediato pelo Legislador, não apenas ao aplicador da norma.
Porém, cuidados importantíssimos devem ser observados nas confecções de determinadas leis igualitárias, como por exemplo, o fato de que ela não deve servir para benefícios demasiados de uns e malefícios de forma irracionacional para outros. Ela deve ser editada com cautela, ponderando os pontos mais importantes com a finalidade única de nivelação das pessoas.
Trata-se na verdade, de um sistema de contrapesos e medidas, no qual se observam o que alguns indivíduos possuem de diferente dos demais para então buscar igualá-lo aos outros, sem, porém, retirar daqueles os direitos que lhe são inerentes.
Ainda, pautando-se pelo principio igualitário das pessoas, temos outra questão que a nós é proposta por outro autor. Aristóteles, afirma que a igualdade consiste em tratar os iguais como iguais e desigualmente os desiguais.
Assim, pode ser verificado que durante toda uma vida, houve pessoas que buscaram e buscam que a igualdade não fique apenas em um pedaço de papel, mas seja devidamente efetivada.

A mulher e a evolução jurídica das normas para a negra

No que tange esses pontos já ponderados, há um assunto muito importante a ser discutido e que ainda gera tamanho desconforto em algumas pessoas podendo se dizer um tanto que "diferentes".
Trata-se da mulher, sexo feminino e capaz de carregar dentro de si novas vidas para o mundo.
Olhando sob essa ótica, observa-se que a sociedade machista impõe algum preconceito em relação a tais. Porém, neste contexto a mulher deve ser vista além de mulher também como NEGRA.
Não há que se negar que as mulheres afrodescendentes são alvos de duplo preconceito.
Assim, nos voltando ao período escravocrata, temos plena consciência de que o passado nos deixou a ideia convicta da população de que a mulher negra somente tem serventia para o trabalho de doméstica e hoje, para a vida em favela.
No decurso da história é taxada como aquela que convinha também para servir aos caprichos do homem, relativamente a sexualidade. Tanto, que os senhores feudais, donos de escravas, as estupravam e isso nem ao menos era considerado crime.
Com tais opiniões formadas, temos que a sua conquista pelo mercado de trabalho é mais difícil ainda.
Pode-se ainda mencionar que até a Constituição promulgada em 1988, que então vigora, a mulher era legalmente cidadã lotada no segundo plano. Se a mulher já era vista em uma segunda categoria, imaginem a negra, que se comparando com mulheres brancas são alvos de maiores preconceitos.
Com certeza, devemos levar em consideração que a igualdade formal entre os gêneros somente foi concretizada com a publicação no Brasil, da Constituição Federal de 1988, e que a sociedade necessita de certo tempo para se apegarem às novas imposições do Estado, apesar de que deveria ser uma imposição moral e não legal.
Não obstante a pregação nos ensinada pela Constituição Federal, a mulher negra, sofre tamanha discriminação em diversos meios sociais, no que tange à alfabetização/ escolaridade, ao salário, ao mercado de trabalho em si.
Quando se analisa em qualquer meio de comunicação, centros de pesquisas o índices de analfabetismo existente entre mulheres brancas e negras, constatamos que a taxa é maior em relação às negras, por óbvio.
O que vem sendo observado durante vários anos, contudo, é que a mulher, principalmente a negra, mostra-se como o esteio da família, não apenas pelo contexto atual, no qual criam, educam e sustentam sozinhas seus filhos, mas também pela história do passado, já que com a abolição e a conseqüente imigração européia os homens ficaram sem trabalho, cabendo à mulher negra cumprir o papel de base familiar, trabalhando como domésticas ou na venda de doces.
Decorrem destes fatos, então dois pontos básicos: a mulher taxada antigamente como objeto sexual e a mulher negra atualmente, que luta para criar seus filhos e obter espaço no mercado de trabalho e na sociedade como um todo, sustentando a família ao conseguir a obtenção deste tão sonhado espaço, haja vista que para alguns trabalhos preferem-se a mão de obra feminina, daí o homem perde um pouco a oportunidade, que acaba ficando para a mulher.
A mulher negra necessita de valorização social, independente do que é fisicamente, já que todos os seres humanos interiormente são iguais uns aos outros. Existe, no entanto, uma "carcaça" diferente entre as pessoas que impede que estas dêem o devido valor que todos merecem.
Justamente por isso, é que não se deve dizer que existe raça negra. O sentido de raça nos faz reportar ao exagero constante dos efeitos da diferença, ressalta a existência de uma grande segregação dos povos. Nesse norte, o Dicionário Aurélio (século XXI) faça alusão da palavra raça como sendo:

"raça1 [Do it. razza.] S. f. 1. Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. 2. Restr. Antrop. Cada uma das grandes subdivisões da espécie humana, e que supostamente constitui uma unidade relativamente separada e distinta, com características biológicas e organização genética próprias. [Diversos autores, seguindo critérios distintos de classificação, propuseram diferentes classificações da humanidade em termos raciais. A mais básica e difundida é a das três grandes subdivisões: caucasóide (raça "branca"), negróide (raça "negra") e mongolóide (raça "amarela"). Como conceito antropológico, sofreu numerosas e fortes críticas, pois a diversidade genética da humanidade parece apresentar-se num contínuo, e não com uma distribuição em grupos isoláveis, e as explicações que recorrem à noção de raça não respondem satisfatoriamente às questões colocadas pelas variações culturais.]" (Aurélio, Século XXI)

A palavra raça, portanto, é a ideia mais concreta e robusta de que realmente existe a discriminação racial em diversas partes deste país e também de forma mundial relativamente a pessoas negras e brancas.
O conceito acerca das raças humanas pressupõe a ideia de hierarquia, no qual permanece no topo obviamente o branco e na base tem-se a maciça presença dos negros.
Destarte, mais uma vez retomando o Dicionário Aurélio como uma fonte de descobrimento dos sentidos gráficos (aludindo-se às grafias), ao serem pesquisadas as expressões branco e negro, podemos entender que o negro dá a entender que é algo encardido, sujo, melancólico, nefando, muito triste, lutuoso. Já quando se fala em branco, as expressões que nos são transmitidas dizem respeito à luz, algo claro, translúcido, figura-se como a cor da paz.
O que pode ser constatado então é quando se fala em brancos e negros, as segregações sempre irão existir.
Contudo, não pode alguém negar sua cor, e por isso cabe ao ser humano a valorização uns dos outros. Ter a cor negra ou branca não define a pessoa boa ou a pessoa mal, já que isso decorre de cada indivíduo independentemente da etnia.
Os negros em si, por causa da tamanha discriminação estão perdendo a sua identidade, quando escondem quem são e buscam ser quem jamais deveriam ser, pois a maravilha do mundo consiste na concretização das diferenças.
Os cabelos afros estão sendo escondidos pelas chapinhas, escovas e outros métodos mais, a arte da capoeira que também deveria ser mais valorizada está sendo perdida vagamente, com exceção dos casos em que há quilombos protegidos pelo município ou Estado.
Mas como já dito anteriormente, são tantas discriminações que o negro, principalmente a mulher negra, tenta não se desfazer de sua identidade, mas a camuflam com a finalidade de ingressar no seio social com um pouco menos de "olhares tortos".
Temos a real certeza de que a maioria das mulheres negras, quando em época de escola, já ouviu expressões tais como: "cabelo de fogo", "macaca", "macumbeira", e isso com certeza dói em qualquer ser humano.
Observa-se hoje, grande quantidade de crianças negras até, que fazem de tudo para terem o cabelo liso e assim ocultam um pouco do negro que existe em si, apesar de visível a distinção com pela branca.
Negro é aquele de pele escura, independentemente do jeito do cabelo.
Negro?.
No Brasil, essa valorização ainda não chegou ao seu ápice, e acreditando assim, crê-se que a pacificação dos entendimentos de igualdade entre as pessoas demorará a acontecer.
Não poderia ocorrer, mas neste país, ser negro anda significa estar inserido em um meio social de extrema desigualdade racial. Além do que, agregando-se a isto se tem o fato de ser mulher acoplando-se à desigualdade de gênero.
Necessário, contudo, que a valorização da mulher negra se estenda de forma universal, posto que o ser humano, mulher, que deverá ser valorizado é o todo, e não apenas o específico oriundo de um país ou outro.
As relações devem se encurtar de forma que a valorização se estenda de forma mundial.
O que precisa ser revisto, então, é o interior de cada pessoa, já que a competitividade alcança de forma célere a todos, independente de raça ou cor. Algumas pessoas querem ser mais que outras, e o fato de terem questões favoráveis a si ajudam a desenvolver uma desigualdade, embora a Constituição Federal pregue a equidade entre os indivíduos.
Não é errado o fato de as pessoas lutarem por aquilo que sonham, mas é errado o fato de fazerem disto discriminação entre cores e cores de pessoas.
O ser humano deve ser olhando como HUMANO e não como objetos, lápis de cor.
Importante, porém, é a vislumbração do estereótipo contido no que tange a mulher negra.
Pautando-se por essa ótica, valorização/necessidade, temos a ideia de que há uma obrigação, que deveria ser moral e não legal, quanto ao respeito às pessoas.
Quando esta obrigação não é cumprida de forma moral, cabe então ao Estado buscar a tentativa de solução deste dilema, já que não se pode deixar que o indivíduo seja demasiadamente desvalorizado por ser mulher e negra.
Assim, lembrando dos ensinamentos do mestre Celso Antônio Bandeira de Melo mais uma vez focamos o fato de que o legislador é grande responsável pela disseminação da equidade entre os gêneros.
Se homens e mulheres são iguais perante a lei, então porque será que existe uma lei específica para a proteção da mulher?!
Acerca desta lei, a explicação mais óbvia é o fato de que os desiguais são tratados na medida de suas desigualdades. A mulher sempre mais frágil que o homem, necessita de proteção legal para a coibição de práticas de agressões demasiadas, as quais veio sofrendo com o tempo, dado ao seu histórico antigo de submissão ao homem.
Outra pergunta pode ser reformulada no sentido de que: Se homens e mulheres são iguais perante a lei, então porque será que existe uma lei específica para a proteção da igualdade racial?! A mesma resposta aduzida acima pode também ser aplicada aqui, já que o contexto antigo nos traz casos e exemplos explícitos de desigualdade para com os negros e nesse caso específico contra as negras, que sofreram durante anos com a escravidão sendo coibidas de exercerem o seu papel social, que por sinal é de muito valia nos dias de hoje.
Ser negro não tem nada de mal. Apenas mudam-se as cores, mas por dentro todos somos seres iguais.
Há pessoas que acreditam que a pessoa negra é algum animal, então invertem os papéis e passam a tratar os animais como seres humanos e os negros como animais.
No Brasil, há ainda uma grande discriminação no que tange aos negros. As favelas das grandes capitais estão cheias de negras com filhos para serem criados sozinhos, estão cheias de negras que lutam, cheias de negras enganadas pela vida.
Se a mulher negra põe um shortinho curto e sai pelas ruas, consequentemente passará a ser chamada de "prostituta" e outros nomes mais, o que não ocorre na maioria dos casos com as brancas.
Se a mulher negra disputa um emprego com uma mulher branca, conseqüente aquela perderá o lugar para esta.
Salienta-se, porém, que esta afirmativa pode ser perfeitamente comprovada ao se observar o PED ? Pesquisa de Emprego e Desemprego. Daí decorre a asseveração de que as desigualdades vividas no seio social quanto às relações de gênero, não se definem apenas do contexto econômico, mas, especialmente a partir da cultura vivenciada pelos seres humanos, homens e mulheres, em geral.
Dúvidas não há, de que as mulheres representam hoje no Brasil parcela significativa no mercado de trabalho, mas ainda assim, há tamanha discriminação.
A inserção da mulher ao trabalho ocorreu e vem ocorrendo de forma gradativa, porém, esta ainda não foi aceita de forma clara e explícita.
Ocorre, assim, tamanha discriminação da mulher, que se dá pelo simples fato de ser mulher e pela simples forma de ser negra.
Cumpre ressaltar que o Brasil é o país fora do continente Africano que possui a maior população negra, sendo que 20% da população geral são mulheres negras, possuindo um espaço não tão gracioso como deveriam já que o índice de analfabetismo e semi-analfabetismo bem como a chefia de suas famílias assim não permitem.
Muito embora haja discussões relativas as criações de leis específicas para a proteção da mulher, dos negros, enfim, essas questões abordadas legalmente são pacíficas de aceitação pela sociedade, já que para algumas pessoas é muito difícil adaptar-se aos diferentes.
A Constituição prega um entendimento de que a igualdade de gênero como formalizada que é, pelo seu artigo 5º, inciso I, há de ser cumprida por todas as pessoas. No entanto, a realidade que vemos é outra. A mulher, como gênero, deve lutar, como lutou durante anos para ocupar o seu espaço frente a sociedade rebatendo todas as discriminações possíveis, seja no meio social em si, seja relativamente à trabalhos, pois desde os primórdios tempos o homem sempre foi o propulsor da coletividade.
Todavia, não devemos nos esquecer que coletiva ou individualmente, inúmeras mulheres prestaram sua contribuição para construir a atual condição feminina, com o seu conseqüente reconhecimento por meio da edição das leis e reformas no âmbito social sem seu prol.
Destarte, reportando-se aos valores elencados pela sociedade quanto a mulher, um ser frágil, figura vista em tempos antigos como ícone para enfeitar a casa e satisfazer ao homem, temos também a negra, que além de tudo isso é ainda muito mais, dada a sua pele de cor.
Decorrem destes fatos, dois dilemas a serem solucionados pelas novas normas constitucionais e infraconstitucionais que vêm sendo criadas com o passar dos anos.
Há ainda, quem critiquem as leis que visam a inserção de tais pessoas à sociedade. Para tanto, como o próprio Aristóteles já mencionou, deixando-nos como herança uma bela lição deve-se "tratar os desiguais na medida de suas desigualdades", e isso somente será feito com a ação impositiva do Estado.
A mulher demorou anos para ocupar um pouquinho de espaço junto ao Estado, e este vem ocorrendo, ainda que lentamente, conforme a aceitação social.
Devemos nos prender, contudo, no fato de a mulher negra encara os fatos de forma dupla, uma dupla discriminação, que por mais camuflada que seja, ainda existe.
A mulher tem que possuir o direito de ser mulher e a negra possuir o direito de ser negra.








REFERÊNCIAS

MELO, Celso Antônio Bandeira. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade 3ª edição, 19º tiragem. Editora: Malheiros Meditores. São Paulo: 2010.
AURÉLIO, Dicionário. 2010. Século XXI.
SANTOS, Walkíria Chagas da Silva. Direitos Humanos. A mulher negra brasileira. In: HTTP:// www.africaeafricanidades.com . Acessado em 03 de setembro de 2011.