O DIREITO DE PREFERÊNCIA E SUAS BALIZAS OBJETIVAS E SUBJETIVAS
DIANTE DA DOGMATICIDADE DAS NORMAS JURÍDICAS DE REGÊNCIA



João José da Silva Júnior



1. RESUMO

Dada a diversidade de situações, de sua aplicação e a amplitude de cada uma das vertentes deste tema, vamos nos ater ao direito de preferência como se acha contemplado na Lei do Inquilinato atual, Lei Federal nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, mesmo porque, apenas essas disposições são relativamente inovadoras no direito brasileiro, sendo todas as demais sobejamente conhecidas, por este motivo procuraremos ser breves nestas cominações.

O artigo 27 da Lei n° 8.245/91, que praticamente repete a norma hospedada no artigo 24 da revogada Lei n° 6.649/79, outorga a preferência ao locatário, para adquirir o imóvel, nos casos de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento (esta última modalidade excluída da legislação anterior), devendo o locador (proprietário) dar-lhe conhecimento do negócio, mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívo-ca.

Definitivamente, na hipótese de alienação do imóvel locado, deve o locador notificar o locatário, por qualquer das formas elencadas no citado dispositivo legal, a fim de que este possa, queren-do, adquiri-lo, exercendo, assim, sua preferência, no prazo de trinta dias, consoante assinalado no Art. 28 da Lei Inquilinária, sob pena de caducar o seu direito.

Ademais, deverá, ainda, a comunicação da intenção de venda, obedecer ao disposto no pará-grafo único do artigo 27 (novidade em relação à legislação anterior), contendo as condições do negócio, preço, forma de pagamento, a ocorrência de existência de ônus reais, e/ou, eventuais embaraços, bem como indicar local para exame, pelo locatário, da documentação pertinente.

O alugatário preterido na sua preferência poderá pleitear as perdas e danos previstos no Art. 33, ou haver para si o imóvel, observados, neste último caso, os requisitos contidos naquele dispositivo da Lei n° 8.245/91, quais sejam: depósito do preço e de outras despesas do ato de transladação, desde que o faça no prazo de seis meses, a contar do registro do ato jurídico no álbum imobiliário, e desde que o pacto locatício se encontre averbado à margem da matrícula do bem, pelo menos trinta dias antes da ocorrência da alienação (Obrigação Com Eficácia Real). O § único do Art. 33 do mesmo diploma legal suso, contempla a formalização da averbação do contrato (sem correspondente na legislação anterior).

O inquilino desprezado no seu direito de preferência, que optar pelo pleito de perdas e danos contra o alienante, gozará desse valor legal, mesmo que seu contrato locatício não esteja averbado no Registro de Imóveis e mesmo que nem contrato escrito tenha, bastando que comprove sua con-dição de locatário, e o efetivo preterimento de seu direito de prelação.

Novidade em relação ao diploma anterior é a responsabilidade do alugador por prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes, caso desista do negócio quando já aceita pelo locatário a proposta a ele feita, conforme dicção do Art. 29 da Lei n° 8.245/91, e com o arrimo da norma encartado no Art. 427 do novo Código Civil, imprimindo, assim, maior seriedade e estabilidade nas relações entre as partes contraentes.

A idéia que inspira o legislador é a de possibilitar ao inquilino concorrer em igualdade de condições com terceiros, tornando-se proprietário do imóvel que ocupa. Ora, a venda judicial (sub judice), a permuta (negócio inter partes) e a doação (intuitu personae) não representam situação de concorrência com terceiros, e bem assim, as ocorrências de destinação do imóvel para composição patrimonial de empresas do locador.

Assim, a critério do locatário, poderá este pleitear perdas e danos do alienante.

Só não prevalecerá a preferência do locatário, ( havendo na espécie a concorrência dos pressupostos supra vertidos) sobre a do condômino, em havendo condomínio no imóvel objeto da alienação, na conformidade do disposto da norma consubstanciada no Art. 34 da Lei sob exame, o que já vinha ressalvado no artigo 25, parágrafo 1°, da vetusta lei.

Estes são os pontos principais do direito de prelação, os quais tentaremos expor de maneira sucinta e direta para melhor compreensão do leitor.


2. BREVE INTRÓITO

O presente artigo se destina a delimitar uma abordagem sobre o instituto jurídico do DIREI-TO DE PREFERÊNCIA OU DIREITO DE PRELAÇÃO, colimando detalhar o seu funcionamento no ordenamento jurídico posto, porquanto pendem as mais variadas dúvidas nos casos de, não apenas compra e venda do imóvel objeto da locação, mas, também, concernentes a outros ajustes jurídicos que a sociedade moderna necessita convalidar, sejam eles gratuitos, onerosos, unilaterais, bilaterais, consensuais, reais, solenes, comutativos, aleatórios, formais, não formais, de adesão, paritá-rios, entre outros.

O Direito de Preferência é um instituto que veio transplantado da compra e venda, onde é peculiar.

Originou-se do "pactum protimiseos" do direito romano, mas, de origem grega. Basicamente rege o direito do locatário no momento em que o locador quer se desfazer do imóvel locado, surgindo, então, o direito de compra para quem está no imóvel.

Verifica-se, contudo, que a vontade da lei se resume em dar uma maior facilitação para o negócio jurídico entre o dono do imóvel e quem tem a posse direita do mesmo bem, de maneira que a circulação de riquezas dentro do seio jurídico-social, ganha mais celeridade, efetividade e consis-tência.

Ora, iniludivelmente, não se torna difícil deduzir que presume-se que aquele indivíduo que tem a posse imediata do imóvel, já detenha conhecimento detalhado e suficiente sobre o dito bem, a ponto de vir a adquiri-lo, o que, em posição absolutamente oposta ao presente raciocínio, tem-se o terceiro interessado no mesmo bem, razão pela qual torna-se mais conveniente e oportuno que o disputado bem fique no patrimônio daquele indivíduo detentor da posse, inclusive, por ocorrer, não raramente, um vínculo de confiança entre o proprietário e o pretenso comprador, que pode ser o usufrutuário, usuário, comodatário, inquilino (que é o nosso objeto de estudo).

Impende ressaltar que o direito de preferência ou de prelação enseja a configuração da hipótese da Traditio Brevi Manu, em outras palavras, a tradição por mãos curtas, consubstanciada no fato de que o comprador não precisa sair do imóvel para ser dono, isto é, antes ostentava a qualificação jurídica de possuidor direto/imediato, sendo, portanto, uma posse desmembrada, passando a ter pos-se plena/unificada.

A preferência do inquilino na aquisição do prédio locado, para quando o locador pretender alienar, já se tornou tradicional em nossa legislação do inquilinato, pois, foi introduzida pela primeira vez pela Lei n. 3.912, de 03 de julho de 1961.

Na natureza do negócio o comprador preterido somente tem uma ação derivada de direito pessoal contra o vendedor. Nosso Código Civil é francamente expresso a esse respeito quando diz que responderá por perdas e danos o vendedor se alienar a coisa sem ter dado ao comprador ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé (Art. 518). Por essa razão, naquilo que a lei de locações for omissa, aplicam-se subsidiariamente os princípios tradicionais da Preempção, instituto que consiste no direito de prefe-rência que tem o vendedor de um bem no caso do comprador querer vendê-lo após a sua aquisição.

Nosso trabalho se delimitará a abordar a aplicação do tema no direito moderno procurando traçar um perfil representativo com do Direito clássico.


3. SINOPSE DA HISTÓRIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA

A compra e venda é o mais freqüente e o mais importante de todos os contratos porque aproxima os homens e incentiva a circulação de riquezas. Em virtude da sua importância, o legislador colocou-a a frente de todas as demais obrigações convencionais, com grande riqueza de minúcias, tratando também de algumas cláusulas especiais da compra e venda que, com o tempo, a maioria tornou-se obsoleta.

Sua origem mais remota encontra-se na troca, permuta ou, ainda, chamada de escambo. Nos primórdios da civilização os homens limitavam-se à simples troca de objetos que lhes sobrassem por outros que ambicionassem. Era esta a única forma de movimentação dos bens, porquanto não existia dinheiro.

Inegável reconhecer-se as dificuldades desse penoso sistema econômico, só admissível numa sociedade rudimentar e com pequeno número de pessoas. Já com o aumento da população, as necessidades foram também aumentando tornando impossível a manutenção de um sistema tão rudimentar.

Mesmo com a criação de feiras ou mercados de trocas que ainda hoje são tradições em algu-mas comunidades, algo teria de surgir mais conveniente e mais cômodo ao desenvolvimento do intercâmbio entre os homens. Daí surgiu o CONTRATO DE COMPRA E VENDA quando se desco-briu que poder-se-ia avaliar uma mercadoria convertendo no denominador comum de todas as trocas.

A princípio, esse valor comutava-se em cabeças de gado (pecus, da qual derivou a palavra pecúnia). Depois vieram as pedras e metais preciosos, até surgir a moeda, o dinheiro.

No direito contemporâneo o contrato de compra e venda pode ser examinado à luz de três sis-temas jurídicos diversos: o francês, o alemão e o soviético.

Pelo primeiro, o contrato cria ao mesmo tempo o vínculo obrigacional e transfere o domínio da coisa vendida (nudus consensus parit proprietatem). Ou seja, transfere-se o domínio com o próprio contrato, independentemente da tradição da coisa vendida. Somente pelo contrato o comprador torna-se o titular do domínio. Vê-se que o sistema francês apartou-se da tradição romana consagra-da pela máxima traditionibus et usucapionibus dominia rerum, non nudis pactis, transferuntur.

Para o sistema alemão o contrato gera exclusivamente uma obrigação de dar, com o vendedor assumindo somente obrigação ad tradendum. A transferência do domínio verificar-se-á quando da tradição da coisa vendida.

Já o sistema soviético não se prende ao contrato ou à tradição, exclusivamente, como princí-pio geral transmissor da propriedade. Ambos os modos de aquisição são dotados de igual valor, porque tem cada um deles o próprio campo de aplicação. Quanto às coisas individualmente determinadas a propriedade é adquirida no momento da conclusão do contrato. Quanto às coisas deter-minadas apenas pelo gênero a aquisição é diferida para o instante da tradição.

O Código Civil Brasileiro filiou-se ao sistema alemão e romano, isto é, o contrato de compra e venda, por si só, não opera a transposição do domínio. Ele engendra exclusivamente a obrigação de dar.

O Artigo 481 do diploma legal suso referido, é taxativo: "pelo contrato de compra e venda, um dos contraentes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro."

Para se efetivar a transferência da propriedade são necessárias a tradição para os bens móveis e a transcrição para os imóveis. Antes disso o comprador só tem contra o vendedor um direito pessoal. A tradição e a transcrição é que dão origem ao iuris res sobre coisa própria ou alheia.

Nesse sentido, vale destacar o referido no Art. 1267 do novel Código Civil em relação aos bens móveis:
"a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".

Na mesma linha, ainda quanto aos móveis reza o Art. 1226:
"os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com a tradição".

Nesse diapasão, agora com respeito aos imoveis, dispõe o Art. 1227:
"os direitos reais sobre imoveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vi-vos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imoveis dos re-feridos títulos, salvo os casos expressos neste Código."

Ainda no tocante aos imóveis estabelece o Art. 1245:
"transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translati-vo no Registro de Imoveis."

Por derradeiro, vejamos o teor do parágrafo primeiro do Art. 1245:
"enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havi-do como dono do imóvel."

Todos os dispositivos legais vertidos supra, pertencem ao estatuto substancial civil em vigor.

Sem embargos, vale apontar as exceções onde o domínio se transfere tão somente pelo contra-to. Caso do Decreto-lei n.º 3.545, de 22 de agosto de 1941, que regula a compra e venda de títulos da dívida pública da União, dos Estados e dos Municípios, que dispõe, no Art. 8º que: "a celebração do contrato transfere imediatamente ao comprador a propriedade do título". De modo idêntico o Decreto-lei n.º 911, de 1 de outubro de 1969, pelo seu art. 1º, dispõe que: "a alienação fiduciária transfere o domínio independentemente da tradição."

No Estatuto Civil noviço em seção autônoma do capítulo dedicado à compra e venda, o legis-lador disciplinou a retrovenda, a venda a contento e da sujeita a prova, a preempção ou preferência, a reserva de domínio, o pacto de melhor comprador e o pacto comissário, estas duas últimas conti-das na norma de regência anterior, as quais não foram recepcionadas.

Destarte, o objetivo aqui é focalizar a PREFERÊNCIA.


4. CONCEITO

Consoante doutrina mais autorizada, preferência ou prelação é o direito de ser preferido ou priorizado em igualdade de condições com terceiro. Preempção "significa direito a ser preferido como comprador". Advém do direito romano, sob a denominação de "pactum protimiseos", que a trouxe do direito grego "protimesis".

Segundo o Art. 1149 do Código Civil de 1916 (dispositivo correspondente no NCC/02 Art.513) a preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Mas não se deve confundir preempção com preferência, mister se faz diferenciá-las, para um melhor entendimento.

A preempção é espécie de preferência, sendo a primeira cláusula adjeta ao contrato de compra e venda que pode criar, para o comprador, a obrigação de quando se decidir a vender a coisa, notificar ao vendedor o seu preço e condições, para que este, em igualdade de condições, possa adquiri-la de volta; já a segunda, preferência, envolve uma maior amplitude de conceito, pois pode ser defini-da em lei, quando, preenchidos seus pressupostos, independentemente de qualquer declaração de vontade, surge o direito.

Explico melhor! A preempção é o pacto adjeto ao contrato de compra e venda pela qual o comprador se obriga a oferecer ao vendedor da coisa que lhe comprou, quando queria vendê-la, para que este, a quem foi reservado o direito de preferência, preço por preço, o exerça em relação a eventuais interessados adquirentes. Há, portanto, duas condições: a) que o comprador queira vender a coisa; e b) que o vendedor queira exercer o direito de preferência.

Também pode a preferência ser estabelecida por outros dispositivos legais e não configurar pacto, gerando, também, efeitos diversos, como veremos mais adiante.

Há, portanto, direitos de preferência que não tem como conteúdo a preempção e direitos de preferência que não derivam de negócios jurídicos com vendedores.

Este instituto não cria ao sujeito passivo a obrigação de vender, mas, a de, se desejar vender, o fazer ao preferente, pelo mesmo preço e condições que receberia de terceiro. Gerando para o seu titular o direito substantivo, pois, este tem a faculdade de exercer um poder sobre alguma coisa, de substituir-se ao terceiro adquirente, em igualdade de condições.

A contrapartida imediata deste poder é o dever do sujeito passivo imediato, o titular do domínio do bem, de realizar a afronta, isto é, a prévia notificação de seu desejo de alienar e as condições em que isto deve ocorrer.

Prudente se faz destacar que o direito de preferência é exercitável tão somente quando houver a venda da coisa ou efetuar com ela uma dação em pagamento. Não cabe, desse modo, o direito de preferência na locação no caso de permuta, pois, esta se inspira no exclusivo interesse do proprietá-rio, entrosando-se com outra coisa que a substitui em seu patrimônio que pode nem mesmo ser imóvel.


5. NATUREZA JURÍDICA

Pode-se classificá-lo como um contrato tipicamente pertencente a categoria dos contratos preliminares, pelo que os doutrinadores franceses equiparam-no aos pré - contratos.

O seu objetivo consiste, estabelecido de uma condição preferencial, possibilitar a venda em relação ao preferente, um "contrahere" futuro, tal como acontece nos contratos preliminares.

Entretanto, pelo nosso direito positivo a teoria francesa não encontra respaldo, pois o pacto de preferência, essencialmente, se afasta da promessa de compra e venda de imóveis. O pacto de preferência é unilateral enquanto a promessa de compra e venda é bilateral; a promessa de compra e venda é exequível "in natura", enquanto a preempção é destinada a converter-se em perdas e danos em caso de inadimplemento; na promessa de compra e venda pode gerar efeitos de direito real, enquan-to na preferência somente "ius ad rem".

Discute-se, ainda, quanto à natureza jurídica do direito de preferência, se real, ou pessoal. Preferimos continuar a ver o direito de preferência como direito pessoal, uma vez que o direito real constitui "numerus clausus".

Contudo, não podemos deixar de constatar que o direito pessoal na adjudicação se mescla com o jus in re - direito real, posto que, durante o lapso temporal decadencial de 180 dias, existe, repita-se, reunidos os pressupostos autorizadores da prelação, a obrigação com eficácia real em desfavor do alugador. Portanto, não se cuida na espécie de um direito real, mas, cuida-se, sem dúvida, de uma obrigação com eficácia real.


6. AS MODALIDADES DE PREFERÊNCIA

No direito positivado brasileiro impende salientar a existência de duas modalidades de preferência que serão objeto de apreciação no presente artigo: Temos assim, a preferência legal e a preferência convencional.


6.1 PREFERÊNCIA LEGAL

Como se pode facilmente denotar da própria denominação, preferência legal é a que decorre da lei. Daí resulta, logicamente, que não pode a mesma ser derrogada pela singela vontade das partes, por se tratar de norma de interesse público, ao contrário do que pode acontecer com a preferên-cia convencional.

As hipóteses conhecidas de preferência legal no ordenamento pátrio são as seguintes: as dos Arts. 504 e 1.322 e seu parágrafo único do Código Civil de 2002, que prevêem a preferência do condômino na aquisição da coisa comum indivisível; a do Art. 27 da Lei do Inquilinato (Lei n° 8.245/91), que assegura o direito de preempção ao locatário para efeito de adquirir o imóvel locado, desde que preenchidos os pressupostos reclamados pelo ato legiferante; a do Art. 92, § 3°, do Esta-tuto da Terra (Lei n° 4.504/64), que dispõe sobre o direito de prelação do arrendatário para adquirir o imóvel rural arrendado, entre outros casos.


6.1.1 A PREFERÊNCIA DO CONDÔMINO

Condômino ou comproprietário é toda pessoa que, juntamente com outra, exerce o direito de propriedade sobre o mesma coisa móvel ou imóvel.

Relativamente ao condomínio ou à propriedade em comum, a melhor conceituação é a que se contém no art. 1.403 do Código Civil português, ver-bis: "Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simul-taneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa".

O direito de preferência do condômino, no ordenamento jurídico brasileiro, resulta, inicial-mente, do espeque no Art. 1.322 do Código Civil, que assim consigna:
Art. 1.322. "Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior."

Trata-se, aqui, da venda da coisa comum na sua totalidade, onde se faz evidente o direito de preferência do condômino para a aquisição "em condições iguais de oferta", ou seja, da oferta apre-sentada a terceiro.

Havendo mais de um condômino interessado, contempla a lei, a preferência reca-irá sobre aquele que tiver benfeitoria de maior valor ou o quinhão maior.

Outra hipótese de preempção do condômino é a que se extrai, ainda que de forma presumida, do óbice ou restrição que sofre o condômino em coisa indivisível, de não poder vender a sua quota a estranhos, se outro condômino a quiser, ex vi do art. 504 do novel Código Civil.

Conforme se pode do todo inferir, refere-se o citado dispositivo à restrição de venda, a tercei-ro, da parte contida dentro de um todo maior "indivisível", sem que a mesma seja antes oferecida ao condômino.

Releva notar, pois, que, no que pertine ao direito pátrio, tanto a restrição do Art. 504, quanto a do Art. 1.322, tem por objeto a venda de coisa tida por "indivisível", quer a venda seja total, quer parcial. Porém, cumpre, ab initio, explicitar o que seja coisa indivisível aos olhos da lei, para efeito do exercício do direito de preferência pelo condômino.

Assim, a teor do Arts. 87 e 88 do Código Civil atual, existem duas categorias de bens indivi-síveis: a) a dos que não se podem partir sem alterar a sua substância; b) a dos que, embora natural-mente divisíveis, se consideram indivisíveis por lei, ou vontade das partes.

Relativamente à primeira categoria de bens indivisíveis, a indivisibilidade física, a mesma decorre do princípio sobejamente conhecido de que a fração deve proporcionar a mesma utilidade proporcionada pelo todo.

Desse modo, se, a guisa de exemplo, uma casa ou um veículo automotor, por força de herança vier a pertencer a diversas pessoas, cada qual tornar-se-á proprietário de tão-somente um quinhão ou fração ideal, contida dentro de um todo maior, eis que o objeto não com-portaria divisão cômoda.

O Art. 88 do diploma legal retromencionado, refere-se precipuamente à indivisibilidade de-corrente de lei ou da vontade das partes. Temos, pois, de um lado, a indivisibilidade legal ou jurídi-ca, e, de outro, a indivisibilidade convencional.

A indivisibilidade jurídica tem sua fonte mais copiosa no Direito Agrário, em razão da norma proibitiva do fracionamento do imóvel rural contida no Art. 65 do Estatuto da Terra (Lei Nacional n° 4.504/64), que adita: "O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva de propriedade rural".

A indivisibilidade convencional, a sua vez, origina-se de acordo, pacto ou convenção, através da qual os condôminos podem acordar que a coisa, conquanto possa ser dividida, permaneça indivisa por tempo não excedente a cinco anos, de conformidade com o estatuído no parágrafo único do Art. 1.320 do Código Civil de 2002.

6.1.2 A PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO

Funda-se a preferência do locatário para aquisição do imóvel locado no Art. 27 da Lei Federal n° 8.245/91, que assim prescreve:
Art. 27. "No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe ciência do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou qualquer outro meio de ciência inequívoca".

Complementa o parágrafo único do citado dispositivo legal que, a comunicação (notificação) deverá conter o preço, as condições de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e o horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.

Ressalte-se que, à semelhança do que ocorre com o arrendatário, o direito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de forma inequívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias, consoante reza o Art. 28 da lei ora em apreço. Cabe, entretanto, advertir que, depois de aceita a proposta pelo locatário, não é lícito ao locador desistir do negócio, sob pena de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao alugatário, inclusive lucros cessantes, ex vi do re-mansoso Art. 29 da Lei inquilinária.

Nada obstante, há que considerar-se, ainda, possível conflito de preferência decorrente do fato de, em relação ao mesmo imóvel, surgirem diversas pessoas detentoras de preferência legal. É o que se verifica, verbi gratia, na hipótese de o imóvel locado possuir diversos proprietários, ou seja, quando o imóvel cuida-se de um condomínio. Neste caso, a preferência para adquirir o imóvel será do condômino ou do locatário? A solução é dada pela própria lei, em seu Art. 34, o qual consigna expressamente que a preferência do condômino prevalece sobre a do locatário.

Em assim sendo, com a preferência do inquilino, a Lei visa não só diminuir os riscos de uma venda simulada, que rompe na maioria das vezes a locação, como também facilitar a permanência do inquilino no imóvel, sua moradia ou seu comércio. Aplica-se tanto à locação residencial como à não residencial/comercial.

No atinente ao concurso de preferência entre o condômino e o arrendatário, em razão de abso-luta falta de previsão legal, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a preferência do primeiro também prevalece sobre a do arrendatário, assim como, em nosso sentir, a preferência legal prepondera sobre a convencional do Art. 513 da noviça Lei Material Civil.

Impende, todavia, acrescentar, que, o Art. 27 da Lei Federal inquilinária não admite interpretação extensiva, ou seja, não permite que se lhe agreguem outras hipóteses de atos de alienação para efeito de possibilitar o direito de preferência. É o que se pode inferir da leitura do Art. 32 da mesma lei que, de forma elucidativa, tem a seguinte dicção: "O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação".

 Caducidade

Prescreve o Art. 28 da lei sob exame: "O direito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de maneira inequívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias."

Esse é o tipo casuístico de preferência legal, tendo-se em conta que, independentemente de querer o locador dar preferência ou não, a própria lex já encarrega-se para tanto.

O prazo se inicia da data do efetivo recebimento da proposta (notificação, carta registrada) e, por ser de caducidade (eficácia extintiva), não permite suspensão ou interrupção. Se forem vários os locatários, todos devem ser avisados.

Já na Compra e Venda, todavia, esse direito de preferência é convencional, pois, decorre da vontade das partes, podendo constar do próprio instrumento de alienação ou de documento à parte.

Tem como características fundamentais ser intransmissível, indivisível e com prazo de cadu-cidade.

O prazo para exercer esse direito está subordinado à decadência. Era de três dias, a partir da afronta, para as coisas móveis, e de trinta dias, para os imóveis. Não exercendo o notificado o direi-to nesse prazo, ocorrerá a caducidade. O novo Código Civil estendeu o prazo para sessenta dias no tocante aos imóveis (Art. 516). Isto se as partes não convencionarem outro prazo, podendo este ser até cento e oitenta dias para móveis e dois anos para imóveis, mas tais prazos, ainda que permitidos pela lei, não são vistos com bons olhos, pois a delonga poderia trazer instabilidade aos negócios.

 Desistência do negócio pelo locador

Determina o Art. 29: "Ocorrendo aceitação da proposta, pelo locatário, a posterior desistên-cia do negócio pelo locador acarreta, a este, responsabilidade pelos prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes".

Tal dispositivo não era contemplado no Código Civil de 1916, esta inovação visa, sem dúvida, evitar o abuso de direito pelo locador.

Por vezes, engendra ele uma proposta de venda, sem a real intenção de alienação. Aguardará a negativa do exercício de preempção do inquilino para quiçá simular uma venda, o que facilitaria, em tese, o despejo.
Para o locador que intentar na desistência sofrerá uma indenização por perdas e danos, sendo está uma responsabilidade por dano pré-contratual, como ocorre em qualquer modelo pragmático de contrato preliminar, de acordo com o Art. 463 do Estatuto substancial Civil em vigor.

O locatário, na ação indenizatória, deverá comprovar prejuízos, sem os quais não haverá suporte para a ação, enquanto que o locador se safará de uma indenização somente se provar caso fortuito ou força maior.

 Na sublocação

O Art. 30 da legislação de regência dispõe: "Estando o imóvel sublocado em sua totalidade, caberá a preferência ao sublocatário e, em seguida, ao locatário. Se forem vários os sublocatários, a preferência caberá a todos, em comum, ou a qualquer deles, se um só for o interessado.

Parágrafo único. Havendo pluralidade de pretendentes, caberá a preferência ao locatário mais antigo, e, se da mesma data, ao mais idoso".

Neste caso, a Lei protege primeiramente quem está efetivamente ocupando o espaço do prédio, dando garantias de preferência ao sublocatário. Há que se observar o inicio da cabeça do artigo, onde diz "em sua totalidade", ou seja, se o imóvel estiver sublocado por inteiro.

Com efeito, frise-se que se trata de sublocatário consentido, legitimado, formalizado, bem en-tendido, porque o sublocatário clandestino não terá o direito. Nem haverá direito de preferência do sublocatário se a sublocação for parcial, continuando então preferente o locatário.

 Pluralidade de pretendentes

Verifica-se no Parágrafo único, do Art. 30 da lei de regência: "Havendo pluralidade de pre-tendentes, caberá a preferência ao locatário mais antigo, e, se da mesma data, ao mais idoso."

Havendo mais de um preferente na aquisição do prédio, sejam eles locatários ou sublocatá-rios, o nosso diploma legal trouxe definidamente a ordem de preferência entre eles: terá primeiro a preferência o locatário mais antigo no local, ou o mais idoso, para caso de empate, e o mesmo se aplica aos sublocatários.

 Venda judicial, permuta e doação

Eis que preceitua o Art. 32 da lei ora em estudo: "O direito de preferência não alcança os ca-sos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de ca-pital, cisão, fusão e incorporação".

Nosso ordenamento anterior não contemplava os institutos da venda judicial, permuta e doa-ção. São espécies que não se coadunam com esse direito concedido ao inquilino. A venda judicial novamente foi excluída deste novo ordenamento por razões de muitas dificuldades na prática da a-plicação de tal direito.

A permuta trata de exclusivo interesse do proprietário, trocando-se por outros tipos de coisas que não necessariamente precisam ser imóveis.
Já a doação, por seu turno, como negócio gratuito, tem finalidade absolutamente diversa de qualquer outra forma de alienação, por isso mesmo alija o locatário.

Entrementes, se for comprovada simulação nesses negócios, na troca ou no ato de liberalidade, em ação anulatória do negócio jurídico ou incidentalmente em processo no qual se discute a preferência, deve ser preservado esse direito do inquilino.

 Direito real ou obrigacional

Novamente Trazemos à baila o disposto hospedado no Art. 33 da lei locatícia: "O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imó-vel".

O ordenamento atual deixa bem claro quais os direitos que podem emergir de um direito de preferência preterido.

O locatário deverá garantir seu direito de preferência averbando no cartório de registro de imóveis em que esteja matriculado o imóvel objeto locatício, o contrato de locação pelo menos trinta dias antes da alienação, e deve ser lançar mão do seu direito dentro de seis meses a contar do registro do ato da alienação. Não obedecendo o locatário essas condições, estará abrindo mão do direito com eficácia real e, conseqüentemente, abrindo mão de haver para si a coisa.

É precisamente o que ocorre nesse dispositivo do inquilinato. O contrato de locação, com o registro imobiliário permite que o locatário oponha seu direito de preferência erga omnes, isto é, perante qualquer um que venha a adquirir a coisa locada.

Constata-se nesse diapasão, e numa explicação mais simplória que, o terceiro que por ventura venha adquirir imóvel objeto de locação nessas minuciosas condições, tem a propriedade resolúvel, isto é, subordinada a um termo ou condição resolutórios, o que, no caso, concerne recair na segunda hipótese.

Desse modo, tem-se, indubitavelmente que, se o inquilino não reunir todos os pressupostos vertidos no corpus do Art. 33 da Lei 8245/91, não terá assegurado o direito de haver para si o bem, restando-lhe, assim, tão somente, única e restritamente, Ação com pleito por perdas e danos.

 Imóveis indivisíveis

Reza o Art. 31 da norma de regência: "Em se tratando de alienação de mais de uma unidade imobiliária, o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto da alienação".

Se o imóvel possui várias unidades com autonomia, quer se trate de edifício de apartamentos ou outra forma em que fenômeno ocorre, pretendendo o titular alienar todo do bem, o locatário ou locatários deverão ser notificados com proposta para aquisição da totalidade. Não podendo exercer o direito de preferência para adquirir somente a parte dele.

Ademais, é sempre intenção da lei evitar tanto quanto possível a criação de condomínio.

É claro que se por ventura o próprio locador pretender vender o imóvel por unidades a prefe-rência será dada para cada um dos locatários.
Se houver preterição do direito, o inquilino de parte do conjunto imobiliário, que tenha sido alienado em sua totalidade, deverá pleitear a adjudicação de todo o imóvel desde que preencha, como é crucial, os demais requisitos legais.


6.2 PREFERÊNCIA CONVENCIONAL

Preferência convencional, ou preempção é o pacto adjeto à compra e venda, denominada pelos romanos de "pactum protimiseos", em virtude do qual se impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use o seu direito de prelação na compra, tanto por tanto (Art. 513, CC/02).

Importa, desde logo, assinalar que a preferência convencional não se confunde com a retro-venda em face de dois aspectos: 1°) a preferência convencional abrange bens móveis e bens imó-veis; a retrovenda tem por objeto bens imóveis; 2°) na preferência convencional o preço que o ven-dedor da coisa deverá pagar, para recuperá-la, será o mesmo que o comprador exigir de terceiros; na retrovenda, o preço que o vendedor da coisa deverá pagar, para obter sua restituição, será o preço da venda, acrescido de correção e despesas.

Em consideração ao objeto clausulado, diferentes prazos deverão ser observados para efeito do exercício do direito de preferência. Assim, segundo estatui o Art. 516 do Código Civil, tratando-se de bem móvel, o direito deverá ser exercido no prazo de três dias e, na hipótese de bem imóvel, o prazo se estende a sessenta dias, ambos contados da data em que o comprador oferecer a coisa ao vendedor. Fica, portanto, patente que o prazo para o direito de preferência ser exercitado nada tem a ver com a data em que foi firmado o contrato de compra e venda, mas, tão-somente, com a data em que o comprador tiver sido afrontado pelo vendedor.

Frise-se, por último, que, tal como ocorre com a retrovenda, a preferência convencional é direito pessoal e, por essa razão, também não se pode ceder nem transferir aos herdeiros (Art. 520 Código Civil).


7. CONCLUSÃO

À luz dos argumentos supra arguidos, conclui-se que o direito de preferência encontra seu maior fundamento no Princípio Constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana, pois, de acordo com tal princípio, ao Estado (lato senso) incumbe assegurar a dignidade, a honra e o respeito de to-do indivíduo, indiscriminadamente, vele dizer, independentemente de classe social, cor, etnia, idade, crédulo religioso, etc. Assim sendo, a pessoa legitimada, frise-se, autorizada legalmente à predile-ção, tem sua dignidade albergada pela lei, o que, em sentido diverso, seria inconcebível num estado republicano e democrático de direito.

Por fim, como já demasiadamente repisado neste trabalho, o direito de preferência busca facilitar a circulação de riquezas dentro do seio social, como também a segurança contratual entre o do-no da coisa (alienante) e o preferente (adquirente), no tocante à lealdade, a probidade e a boa fé (Art. 422 do novel Código Civil), princípios norteadores dos negócios jurídicos, sempre aliado a uma política de interesse público, uma vez que a compra e venda, sobretudo de imóveis, favorece a economia, e esta, por via de consequência, beneficia o crescimento do país, propiciando, portanto, uma mais justa e melhor distribuição de renda.


8. REFERÊNCIAS

CÓDIGO CIVIL. Vade Mecum, 2009, Saraiva.
http://jus.uol.com.br/.../o-direito-de-preferencia-e-suas-peculiaridades
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8245.htm