O CRIME (HEDIONDO) DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL CONTRA MENOR DE 14 ANOS E A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA: a cogente presunção juris tantum, deduzida da análise dos princípios penais[1]

 

Alessandra de Jesus Diniz Lemos

Tereza Lisieux Gomes Martins[2]

 

Sumário: Introdução. 1 O crime de estupro de vulnerável; 1.1 Lei de Crimes Hediondos e estupro de vulnerável; 1.2 Presunção de violência: a relação entre o novel art. 217-A e o revogado art. 224 do Código Penal; 2 Os princípios penais - balizas axiológicas da dogmática penal e o crime de estupro de vulnerável: presunção relativa ou absoluta?; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O presente artigo visa promover um exame crítico sobre o crime de estupro de vulnerável - tipo acrescentado pela reforma criminal de 2009 e disposto no art. 217-A do Código Penal – no que tange às vítimas de idade inferior a catorze anos propondo uma relação com a Lei de Crimes Hediondos e trazendo à baila a discussão quanto à presunção de violência, resquício do revogado art. 224, destacando a inadequação da violência ficta juris et de jure.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Estupro de Vulnerável. Crime Hediondo. Violência Presumida.

 

INTRODUÇÃO

Notória a mutação do direito e sua contínua reformulação frente à casuística moderna, o ordenamento jurídico brasileiro sofreu recentes alterações em matéria penal e, dentre outras, contemplou nova nomenclatura ao Título VI do Código Penal brasileiro intitulando-o Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, oportunidade em que o legislador realizou verdadeira compilação de ilícitos contra vulneráveis.

O crime de estupro de vulnerável – “ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos” – representou uma simples “inovação de redação do tipo” [3] e por isso é fundamental o destaque status quo ante: antes do novel art. 217-A, relevantes discussões doutrinárias e jurisprudências permeavam a aplicação da presunção de violência – revogado art. 224 (presume-se a violência se a vítima: não é maior de 14 (catorze) anos; é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência) das disposições finais dos Crimes Contra o Costume – questionando-se se tratava de presunção absoluta ou relativa.

Nesta seara está situado um profícuo questionamento: a inovação legislativa esgotou a discussão quanto à relativização da violência presumida, devendo a subsunção da conduta ao crime de estupro de vulnerável ser pautada no caráter juris et de jure da presunção? O presente artigo visa insurgir este tema, de forma a estabelecer ainda uma relação com as severas implicações do caráter hediondo atribuído ao tipo penal em apreço.

A fim de viabilizar esta construção, far-se-á a divisão do trabalho em duas partes.

O tópico primário versará sobre o crime de estupro de vulnerável, destacando em dois subitens: a caracterização como crime hediondo e as situações pejorativas que decorrem de tal qualificação; e o delineamento da polêmica sobre a presunção de violência vista a partir do comparativo entre o novel art. 217-A e o revogado art. 224 do Código Penal.

O derradeiro item contemplará uma apreciação aprofundada sobre a violência ficta, sob a égide da dogmática penal e suas balizas axiológicas, de modo a fornecer os subsídios críticos à correta aplicação do crime de estupro de vulnerável.

 

1        O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Inserido em novo capítulo do Título VI – Dos Crimes Contra Vulneráveis – o art. 217-A destaca o quadro axiológico constitucional ao apontar como bens juridicamente protegidos tanto a liberdade quanto a dignidade sexual, sublimando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, corolário do Estado Democrático de Direito.

Leciona Nucci que neste delito a tutela penal é ampliada quanto à proteção “às pessoas incapazes de externar seu consentimento racional e seguro de forma plena”[4] e Greco destaca que há especial tutela ao desenvolvimento sexual, pois o tipo legal contempla o resguardo às vítimas em condições de vulnerabilidade, quais sejam, o menor de 14 (catorze) anos, o enfermo ou deficiente mental, sem discernimento para praticar o ato, ou o indivíduo em estado de incapacidade de resistência. O destaque que se apresenta aqui é para a vulnerabilidade pela idade.

Posto que o objeto deste estudo não seja o exaurimento da descrição do crime de estupro de vulnerável quanto aos elementos objetivos e subjetivos do tipo, tampouco quanto a sua classificação, entende-se oportuno, no entanto, destacar suas modalidades qualificadas, as causas de aumento de pena e a ação penal cabível: em caso de crime preterdoloso, cuja conduta do agente delitivo resulte lesão corporal grave (casos do art. 129, §§ 1º e 2º) ou morte da vítima, remete-se à qualificadora do art. 217-A (§§ 3º e 4º), aumentando-se a pena para 10 (dez) a 20 (vinte) anos e 12 (doze) a 30 (trinta) anos, respectivamente. Quanto às causas de aumento de pena, cogentes são as aplicações dos arts. 226 e 234-A caso seja constatado a incidência de uma das hipóteses previstas nos referidos tipos penais: se o crime for cometido em concurso de pessoas, se relação do agente com a vítima for de autoridade, se do ato resultar gravidez ou contágio de doença sexualmente transmissível. Por fim, a ação penal é de iniciativa pública incondicionada, e conforme o art. 243-A, todos os crimes contra a dignidade sexual tramitam em segredo de justiça[5], com o intuito de proteger a vítima de situações ainda mais vexatórias, sobretudo quando esta vítima é uma criança ou um adolescente em idade inferior a 14 (catorze) anos.

Não se olvida, porém, conforme mencionado em notas introdutórias, que a punição específica às condutas antijurídicas contra vulneráveis, não é uma inovação advinda da reforma de 2009: o Código Penal já previa um tipo de injusto resultante da conjugação entre o crime de estupro (art. 213 em sua formulação anterior à reforma) ou crime de atentado violento ao pudor (revogado art. 214) e a presunção de violência (art. 224), tipo legal localizado nas disposições finais dos Crimes Contra o Costume, que designava tais condutas como casos de violência ficta, possibilitando a tipicidade ainda que não houvesse emprego de vis corporalis ou complusiva.

Ademais, especial característica do crime em foco é a sua qualidade de hediondo, com fulcro na Lei 8.072/90. As implicações desta natureza serão demonstradas no subitem a seguir.

1.1    Lei de Crimes Hediondos e estupro de vulnerável

No que concerne especialmente à designação do crime de vulnerável contra menor de 14 anos (e demais hipóteses de vulnerabilidade, vale ressaltar) como crime hediondo, pontos cruciais merecem considerações.

Tendo como fundamento constitucional o art. 5º, XLIII, in verbis – “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem” (grifo nosso) –, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, Lei dos Crimes Hediondos, foi concebida com o objetivo de impor maiores sanções penais – elevação de penas e restrição a benefícios – aos agentes praticantes de condutas violadoras (especialmente as que implicam em violência ou grave ameaça contra a pessoa) de certos bens jurídicos protegidos pelo Estado, como a vida, a saúde pública e, a dignidade humana e sexual.[6]

No que tange ao delito estudado, três relevantes pontos se destacam: o bis in idem na aplicação do revogado art. 9º da Lei de Crimes Hediondos e as restrições in pejus ao culpado que decorrem da natureza de crime hediondo, abordados a seguir.

O fato de o ilícito penal estar disposto agora em tipo legal autônomo, implica em profunda alteração quanto a polêmica de “atribuir a um pressuposto fático mais de uma sanção punitiva” [7] através da aplicação concomitante da pena por estupro (ou ato violento ao pudor) - em integração com a presunção de violência - e o acréscimo determinado pelo art. 9º da Lei de Crimes Hediondos. Conforme expõe Sanches[8]:

A Lei 8.072/90, em seu artigo 9º, determina que as penas previstas para a prática dos crimes de latrocínio, extorsão mediante seqüestro, estupro e do atentado violento ao pudor, em todas as suas formas, sejam aumentadas da metade quando a vitima encontrar-se em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 do CP. Com a revogação deste dispositivo, parece clara a conclusão de que referida majorante também foi abolida. (grifo nosso)

Pacífica é a doutrina atualizada em considerar este ponto como um acerto do legislador penal, haja visto que a jurisprudência não era solidificada quanto a incidência de bis in idem, conforme denotam os seguintes julgados, provenientes da mesma 6º Turma do Superior Tribunal de Justiça:

A idade da vítima inferior a 14 anos tanto serve para presunção de violência como para aumentar pela metade a pena aplicada. Na primeira hipótese é circunstancia elementar o crime e na segunda causa de aumento prevista em lei esparsa, inexistindo, na hipótese, bis in idem. Precedentes do STF: HC 74.780. (STJ – 6.ª T. – Resp. 165.532) [9].

A afirmação da caracterização da causa de aumento, prevista no art. 9º da Lei 8.072/90, em casos de violência presumida, implica a violação do principio non bis in idem, com indevida atribuição de dupla função a um mesmo fato, qual seja, qualquer dos elencados no art. 224 do CP, em relação ao mesmo crime (CP, art. 213 ou 214). (STJ - 6.ª T. – Resp 209.014) [10].

Cumpre ressaltar que da revogação do art. 9º da Lei de Crimes Hediondos não resultou a desqualificação da conduta (do crime de estupro de vulnerável, antiga “presunção de violência”) como hedionda, pois o mesmo diploma revogador inseriu o inc. VI no art. 1º da referida lei, situando o crime do art. 217-A no rol de crimes hediondos.

Do exposto, conclui-se que, embora inoperante o aumento da pena pela metade, os demais efeitos da hediondez do crime permanecem vigentes, quais sejam: o cumprimento da pena inicialmente em regime fechado; ser o crime insuscetível de anistia, graça e indulto ou fiança; maior decurso de tempo para aplicação da progressão do regime da pena; custodia em presídio de segurança máxima; aumento do prazo máximo de prisão temporária, de 5 (cinco) para 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período.

Vale destacar, todavia, que o STF, em decisão recente (HC 82959) e contrária à Lei nº. 8.072/90 (crimes hediondos), declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2 da referida lei, afastando a proibição da progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos, devendo-se levar em conta o comportamento de cada apenado (tutela da individualização da pena – art. 5º, caput, CF).[11]

1.2    Presunção de violência: a relação entre o novel art. 217-A e o revogado art. 224 do Código Penal

O estudo do crime de vulnerável é remissivo às características do revogado art. 224, cujo nomen juris era presunção de violência: “em outros termos, reproduz-se o disposto no art. 224 no novo tipo penal do art. 217-A, sem mencionar a expressão violência presumida[12], mas remanescente é o destaque para a presunção de violência.

Pierangeli destaca em notas introdutórias sobre o art. 224, CP, a conceituação de presunção:

pertence à chamada prova indireta, ou indiciária, de larga atuação no Direito Processual Moderno. Segundo a doutrina, elas [as presunções] se dividem em dois grandes grupos ou categorias: as legais ou jurídicas e as judiciais. As primeiras, por sua vez, classificam-se em absolutas e relativas; as segundas são as presunções de fato[13]. (grifo nosso)

Esclarece o autor que a adoção de presunção legal absoluta na aplicação da lei penal, “se trata de hipótese de responsabilidade penal objetiva, que o código repudia claramente” [14], não obstante representar afronta a vários princípios constitucionais processuais e princípios penais.

Contudo, quanto a aplicação do art. 224 – da “presunção de violência” – na hipótese da alínea “a”, contra menor de 14 (catorze) anos, este entendimento não era uníssono na jurisprudência brasileira, ainda que apoiado por doutos doutrinadores como Hungria, Noronha e Mirabete[15]. Os recortes de dois julgados demonstram:

O consentimento da menor de quatorze anos para a prática de relações sexuais e sua experiência anterior não afastam a presunção de violência para a caracterização do estupro. (STF – HC 74.580-6) [16] (grifo nosso)

A presunção de violência de que cuida o art. 224, a, CP, não é absoluta e sim relativa. Quando se tratar de menor de 14 anos que demonstre conhecimento de questões relativas à atividade sexual e toma a iniciativa da prática do ato incriminado, apresentando a mesma desenvolvimento precoce que pode induzir o agente a erro quanto a sua idade, é inaplicável a innocentia consilii da ofendida, já que esta regra não é absoluta nos casos de estupro com violência presumida. Elidida a presunção de violência, deixa de se realizar um dos elementos do tipo, e, afastado o dolo do agente, que não forçou a vítima, mas apenas acedeu a uma proposta da mesma de manter conjunção carnal não se configura o crime de estupro. No mesmo sentido: STJ: REsp. 111.672. (TJMG – AC) [17] (grifo nosso)

O fundamento da violência ficta é a innocentia consilii da vítima, conforme cita a derradeira jurisprudência, característica em “faltam-lhe matureza fisiológica e capacidade psicoética para estimar com precisão o ato violador dos bons costumes” [18].

É neste fundamento – em verdade a ausência dele – que se justifica a relativização da violência ficta, estabelecendo a doutrina e massiva jurisprudência as causas em que se deve elidir a presunção, tais como a vida notoriamente promiscua do menor e quaisquer hipóteses de erro de tipo. Intensas são as palavras de Noronha ao posicionar-se sobre tais fatos: “ora, essas menores, meretrizes de porta aberta, deverão ter a seu favor a presunção de innocentia consilii? Seria ir contra a realidade afirmar-se tal coisa” [19].

Com o advento do tipo penal “estupro de vulnerável”, as paulatinas atualizações doutrinárias têm demonstrado que as divergências sobre a natureza da presunção legal que cerca a conduta ilícita contra o menor de 14 (catorze) anos permanecem. Greco[20] e Nucci contrapõem-se: o primeiro assevera que não há dado mais absoluto que a idade e que o legislador penal em diversas passagens dota a lei penal de elementares objetivas e de natureza juris et de jure, devendo o delito do art. 217-A ser interpretado de forma restritiva e absoluta quanto a condição de vulnerabilidade; o segundo, no entanto, ao propor um debate sobre “vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa”, propõe que “a tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta quando se tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescentes (maior de 12 anos)” [21].

A contenda é pertinente e remete à discussão quanto a dogmática penal: da análise da interpretação, sistematização e crítica ao Direito Penal, pode-se derivar a posição mais acertada no que tange à aplicação da norma penal disposta no novel art. 217-A.

2        OS PRINCÍPIOS PENAIS - BALIZAS AXIOLÓGICAS DA DOGMÁTICA PENAL - E O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL: PRESUNÇÃO RELATIVA OU ABSOLUTA?

Mister é uma breve conceituação da Ciência do Direito Penal, ou dogmática penal, se o que se pretende á uma visão macro do sistema penal brasileiro, para deste ponto engendrar uma resposta à polêmica do tema em apreço: é a presunção de violência no crime de estupro de vulnerável relativa ou absoluta?

A dogmática jurídico-penal, ou simplesmente dogmática penal, que por definição “tem por escopo elaborar e desenvolver um sistema, visando a interpretar e aplicar o Direito Penal, de modo lógico (formal e material) e racional”, contexto em que “tem lugar a interpretação, a sistematização e, ainda, a crítica intra-sistemática” [22]. Nesta seara, está inserido um verdadeiro arcabouço axiológico derivado de mandamentos constitucionais, ou reflexos da ordem social vigente: os princípios penais, que constituem “os pilares sobre os quais assentam as instituições jurídico-penais”, como os delitos.

Do exposto, torna-se aclarada a via de solução para o tema deste artigo: a ponderação dos princípios penais é subsídio suficiente para afastar a pretensa violência ficta em caráter absoluto, que alguns pretendem firmar. Destarte, não há coexistência entre o princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade e a presunção legal juris et de jure; tampouco os princípios da insignificância e da proporcionalidade comportam a subsunção de uma conduta ao crime do art. 217-A (e a consequente elevada pena cominada) desconsiderando-se a ausência de innocentia consilii, em alguns casos.

Não obstante, Franco assinala uma jurisprudência esclarecedora a respeito da inconstitucionalidade da presunção de violência:

O princípio do contraditório e a presunção que não admite prova em contrário, juris et de jure, são noções antitéticas. Assim a Constituição de 1988 não recepcionou a presunção juris et de jure para a exegese do art. 224, a, do CP. Violência ficta haverá, sim quando a vítima, na faixa etária cogitada, for mesmo incapaz de consentir. Muitas vezes essa presunção exsurge nítida, preto no branco, em relação, por exemplo, a uma vítima de dez ou onze anos. Todavia, há uma área cinzenta, em que não se pode desconsiderar a prova favorável ao acusado. (TJDF – AC.) [23] (grifo nosso)

Ademais, razoável é a posição de Nucci ao reclamar que “se durante anos debateu-se, no Brasil, o caráter da presunção de violência – se relativo ou absoluto –, sem consenso, a bem da verdade, não será a criação de novo tipo penal o elemento extraordinário a fechar as portas para vida real” [24]. O aspecto fático e casuístico tem intrínseca relação com a legalidade e a legitimidade do ordenamento jurídico, como um todo: se, no caso específico (em matéria penal), o que se pretende é uma dogmática jurídico-penal fundada em dogmas de moralidade anacrônicos – como a verdade absoluta de que menores de 14 anos não gozam de discernimento ou autodeterminação em matéria sexual –, o resultado é uma Ciência Penal de óbices profundos, rompida com a realidade, com o homem moderno.

De fato, como imputar à alguém um delito com nuances tão gravosas, como o fato de ser crime hediondo, sem que haja verdadeiro desvalor da ação, se contrastada com a realidade social em que se insere tal conduta?

Face aos princípios supracitados e à segurança jurídica que deve exalar da lógica e racionalidade do Direito Penal, parece justa a declaração de que “a Constituição de 1988 não recepcionou a presunção juris et de jure para a exegese do art. 224, a, do CP”, supracitada na jurisprudência. E não resta imprecisão quanto à extensão desta interpretação ao novo tipo penal do art. 217-A: não há que se questionar a adoção da presunção legal absoluta na aplicação do estupro de vulnerável, sob pena de confrontar extenso rol de princípios penais – que funcionam como balizas de aplicação da lei penal –, além de estabelecer abominável responsabilidade penal objetiva.

 

CONCLUSÃO

Ao ensejo de conclusão deste estudo, importa firmar que o advento do crime de estupro de vulnerável, através da Lei nº 12.015/09, não representou a criação de uma nova conduta delitiva, mas mera “inovação de redação de tipo”.

Do exposto, características peculiares foram mantidas, até mesmo a qualificação como crime hediondo (apesar da inaplicabilidade do aumento de pena em metade) e as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a violência ficta, se de natureza relativa ou absoluta.

Resta concluso através deste exame, que a dogmática penal não deve oferecer brechas à afronta de seu arcabouço axiológico, nem tampouco a exegese do art. 217-A deve ser baseada em entendimento tão retrógado e destoante à ordem jurídica moderna – ao Estado Democrático de Direito – quanto a presunção de violência em caráter juris et de jure.

 

REFERÊNCIAS

 

DIREITO NET. Afastada proibição da progressão de regime a condenados por crime hediondo e tráfico de drogas. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/noticias/ exibir/8583/Afastada-proibicao-da-progressao-de-regime-a-condenados-por-crime-hediondo-e-trafico-de-drogas>. Acesso em: 21 maio 2010.

FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. v. II. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à reforma criminal de 2009: e à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. v. III. 7. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v III. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei 12.015, de 7 de Agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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PIERANGELI, José Henrique. Escritos jurídico-penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 


[1] Trabalho apresentado à disciplina Direito Penal Especial II em 2010.2

[2] Acadêmicas do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 6. ed., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 829.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei 12.015, de 7 de Agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 33.

[5] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. v. III. 7. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 523.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.593-594.

[7] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. v. II. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 3219.

[8] GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à reforma criminal de 2009: e à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 50.

[9] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. op. cit., p. 3223.

[10] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. op. cit., p. 3224.

[11] DIREITO NET. Afastada proibição da progressão de regime a condenados por crime hediondo e tráfico de drogas. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/8583/Afastada-proibicao-da-progressao-de-regime-a-condenados-por-crime-hediondo-e-trafico-de-drogas>. Acesso em: 21 maio 2010.

[12] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 35

[13]PIERANGELI, José Henrique. Escritos jurídico-penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 163.

[14] PIERANGELI, José Henrique. p. 167.

[15] PIERANGELI, José Henrique. p. 168.

[16] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. op. cit., p. 3204

[17] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. op. cit., p. 3196.

[18] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v III. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 194.

[19] NORONHA, E. Magalhães. p. 194.

[20] GRECO, Rogério. op. cit., p. 511-514.

[21] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 830.

[22] PRADO, Luiz Regis. op. cit., p. 57.

[23] FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. op. cit., p. 3195.

[24] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 37.