O CRIME DE RIXA, A RESPONSABILIDADE PENALDOS AGENTES E O CONFLITO ENTRE AS TEORIAS CONSEQUENCIAIS DA RIXA QUALIFICADA Luís Gonzaga Braga de Freitass Pedro Paulo Romano Lopes Gabriel Ahid costa SUMÁRIO: Introdução; 1 - O crime de rixa e o compreendimento jurídico nacional; 2- As teorias da rixa qualificada; 3- A responsabilidade penaldos agentes no crime de rixa qualificada; Conclusão; Referências. RESUMO No presente trabalho busca-se, primeiramente, entender como o crime de rixa se faz presente no aparato jurídico nacional, fazendo, para tal, uma análise principalmente do Código Penal e da doutrina que permeia o crime supracitado; ainda neste contexto, far-se-á uma dissecação perante as teorias da rixa qualificada, compreendendo suas peculiaridades. Logo após, analisar-se-á sobre a égide do Direito Penal, como a aplicação do tipo penal rixa, conforme disposto no código penal, influi naresponsabilidade do agente, fazendo uso do compreendimento adquirido perante a análise das teorias da rixa qualificada, bem como a própria rixa qualificada. Por fim, após a análise completa do crime em epígrafe, bem como suas teorias que o qualificam, o ensaio será concluído perante a subsunção com a responsabilidade penal do agente no crime supracitado. Palavras - chave:Direito Penal. Crime de Rixa. Rixa Qualificada. Teorias. INTRODUÇÃO Primeiramente far-se-á uma leitura do aparato jurídico nacional, sobretudo naquilo que diz respeito ao Código Penal e a doutrina que versa sobre o assunto em tese, a fim de entender como aparece caracterizado neste o crime de rixa, em todas as suas peculiaridades. Logo após, analisar-se-á as teorias da rixa qualificada, no que diz respeito a sua essência como tipo penal, e, ainda, qual das teorias é aceita no Brasil e como é seu método de aplicação. Por fim, tendo em vista todo o conhecimento adquirido nos capítulos anteriores, tentar-se-á buscar uma conclusão acerca do tema, fazendo constar a responsabilidade penal do agente como item imprescindível na conclusão da análise para o ensaio elaborado, tendo em vista que os capítulos primeiros visam teorizar e compreender o que é o crime de rixa; ainda, será utilizada para embasar tal conclusão parte da doutrina nacional, contemplando o compreendimento do Código Penal. 1 O CRIME DE RIXA E O COMPREENDIMENTO JURÍDICONACIONAL Em consonância com o artigo 137 do Código Penal brasileiro, o tipo de crime conhecido como rixa é apresentado para nós da seguinte forma: “Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.”. O fato torna-se típico para o Direito Penal assim que o individuo se encaixar na conduta acima. Desta forma, podemos concluir que só o ato de juntar-se a rixa, com observância da exceção exposta pelo legislador, configura crime, praticando-se por três ou mais indivíduos. Compreendido o anterior, deve ser ponderado que o crime de rixa e o principio da solidariedade andam de mãos dadas, compreendido que uma vez que se participa da rixa em consonância com animus rixandi, todos os que estiverem no meio, também são considerados rixosos, ou praticantes do crime de rixa. No que diz respeito ao objeto jurídico protegido pelo tipo penal da rixa, deve-se levar em conta que de cara é de se imaginar que ameaça a ordem publica, contudo, o bem jurídico tutela é a incolumidade psíquica, bem como a integridade física do individuo.Ainda, o sujeito ativo do crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, tendo em vista este ser plurissubjetivo. O sujeito passivo também pode ser qualquer individuo. Curiosa é a observação de que quem pratica o crime de rixa é tanto sujeito ativo, quanto passivo. Isto pode ser compreendido dada vista de que o crime em epígrafe é um verdadeiro tumulto generalizado, contando com a participação de mais de três indivíduos. Por este raciocínio, é fácil compreender que quem está praticando, também esta sofrendo a conduta de forma passiva. O crime de rixa tem como tipo objetivo a participação. Nesta linha de pensamento, aponta Cezar Roberto Bitencourt que no tipo penal destacado, pode haver tanto a participação material, quanto a moral. O material, como a própria nomenclatura sugere, remete àquele que efetivamente participa do crime, pratica atos. Por exclusão, é possível que se conclua que o auxilio moral se compreende no que instigou os indivíduos rixosos, mesmo que aquele não esteja no local o qual a conduta ocorreu. O elemento subjetivo do crime é o dolo , sem dúvidas. Não há (nem poderia haver) rixa culposa. Este dolo consiste na pura vontade (animus rixandi) de praticar o crime em análise. O crime de rixa analisado do aspecto da consumação e tentativa nos remete a dois tipos. A rixa ex improviso e ex proposito . Na primeira, é impossível a tentativa, pois esta decorre no momento da ação, não há premeditação. Ou ocorre a rixa, adentrando no tipo, ou simplesmente não ocorre o tumulto generalizado, tornando-se atípico o fato. Contudo, na segunda hipótese, por tratar-se de crime premeditado, ou por nomenclatura consonante, combinado previamente, há tentativa, podendo vir a acontecer a rixa ou não, porém a configuração é difícil. A doutrina brasileira compreende as figuras da rixa qualificada. De antemão, conforme o código penal em seu parágrafo único tem-se: “Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.”. Neste raciocínio, o legislador compreende que se houver morte ou a lesão corporal grave, configura hipótese de rixa qualificada. Como já mencionado, pelo principio da solidariedade , o individuo que praticar rixa simples, porém, outro rixoso praticar qualificada (não sendo este identificado), visto que o resultado seja morte ou lesão corporal de natureza grave, também responderá pela rixa qualificada. Para maior compreensão da rixa qualificada e suas teorias, o capítulo seguinte irá expor melhor o conteúdo tratado. Por fim, é importante compreender que a ação Penal do crime de rixa é a pública incondicionada , ou seja, não há subordinação a quaisquer requisitos, não dependendo de prévia manifestação para que seja instaurada. Apesar de não ser a corrente que prevalece: no caso do crime ser praticado na modalidade qualificada, para evitar bis in idem o autor do homicídio ou lesão grave será responsabilizado por rixa simples em concurso com o crime anterior. Na verdade o que prevalece é que o autor responde sim pela rixa qualificada e pelo homicídio ou lesão grave. 2 AS TEORIAS DA RIXA QUALIFICADA Dentre as teorias que discutem a rixa qualificada, segundo a nossa doutrina, podem-se apresentar três, sendo estas: Teoria da solidariedade absoluta, Teoria da cumplicidade correspectiva e Teoria da autonomia. A teoria da solidariedade absoluta diz que todos os indivíduos que participarem com dolo na rixa qualificada respondem por lesão grave ou homicídio (conforme disposto no parágrafo único do artigo 137 do Código Penal), independente de quem foi declarado como culpado pela qualificadora. Isto é, mesmo que seja identificado o individuo que causou lesão grave ou homicídio, todos que participaram do tipo penal, serão tipificados na qualificadora. Na teoria anterior pode ser notado um problema bastante perturbador. Mesmo que se descubra o individuo que tem legitimidade de autoria na rixa qualificada, todos que participaram também respondem pela conduta mais gravosa. Tal teoria fere o principio proporcionalidade e, ainda, a teoria monista que se adota no Brasil. Cada um deve responder pelo seu delito na medida de sua culpabilidade. Ora, se no Brasil a teoria supracitada fosse adotada, haveria um desequilíbrio nas teorias mencionadas a pouco. Desta forma, o Brasil não adota esta teoria. A teoria da cumplicidade correspectiva afirma que mesmo que não seja apurada a autoria de quem provocou a lesão grave ou o homicídio, responderá pela rixa qualificada, contudo, receberá uma pena intermediária, sendo assim, com uma pena inferior a do participe real e do autor de mesma natureza, pelo evento mais grave da conduta. Novamente um conflito com a teoria da cumplicidade correspectiva e o principio da proporcionalidade. Se o individuo que causou o resultado mais grave, ou seja, rixa qualificada, for punido com uma pena semelhante a de quem concorreu para rixa simples, ter-se-ia um desequilíbrio na aplicação da pena, haja vista que o individuo que teve resultado mais gravoso ia ter pena mais leve que a que lhe era devida. Sendo assim, conclui-se, então, que esta também não é a teoria adotada no Brasil. Por fim, tem-se a teoria da autonomia , esta induz que a rixa será punida como seu próprio tipo, independente do resultado (lesão grave ou morte), estes serão apenas qualificadores. Caso seja identificado o real autor, somente este será punido pela rixa qualificada. A teoria da autonomia é adotada no Brasil. Afim de que a teoria monista das penas seja aplicada de forma eficaz, quando o autor do resultado mais grave, este, e somente este, será punido pela rixa qualificada, enquanto os demais serão punidos pela rixa simples. O motivo é simples, se um individuo causa um dano maior que outro, este deve ser punido da maneira mais leve que aquele. Por isso, quem é autor deve ser punido conforme sua autoria. Contudo, caso não seja identificado o autor, todos respondem pela rixa qualificada, tendo em vista o resultado grave que resultou do tipo penal. 3 A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AGENTES NO CRIME DE RIXA QUALIFICADA Artigo 137, Parágrafo único, Código Penal: “Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.” Esta pena disposta no Código Penal diz respeito somente ao crime de rixa em si, ou seja, não significa dizer que o autor (ou os autores) do homicídio ou da lesão grave em si não responderá pelo crime cometido, na verdade este responderá pelo homicídio (ou lesão grave) em concurso com a rixa qualificada. Os sujeitos do crime de rixa são ativos e passivos ao mesmo tempo, tendo em vista que é um crime plurissubjetivo, além do mais, todos podem praticar ações que tornem este crime qualificado (lesão grave ou morte decorrente da rixa). Porém, nas lições de Cézar Roberto Bitencourt: “No entanto, ninguém pode ser, ao mesmo tempo, sujeito ativo e passivo do crime de sua própria conduta. Na realidade, o rixoso sujeito ativo da conduta que pratica em relação aos demais e sujeito passivo das condutas praticadas pelos demais rixosos. Os rixosos agem uns contra os outros; por isso esse misto de sujeito ativo-passivo do mesmo crime.” Diferente dos outros crimes de perigo, a rixa pode ser qualificada tanto à titulo de culpa como de dolo, além de que a qualificadora deve ser decorrente exclusivamente da rixa, e não de outro caso à parte. Também é possível que uma vítima de lesão grave na rixa seja responsabilizado pelo crime em questão, como disserta João Carlos Carollo em seu artigo “Crime de rixa e sua vexata quaestio”: “Aspecto peculiar do crime de rixa, causador de perplexidade aos estudantes das primeiras linhas do Direito Penal, é o fato de a vítima da agressão grave também responder pela rixa qualificada, contudo não há razão para tanto, basta analisar o parágrafo único do art. 137 do Código Repressivo, onde se encontra a brilhante expressão que dá fundamento a essa conclusão: ‘pelo fato da participação na rixa’. A vítima, ao participar da rixa, já comete o delito, isto é, nesse momento, ela e os outros rixosos já criaram uma situação de perigo, não somente para estes, como também para os transeuntes que possam passar pelo local da contenda.” Vemos então que nada impede de um participante da rixa que sofre uma lesão grave, proveniente do crime em questão, ter imputado à ele a rixa qualificada. Pois mesmo não participando e não querendo o resultado, este é totalmente previsível no campo de resultados possíveis provenientes da rixa. Sendo assim, a questão que fica é sobre a responsabilidade penal objetiva dos participantes da rixa, ainda segundo o artigo de Carollo: “O tema mais debatido, entretanto, na doutrina e na jurisprudência se refere à existência, ou não, da famigerada responsabilidade penal objetiva no crime de rixa. Alguns doutrinadores vislumbram essa possibilidade ao analisar a expressão contida no parágrafo único do art. 137, CP, que diz: ‘Pelo fato da participação na rixa’. O exemplo mais ventilado é o da morte que ocorre após a saída do rixoso, mas ainda com a rixa em desenvolvimento. Outra hipótese alegada por alguns autores é com relação aos rixosos que, segundo esses autores, não atuaram com dolo ou culpa em relação à lesão grave ou morte; só teriam atuado com dolo em relação à rixa, não aderindo à conduta do causador direto da qualificadora. Nos dois casos, todos os rixosos responderão pela rixa qualificada. Grande parte da doutrina entende que tanto o rixoso que saiu da rixa, como os rixosos que só queriam a rixa, e não a qualificadora, não agiram com dolo ou culpa e, portanto, haveria ao menos resquícios da responsabilidade penal objetiva. Não comungamos tal entendimento. Os rixosos, ao participarem da rixa, têm ampla previsibilidade do resultado (culpa é a imprevisão do previsível), ou seja, a ocorrência da lesão grave ou morte, conquanto não desejada, é perfeitamente previsível e, consequentemente, haverá culpa. Para a ocorrência da responsabilidade penal objetiva, há necessidade de total falta de culpa, o que efetivamente não acontece. Nelson Hungria brilhantemente escreve: ‘Nenhum deles, portanto, responde pelas consequências que não produziu, mas pelas consequências não imprevisíveis de uma situação ilícita, a que consciente e voluntariamente prestou sua cota de causalidade’.” Sendo assim o desenvolvedor do artigo defende o lado de que a responsabilidade penal objetiva (aquela que se admite a responsabilidade mesmo o agente não agindo com dolo ou culpa) se faça possível. Porém os agentes do crime de rixa não serão responsabilizados por consequências que não produziram, como lesão grave ou homicídio que qualificam a rixa, mas sim por comungarem com o crime e suas previsíveis consequências provenientes de uma situação que vieram a participar de forma consciente e voluntária como lecionou Nelson Hungria. Já para Anderson Dias de Souza, em seu artigo “Direito Penal: responsabilidade objetiva e teoria da imputação objetiva do resultado”, defende que tal responsabilidade penal objetiva vai de contra à doutrina do Direito Penal em si, já que se preza pela responsabilidade pessoal, nas palavras do próprio: “A responsabilidade penal objetiva significa que a lei determina que o agente responda pelo resultado ainda que agindo com ausência de dolo ou culpa, contrariando, assim, a doutrina do Direito Penal fundada na responsabilidade pessoal e na culpabilidade. Inclusive nas infrações penais lesivas ao meio ambiente constantes na lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, ao prever a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, dispõe no artigo 3º, caput, que estas apenas podem responder por tais ilícitos quando a infração for praticada por decisão de seu representante legal ou contratual, ou, de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio de sua entidade, exigindo-se, dessa forma, o dolo e a culpa dessas pessoas naturais.” Desse modo vemos que na visão do autor do artigo a responsabilidade penal objetiva é uma “ofensa” à doutrina penal, visto que essa prima pela responsabilidade pessoal e pela culpabilidade. Não há do que se falar em imputar crimes a alguém se esta não é de fato culpada pelo crime em questão. Nesse caso o autor do homicídio ou lesão grave responderia pelo homicídio ou lesão em concurso com a rixa qualificada e os demais pro rixa simples (teoria da autonomia adotada no Brasil). Isso não só no âmbito das pessoas físicas, como no caso dos crimes de rixa, mas também nos casos de crimes ambientais de pessoas jurídicas. Estas só podem responder por decisões dolosas ou culposas de seus representantes legais ou contratuais, caso contrário, não há o que se falar em responsabilidade por crimes ambientais destas pessoas jurídicas em questão. CONCLUSÃO Compreende-se no presente ensaio que o crime de rixa tem algumas peculiaridades. É um crime plurissubjetivo, que necessita da participação de no mínimo 3 pessoas, sem distinção de partido (duas pessoas agredindo uma terceira). Diferentemente dos demais crimes de perigo, a rixa pode ser qualificada tanto por resultados dolosos ou culposos, fazendo com que o agente do homicídio ou lesão grave que qualificou a rixa, responda em concurso material de crimes. É possível perceber também que no crime de rixa se admite a participação, podendo esta ser material ou moral, ou seja, desde o empréstimo de uma arma (sabendo que seja para o uso ilícito) até palavras de incentivo ou instigação, ambos irão se caracterizar como uma participação no crime. Entende-se que no crime de rixa, ao agir com ausência do animus rixandi, que se torna evidente ou quando uma pessoa interfere na rixa com o objetivo de cessá-la, ou então em uma legítima defesa, a pessoa não estará cometendo o crime de rixa. Esta legítima defesa só pode ocorrer quando é feita por um terceiro, que não estava participando do crime e é atingido injustamente. Devendo a legítima defesa no caso em questão ser proporcional e suficiente para cessar a injusta agressão. Dentre as teorias que versam sobre a rixa qualificada, foi evidenciado que adotamos no Brasil a teoria da autonomia, que defende que o autor do homicídio ou lesão grave responderá por este crime em concurso com a rixa qualificada, enquanto os demais responderão somente por rixa simples, tornando impossível a aplicação da responsabilidade penal objetiva. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial São Paulo: Saraiva, 2012. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2012. CAROLLO, João Carlos. Crime de rixa e sua vexata quaestio. Disponível em: Acesso em: 20/04/2014. GRECO, Rogério.Curso de Direito penal – Parte Especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. V. 2. São Paulo: Atlas, 2007. SOUZA, Anderson Dias de. Direito Penal: responsabilidade objetiva e teoria da imputação objetiva do resultado. Disponível em: Acesso em: 20/04/2014.