O CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELO PODER JUDICIÁRIO

Túlio Licinio Curvelo Garcia

Sumário: Introdução; 1 Conceito de ato administrativo; 1.1 Elementos do ato administrativo 2 Discricionariedade e vinculação dos Atos administrativos; 3 Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema; Conclusão; Referências.

Resumo

Este estudo pretende analisar os atos administrativos vinculados e discricionários, especificadamente no tocante ao controle destes pelo Poder Judiciário. Com a ampliação da abrangência do principio da legalidade, surgindo o princípio da juridicidade, segundo o qual deve a Administração Pública estar em conformidade com o ordenamento jurídico como um todo, incluindo os princípios constitucionais e do direito administrativo. Discute-se a possibilidade do Poder Judiciário julgar o mérito de atos administrativos, ao invés do restrito juízo de valor acerca da legalidade ou não desses atos. Através da pesquisa e análise dos princípios constitucionais e próprios do direito administrativo, dos posicionamentos de renomados doutrinadores e da jurisprudência pátria mais moderna, procura-se conhecer de que forma ocorre atualmente o controle dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário.
Palavras ? chave
Atos Administrativos vinculados e discricionários. Principio da legalidade. Principio da Juridicidade. Poder Judiciário. Julgamento do mérito.




Introdução

O Estado Democrático de Direito instaurado no Brasil com a Constituição de 1.988 trouxe consigo o dever de subordinação da Administração Pública à lei. Essa subordinação pode ser de forma vinculada, quando a lei determina todos os aspectos necessários para determinada atividade, ou discricionária, quando a lei permite certa margem de discricionariedade para que a Administração Pública possa atuar de acordo com a oportunidade e conveniência de seus atos, conforme se verá no decorrer do trabalho.
Todavia mesmo nos casos de discricionariedade, há uma vinculação relativa, não pode o Estado atuar de forma a desrespeitar outras leis, principios constitucionais ou administrativos, em função disso, o principio da legalidade teve sua aplicação e interpretação ampliada, surgindo, assim, o principio da juridicidade. Nos moldes deste principio, os ato estatais, além de atender aos interesses públicos, devem estar de acordo com todo o sistema jurídico brasileiro, incluindo-se os princípios.
Percebemos, então, que com o surgimento do principio da juridicidade, evolução do principio da legalidade, os atos administrativos discricionários não mais se sujeitam apenas ao simples controle de legalidade formal, devendo obedecer somente as formalidades e procedimentos previstos em lei, e sim à um controle de seu próprio conteúdo que além de atender a exigência do interesse publico, deve se mostrar em conformidade com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
O objetivo desta pesquisa é justamente verificar se é possível o controle pelo Poder Judiciário da discricionariedade desses atos derivados da Administração Pública, sem interferir na independência dos Poderes, garantida constitucionalmente. Estudar-se-á a possibilidade de julgamento do mérito, pelo Poder Judiciário, dos atos administrativos discricionários da Administração Pública e também sua possível anulação pelo mesmo, em função da desconformidade com o interesse publico ou com o principio da juridicidade, através de análise de consagrada doutrina e da jurisprudência, verificaremos o estágio em que se encontra a questão

1 Conceito de Ato administrativo
De início, mister se faz a distinção entre fatos da administração e atos administrativos, assim como no direito civil, os primeiros são acontecimentos naturais, independentes do homem e não produzem efeitos jurídicos, enquanto que os segundos decorrem da vontade humana, são praticados unilateralmente e produzem efeitos jurídicos.
Maria Sylvia Zanella di Pietro (2006, p. 201) inclui os atos administrativos no rol de atos da administração, juntamente com: os atos de direito privado; os atos materiais; atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor; atos políticos; contratos e atos normativos. E posteriormente o conceitua como "a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder Judiciário".
Então, o Poder Executivo se comunica com o mundo jurídico através dos atos administrativos (CRETELLA JÚNIOR, 1988, p. 113). Neste sentido:
Ato administrativo é, assim, a manifestação unilateral de vontade da administração pública, que tem por objeto constituir, declarar, confirmar, alterar ou desconstituir uma relação jurídica, entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e agentes. [...]. Ficam excluídas, destarte, apenas as atividades que sejam formalmente legislativas (emenda à Constituição, lei complementar à Constituição, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo e resolução), compreendendo, outrossim, todos os demais atos normativos que sejam praticados por magistrados, legisladores e outros agentes, inclusive por órgãos constitucionalmente autônomos, na gestão introversa, dos respectivos atos, serviços, bens e pessoal, além de todos aqueles atos, extroversos e introversos, de competência do Poder Executivo. (MOREIRA NETO, 2006, p. 136)
Portanto, é por meio do ato administrativo que a Administração Pública manifesta sua vontade que produza efeitos jurídicos, sendo, inclusive, reconhecido como espécie do gênero ato jurídico pela doutrina.
1.1 Elementos do ato administrativo
A Lei 4.717/65, que regula a ação popular, em seu artigo 2º de forma indireta determina os elementos, requisitos, aspectos ou pressupostos como denomina a doutrina, que compõe o ato administrativo, isto porque elenca as causas de nulidades dos atos. São eles: competência; forma, objeto, motivo e finalidade. Maria Sylvia Zanella di Pietro considera mais correto o termo sujeito, ao invés de competência, isto porque além de competente, o sujeito deve ser capaz para o ato ser válido, conforme determina o Código Civil.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 360-377) realiza uma classificação distinta. Segundo o autor o conteúdo e a forma são os elementos do ato, e os pressupostos do ato se dividem em pressupostos de existência e de validade, os primeiros são o objeto e a função administrativa e os segundos são o sujeito, o motivo, os requisitos procedimentais, a finalidade, a causa e a formalização.
Adotaremos para fins desse estudo a classificação já citada, por ser mais tradicional, proposta por Hely Lopes Meirelles (2004, p. 148-152) em conformidade com a Lei supracitada: competência; forma, objeto, motivo e finalidade.
Sobre estes elementos constitutivos do ato administrativo, Diogo de Figuereiro Moreira Neto (2006, p. 137) elucida:
Recorde-se que o ato jurídico apresenta três elementos sobejamente conhecidos: o agente capaz, a forma prescrita ou não defesa em lei e o objeto lícito. O ato administrativo, como espécie do gênero do ato jurídico, não poderia deixar de ter os mesmos três elementos básicos que se apresenta o gênero que a pertence. Sua compreensão, entretanto, necessita de mais dois outros elementos, que, no genus, poderiam até aparecer como elementos acidentais, mas, em se tratanto da species aqui estudada, são a ela essências: a finalidade e o motivo.
Competência administrativa é a atribuição dada, por meio de lei, aos órgãos, entidades publicas ou agentes públicos para que produzam atos administrativos em nome da Administração Pública e compatíveis com seu interesse.
Quanto à forma Maria di Pietro ( 2006, p. 217) identifica na doutrina duas concepções:
Uma concepção restrita, que considera forma como a exteriorização do ato, ou seja, o modo pelo qual a declaração se exterioriza; nesse sentido, fala-se que o ato pode ter a forma escrita ou verbal, de decreto, portaria, resolução etc. Uma concepção ampla, que inclui o conceito de forma, não só a exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato.
Na primeira há uma concepção do ato isoladamente, enquanto que na segunda se considera o procedimento. A forma, em geral, é o meio de exteriorização do ato administrativo, tornando-o público, juntamente com a necessidades de se observar o procedimento previsto em lei para sua elaboração, sob pena de invalidade do ato.
O objeto ou conteúdo é o resultado pretendido pela Administração pública com determinado ato administrativo, que será sempre a constituição, declaração, confirmação, alteração ou desconstituição de uma relação jurídica. (NETO, 2006, p. 140)
Em sentindo amplo, a finalidade é e sempre deve ser a satisfação do interesse público, em função disso alguns autores consideram a finalidade como um elemento vinculado ao ato administrativo. Restritamente, interpreta-se que a finalidade é específica para cada ato administrativo, porém sempre em conformidade com o interesse o público.
No tocante ao motivo, Maria di Pietro (2006, p. 220) o define como pressuposto de fato, conjunto de circunstâncias que levaram a Administração Pública a praticar tal ato, e de direito, dispositivo legal em que se baseia o ato. E posteriormente realiza a distinção entre finalidade e motivo:
(Finalidade) Distingue-se do motivo, porque este antecede a prática do ato, correspondendo aos fatos, às circunstâncias, que levam a Administração a praticar o ato. Já a finalidade sucede à prática do ato, porque corresponde a algo que a Administração quer alcançar com sua edição.
Tanto motivo como finalidade contribuem para a formação da vontade da Administração: diante de certa situação de fato ou de direito (motivo), a autoridade pratica certo ato (objeto) para alcançar determinado resultado (finalidade).
Veremos adiante que o controle do Poder Judiciário ocorre geralmente em função desses últimos dois elementos do ato administrativo, que sob a proteção da discricionariedade, oportunidade e conveniência, podem gerar situações de abuso de poder e desvio de finalidade.
2. Discricionariedade e vinculação dos Atos administrativos
Há na doutrina diversas classificações acerca dos atos discricionários, porém, para fins deste estudo, analisaremos apenas a distinção realizada devido à margem de liberdade atribuída à Administração para a criação de um ato administrativo.
Atos administrativos vinculados são aqueles em que não há qualquer margem de discricionariedade por parte do Poder Executivo para manifestação de sua vontade, o objeto do ato encontra-se de forma completa já previsto em lei, a norma jurídica esgota a definição de todos os elementos essenciais da atividade estatal. (NETO, 2006, p. 113)
No caso dos atos administrativos discricionários a lei permite certa margem de liberdade ao administrador para que atue conforme seu juízo de oportunidade e conveniência diante do caso concreto. À respeito da discricionaridade:
A margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis perante cada caso concreto, afim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal quando, por fluidez das expressões da lei ou de liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a solução vertente.(MELLO, 1992, p. 48)
Maria di Pietro (2006, p. 221) discursando sobre a necessidade de motivação destes atos esclarece que há divisão na doutrina. Alguns consideram ser obrigatória a motivação apenas nos casos de ato vinculado, pois há a necessidade de provar que está de acordo com os motivos expostos na lei, outra parte da doutrina considera ser necessário apenas para atos discricionários, pois sem ela não seria possível conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram a Administração a realizar tal ato. Posteriormente, afiliando-se a corrente majoritária, afirma ser a motivação, em regra, necessária tanto para atos vinculados como discricionários, pois é fundamental para o controle de legalidade.
É válido ressaltar que ato discricionário não se constitui em total arbítrio para o administrador, este deve também obedecer à determinados preceitos legais. Mesmo os atos discricionários são previstos em lei. . O que há, em verdade, é uma maior independência na escolha das ações a serem tomadas para alcançar o fim social, porém sempre dentro dos limites impostos pela lei. Em função disso, a doutrina ressalta que não existem atos que são sempre totalmente vinculados, nem atos que são totalmente discricionários. Tanto os atos discricionários são evidentemente limitados pela lei, quanto os atos vinculados podem guardar certa discricionariedade no tocante a formalidades. O que os distingue é o grau de predominância da vinculação ou da discricionariedade. (SOUZA, 2007, p. 22)
3 Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema
A questão da apreciação do mérito do ato administrativo, o juízo de oportunidade e conveniência realizado pela Administração Pública, pelo Judiciário durante muito tempo não era vista como possível pela doutrina e pela jurisprudência, devendo aquele se restringir a julgar a legalidade do ato, verificando se estava cumprindo as formalidades necessárias. É o posicionamento de Waldo Fazzo Júnior:
Cumpre consignar que, no espectro dos atos discricionários, seu mérito é insuscetível de ser controlado pelo Poder Judiciário, salvo no que pertine com sua legalidade. Oportunidade e conveniência que implementaram o ato são insidicáveis, porque peculiares ao mister executivo (2002, p. 131)
Ainda nessa corrente:
Limita-se o controle jurisdicional, nos casos concretos, ao exame de legalidade do ato ou da atividade administrativa. Escapa-lhe, por conseguinte, o exame do mérito do ato ou da atividade administrativa. Assim, os aspectos de conveniência e oportunidade não podem ser objeto deste controle. A Autoridade jurisdicional pode dizer o que é legal ou ilegal, ma não o que é oportuno ou conveniente e o que é inoportuno ou inconveniente. (GASPARINE, 2007, p. 914)
Neste mesmo sentido, a 6ª turma do STJ julgou:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL. ATO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE OU ABUSO. INEXISTÊNCIA. - Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque ao Judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado substituir o Administrador Público. - Recurso ordinário desprovido." (STJ, SEXTA TURMA, RMS 14967/SP, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJ 22.04.2003 p. 272)
Existem inúmeros outros julgados afirmando não ser possível o julgamento do Poder Judiciário no que se refere aos critérios de oportunidade e conveniência, por se tratarem de atos discricionários da Administração Pública, devendo apenas julgar a conformidade deste atos com a lei. (por exemplo: TJPI - Agravo de Instrumento: AI 200900010013630 PI; TJRN - Agravo de Instrumento com Suspensividade: AI 13470 RN 2009.013470-0; STJ ? Recurso Ordinário em Mandado de Segurança: RMS 28236 PA 2008/0252737-1; STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança: RMS 25001 MS 2007/0207775-2; STJ, Relator Min. Vicente Leal, RMS 14967/SP)
Todavia, com o crescimento das irregularidades cometidas pela Administração Pública em nome dessa discricionariedade que lhe é atribuída, houve uma transformação na doutrina, que vem sendo acompanhada pela Jurisprudência, no sentido de que o Poder Judiciário pode apreciar o mérito administrativo.
Odete Medauar (2007, p. 396-297) compartilha desse posicionamento mais moderno, afirmando a possibilidade do Poder Judiciário controlar os motivos, os antecedentes de fato e as justificativas jurídicas que determinaram a realização do ato administrativo.
A mesma doutrinadora elucida os dois posicionamentos existentes na doutrina e na jurisprudência e os seus argumentos:
Há um posicionamento favorável ao controle restrito, para que se circunscreva à legalidade entendida também de modo restrito. Em geral, os argumentos dessa linha são os seguintes: impossibilidade da ingerência do Judiciário em atividades típicas do Executivo, ante o principio da separação de Poderes, daí o âmbito do Judiciário ser a legalidade em sentido restrito: os integrantes do Judiciário são desprovidos de mandado eletivo, não tendo legitimidade para apreciar aspectos relativos ao interesse público. De acordo com essa linha, no controle do ato administrativo o Judiciário apreciaria somente matéria relativa à competência, forma e licitude do objeto.
Outro entendimento inclina-se por um controle amplo, ante os seguintes fundamentos: pelo principio da separação de Poderes, o poder detêm o poder, cabendo ao Judiciário a jurisdição e, portanto, o controle jurisdicional da Administração Pública, sem que se possa cogitar da ingerência indevida, por outro lado, onde existe controle de constitucionalidade da lei, a invocação da separação de poderes para limitar a apreciação jurisdicional perde grande parte de sua força. (MEDAUAR, 2007, p. 396)
Junto à essa nova visão, houve uma evolução do principio da legalidade, surgindo o principio da juridicidade, segundo o qual os atos públicos não devem mais estar em conformidade com determinada regra, e sim em consonância com todo o ordenamento jurídico e principalmente os princípios constitucionais, vejamos o que diz Emerson Garcia (2010, p. 2), promotor de justiça do Rio de Janeiro:
Pouco a pouco, os princípios regentes da atividade estatal foram erguidos aos estamentos mais elevados do ordenamento jurídico, sempre buscando manter o Estado adstrito às suas finalidades institucionais e garantir a estrita observância das liberdades públicas, com o conseqüente aumento da segurança dos administrados.
Ao atingirem o ápice da pirâmide normativa, foi inevitável a constatação de que o princípio da legalidade deixou de ser o único elemento de legitimação e limitação da atividade estatal, isto porque dele não mais defluíam a totalidade das regras e princípios que a norteavam; pelo contrário, passaram a coexistir lado a lado. Com a constitucionalização dos princípios, a concepção de legalidade cedeu lugar à noção de juridicidade(17), segundo a qual a atuação do Estado deve estar em harmonia com o Direito, afastando a noção de legalidade estrita - com contornos superpostos à regra - passando a compreender regras e princípios.[...]
Essa evolução dogmática está estritamente vinculada à própria concepção de Estado de Direito. O princípio da legalidade passou a ser visto como integrante de um princípio maior: o princípio da juridicidade. Com isto, consagra-se a inevitável tendência de substituição do princípio da legalidade pelo princípio da constitucionalidade, do "direito por regras" pelo "direito por princípios.
Jurisprudências reconhecendo a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário vêm crescendo nos nossos Tribunais:
PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA - ENQUANTO VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO - CONDICIONA A LEGITIMIDADE E A VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS. - A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (STF, Relator Min. Celso de Mello, ADI 2661 / MA, Pleno, DJ 23 ago. 2002)
A inclusão do principio da moralidade nos casos de controle realizado pelo Poder Judiciário somado ao princípio da legalidade, em consonância com o que determina o principio da juridicidade, também vem sendo aplicada:
ADMINISTRATIVO - ATO ADMINISTRATIVO - MORALIDADE - EXAME PELO JUDICIARIO - ART. 37 DA CF - DESAPROPRIAÇÃO - ART. 20 DO DL 3365/41 - É lítico ao Poder Judiciário examinar o ato administrativo, sob o aspecto da moralidade e do desvio de poder. Com o principio inscrito no art. 37, a Constituição Federal cobra do administrador, alem de uma conduta legal, comportamento ético [...] (STJ, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, REsp 21923 / MG, 1ª Turma, DJ 13 out. 1992, p. 17662)
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL ? AÇÃO CIVIL PÚBLICA ? ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei. 2. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 3. O Ministério Público não logrou demonstrar os meios para a realização da obrigação de fazer pleiteada. 4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 510259 / SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 19 set. 2005 p. 252)
Percebemos, pois, a importância da observância dos motivos, da finalidade e do juízo de oportunidade e conveniência dos atos administrativos pelo Poder Judicário, pois estes devem estar de acordo com o principio da moralidade, legalidade e razoabilidade, enfim, o principio da juridicidade aqui tratado. Estes serão ilegais e passíveis de nulidade se forem inexistentes ou inverídicos. Este é o entendimento da jurisprudência (STJ, 5ª Turma, RMS 12856/PB, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 08.06.2004)
A teoria dos motivos determinantes reconhece a obrigatória vinculação dos atos, mesmo discricionários, ao motivo. O ato será nulo se não estiver em conformidade com os pressupostos de direito e de fato que lhe serviram de fundamento. Ilegal também será, e passível de anulação pelo Poder Judiciário, se houver o conhecido desvio de finalidade ou poder, quando o fim pretendido pelo ato não é de interesse público ou o previsto em lei, e sim interesses pessoais.
O STF já reconhecia a possibilidade de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, com o intuito de diminuir as ilegalidades advindas do Poder Executivo, em um julgamento de 1995, citando, inclusive, o ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO DE RECORRIBILIDADE. - A parte sequiosa de ver o recurso extraordinário admitido e conhecido deve atentar não só para a observância aos pressupostos gerais de recorribilidade como também para um dos específicos do permissivo constitucional. Longe fica de vulnerar o artigo 6º, parágrafo único, da Constituição de 1969, acórdão em que afastado ato administrativo praticado com abuso de poder, no que revelou remoção de funcionário sem a indicação dos motivos que estariam a respaldá-la. Na dicção sempre oportuna de Celso Antonio Bandeira de Mello,mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível" (Discricionariedade e Controle judicial). (STF, Segunda Turma, RE 131661 / ES, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Publicação: DJ 17-11-1995 PP-39209 EMENT VOL-01809-06 PP-01393)

Em um Estado Democrático de Direito, os interesses públicos devem ser priorizados ante a própria Administração Pública. E, portanto, mesmo os juízos de valores de oportunidade e conveniência de um determinado Poder Legítimo, devem ser analisados pelo Poder Judiciário, verificar se está em conformidade com o ordenamento jurídico, regras e princípios, implícitos e explícitos. Não há que se falar em violação ao principio da separação de poderes diante desses casos.
Entretanto, é válido ressaltar que não pode o Poder Judiciário assumir a função da Administração Pública e modificar os critérios de oportunidade e conveniência desta com base nos seus. Pode e deve o Poder Judiciário anular os atos administrativos que violarem a moralidade e razoabilidade, praticando desvio de finalidade ou abuso de poder.
Conclusão:
No decorrer deste trabalho procuramos analisar o controle judiciário do ato administrativo discricionário e seus posicionamentos na doutrina e na jurisprudência. E podemos notar, diante do estudo aqui elaborado, que existem posicionamentos diversos tanto na doutrina como na jurisprudência no tocante a possibilidade do julgamento pelo Poder Judiciário do mérito dos atos administrativos discricionários.
A antiga concepção restrita, de que o Poder Judiciário apenas deve verificar as formalidades do ato, e jamais emitir juízo de valor sobre os critérios de conveniência e oportunidade da Administração Pública, sob pena de violação ao principio da separação de poderes, não mais cabem atualmente, a nosso ver.
Consideramos ser inerente a idéia de Estado Democrático o controle de um dos poderes por outro, com o objetivo de se evitar abuso de poder e desvio de finalidades e que todos os poderes devem atuar em conjunto na satisfação do interesse público.
De fato, reconhecemos que não pode o Poder Judiciário modificar os critérios de oportunidade e conveniência do Poder executivo, assumindo a função deste e alterando os atos discricionário de acordo com seus próprios valores. Desta feita estaria caracterizada a violação ao principio da separação dos poderes.
No entanto, depois de análise profunda dos posicionamentos divergentes existentes na doutrina e na jurisprudência, acreditamos que o Poder Judiciário tem o poder dever de anular os atos administrativos que se encontram em desconformidade com o principio da juridicidade, entendido aqui como uma evolução do principio da legalidade, abrangendo os demais princípios inerentes à Administração Pública, como a moralidade e razoabilidade.
Ademais, podemos também concluir nesse estudo que o posicionamento à favor da possibilidade de anulação de atos administrativos discricionários manifestadamente violadores dos princípios supracitados, constituindo-se em abuso de poder ou desvio de finalidade, vem crescendo muito na doutrina e jurisprudência mais moderna, apesar de ainda ser minoritária nesta última.
Referências:

CRETELLA JÚNIOR, José. Controle Jurisdicional do ato administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro. Ed.Forense. 1998.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 19ª Ed. São Paulo. Ed. Atlas. 2006
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Fundamentos de Direito Administrativo. 2ª Ed. São Paulo. Ed. Atlas. 2002.
GARCIA, Emerson. A moralidade administrativa e sua densificação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_35/artigos/Art_emerson.htm. Acesso em: 04/10/10
GASPARINE, Diógenes. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes . Direito administrativo brasileiro. 29 ed. Atual. Por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo, José Emanuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e o controle jurisdicional. São Paulo. Ed Malheiros. 1992.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Ed. 2004.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 2006.
SOUZA, Diogo Pereira. Invalidação do Ato Administrativo. 2007. Disponível em: www.tjsc25.tj.sc.gov.br. Acesso em: 02/10/2010.