O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

 

SANTOS, Evelyn Naiane Almeida

LEITE, Ewertom Franklyn Antunes

DIAS, Hugo Silva

LOURENÇO, Jéssica Camila Corrêa

VIEIRA, Suélen Stefanny

Graduandos em Direito – Unimontes/Montes Claros

 

RESUMO

O presente trabalho faz uma análise acerca do controle difuso de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro, que é aquele realizado por mais de um órgão do judiciário, podendo ser feito por qualquer juiz ou tribunal, de forma incidental. É feita uma abordagem das suas características, dos legitimados, objeto, efeitos da decisão, bem como das suas peculiaridades.

Palavras-chave

Controle, Constitucionalidade, Difuso.

ABSTRACT

This paper makes an analysis about the general control of constitutionality in the Brazilian legal system, which is the one done by more than one organ of the judiciary, may be made ​​by any court or tribunal, incidentally. An approach to its features, legitimated, object, effect of the decision is taken, as well as their peculiarities.

Keywords

Control, Constitutionality, Diffuse.

 

 

1.INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa explanar a respeito do controle difuso de constitucionalidade, trazendo em foco modernas opiniões e alguns de seus aspectos polêmicos, apontando ainda pareceres da doutrina e controvérsias jurisprudenciais sobre o tema.

Todavia, para adentramos efetivamente no âmago da matéria, necessário se faz que tratemos sobre conceitos introdutórios a respeito do Controle de Constitucionalidade para melhor compreensão das discussões que serão trazidas.

Fazendo, assim, uma breve conceituação do que é controle de constitucionalidade, Alexandre de Morais diz que “a idéia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo ordenamento jurídico e, também, à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais” ( p. 699).

Sobre este ponto de vista, necessário ressaltar que a existência do escalonamento jurídico é fundamental para a supremacia da constituição, pois, por estar no topo da pirâmide hierárquica, a constituição é que dita as regras para elaboração das demais leis.

Quanto à rigidez constitucional como meio de controle de constitucionalidade, José Afonso da Silva faz os seguintes apontamentos:

A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, “é reputado como uma pedra angular, em que assenta  edifício do moderno direito político”. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. (p. 45)

Sobre o controle de constitucionalidade como forma de garantir os direitos individuais, Alexandre de Morais argumenta:

O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando o processo democrático em um Estado de Direito. (p. 700)

Simplificando o pensamento dos Ilustríssimos Autores, e dando uma noção bem didática sobre o assunto, conceituamos o controle de constitucionalidade como meio de compatibilizar as leis com a constituição, já que esta é suprema e prevalece sobre aquelas.

Trazidas à baila estas noções introdutórias, é preciso dar prosseguimento ao raciocínio do trabalho e passar a tecer sobre os Sistemas de Controle de Constitucionalidade no Brasil.

2. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

Existem três sistemas de controle de constitucionalidade, quais sejam: Sistema Jurisdicional - o controle é feito por órgãos do Poder Judiciário. É o sistema adotado no Brasil; Sistema Político - o controle é exercido por órgãos de natureza política, distintos do Poder Judiciário - podendo ser um órgão do Legislativo, do Executivo ou, ainda, um órgão especial. É o sistema adotado na França; Sistema Misto - certas categorias de lei são submetidas ao controle político e outras ao controle jurisdicional. É o sistema adotado na Suíça.

Importante destacar que, no Brasil, apesar de o controle ser realizado pelo Legislativo, Executivo e Judiciário, cabe a este a função precípua de exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos.

Esta função foi atribuída ao judiciário na Constituição de 1891 e perdurou nas constituições sucessivas até a vigente.

Sobre esta análise histórica, José Afonso da Silva diz:

As constituições posteriores à de 1891, contudo, foram introduzindo novos elementos, de sorte que, aos poucos, o sistema se afastara do puro critério difuso com a adoção de aspectos do método concentrado, sem, no entanto, aproximar-se do Europeu. A Constituição de 1934, mantendo as regras do critério difuso em seu art. 76, a e b, trouxe três inovações importantes: a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 7°, I, a e b), a regra de que só por maioria absoluta de votos de seus membros poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art. 179) e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva. (p. 50)

A Constituição de 1988 também trouxe inovações, já que através dela surgiu a possibilidade de ação de inconstitucionalidade por omissão e ela ampliou o rol de legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade, que a partir de então coube também ao Presidente da República, ás Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados das Assembléias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao governador de Estado e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a partido político com representação no Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Neste sentido, faz-se importante destacar que o controle repressivo do judiciário é misto, ou seja, pode ser feito tanto de forma concentrada quanto difusa. A forma concentrada ocorre quando somente um órgão do Judiciário pode fazer o controle constitucional, no caso do Brasil, este órgão é o STF. Já a forma difusa, acontece quando mais de um órgão do judiciário realiza este controle, como por exemplo, qualquer juiz ou tribunal do judiciário.

Sobre este aspecto, ressaltam-se, de forma breve, as principais diferenças entre os dois tipos de controle para que possamos adentrar mais especificadamente no objeto de nosso estudo, que é controle difuso de constitucionalidade.

Quanto à via, o controle concentrado utiliza via de ação, que ocorre quando se entra com uma ação somente para declarar a inconstitucionalidade do ato normativo. Já o controle difuso emprega a via de exceção, que ocorre quando a ação não é para declarar a inconstitucionalidade, mas para se obter um direito subjetivo.

Outra diferenciação é que o controle concentrado ocorre quando o pedido principal da ação é a declaração de inconstitucionalidade, já o controle difuso ocorre quando o objetivo da ação é o exercício de um direito subjetivo e a declaração de inconstitucionalidade é um meio para se alcançar o direito, ocorre de forma incidental.

Existe diferenciação ainda no que diz respeito à forma de controle, já que no concentrado ocorre quando se realiza o controle de constitucionalidade de lei em tese, não havendo um caso concreto a ser analisado, porém, o difuso acontece ao contrário, pois este ocorre quando o controle de constitucionalidade é feito a partir de um caso concreto.

Quanto aos efeitos, destaca-se que o controle concentrado possui efeitos erga omnes, já no difuso, os efeitos são inter partes.

Com base nas alegações acima, podemos concluir que objetivo primordial do controle difuso é deixar de aplicar a norma no caso concreto, já controle o concentrado objetiva excluir a norma do ordenamento jurídico.

Tendo esgotado o que prevíamos para este tópico, passemos agora a analisar mais detalhadamente o controle difuso.

3. NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

 

O controle difuso foi introduzido no Brasil pela Constituição de 1891 e teve origem em 1803, nos Estados Unidos, a partir do caso Marbury versus Madison. Nesse momento, foi a primeira vez que um Juiz realizou o controle de constitucionalidade a partir de um caso concreto.

Assim, temos que o controle difuso é aquele realizado por mais de um órgão do judiciário, podendo ser feito por qualquer juiz ou tribunal. Esse tipo de controle possui outros nomes, quais sejam, no caso concreto, por via de exceção, por via de defesa, incidental, indireto e subjetivo

Neste sentido, destacamos a explanação dada por Marcelo Novelino:

A constituição brasileira adota o controle jurisdicional misto de constitucionalidade, exercido nos modelos difuso e concentrado. Consagrado no sistema constitucional brasileiro desde a origem da Constituição Republicana, o controle difuso, pode ser exercido, incidentalmente, por qualquer juiz ou tribunal dentro do âmbito de sua competência. A finalidade principal do controle difuso-concreto é a proteção de direitos subjetivos. Por ser apenas uma questão incidental analisado na fundamentação da decisão, a inconstitucionalidade pode ser reconhecida, inclusive, de ofício, sem provocação das partes. Esta ideia de controle surge sempre a partir de um caso concreto levado à apreciação do poder judiciário, por iniciativa de qualquer pessoa cujo direito tenha sido supostamente violado. (p. 258)

Nesse controle, a declaração de inconstitucionalidade é feita de forma incidental, ou seja, é um mero instrumento para que seja alcançado um direito subjetivo. Desta forma, não se entra com a ação para se declarar a inconstitucionalidade de uma norma e sim para se alcançar um direito, pois a declaração de inconstitucionalidade é apenas um meio para que o direito seja alcançado

Ressalta-se que o controle de constitucionalidade é a comparação de uma norma com a Constituição Federal que estava vigente no momento de elaboração dessa norma. Assim, o controle difuso de constitucionalidade pode ter como parâmetro de controle tanto a constituição atual quanto as constituições anteriores e os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos aprovados pelo procedimento especial (que possuem força de Emenda Constitucional).

Os legitimados ativos para provocar o controle difuso são bastante amplos. Assim, podem provocá-lo: partes do processo, terceiros intervenientes, Ministério Público, juiz (pode realizar o controle difuso de ofício, ou seja, por conta própria, ainda que não tenha sido provocado por ninguém).

Quanto ao objeto, Marcelo Novelino diz que “admite-se qualquer ato emanado dos poderes públicos. Não existe restrição quanto à natureza do ato questionado” (p. 258). Neste sentido, observa-se que importante é averiguar se houve ou não violação de direito subjetivo decorrente de incompatibilidade entre um ato do Poder Público e a Constituição.

Colocadas estas noções introdutórias, necessário se faz adentrar ao tema de forma mais profunda, passando a analisar os efeitos da decisão, bem como a cláusula de reserva de plenário.

4. CONTROLE DIFUSO NOS TRIBUNAIS E A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO

De forma didática e levando em conta o assunto a ser tratado, é essencial explorar a forma como é declarada a inconstitucionalidade de uma norma. Nesse sentido, como exemplo, Pedro Lenza relata que observadas às regras do processo civil, a parte inconformada com a decisão poderá devolver a apreciação da matéria através do recurso de apelação ao Tribunal Superior. 

No tribunal competente, distribuído o processo para uma turma, câmara ou seção (depende da organização interna do tribunal a ser estabelecida em seu regimento interno), verificando-se que existe questionamento incidental sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo, suscita-se uma questão de ordem e a análise da constitucionalidade da lei é remetida ao pleno, ou órgão especial do tribunal, para resolver aquela questão suscitada. (LENZA, 2013, p. 340).

Entra nesse momento, a cláusula de reserva de plenário, que é a votação por maioria absoluta dos membros do pleno ou dos membros do respectivo órgão especial, declarando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Nesse sentido, o art.97 da CF/88 estabelece que só por maioria absoluta poderá ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei.

Questão interessante diz respeito à interpretação do referido art. 97 da CF, no sentido de ser ou não sempre necessária a apreciação pelo órgão especial ou pleno da questão prejudicial, qual seja, a realização do controle incidenter tantum de constitucionalidade da lei ou ato normativo pelos aludidos órgãos.

 Conforme assevera Marcelo Caetano, citado pelo Ministro Celso de Mello (RE 190.725-8/PR), “... a exigência de maioria qualificada para a declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo justifica-se pela preocupação de só permitir ao Poder Judiciário tal declaração quando o vício seja manifesto e, portanto, salte aos olhos de um grande número de julgadores experientes caso o órgão seja colegiado. Sendo atingida a majestade da lei a qual, em princípio, se beneficia da presunção de estar de acordo com a Constituição, é necessário que o julgamento resulte de um consenso apreciável e não brote de qualquer escassa maioria (...). Essa exigência, por outro lado, acautela contra uma futura variaçãode jurisprudência no mesmo Tribunal. Assim, a inconstitucionalidade tem de ser declarada pelos votos conformes de um número de juízes equivalente a metade e mais um dos membros do Tribunal ou do órgão competente nele formado”. (LENZA, 2013, p. 340-341).

                                                                                                                

Diante disso, segundo Pedro Lenza, a regra do art. 97, demonstra como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público. Nesse sentido, existe a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal (STF), que veio para dispor que a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não é declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, mas que gera o afastamento da incidência da norma, viola a cláusula de reserva de plenário prevista na Constituição Federal.

Contudo, elevando o princípio da economia processual, da segurança jurídica, de acordo com esse mesmo autor, vem caminhando para a dispensa do procedimento estabelecido pelo art. 97 da CF, toda vez que já tenha decisão do órgão especial ou pleno do tribunal, ou do STF, pois segundo o Ministro Ilmar Galvão:

Declarada a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei, pela maioria absoluta dos membros de certo Tribunal, soaria como verdadeiro despropósito, notadamente nos tempos atuais, quando se verifica, de maneira inusitada, a repetência desmesurada de causas versantes da mesma questão jurídica, vinculadas à interpretação da mesma norma, que, se exigisse, em cada recurso apreciado, a renovação da instância incidental da arguição de inconstitucionalidade, levando as sessões da Corte a uma monótona e interminável repetição de julgados da mesma natureza (RE 190.725-8/PR).

4.1 A cláusula de reserva de plenário se aplica às Turmas do STF no julgamento de RE?

De acordo com o art. 9.º, III, do RISTF, é competência das Turmas (1.ª ou 2.ª) o julgamento de recurso extraordinário, que será distribuído a um Ministro e ficará atrelado à Turma em relação a qual o Ministro integra, ressalvadas as hipóteses regimentais de prevenção.

Mas de forma direta e tomando como base as normas do Regimento Interno do STF, a cláusula de reserva de plenário não se aplica às Turmas do Supremo, tendo em vista não se tratar de “tribunal” no sentido do art. 97.

Atualmente, se busca a ampliação da competência das Turmas para assegurar a ideia do processo e racionalização, tornando mais céleres as decisões do Plenário. Dessa forma, é pacífica a jurisprudência do STF:

O STF exerce, por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da CF. (RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 02.03.2010, 2.ª Turma, DJE de 19.03.2010).

Segundo Pedro Lenza esse posicionamento do STF, viola o art. 97, da CF/88, “ou seja, a atribuição foi expressamente fixada para o Plenário ou para o órgão especial, e não para a turma. Como o STF não tem órgão especial, a atribuição, então, seria do Pleno. Portanto, a regra regimental não se adéqua à fixada no art. 97” (LENZA, 2013, p. 341).

4.2  A cláusula de reserva de plenário se aplica às Turmas Recursais dos Juizados Especiais?

De acordo com Pedro Lenza, não. “Isso porque, embora órgão recursal, as Turmas de Juizados não podem ser consideradas “tribunais”. (LENZA, 2013, p. 341).

Assim, as Turmas de Juizados poderão declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma ou afastar sua incidência sem violar o art. 97 da CF.

Isso não impede, contudo, que a parte sucumbente interponha recurso extraordinário contra a decisão da Turma Recursal, para o STF apreciar a questão constitucional (S. 640/STF).

 

5. EFEITOS DA DECISÃO

Como regra geral, os efeitos de qualquer sentença não extrapolam os limites da lide, produzindo efeito somente para as partes litigantes.

Em sede de controle constitucional difuso realizado incidentalmente, além dos efeitos da decisão serem apenas inter partes, estes serão também ex tunc, ou seja, “no momento que a sentença declara que a lei é inconstitucional [...], produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito. Produz, portanto, efeitos retroativos” (LENZA, 2013, p. 344).

Vale citar, entretanto, que em alguns julgados o Supremo Tribunal Federal já entendeu possível a modulação ou limitação temporal dos efeitos da decisão, atribuindo-lhe efeito ex nunc que, no controle difuso, só se dá em casos excepcionais.

Um exemplo de aplicação desse entendimento foi o julgamento do RE 197.917, pelo qual o STF reduziu o número de vereadores do Município de Mira Estrela de 11 para 9 e determinou que a decisão só atingisse a próxima legislatura.

Não obstante, existem mecanismos que permitem que os efeitos da decisão sejam estendidos a terceiros, adquirindo caráter erga omnes, quais sejam: a suspensão da execução da lei por ato do Senado Federal e aprovação de uma súmula vinculante.

Prevê o artigo 52, inciso X da Constituição Federal de 1988 (CF/88): “Compete privativamente ao Senado Federal: suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Destarte, como citado anteriormente, através da interposição de recurso extraordinário, a questão será levada à apreciação do STF, que realizará o controle difuso de forma incidental. Desta feita, como bem explica Lenza (2013):

Declarada inconstitucional a lei pelo STF, no controle difuso, desde que tal decisão seja definitiva e deliberada pela maioria absoluta do pleno do tribunal (art. 97 da CF/88), o art. 178 do Regimento Interno do STF (RISTF) estabelece que será feita a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 52, X, da CF/88. (p. 345)

Assim, após tomar conhecimento de decisão proferida pelo STF que declarar inconstitucionalidade de lei, poderá o Senado Federal, nos termos do art. 52, inc. X da CF/88, suspender a eficácia da aludida lei.

Questão bastante discutida na doutrina é a que se refere à discricionariedade ou obrigatoriedade da suspensão pelo Senado Federal dos efeitos da lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso.

A corrente majoritária, a qual se filia Pedro Lenza, STF e Senado Federal, entende que o Senado não está obrigado a suspender os efeitos da lei declarada inconstitucional, tratando-se de discricionariedade política, possuindo este liberdade para cumprir o disposto no art. 52, inc. X, da CF/88[1].

Lenza (2013) traz importante ensinamento no que diz respeito à expressão “no todo ou em parte” inserta no referido art. 52.

Afirma ele que não compete ao Senado Federal ampliar ou restringir os efeitos da decisão prolatada pelo STF. Assim, se a lei em sua totalidade for declarada inconstitucional pelo STF e, entendendo o Senado pela suspensão dos efeitos desta, tal suspensão deverá ser feita “no todo”. Por conseguinte, decidindo o STF pela inconstitucionalidade parcial da lei, deverá o Senado Federal, entendendo pela suspensão, fazê-la apenas em relação “à parte” declarada inconstitucional.

Conclui-se, portanto, que não pode o Senado Federal suspender menos nem além da decisão do STF.

No entanto, tem sentido diverso o entendimento de Michel Temer:

O Senado não está obrigado a suspender a execução da lei na mesma extensão da declaração efetivada pelo STF. A expressão ‘no todo ou em parte’, que se encontra no art. 52, X, não significa que o Senado suspenderá parcial ou totalmente a execução da lei ou decreto de acordo com a declaração de inconstitucionalidade, parcial ou total, efetivada pelo STF. O Senado Federal não é mero órgão chancelador das decisões da Corte Suprema. Qual é exatamente o papel do Senado no controle da constitucionalidade? A nosso ver existe discrição do Senado ao exercitar essa competência. Suspenderá, ou não, a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo, de acordo com o seu entendimento. O simples fato de o art. 52, X, possibilitar a suspensão parcial ou total da lei revela essa discricionariedade. Seja: se o STF declarar a inconstitucionalidade de lei, por inteiro, faculta­se ao Senado a possibilidade de suspendê-la em parte. (SIQUEIRA JR, 2012, p. 107)

Levada a efeito a suspensão pelo Senado, esta atingirá a todos, porém valerá apenas após a publicação do ato na Imprensa Oficial. Ou seja, os efeitos da suspensão serão erga omnes e ex nunc, não retroagindo.

Cumpre ressaltar, ainda, que a suspensão pelo Senado Federal poderá dar-se em relação a leis federais, estaduais, distritais e municipais que tenham sido declaradas inconstitucionais pelo STF.

No que diz respeito às súmulas vinculantes, estas, criadas com a Emenda Constitucional 45/2004, correspondem à reiterada jurisprudência que, quando aprovada pelo STF[2], adquire força de lei, tornando-se obrigatória a todos os tribunais, juízes, e também à Administração Pública.

Expõe Siqueira Jr. (2012):

A súmula vinculante é o enunciado emitido pelo Supremo Tribunal Federal que sintetiza as reiteradas decisões em casos semelhantes, firmando o entendimento a respeito de matéria constitucional que, publicada, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (p. 122)

 

Assim, editada a súmula vinculante, após observado o procedimento constitucional, a decisão produz a transposição do efeito concreto inter partes para o efeito vinculante abstrato[3].

6. ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO

Como é sabido, o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é o jurisdicional misto, tanto difuso (concreto) como concentrado (abstrato).

No controle difuso, concreto, a arguição de inconstitucionalidade se dá de modo incidental, produzindo a decisão efeitos inter partes, não se projetando fora dos limites estabelecidos na lide.

Entretanto, vem se observando uma nova tendência no STF a aplicar a chamada teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença também para o controle difuso [4].

Tal teoria sustenta a transcendência, com caráter vinculante, de decisão sobre a constitucionalidade da lei, mesmo em sede de controle difuso. Assim, a declaração de inconstitucionalidade no controle difuso brasileiro, pelo STF, reconhecendo a ineficácia da lei, teria eficácia para todos, independentemente da atuação do Senado Federal. Havendo, portanto, verdadeira aproximação do controle difuso e do controle concentrado, representando importante perspectiva em termos de “abstrativização” do controle difuso.

Leciona Pereira[5] (2009):

A abstrativização do controle difuso prega a aproximação dos efeitos da decisão que aprecia a inconstitucionalidade tanto no controle difuso, quanto no abstrato. Isso porque se o Supremo, apreciando, como exemplo, um recurso extraordinário, afetar matéria ao plenário da casa, este último irá emitir decisão sobre lei ou ato normativo em tese, desvinculando do próprio caso concreto, tal como faz nas hipóteses de controle abstrato.

Lenza (2013) traz os principais argumentos a justificar esse novo posicionamento: a) força normativa da Constituição; b) princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; c) o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo; d) dimensão política das decisões do STF.

Vale citar importante entendimento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

[...] possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’. (LENZA, 2013, p. 348)

Nessa linha de pensamento, parte da doutrina entende que, reinterpretando o aludido art. 52, inc. X, o Senado Federal tem apenas a função de dar publicidade às decisões do STF, pois o próprio Supremo atribuirá efeito vinculante e eficácia erga omnes às suas decisões.

Em sentido diverso, Lenza (2013) afirma que embora bastante atraente seja essa teoria, ela carece de dispositivos legais para sua implementação.

O efeito erga omnes da decisão foi previsto somente para o controle concentrado e para a súmula vinculante (EC n. 45/2004) e, em se tratando de controle difuso, nos termos da regra do art. 52, X, da CF/88, somente após atuação discricionária e política do Senado Federal.

Portanto, no controle difuso, não havendo suspensão da lei pelo Senado Federal, a lei continua válida e eficaz, só se tornando nula no caso concreto, em razão de sua não aplicação. (LENZA, 2013, p. 349)

Parte da doutrina, que se posiciona contra essa teoria, entende que ampliação da concentração de poder ao STF violaria o Princípio da Separação de Poderes estabelecido na Constituição, exercendo o STF atribuição privativa, e constitucionalmente garantida, do Senado Federal.

Destarte, a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença só poderá ser efetivada através de uma reforma constitucional, modificando o art. 52, inc. X, ou através da edição de súmula vinculante[6].

7. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Ação Civil Pública (ACP), prevista e garantida constitucionalmente, é meio pelo qual o Ministério Público, bem como os demais legitimados, protegem seus interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A finalidade precípua da ACP é a responsabilização dos culpados por causar danos ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, dentre outros como preceitua a Lei nº 7.347/1985.

Quanto ao fato da ACP ser usada como meio difuso de controle de constitucionalidade, por qualquer juiz ou tribunal do Poder Judiciário, a questão paira sob o aspecto das sentenças prolatadas terem efeitos erga omnes ou somente inter partes, isto salvo os casos previstos na resolução do Senado Federal (Art.52, X) e de modo incidental.

De tal modo, esta medida só estará em conformidade com o que preleciona a Suprema Corte que reconhece a legitimidade para se valer da ACP no controle difuso, nas palavras do Ministro Celso de Mello:

(...) como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. (LENZA, 2010, p.236).

Acontece que se a decisão da ACP, em que se declarou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, gerar efeitos erga omnes, independente do Poder Público envolvido, haverá usurpação da competência do STF, o qual cabe a interpretação concentrada da Constituição Federal, sendo assim, é defeso o emprego da Ação Civil Pública em substituição de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o intuito de desempenhar o controle concentrado.

Ressalte-se que na ACP o que é vedado são as declarações de inconstitucionalidades com efeitos erga omnes, tendo a declaração constada como pedido principal ou incidental, Arruda Alvim corrobora e conclui:

(...) por tudo que foi dito, afigura-se-nos que inconstitucionalmente levantada em ação civil pública, como pretenso fundamento da pretensão, mas em que, real e efetivamente o que se persiga seja a própria inconstitucionalidade, é arguição incompatível com essa ação e, na verdade, com qualquer ação por implicar usurpação da competência do Supremo Tribunal de Justiça. (ALVIM, 1995, p. 162).

Já o intuito primordial é evitar a supressão da competência da Suprema Corte do controle concentrado, face a leis e atos normativos, sejam eles federais ou estaduais pelos quais não está identificado o bem jurídico concreto, individual e absolutamente definido.

 

8. CONCLUSÃO

Logo, o Controle Difuso de Constitucionalidade distingue-se por ser exercida apenas diante de uma situação sólida a ser solucionada pela justiça.

Desta forma, sendo a lide posta a apreciação do Judiciário, este tem o dever de sanar a demanda, e através de meio incidental deverá avaliar a constitucionalidade da norma ou da lei.

Sendo assim, para prosseguimento e êxito da prestação jurisdicional será essencial a declaração de constitucionalidade, questão prejudicial, a qual não é o objeto principal da ação e sem que haja a usurpação da competência do Superior Tribunal Federal.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 de outubro de 2013.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

MORAES, de Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo/SP: Editora Atlas, 2008.

 

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo/SP: Editora Método, 2012.

PEREIRA, Patrícia Borges. Abstrativização do Controle Difuso de Constitucionalidade. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3338. Acesso em: 27 de outubro de 2013.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Crise e desafios da constituição: perspectivas críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo/SP: Editora Malheiros, 2006.

SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.



[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,  2013.

[2] Cf. Art. 103-A da CF/88

[3] SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[4]  LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

[5] PEREIRA, Patrícia Borges. Abstrativização do Controle Difuso de Constitucionalidade. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3338. Acesso em: 27 de outubro de 2013.

[6] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.