O CONTEMPORÂNEO DESPERTAR DA DEMOCRACIA NO BRASIL.

Resumo: Este trabalho procura discutir a evolução da democracia, política e relações de estado no Brasil contemporâneo diante da nossa recente constitucionalização pós 1964, sobretudo no que tange ao recorte de construção de estado e governo nos últimos 25 anos de redemocratização. Sem querer esgotar com esse artigo todos os pormenores que envolvem a problemática do estudo desse processo político, jurídico, social e histórico, nos preocupamos em analisar as contribuições de cada governo do período em estudo, visando constatar o profundo processo de mudança sócio-institucional que se processa em nossa sociedade.

Palavras-chave: Constituição - Democracia - Estado - Governo – Política.

Sumário : 1. Introdução; 2. Breve histórico do recente presidencialismo do Brasil; 3. Contribuições no campo legal; 4. Conclusão; 5. Referencias bibliográficas. 

1. INTRODUÇÃO.

Desde a antiguidade, os mais diferentes povos tem sentido a necessidade de promover o desenvolvimento de suas instituições. Tais povos passaram por um processo que denominamos, de acordo com René Rémond, de despertar. René Rémond empregou tal teoria para explicar o processo de descolonização dos antigos civilizados da África e da Ásia como Árabes e chineses.[1] Empregamos tal expressão para denominar o processo social pelo qual um determinado povo na história passou por um aguçamento em suas instituições, tradições e costumes, que poderia ser resumido em um senso criativo difuso no seio desses povos.

Empregando o método dedutivo e a técnica-comparativa global, buscamos reforçar as idéias expostas, através de uma análise diacrônica e sincrônica que considera apenas um dos muitos aspectos desse despertar, em suma é o campo da construção da norma jurídico, como afirmou o Mestre Miguel Reale em sua Teoria Tridimensional do Direito.[2]

A razão essencial de construir uma forma de governo que os livrassem da possibilidade de uma tirania (autocracia) ou de uma aristocracia (governo dos mais ricos) levou os atenienses a construírem, após experiências nesses campos, uma novidade: o governo do DEMOS ou povo. Tal experiência previa a participação de todos os homens livres, não estrangeiros e não escravos de Atenas no governo. Era um avanço em comparação as formas de governos existentes.[3] Também no Brasil analisamos as características, necessidades e demandas do povo que levaram o Estado Brasileiro do período pós-constituinte de 1988 aos nossos dias a passar por uma série de mudança que ainda estão em andamento, consolidando o que poderíamos chamar de CONTEMPORÂNEO DESPERTAR DA DEMOCRACIA NO BRASIL.

2. BREVE HISTÓRICO DO RECENTE PRESIDENCIALISMO DO BRASIL.

No Brasil após a proclamação da república em 15 de novembro de 1889, se intencionou construir uma democracia de modelo presidencialista, no estilo liberal franco-estadunidense, diferente do antigo governo monárquico, mas que em função dos jogos políticos e manipulações, a princípio não passou de um interregno para uma posterior ditadura civil (Getúlio Vargas 1930-1945).  Após uma nova e mais clara tentativa de governo democrático se estabeleceu sobre o país uma nova ditadura, dessa vez militar (1964-1985), que apesar de manter a aparência de normalidade através de um bipartidarismo artificial, se estabeleceu com uso da violência. Foram anos de chumbo, onde não faltou resistência armada e desobediência civil. Por fim a ditadura feneceu.[4]

Em 1985 foi o movimento das DIRETAS JÁ, exigindo eleições diretas, para presidente. Sendo eleito de forma indireta pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves, que morreu não assumido o governo, sendo empossado o seu vice José Sarney. Este assumiu o compromisso de democratizar o país dando-lhe uma nova Carta Constitucional.[5]

Pela primeira vez em sua história, cansado de promessas, de ditadura, de cerceamento o povo por meio de seus representantes no legislativo ou através de cartas coletivas participava daquela que ganharia a alcunha de CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, tamanha fora a participação popular, e claro, os mecanismos criados para remediar os males que outrora durante a ditadura recente tinha atingido a normalidade da vida civil.[6]

Não satisfeitos com isso, e na necessidade de consolidar o processo democrático o povo foi às urnas e em 15 de novembro de 1989 elegeu desde o pré-1964 o primeiro presidente civil da sua história: Fernando Collor de Melo. [7]

Caçador de funcionários públicos que não trabalhavam e tinham grandes salários, os marajás e fantasmas, prometendo acabar com os “descamisados”, vendendo uma imagem de jovem e desportista, Fernando Collor, acabou com reservas de mercado, privatizou estatais, caçou fortunas particulares e sequestrou poupanças, causando arrocho, recessão e desemprego. [8]

Mas uma vez a democracia se mostrou forte. O povo foi às ruas, e em um ato inédito exigiu, após ampla mobilização em fins de 1992 o impechement do presidente.[9]

Foi então garantido a transição democrática com a assunção do então vice-presidente Itamar Franco. Coube a este, através de seu ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso (FHC), promover aquilo que a mais de 25 anos o povo ansiava: a estabilidade da moeda, o controle inflacionário.[10]

                        O resultado é que, com o apoio de Itamar e a bem sucedida política financeira, FHC é eleito e posteriormente reeleito para presidente (1995-2002). Foi o primeiro presidente reeleito imediatamente em nossa história, mais uma prova de nova maturação política democrática.[11]

                        O sucessor de FHC foi um presidente pouco convencional para os padrões históricos do Brasil: não é militar, estancieiro, industrial, político de carreira ampla ou intelectual, mas de origem operário-sindical, Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010).

                        Com Lula houve a continuidade da política econômica de FHC, e até um aprofundamento daquela, além de uma expansão das políticas sociais, visando erradicar a miséria, bem como incremento das exportações.

                        A eleição de Lula representou uma ruptura importante na história recente do Brasil, pois pela primeira vez um presidente do país é de origem totalmente popular, fortalecendo dessa maneira a consciência coletiva da construção de uma verdadeira democracia multisocial ou ainda multifacetada. Ao mesmo tempo o antigo discurso de esquerda e direita teria dado espaço a uma verdade ou poder hegemônico (dentro de uma visão gramsciana de democracia). Há a construção de um importante arco de alianças que até certo ponto poderia ser a superação da vontade do soberano, pela do príncipe. Ou seja, o estado deixa de ser instrumento de governo, para se tornar o meio eficaz para a concretização de uma política de Estado. [12]

                        Nesse ínterim analisemos as contribuições relevantes, no campo do legal, dos vários governos federais para a consolidação desse processo, dos anos de 1985-2010.

3. CONTRIBUIÇÕES NO CAMPO LEGAL.[13] 

A)    JOSÉ SARNEY. Alcançou a presidência após o falecimento do vencedor da eleição pelo colégio eleitoral Tancredo Neves. Dissidente do PDS (que viria a formar o PFL, atualmente DEM) obteve como maior mérito convocar o legislativo federal para a grande tarefa de compor a atual carta constitucional. Graças a este hercúleo trabalho legal a proteção ao trabalho, aos indígenas e a família se tornaram, no campo do direito, uma das mais avançadas do mundo. Coube ainda a nova Carta Magna, acabar com a censura imposta as artes e meios de comunicação, eleições diretas para todos os cargos políticos, direitos e garantias processuais para o cidadão de forma ampla (entre outros os remédios constitucionais).

B)    FERNADO COLLOR. Eleito com maioria absoluta de votos, após derrotar o candidato Lula no 2º turno das eleições de 1989, foi eleito sobre grande expectativa popular. O econômico, em função da grave inflação, tomou a atenção principal do seu governo. Propôs a modernização do estado brasileiro. Para isso defendeu e executou uma serie de privatizações e demissões no setor público. Acabou com reservas de mercado que eram herdades da ditadura. Tudo visando à modernização do estado brasileiro. Foi necessário criar mecanismos legais para garantir as ações propostas. Por outro lado o privado começa a ganhar musculatura nas tramas da política oficial, inclusive com uma maior penetração do capital externo no país. Em outro sentido a sociedade civil organizada parecer acordar de um longo sono e procura cobrar a regulamentação de alguns dispositivos constitucionais. São diplomas, que refletem o espírito da época, entre outros os seguintes: Lei 8.009 de 29 de março de 1990 (dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família), Lei 8.036 de 11 de maio de 1990 (dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 (dispõe sobre o Estatuto da criança e adolescente), Lei 8.072 de 25 de julho de 1990 (dispõe sobre os crimes hediondos), Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 (dispõe sobre a proteção ao consumidor), Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990 (dispõe sobre o regime jurídico dos servidores federais), Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991 (dispõe sobre a alocação de imóveis urbanos), Lei 8.429 de 02 de junho de 1992 (dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícitos).    Entretanto sem cumprir com suas promessas eleitorais sofrendo com uma série de denúncias e manifestações de rua por parte da população, Fernando Collor acabou sendo afastado através de um processo penal e administrativo (impechement) pelo Senado.

C)    ITAMAR FRANCO. Vice-presidente do presidente anterior governou o Brasil nos anos de 1993 e 1994. Procurou centrar o seu governo dentro do controle inflacionário (surge o Plano Real), procurando ter um governo amplamente republicanista, inclusive com a participação em seu ministério do maior partido de oposição da época (PT). Procura garantir a eficiência estatal em termos de contratos, aquisições, compras e serviços regulamentando o artigo 37, inciso XXI da Constituição, através da Lei 8.666 de 21 de junho de 1993. O sucesso econômico do seu governo foi conseguido através de um intelectual brasileiro, convidado para ser ministro da Fazenda: Fernando Henrique Cardoso (FHC).

D)    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. Ao assumir o governo FHC deu continuidade a política econômica iniciada, quando ministro, inclusive sendo eleito presidente graças ao sucesso da dolarização da economia (PLANO REAL). Retoma o discurso “collorido” de modernização do Estado através das privatizações, além da defesa de uma maior participação do particular na gestão do público. Apesar das visões sobre o governo de FHC divergirem ao extremo, alguns pontos de vista são idênticos como, o reconhecimento de uma maior agilidade\leveza do estado brasileiro do ponto de vista administrativo a partir de FHC; um maior controle de atividades econômicas delegadas por parte do Estado, através das Agências reguladoras; e a estabilização da moeda. São diplomas que refletem o espírito deste momento: Lei 9.317 de 05 de dezembro de 1996 (dispõe sobre o sistema de tributação da pequena e média empresa), Lei 9.636 de 15 de maio de 1998 (dispõe sobre bens da união inclusive a alienação), Lei 9.367 de 15 de maio de 1998 (dispõe sobre a qualificação de entidade como Organizações Sociais), Lei 9.790 de 23 de março de 1999 (dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos como OSCIP), Lei 10.520 de 17 de julho de 2002 (dispõe sobre a modalidade de licitação denominada de pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências) entre outros dispositivos.

E)     LULA. Eleito presidente no 2º turno das eleições de 2002, após derrotar o candidato apoiado pelo governo, Luiz Inácio Lula da Silva, possui o mérito de ter dado continuidade a política econômica anterior ao seu governo, apesar de ter tendência política diferente. Com Lula houve uma práxis voltada para o aprofundamento das políticas sociais de distribuição de renda, se comparamos ao seu antecessor. Em função do melhoramento dos indicadores sociais e crescimento econômico, o país avançou em relação a sua imagem externa, conseguido, inclusive, garantir grandes eventos mundiais: Copa do Mundo (2014) e olimpíada (2016). Como grande arco de aliança política, com as mais diferentes tendências, o governo LULA foi marcado por avanços significativos no campo legal em prol das minorias, como os vários estatuto legais (da terra, do meio ambiente, da igualdade racial, contra o racismo e preconceito entre outros). Tudo isso através de tensões entre o feixe de forças que compuseram o governo de Lula, presentes através das contradições e discussões existentes nos supracitados diplomas legais.  

4. CONCLUSÃO. 

                        A construção do processo democrático no Brasil tem sido obtida através de constantes avanços e recuos, que de certo, ao invés de representar a estabilidade do nosso ordenamento jurídico-político é a fidedigna representação das tensões existentes em nossa sociedade e em sua representação política o Governo.[14]

                        O Príncipe, O Leviatã não são apenas abstrações, são as representações simbólicas das construções de um projeto permanente de Estado. Não é a transitoriedade de um governo, mas uma construção de um povo, mas de uma construção maior, de um Estado de uma nação, no dizer de Bobbio. O Contemporâneo Despertar da Democracia no Brasil é mais do que um conjunto de normas positivadas, mas a consolidação de um processo que ocorre no interior da sociedade brasileira.[15] 

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

__________. BRASIL 500 anos de história. São Paulo, Editora Abril \ Nova Cultural, 2000.

CHAUI, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo, Ática, 2000.

JONES, Peter V. O Mundo de Atenas. São Paulo, Martins Fortes, 1997.

JOSÉ Carlos Libânio. Didática. São Paulo, Cortez Editora, 1990.

JUNIOR, Gabriel Dezen. Direito Constitucional, Brasília, Vestcon, 2007.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, RT, 2009.

_____. Novo dicionário Biográfico. Rio de Janeiro, LIVROS DO BRASIL Ltda, 1987.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo, Atlas, 2007.

BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1992.

RÉMOND, René. O Século XX, São Paulo, Editora Cultrix, 2007.

REALE, Miguel. Licões Preliminares de Direito, São Paulo Saraiva, 2009.

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança, São Paulo, Nova Cultural, 1990.



[1] RÉMOND, René. O Século XX, São Paulo, Editora Cultrix, 2007.

[2] REALE, Miguel. Licões Preliminares de Direito, São Paulo Saraiva, 2009.

[3] JONES, Peter V. O Mundo de Atenas. São Paulo, Martins Fortes, 1997.

[4] __________. BRASIL 500 anos de história. São Paulo, Editora Abril \ Nova Cultural, 2000.

[5] Idem ibidem.

[6] Idem

[7] Idem

[8] Idem

[9] Idem

[10] Idem

[11] Idem

[12] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1992.

[13] __________. BRASIL 500 anos de história. São Paulo, Editora Abril \ Nova Cultural, 2000. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo, Atlas, 2007. _____. Novo dicionário Biográfico. Rio de Janeiro, LIVROS DO BRASIL Ltda, 1987.

[14] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1992.

[15] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1992. RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança, São Paulo, Nova Cultural, 1990.