O CONSTRUTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO DE PAULO DE BARROS CARVALHO NA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA: competência de expedição tributária em São Luís -MA sobre o Imposto Predial Territorial Urbano.[1]

 

 

Francivaldo Oliveira Marques

Miguel Mussalem

Raul Vieira[2]

Antônio de Moraes Rego Gaspar[3]

 

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo analisar o construtivismo lógico-semântico da regra matriz de incidência tributária, idealizada por Paulo de Barros Carvalho. De início, far-se-á mister aduzir as lições do presente autor, no intuito de compreender como ocorre toda a construção lógica de todas as normas tributárias, seguindo sempre os mesmos critérios de antecedentes e consequentes. Em seguida, entendeu-se por bem, expor sobre a competência para a criação do IPTU em São Luís –Ma, para tanto, buscou-se o que preceitua as Leis Ficais do Município e da União, bem como o que expressa a Constituição Federal sobre o tema. Por fim, será apresentado o construtivismo lógico-semântico da norma que regulamenta o IPTU em São Luís, Decreto Lei 33.144.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Regra-matriz. Construtivismo lógico-semântico. IPTU.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

As relações jurídicas entre o Estado e os particulares – em si tratando de pagamento e arrecadação de tributos - são o principal alvo do Direito Tributário, direito esse com características de direito público, que se pauta na atividade Financeira do Estado no sentido de obtenção de receitas, logo, intimamente ligada ao conceito de tributo. Em suma, o direito tributário rege como serão instituídos e cobrados os tributos gerando receita para o Estado e, consequentemente - ou pelo menos deveria -, atender às necessidades daqueles administrados pelo poder publico. Em situação diversa temos os casos de imunidade ou de isenção no qual o poder publico se abstêm da cobrança  de determinado tributo, não gerando, por óbvio, a entrada daquela receita. Desse modo, gera-se a não incidência, fato esse que fica fora do alcance da norma tributária.

É a CF - norma maior de nosso ordenamento jurídico – que retrata todas as normas de estrutura. Ela limita a competência de tributar dos entes da federação, ao passo que também outorga suas competências. Estabelece ainda todos os princípios norteadores não só do nosso ordenamento, mas especificamente também de toda nossa competência em tributar, deixando claro quais e em que medida os tributos serão aplicados.

Segundo o pensamento de Paulo de Barros Carvalho (2007), “a norma jurídica é a unidade irredutível de manifestação do deôntico”. Em suma, a norma tem por objetivo a tradução do conteúdo deôntico-jurídico. Esse conceito, objeto de nosso trabalho, será apresentado sob o ponto de vista formal e material.

Por fim, ressalto que a importância da presente pesquisa esta em analisar o conceito de regra matriz de incidência tributária, sobre o enfoque da influência na tributação e sua aplicabilidade no ordenamento Brasileiro, analisando quais seus fundamentos legais e as suas incidências.

 

1 DESENVOLVIMENTO

1.1   Paulo de Barros Carvalho e a regra matriz de incidência tributária

 

Há várias formas de classificar as normas jurídicas tributárias que visam facilitar o entendimento do leitor da natureza tributária. Como exemplo, temos a divisão quanto a função do tipo de ato que as insere no sistema, sendo assim, teríamos normas classificadas como constitucionais, complementares, ordinárias, delegadas etc. Existe também a classificação direcionada para o critério das regras tributárias, dividindo os elementos de acordo com o grupo institucional a que pertencem. São elas: a) normas que demarcam princípio; b) normas que definem a incidência do tributo; c) normas que fixam outras providências administrativas  para a operatividade do tributo.

De acordo com Paulo de Barros Carvalho (2012, p.297), a norma tributária pode ser divida “em norma tributária de sentido estrito e norma tributária de sentido amplo”. A primeira refere-se ao núcleo do tributo, ou seja, a regra-matriz da incidência fiscal; a segunda, refere-se as todas as demais.

Conhecida a estrutura lógica da norma jurídica, pode-se aprofundar o estudo do fenômeno jurídico-tributário. A formalização, ou redução da norma jurídica tributária a juízos hipotéticos, afigura-se como um método de apreensão sintático-semântico, que permite melhor compreender o conteúdo da norma, além de possibilitar o controle de legalidade e constitucionalidade.

Seguindo os preceitos teóricos de Paulo de Barros Carvalho, a regra-matriz de incidência tributária é uma norma jurídica geral e abstrata. Tal regra é definida por Paulo de Barros Carvalho como sendo:

A norma tributária, em sentido estrito, reiteramos, é a que define a incidência fiscal. Sua construção é obra do cientista de Direito e se apresenta, de final, com a compostura própria de juízos hipotético-condicionantes. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma consequência ou estatuição.(2007, p.298.)

 

Aurora Tomazini de Carvalho (2009, p.284), nos esclarece os termos utilizados na expressão “regra-matriz de incidência”, sendo assim:

 

Na expressão “regra-matriz de incidência” emprega-se o termo “regra” como sinônimo de norma jurídica, porque se trata de uma construção do intérprete, alcançada a partir do contato com os textos legislados. O termo “matriz” é utilizado para significar que tal construção serve como modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica concreta. E “de incidência”, porque se refere a normas produzidas para serem aplicadas.

 

 

A regra-matriz de incidência tributária constitui um modelo no qual é possível caracterizar se um evento terá repercussão no mundo fenomênico, ou seja, se tal episódio é capaz de se materializar como fato jurídico tributário. E consequentemente, analisa também os elementos desta relação jurídica que se instalarão quando da consolidação do fato. Nesse sentido, o evento social é primariamente descrito no âmbito abstrato - pois se trata de um modelo que analisa a possibilidade de um fenômeno jurídico -, localizado no tempo e espaço de sua ocorrência. Após análise do fato, sendo caracterizada sua natureza jurídica, será convertido em linguagem jurídica adequada, produzindo as consequências jurídicas, estabelecendo também os sujeitos ativos e passivos dessa relação e os elementos capazes de determinar a base de cálculo da exação.

Segundo Cecília Priscila de Souza (2011), tanto a norma tributária quanto as norma jurídicas seguem os mesmos perfis, possuindo sintaxe homogenias, bem como sintaxe heterogenias.

            A diferenciação de tais normas é a limitação de ser referente a determinado campo de atuação, sendo a norma tributária referente aos “tributos”. Desse modo, conclui-se que a regra-matriz se apresenta de forma lógica, isto é, sua forma é composta por uma proposição antecedente chamada de hipótese, prótase ou descritor e outra de consequente, apódose ou prescritor.

A hipótese faz referência a um fato, inicialmente descrito como uma situação abstrata possível de ocorrer no mundo social. Para que tal evento, primariamente descrito como abstrato tenha consequências jurídicas é necessário que enumere alguns critérios:  critérios material (comportamento das pessoas), temporal (condicionamento no tempo) e espacial (condicionamento no espaço). Sendo satisfeito tais critérios surgirá uma relação jurídica expressa na forma de consequente.

O consequente, por sua vez, se constitui de dois critérios: o pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e o quantitativo (base de cálculo ou alíquota), compondo relação jurídica, modalizada como obrigatória, proibida ou permitida, entre dois ou mais sujeitos.

Mais uma vez, Paulo de Barros Carvalho (2007) elucida:

 

A prótase designaremos de suposto ou hipótese, que pode ser conceituada como o conjunto de critérios para a identificação de fato que, acontecido, determina a incidência de certa consequência prevista na “apódose”. Esta, por sua vez, é o conjunto de critérios para a determinação de certa consequência, imputada à realização do fato previsto na “prótase. (2007, p.240.)

 

Desse modo, seguindo as diretrizes de Paulo de Barros Carvalho (2012) compreendemos que a incidência tributária caracterizar-se pela juridiciação no fato descrito no antecedente da norma jurídica. Logo, para que ocorra a incidência da norma tributária é necessário que a hipótese tributária seja verdadeira.

Desse modo, identifica-se que o legislador prioriza as propriedades que julga importantes para caracterizar o fato que dará ensejo ao surgimento da relação jurídica do tributo. Tais propriedades são conhecidas como: critério material, critério espacial e critério temporal. 

 

1.2 Critérios que compõem hipótese da regra matriz de incidência tributária

 

A hipótese de incidência da regra-matriz tributária é composta pelo tripé critério material, critério temporal e critério espacial. Tais elementos descrevem o evento em três esferas, sendo elas: a ação; o tempo em que tal ação ocorreu; e o local que tal ação se sucedeu. Uma vez delimitado tais eventos, se estabelece o campo da exação tributária. Segundo, Cecília (2011) “o antecedente, portanto, o responsável pelo recorte da realidade social que será submetido à normatividade jurídica”.

 

a)      Critério Material

Critério material de pauta nos comportamentos pessoas físicas ou jurídicas, tomando como base as circunstâncias de espaço e tempo, se apresentando como um verbo pessoal acompanhado de um complemento, que apresente signos presuntivos de riqueza. De acordo com esse sistema temos, portanto, uma alusão a determinado comportamento de pessoa, seja ela física ou jurídica. Daí a necessidade imperativa do verbo e sua representação linguística da consistência material.

É importante salientar a presença onipresente do verbo pessoal como elemento do critério material, uma vez que as demais construções verbais (impessoais) não estão inclusas na relação jurídica porque comprometeriam as finalidades normativas – impossibilitando ou dificultando sua execução. Outro fator importante na construção da materialidade é que o verbo utilizado necessariamente precisará de um complemento.

Seguindo esse percurso teórico, Paulo de Barros Carvalho (2012, p.326) afirmar que o antecedente da norma padrão deve conter “um verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento”.

 

b)     Critério Temporal

O critério temporal da regra-matriz de incidência é o condicionante do critério material que determina o momento em que se instala  o vínculo obrigacional entre os sujeitos da relação.

Esse critério que também compõe a regra-matriz tem como referência o tempo que o legislador recortou para considerar realizado o ato praticado no critério material. É o momento exato em que ocorreu o evento tributário, se falando então em incidência normativa.

 

Para Paulo de Barros de Carvalho (2012, p.331) o critério temporal é:

O grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.

 

c)      Critério Espacial

O critério espacial é condição sine qua non para a existência do critério material. Assim, Paulo de Barros Carvalho (2012, p.327) nos explica que “há regras jurídicas que  trazem expressos os locais nos quais o fato deve ocorrer, a fim de irradiar os efeitos que lhe são característicos”. Entretanto, existem condições nas quais não está explícito o local onde a situação ocorreu. Dessa forma, o contexto deverá nos dar indícios que nos permitem saber onde nasceu o laço obrigacional.

Paulo de Barros de Carvalho (2012, p.329) estabelece algumas diretrizes que permitem classificar o critério espacial em: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.

O critério espacial completa a tríade dos elementos formadores da hipótese normativa tributária, sendo imprescindível sua presença para se caracterizar a relação de natureza tributária, delimitando em qual local o evento tributário deve ocorrer para que seja considerado tributável. O mencionado critério é definido por Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 328) como sendo “o plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ação há de acontecer”.

 

d)     Consequente e seus critérios

 

O consequente normativo prevê a relação entre dois sujeitos distintos, interligados em virtude de uma conduta que deles se espera. Assim percebemos a obrigatoriedade de uma relação bilateral para assegurar a relação jurídica.

Para melhor entendimento desta relação sujeito-predicado, Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 99) delimita o traçado lógico que une os sujeitos desta relação. Assim, alguns traços característicos podem ser definidos sobre as relações jurídicas, que sempre serão: a) irreflexiva: em virtude da necessidade de haver ao menos dois sujeitos de direito em relação, já que é uma qualidade das normas jurídicas as relações intersubjetivas; b) assimétrica: pois pressupõe a presença de direitos subjetivos e deveres correlatos; c) semi-transitivas: não é regra que as relações jurídicas são transitivas, ou estejam impedidas de sê-lo.

 

  • Critério Pessoal

 

O critério pessoal garante o caráter intersubjetivo do direito, determinando os sujeitos que irão compor o vínculo tributário, ou melhor, as pessoas que se acham atreladas, sendo eles o sujeito ativo e o sujeito passivo. Por sujeito passivo entende-se como sendo o indivíduo que tem o dever de cumprir o estipulado na regra-matriz, recolhendo aos cofres públicos a quantia em dinheiro, a título de tributo.

Do outro lado, ocupa a posição de sujeito ativo da relação jurídica tributária as pessoas políticas de direito público (são as pessoas políticas dotadas de poder legislativo) ou privadas (entidades paraestatais com finalidade pública) ou ainda aquelas que a substituírem. O sujeito ativo é aquele detentor do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária.

Na maioria das vezes, o credor é aquele que tem autorização para criar o tributo também se coloca na posição de credor da relação jurídica tributária. Todavia, de acordo com Cecília (2011) ocorre, duas exceções: i) a pessoa que possui competência para instituir o tributo, determina que outro ocupe o papel de sujeito ativo, sendo responsável pela arrecadação e fiscalização do tributo, mas ao final tendo o dever de transferir o produto arrecadado ao ente político; ii) o ente que ocupa a posição de sujeito ativo também não é o mesmo que tem a competência, mas esse fica com o resultado dessa arrecadação - a essa situação se dá o nome de parafiscalidade.

 

  • Critério Quantitativo

 

O critério quantitativo também necessita da presença de dois aspectos que são os chamados de critérios quantitativos do consequente das normas tributárias e devem sempre vir explícitos sob a forma de duas entidades, a saber, base de cálculo e alíquota. Estes elementos representam a quantificação do montante da exação tributária.

De acordo com as observações de Cecília (2011) a base de cálculo é o que estabelece o montante a que faz referência o tributo.

Conforme Paulo de Barros Carvalho (2012), três são as funções da base de cálculo: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.

Como podemos atestar acima, a base de cálculo é fator importante na composição do tributo. Quando se está tratando de quantum da obrigação tributária, a base de cálculo também não atua sozinha. Sendo assim, Cecília (2011) conclui que a base de cálculo “é unida a alíquota, que comumente se apresentam como uma unidade de medida, que multiplicada pela base de cálculo confere o montante a ser recolhido aos cofres públicos, a título de tributos”.

 

2 Regra matriz de incidência tributária: competência para sua expedição na cidade de São Luís do Maranhão

 

O conceito da regra-matriz de incidência tributária é o condição sine qua non para o estudo da estrutura da norma tributária que regula toda e qualquer espécie tributária.

Quanto à funcionalidade operativa da Regra Matriz de Incidência Tributária, a doutrina da professora Aurora Tomazini (2009) apresenta duas funções: i) controlar a legalidade e a constitucionalidade da norma geral e abstrata, bem como aferir a legalidade da norma individual e concreta, construída a partir daquela; ii) conhecer o âmbito de incidência da norma geral e abstrata. Pragmaticamente, significa dizer que o operador do Direito Tributário dispõe de uma ferramenta que lhe permite melhor conhecer, apreender, desmitificar e controlar a validade da norma jurídica tributária.

A constituição Federal estabelece limites para a competência tributária, definindo os direitos fundamentais dos contribuintes, bem como seu papel ativo na atividade de arrecadação de impostos. Cabe ao Poder legislativo regulamentar o exercício da função legislativa em matéria tributária. Sendo assim, podemos dizer que as normas constitucionais de competência tributária são instituídas pelo Poder Legislativo.

O conceito de competência tributária é bastante simples e pode ser entendido de acordo com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2007, p.138)  como “o poder conferido pela Constituição às pessoas políticas para editarem leis que instituam tributos”.

João Marcelo Rocha (2007, p.102), por sua vez, sintetiza a competência tributária através de algumas características fundamentais por ele elencadas, são elas: a) é o poder de instituir tributos; b) É uma atribuição legislativa; c) É conferida a um ente político – União, Estados e Distrito federal e Municípios; d) Emana da Constituição ou de suas emendas; e) é um poder indelegável.

 

Para enfoque específico do nosso trabalho, vamos analisar o código de tributação tributária da cidade de São Luís-MA. Entretanto, antes de iniciarmos nosso estudo nessa seara jurídica municipal é necessário compreender a competência municipal na arrecadação de impostos. Nesse sentido, delimita a constituição:

 

Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens móveis, por natureza de acessão física, e de direitos reais sobre móveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.

 

O IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, como indicado no artigo 156, inciso I, da CF 88 é um imposto de competência Municipal cuja essência é integralmente arrecadadora. Além dessa característica principal, nossa Carta Magna lhe atribui uma característica secundária, tendo como objetivo impor ao proprietário o aproveitamento do imóvel seguindo as disposições do Plano Diretor Municipal. Desta atribuição secundária emergiu longas discussões que recaem sobre o critério progressivo (aumento das alíquotas a cada ano) da arrecadação do IPTU no decorrer do tempo como forma de assegurar o aproveitamento adequado do espaço urbano.

A Constituição Federal (art. 182, §§ 2º e 4º) determina que o IPTU tenha uma progressividade das alíquotas ao longo do tempo, entretanto as decisões judiciais no STF estão indo de encontro ao texto magno.

A Emenda Constitucional 29/2000 deu uma nova redação ao art. 156 da CF, tendo como finalidade legitimar uma prática entendida como inconstitucional pelo STF – a progressividade das alíquotas. A partir desse novo texto passa a existir duas hipóteses em relação a progressividade do IPTU, segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2007, p.245), são elas: i) a progressividade extrafiscal no tempo estabelecida com o fim de assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana; ii) a progressividade decorrente da presumível capacidade econômica do contribuinte, estabelecida em razão do valor do imóvel.

Nesse sentido, analisaremos a situação tributária do IPTU do município de São Luís no ano de 2011. No ano em questão o Município de São Luís recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a retomada da tributação na cidade diante da concessão de liminar expedida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) à Ordem dos Advogados do Brasil naquele estado (OAB-MA) em ação direta de inconstitucionalidade, proposta para questionar uma lei local.

De acordo com a liminar expedida pelo TJ-MA estava suspensa a cobrança reajustada do IPTU instituída pela Lei Municipal 5.392/2010 que atualizou os valores venais genéricos do metro quadrado dos imóveis localizados em São Luís. O texto da liminar também isentou da cobrança o imóvel exclusivamente residencial com valor inferior a R$ 50 mil. Acrescenta o texto também que a Prefeitura de São Luís deve abrir mão de créditos tributários de valor inferior a 30,00 (trinta reais).

Os argumentos utilizados pela OAB-MA foi o desrespeito aos os princípios da razoabilidade, da vedação do efeito confiscatório e do respeito à capacidade contributiva. O Tribunal estadual concedeu parecer favorável aos argumentos da OAB e concedeu a liminar para suspender imediatamente a cobrança e determinar a confecção de novos boletos com os valores antigos, em tempo hábil para o pagamento.

Como podemos perceber, a tributação progressiva do IPTU embora estabelecida no nossa ordenamento jurídico deve, sobretudo, analisar o poder econômico de seus contribuintes, uma vez que, tal imposto é mais um tributo que onera o cidadão brasileiro.

 

 

3 O CONSTRUTIVISMO LÓGICO DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NO IPTU EM SÃO LUÍS

 

Tendo por base as lições de Paulo de Barros Carvalho quanto a regra-matriz de incidência tributária, é mister expor o construtivismo logico-semântico do IPTU de São Luís. Para tanto, expondo cada critério, da hipótese e do consequente, conforme estabelecido pelas Leis Fiscais do Município. Isto por que, segundo Paulo de Barros Carvalho, o legislador segue sempre uma estrutura logica, onde delimitará a hipótese e o consequente, onde tais normais poderão incidir. Certo é que o legislador utilizar-se-á sempre os mesmos critérios. Na hipótese, o critérios material, espacial e temporal. No consequente, o critério pessoal e quantitativo.

a) Critério material do IPTU em São Luís

Quanto ao critério material, expõe o Decreto lei 33.144 do Município de São Luís-MA que a incidência e o fator gerador do IPTU é “a propriedade, a posse ou o domínio útil, a qualquer título, de bem imóvel, por natureza ou por acessão física como definida na lei civil”(art. 190). Tem-se, portanto, como critério material a condição de ser proprietário, ter a posse ou domínio de bem imóvel. Na busca de compreender a estrutura-lógica da norma aqui expressa, é necessário esclarecer a semântica de cada termo.

Segundo o dicionário, “proprietário” é quem tem propriedade, e por sua vez, “propriedade” qualidade de próprio ou posso legal de alguma coisa (Dicionário ABL, 2008, p. 1038). A doutrina coloca com instituição jurídica que dá poder absoluto e exclusivo a coisa que nos pertence (SILVA, 1996, p. 477). Desta forma, entende-se que o bem imóvel, a que faz referencia a norma, pertence a um particular. A propriedade sobre um imóvel é comprovada por meio de escritura pública, registrado em órgão competente.

Para a posse, o entendimento é de ser o “poder efetivo sobre uma coisa, senhorio este que pode exercer qualquer pessoa sobre qualquer coisa ou parte dela”(PEREIRA, 2006, p.17). Segundo o dicionário, “circunstância de possuir alguma coisa” (Dicionário ABL, 2008,p. 1010.) Já para o Código Civil em seu art. 1.196 quanto ao instituto diz que, “considera‑se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Aqui, entende-se que qualquer pessoa que exerça a posse sobre determinado imóvel, deverá arcar com o tributo em tela.

Domínio, a este o dicionário expõe como o “direito de usar e dispor de uma coisa” (Dicionário ABL, 2008, p. 456). A doutrina entende como a relação do indivíduo sobre a coisa alheia (ARONNE, 1999, p. 96). “É o mais completo dos direitos subjetivos e constitui, como vismo, o próprio cerne do Direito das Coisas”(RODRIGUES, 2003, p. 76). Destarte, aquele que manter o domínio sobre o imóvel será o sujeito passivo, quanto ao pagamento do IPTU. Expõe-se que  o Código Civil estabelece que o proprietário do bem poderá reaver a coisa de quem quer que injustamente a possua ou detenha (CC, Art. 1228).

Por fim, o termo bem imóvel. Para RODRIGUES (2003, p. 324) “os bens imóveis são aqueles que não se podem transportar, sem destruição, de um lugar para o outro, ou seja, são os que não podem ser removidos sem alteração de sua substância”. O Decreto Lei 33.114 traz como bens imóveis sobre os quais incidem o IPTU, os que possuem edificações e os que não possuem. In verbis:

Art. 192. O Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana incide sobre:

I – imóveis sem edificações;

II – imóveis com edificações.

 

Art. 193. Considera-se terreno:

I – o imóvel sem edificação;

II – o imóvel com edificação em andamento ou cuja obra esteja paralisada, bem como condenada ou em ruínas;

III – o imóvel cuja edificação seja de natureza temporária ou provisória, ou que possa ser removida sem destruição, alteração ou modificação;

IV – o imóvel com edificação, considerada a critério da administração como inadequada, seja pela situação, dimensão, destino ou utilidade da mesma;

V – o imóvel que contenha edificações com valor não superior à 20a (vigésima) parte do valor do terreno.

Art. 194. Consideram-se prédios:

I – todos os imóveis edificados que possam ser utilizados para habitação ou para o exercício de qualquer atividade, seja qual for a denominação, forma ou destino, desde que não compreendido no artigo anterior;

II – os imóveis com edificações em loteamentos aprovados e não aceitos;

III – os imóveis edificados na zona rural, quando utilizados em atividades comerciais, industriais e outras com objetivos de lucro, diferentes das finalidades necessárias para a obtenção de produção agropastoril e sua transformação.

b) Critério espacial do IPTU em São Luís

Analisando a Consolidação das Leis Tributárias do Município de São Luís (DL. 33.144) observa-se como critério espacial o que está expresso no art. 190, §1º:

§1º. Para efeito deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observada a existência de pelo menos 2 (dois) dos seguintes incisos construídos ou mantidos pelo poder público:

I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II - abastecimento de água;

III - sistema de esgotos sanitários;

IV - rede de iluminação pública com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V - escola primária ou posto de saúde, a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

Ressalta-se que para a cobrança do IPTU deve estar presente no mínimo dois dos cinco incisos do § 1º. A zona urbana a que se refere o referido paragrafo, está definida na Lei Municipal nº 3.253 de 29 de dezembro de 1992. Que assim dispõe:

Art. 5º - O perímetro urbano do Município de São Luís fica assim definido:

Partindo do ponto situado na foz do Rio Jaguarema, no Oceano Atlântico, pela margem esquerda, segue pela linha limite dos municípios de São José de Ríbamar, até atingir o ponto de interseção dessa linha com o eixo da rodovia MA-201, que liga as sedes dos municípios de São Luís a São José de Ribamar. Daí segue segundo uma linha reta que une o ponto de interseção acima, com o vértice n° 55 da poligonal descrita na área constante do Decreto Estadual n° 6595 de 31 de agosto de 1977; daí prossegue em toda poligonal passando pelos vértices de números 16 e 15, da poligonal descrita na área constante do Decreto Estadual de n° 6595, de 31 de agosto de 1977; daí prossegue em linha reta, até atingir o vértice n° 19, da poligonal descrita na área constante do Decreto Federal n° 78.129, de 29 de julho de 1976, daí prossegue pela linha natural da ilha, periférica à Baía do Arraial, atingindo a linha natural do Município de São Luís, no Estreito dos Mosquitos; prosseguindo pela mesma linha natural e alcançando o Estreito de Coqueiro, até atingir a Baía de São Marcos; daí prossegue pelo litoral, contornando o Porto do Itaqui (área da Codomar), Ponta da Madeira, Ponta da Guia, Colônia do Bonfim, Barragem do Bacanga, Praia Grande, Ponte Governador José Sarney, Ponte de São Francisco, Farol de São Marcos, Praia do Calhau, Praia do Olho d'Água, pela linha limite preamar, até a foz do Rio Jaguarema, ponto inicial da descrição deste perímetro.

É considerado ainda como zona urbana as áreas urbanizáveis ou de expansão, constantes de glebas ou de loteamentos aprovados pela Prefeitura, as quais se destinam a moradia, indústria ou comércio, ainda que estas estejam  fora da zona definida nos termos do parágrafo primeiro (DL. 33.144, Art. 190, § 2).

c) Critério temporal do IPTU em São Luís

Conforme estabelece o paragrafo segundo, do art. 192 do decreto 33.144, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, é anual e na forma da lei civil se transmite aos adquirentes. Expressa ainda o presente Decreto, em seu art. 202, que, além do IPTU ser anual, seu recolhimento se dará nos prazos e condições constantes da respectiva notificação ou do regulamento.

d)  Critério pessoal do IPTU em São Luís

 

Quanto ao critério pessoal, o construtivismo-lógico sempre aponta duas pessoas, o sujeito ativo, o arrecada o tributo e o sujeito passivo o qual deve pagar o mesmo. Desta forma, o Código Tributário do Município estabelece em seu art. 17 que o “sujeito ativo da obrigação é o Município de São Luís. Já no art. 18, o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Segue o art. 18:

 

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei.

 

Em consonância com o Código Tributário do Município de São Luís, o Decreto 33.144 estabelece em seu art. 191 que, ocontribuinte do imposto é o proprietário, o possuidor do imóvel ou o detentor do domínio útil a qualquer título”. Observa-se ainda que o presente decreto expressa que:

§ 1o. Respondem solidariamente pelo pagamento do imposto o justo possuidor, o titular do direito de usufruto, uso ou habitação, os promitentes compradores imitidos na posse, os cessionários, os posseiros, os comodatários e os ocupantes a qualquer título do imóvel, ainda que pertencentes a qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, isenta do imposto ou imune.

e)  Critério quantitativo do IPTU em São Luís

Em se tratando do critério quantitativo, o art. 198 do decreto 33.144 diz que a base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel. E que o IPTU será devido anualmente e calculado mediante a aplicação sobre o valor venal dos imóveis respectivos, das alíquotas estabelecidas na Tabela I (art. 199). A tabela expressa:

IMPOSTO

ALÍQUOTA

I – Imposto Predial Urbano:

1 – Imóveis Residenciais

0,70 %

2 – Imóveis Não Residenciais

1,20 %

II – Imposto Territorial Urbano

2,00 %

Por fim, o art. 203 do decreto em tela, estabelece que “a Administração poderá conceder descontos em razão do pagamento do imposto da cota única ou cotas trimestrais na forma em que dispuser ato do Poder Executivo”. Com base nesse dispositivo é possível encontrar inúmeros imóveis que gozam de isenção do IPTU mesmo estando de acordo com as premissas da lei.

CONCLUSÃO

 

Entender o conceito e aplicabilidade da regra-matriz é ter as ferramentas necessárias para a compreensão do pensamento do direito tributário. Nesse sentido, podemos resumidamente definir a regra matriz como sendo a norma de conduta que define os limites materiais de incidência do fenômeno tributário, como realização do princípio legal – é geral, abstrata e genérica, sendo, portanto, classificada como material, temporal, espacial, subjetivo e quantitativo.

A aplicação da hipótese da regra matriz de incidência tributária é mediada pela ‘desformalização” do texto jurídico, ou seja, é necessário a transcrição da linguagem semântica do legislador ao contexto concreto da relações sociais.

Devemos assimilar, portanto, que a regra-matriz de incidência tributária é uma regra comportamental, pois se restringe a disciplinar a conduta do devedor da prestação fiscal (sujeito passivo), perante o credor desta mesma prestação, qual seja, o sujeito ativo.

Embora o conceito de regra-matriz de incidência tributária construído por Paulo de Barros Carvalho seja referência para o entendimento e aplicabilidade da norma tributária  no ordenamento jurídico brasileiro, ainda existe uma certa divergência a respeito da doutrina.

No que se refere a aplicação do aumento progressivo da cobrança do IPTU e o que está escrito no texto Constitucional, deve-se estar atento a uma forma social de aplicação, pois o que está descrito em nossa Carta Magna deve ser obedecido. Sendo assim, o mais sensato seria uma mudança na lei visando uma cobrança tributária mais justa.


REFERÊNCIAS

 

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário Escola da Língua Portuguesa. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.

ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

 

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Manual de Direito Tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

 

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

 

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria geral do Direito – construtivismo lógico semântico. 2009. 623f. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito) – Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

 

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil: direitos reais. v. 4. São Paulo: Forense, 2006.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO LUÍS. Decreto Lei nº 33.144, de 28 de dezembro de 2007. Aprova, em texto único, a Consolidação das Leis Tributárias do Município de São Luís e dá outras providências. DOM, Ano XXVI, nº. 250, de 31/12/2007.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO LUÍS. Lei nº 3.758, de 30 de dezembro de 1998. Institui o Código Tributário do Município de São Luís e dá outras providências. DOM, Ano XVIII. 30.12.1998.

 

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e Método. 2. ed. São Paulo: Editora Noeses, 2008.

 

ROCHA, João Marcelo. Direito Tributário. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2007.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. Vol. 5. 28 ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12º ed. v. 4. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

 

SOUZA, Cecilia Priscila de. Norma jurídica tributária - Análise pelo método hermenêutico-analítico. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10704&revista_caderno=26>. Acesso em nov 2013.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Tributário I em novembro de 2013.

[2] Discentes do 7º Período do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[3] Professor, mestre, orientador.