O CONSTITUCIONALISMO E OS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988*

 

Lívia Oliveira Amorim**

Mariana Moura Borba

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Constituição e Constitucionalismo; 3 Origens do Direito do Trabalho; 4 Noções de Direitos Sociais; 4.1 Espécies de Direitos Sociais; 4.2 A Constituição Federal de 1988 e os Direitos Sociais; 5 Considerações Finais; Referências

 

RESUMO

Realiza-se um estudo sobre o Constitucionalismo, dando ênfase a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 e os Direitos Sociais assegurados por ela. Aborda-se sobre a origem e a formação do Constitucionalismo e sobre o Constitucionalismo no Brasil, para melhor compreender a doutrina que é a base fundamental do Estado a partir da Carta Magna, da Lei Maior do país e observa-se como os direitos sociais constitucionais são na realidade.

PALAVRAS-CHAVE

Constitucionalismo. Constituição. Direitos Fundamentais Sociais.

 

 1 INTRODUÇÃO

A apreensão com a integridade física do homem, com a dignidade da pessoa humana, se deve, sobretudo, ao cristianismo (dignidade do homem), ao jus naturalismo (direitos inatos) e ao iluminismo (valorização do indivíduo perante o Estado). A história constitucional evidencia que a preocupação com a integridade física do homem, com os direitos hoje designados de direitos humanos, direitos fundamentais, vem de longe, assenta-se em antecedentes históricos e doutrinários. (VELLOSO, 2003)

O Constitucionalismo surgiu associado à garantia dos Direitos Fundamentais. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é enfática, ao proclamar, no seu art.16, que “toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição.” (VELLOSO, 2003)

No Brasil, o marco histórico do novo direito constitucional foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. A Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional na história republicana do país. Ao longo da vigência da atual Carta, foi possível observar a destituição de um presidente por impeachment, senadores foram afastados devido a esquemas de poder da República, um presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores foi eleito etc. Em nenhum destes eventos houve a cogitação de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional (BARROSO, 2002).

            Não se pode negar que a Constituição de 1988 foi resultado de grande participação popular, porém não foi apenas isso. A Carta Política não representa apenas as lutas pelos direitos dos mais oprimidos, ela representa também a diversidade social do país. Ela é quem mais se aproxima do complicado e conflitante cotidiano brasileiro (GONÇALVES, 2006).

 

2 CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO

 

            Uma constituição estabelece as regras e princípios de uma determinada disposição política, determina direitos da população, bem como princípios políticos fundamentais, estabelece a estrutura, procedimentos, poderes e deveres do governo. Na visão de José Afonso da Silva, a palavra Constituição pode ser utilizada com vários significados, como por exemplo: conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa; temperamento, compleição do corpo humano; organização, formação; ato de estabelecer juridicamente; conjunto de normas que regem uma corporação, uma instituição; a lei fundamental de um Estado.

            Do ponto de vista material, Bonavides (2006, p. 81) afirma que a Constituição é “o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. Dessa forma, tudo aquilo que for conteúdo básico relativo à composição e funcionamento da ordem política demonstra o aspecto material da Constituição. 

            Quanto ao conceito formal de Constituição, Kelsen apud Bonavides (2006, p. 82) pronuncia: “Fala-se de Constituição em sentido formal quando se faz a distinção entre as leis ordinárias e aquelas outras que exigem certos requisitos especiais para sua criação e reforma”.

            No sentido sociológico, a constituição de um país é como afirma Ferdinand Lassale, a soma dos fatores reais de poder que regem o país, sendo esta é a constituição real e efetiva, não passando a constituição escrita de uma “folha de papel”.

            Constitucionalismo, por sua vez também possui vários sentidos. Primeiramente, é possível empregar este termo ao fazer referência ao movimento político-social com origens históricas remotas e pretende limitar o poder arbitrário. Outra acepção é aquela que identifica a exigência para que haja uma carta constitucional escrita. De uma forma restrita, o constitucionalismo pode representar a evolução histórico-constitucional de certo Estado. (TAVARES, 2007)

            Segundo o autor Louis Henkin apud Tavares (2007, p. 3), existem algumas exigências que podem ser observadas para se reconhecer o constitucionalismo, a saber

1)             Soberania popular para o constitucionalismo atual (we the people);

2)             Supremacia e imperatividade da Constituição, limitando e estabelecendo o Governo;

3)             Sistema democrático e governo representativo, mesmo em tempos de emergência nacional;

4)             Governo limitado, separação de poderes e cheks and balances, controle civil dos militares, governo das leis e judicial control, assim como Judiciário independente;

5)             Direitos civis respeitados e assegurados pelo governo, geralmente aqueles indicados na Declaração Universal. Os direitos podem ser limitados, mas essas limitações devem ter limites;

6)             Instituições que monitorem e assegurem o respeito à Constituição;

7)             Respeito pelo self-determination, o direito de escolha política livre.

           

Canotilho apud Lenza (2008, p. 4) afirma que o constitucionalismo é uma teoria que eleva o princípio de governo restrito imprescindível à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Ou seja, “o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”.

Dessa forma, partindo do ponto em que todo Estado deve possuir uma Constituição, é possível afirmar que os textos constitucionais possuem regras de limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais.

 

3 ORIGENS DO DIREITO DO TRABALHO

O Direito do Trabalho tem origem com a luta dos trabalhadores para superar a exploração no trabalho. A mão de obra assalariada surge no cenário econômico e social com a Revolução Industrial no século XVIII. Foi possível observar a crescente desigualdade entre trabalhadores e patrão, onde este poderia livremente explorar aqueles sem limite algum (KHAMIS, 2001).

No entanto, inspirados com os ideais da revolução francesa e o manifesto comunista de Marx e Engels, os trabalhadores se unem e lutam preocupados com os direitos do trabalhador, configurando dessa forma, o segundo período da história do Direito do Trabalho. O Tratado de Versalhes estabeleceu a Organização Internacional do Trabalho, protegendo a relação entre empregado e empregador (KHAMIS, 2001).

Surgem então constituições, como a Constituição do México em 1917, que passam a garantir alguns direitos aos trabalhadores, como: estabilidade no emprego, jornada de trabalho de oito horas, direito de greve, descanso semanal, proteção contra acidentes de trabalho, salário mínimo, seguro social entre outros (MIRANDA, 1986).

No Brasil, as primeiras leis nesse sentido aparecem antes da virada do século passado, como por exemplo, o Decreto nº 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores de12 a18 anos. Em 1907, uma lei tratou da sindicalização rural. Em 1917 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho como órgão fiscalizador e informativo.

É possível observar três fases do Direito do Trabalho: o liberalismo durante a monarquia; até a Revolução de 1930, que leva Getúlio Vargas ao poder tem-se o liberalismo republicano; e por fim, a fase intervencionista que vai de 1930 até os dias de hoje (KHAMIS, 2001).

Tendo como inspiração a Carta Del Lavoro, Getúlio Vargas decidiu reunir em um único documento toda a legislação de cunho trabalhista, foi editado então o Decreto-lei nº 5.452 de 01/05/1943, aprovando a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Os direitos trabalhistas estabelecidos anteriormente foram mantidos pelas Constituições de 1946 e de 1967. A Constituição que entrou em vigor em 1988 trata os direitos trabalhistas como “Direitos Sociais”.

4 NOÇÕES DE DIREITOS SOCIAIS

           

Segundo a Constituição Federal, no seu art. 6º: “São Direitos Sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição”.

Os Direitos Sociais se caracterizam como liberdades positivas de cumprimento obrigatório em um Estado Social de Direito, e tem por objetivo a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, buscando a igualdade social, que compõe um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (MORAES, 2002).

            Direitos Sociais podem ser entendidos como direitos que se relacionam ao direito de igualdade, criam condições favoráveis ao auferimento da igualdade real, proporcionando dessa forma condição compatível ao exercício da liberdade. Na visão de José Afonso da Silva, tais direitos

São dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de condições sociais desiguais. (SILVA, 2002, p. 285)

Dentre as características essenciais dos direitos de ordem social, é possível mencionar que tais direitos não afastam a possibilidade de outros direitos serem agregados no ordenamento jurídico, quer por lei ordinária ou por tratados internacionais. É mister ressaltar também que  implementação de tais direitos respeita limites orçamentários, ou seja, a reserva do possível. A irrenunciabilidade, outra característica dos direitos sociais, é uma característica típica dos direitos sociais do trabalho e é frequentemente indicada por doutrinadores. (TAVARES, 2007)

            Segundo José Afonso da Silva apud Pedro Lenza (2008, p. 709),

Ter como objetivo o bem-estar e a justiça sociais quer dizer que as relações econômicas e sociais do país, para gerarem o bem-estar, hão de propiciar o trabalho e condição de vida, material, espiritual e intelectual, adequada ao trabalhador e sua família, e que a riqueza produzida no país, para gerar justiça social, há de ser equanimemente distribuída.

4.1 Espécies de Direitos Sociais

 

Várias são as espécies de direitos sociais, contudo é necessário agrupar os direitos sociais em algumas categorias: dos trabalhadores, da seguridade social, de natureza econômica, da cultura e de segurança. (TAVARES, 2007)

Os direitos sociais dos trabalhadores, por sua vez, se classificam em: direitos sociais individuais do trabalhador e direitos sociais coletivos do trabalhador. (TAVARES, 2007)

Os direitos sociais da seguridade social podem ser classificados da seguinte maneira: direito à saúde, direito à assistência social e direito à previdência social. (TAVARES, 2007)

Os direitos sociais de natureza econômica compreendem as prestações positivas do Estado direcionadas a busca do emprego, redução das desigualdades sócias e regionais, eliminação da pobreza e marginalização, defesa do consumidor e da concorrência. (TAVARES, 2007)

Por fim, os direitos sociais envolvem o direito à educação e à cultura propriamente dita.  (TAVARES, 2007)

4.2 A Constituição Federal de 1988 e os Direitos Sociais

 

Nunca antes uma Constituição esteve tão preocupada com a proteção e a promoção de direitos individuais e coletivos quanto à Constituição de 1988. Após anos de autoritarismo, houve uma adequada valorização dos direitos do cidadão, com a ampliação dos direitos e garantias constitucionais. (PINHO, 2002)

Não foi por acaso que se inverteu a ordem tradicional de organização dos textos constitucionais. Pela primeira vez o capítulo dos direitos fundamentais antecedeu os da organização do Estado e dos poderes. Diversas inovações foram introduzidas no que se refere às ações constitucionais de tutela de direitos fundamentais. Podemos salientar algumas: a) criação de novas ações constitucionais, como o habeas data e o mandato de injunção; b) ampliação da legitimidade do mandado de segurança, com a criação do mandado de segurança coletivo para a tutela de interesses coletivos e difusos; c) a ação popular passou a proteger, além do patrimônio público, a própria moralidade administrativa ; d) valorização da tutela jurisdicional coletiva, para a proteção de direitos que pertençam a um número indeterminado de pessoas, com a instituição do mandado de segurança coletivo, a elevação da ação civil pública a garantia constitucional e a concessão de legitimidade ativa a associações e sindicatos, para a defesa de direitos coletivos em seu sentido amplo, abrangendo todas as modalidades hoje estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor: difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. (PINHO, 2002)

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Constituição brasileira de 1988 avançou bastante no aspecto do Estado social, a exemplo disto tem-se o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo e a inconstitucionalidade por omissão. O Estado social brasileiro não apenas concede direitos sociais básicos, mas os garante.

              Até onde irá essa garantia na prática, até onde haverá condições materiais propícias para traduzir em realidade o programa de direitos básicos formalmente postos na Constituição? Como estabelecer e inaugurar novas técnicas ou institutos processuais para garantir os direitos sociais básicos, a fim de torná-los efetivos?

              É cedo para antecipar conclusões, mas não é tarde para asseverar que pela latitude dos direitos e pela precariedade dos recursos estatais disponíveis e limitados, já se armam os pressupostos de uma crise. Crise constitucional, que não é senão a própria crise constituinte do Estado e da Sociedade brasileira, na sua versão mais arrasadora e culminante desde que a República foi implantada neste país há mais de cem anos.

 

REFERÊNCIAS

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

KHAMIS, Renato Mehanna. Sinopse de Direito Material do Trabalho. São Paulo: Método, 2001.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MIRANDA, Jorge. Constituições de diversos países. 3 ed. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1986.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil. Disponível em: http://www.ufrnet.br/~tl/otherauthorsworks/dpr0027/velloso_carlos_dos_direitos_sociais_na_cf.pdf. Acesso em: 2 de junho de 2009.



* Artigo científico apresentado à disciplina de Teoria da Constituição do 2º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) ministrada pelo professor James Magno para obtenção de nota.

** Alunas do 2º período vespertino do curso de Direito da UNDB.