1 INTRODUÇÃO

O aborto é a interrupção da gravidez, com a consequente morte do feto, ou ainda por esta causada. Atualmente caracteriza-se por ser uma questão controvertida, trazendo discussões não só na seara penal, mas também na religiosa e na social.

No Brasil, trata-se de uma ação punível, tipificada pelos artigos 124 a 127, do Código Penal Brasileiro. As exceções encontram-se no art. 128, do CP, que traz duas formas impuníveis: o aborto necessário, para salvar a vida da gestante e o aborto nos casos de gravidez resultante de estupro, quando houver consentimento da gestante ou de seu representante legal.

O intuito desse tipo penal é proteger a vida intrauterina e da gestante, bem como sua integridade física. É encontrado no Título I, Dos Crimes Contra a Pessoa, Capítulo I, Dos Crimes contra a Vida, no Código Penal. Já que procura-se defender a vida, diversos questionamentos surgem ao redor de tal acontecimento, principalmente no tocante ao momento, ao instante de quando começa a vida e quando constituir-se-á o crime de aborto? A partir da concepção? Da fecundação? Ou até, da nidação?

O código Penal Brasileiro adota a nidação como o momento para proteger-se a vida intrauterina, porém existem diversas teorias, as quais cada um admite ou adere a que mais se adequa ao próprio ponto de vista. A depender da adoção de tais teorias o aborto pode ser praticado com a simples ingestão da pílula do dia seguinte, um composto de hormônios que impede, após a concepção, que o óvulo fixe na parede do útero, impedindo, assim, o seu desenvolvimento.

2. ABORTO

2.1 Conceito

É a interrupção da gravidez com a remoção ou expulsão do óvulo, embrião ou feto em desenvolvimento, provocando a morte dele, já que ainda não possuía condições suficientes para manter a vida extrauterina.

A palavra aborto, no sentido etimológico quer dizer privação do nascimento. Do latim ab de privação e ortus de nascimento.

Aníbal Bruno expõe a seguinte definição:

Segundo se admite geralmente, provocar aborto é interromper o processo fisiológico da gestação, com a consequente morte do feto. Tem-se admitido, muitas vezes, o aborto como a expulsão prematura do feto, ou como a interrupção do processo de gestação. Mas, nem um, nem outro desses fato bastará para, isoladamente, caracterizá-lo. [1]

2.2 Formas

O aborto pode ser criminoso ou legal, espontâneo ou induzido, sendo este último terapêutico e eletivo, culposo ou doloso e podendo ser, ainda, ovular, embrionário ou fetal.

Ocorrido nos dois primeiros meses o aborto será denominado de aborto ovular. No terceiro ou quarto mês será embrionário e acima de quatro meses será fetal. Trata-se de uma caracterização pelo tempo de vida do feto.

O aborto como crime está tipificado nos arts. 124 a 127, do Código Penal Brasileiro, trazendo penas não só para a gestante que consente, como também para o terceiro que comete o ato com ou sem o consentimento da gestante.

O professor Hélio Gomes, em seu livro Medicina Legal, traz um conceito sobre o que seria o aborto criminoso, dizendo que este seria a interrupção ilícita da prenhez, com a morte do produto, haja ou não expulsão, qualquer que seja seu estado evolutivo, desde a concepção, até momentos antes do parto. [2]

Já o aborto legal caracterizar-se-á quando for cometido por alguma das razoes explícitas no tipo penal do art. 128, do CP. É o permitido por lei, aquele nos casos em que a gestante corre risco de morte, ou quando a gravidez for resultado de estupro, sendo que aqui haverá a necessidade do consentimento dela ou de seu representante legal.

Haverá aborto espontâneo, natural ou involuntário quando ocorrer naturalmente. O organismo materno rejeita o fruto da concepção expulsando-o. Tal rejeição pode acontecer por conta de doenças congênitas que impedem o pleno desenvolvimento fetal no útero materno, conforme preceitua Jorge de Rezende, Carlos Antonio Barbosa Montenegro e José Maria Barcellos:

Até pouco tempo, ao abortamento eram imputadas, principalmente, causas decorrentes do ambiente, e.g. do sistema genital feminino (meio intra-uterino). Nos últimos anos, com o surgimento de técnicas mais apuradas de análise cromossomial (bandeamento), observou-se que parte expressiva das mortes embrionárias é consequente a anomalias cromossomiais (trissomias, tripoidias, 45XO. Tetraploidias, translocaçoes, mosaico etc.)[3]

O aborto induzido, voluntário ou provocado acontecerá quando houver a indução do aborto, seja ele por intenção ou acidente, por parte da gestante ou de terceiros.

A indução do abortamento poderá ocorrer para fins terapêuticos, quando houver risco de morte à gestante, quando ela for muito nova e pretende-se resguardar a integridade física e mental dela, ou até para evitar-se o nascimento de uma criança com graves problemas congênitos fatais. Visa-se preservar a integridade não só física, mas psicológica da gestante e daqueles que com ela se relacionam.

A indução pode ser eletiva, quando houver mera liberalidade da gestante, uma gravidez indesejada, por exemplo, e também por atos de terceiros o que constituirá crime.

O aborto pode ser provocado de forma dolosa, onde prevalecerá a intenção de expelir o produto da concepção, por parte da gestante ou de terceiros com ou sem o consentimento dela, conforme os arts. 124 a 127.

O aborto acidental, não tem o objetivo intencional, acontece involuntariamente, e.g. por conta de um traumatismo causado por queda da gestante. Não há punibilidade do abortamento acidental, já que não existe a forma culposa.

2.2.1 ABORTO CRIMINOSO

O aborto criminoso caracteriza-se por estar tipificado no Código Penal Brasileiro, que traz penas punitivas para a gestante que comete ou que consente com a provocação e para terceiros que provocam o abortamento, nos arts 124 a 126.

Cada artigo traz uma forma de aborto e a sua punição, a primeira delas trata-se do art. 124, o aborto provocado pela gestante ou com o consentimento dela, trazendo uma pena de detenção de 1 a 3 anos. Sendo um crime de mão própria, pois a gestante é o único sujeito ativo do crime.

O art. 125 traz o aborto sem o consentimento da gestante, cometido por terceiros. Será um crime comum, qualquer pessoa poderá praticá-lo. O sujeito passivo será o produto concebido, em primeiro lugar e a gestante num patamar secundário.

O art. 126 traz a punição para o provocador do aborto com o consentimento da gestante. Qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo do crime. O sujeito passivo será o fruto da concepção. A gestante somente figurará como vítima do delito caso sofra alguma lesão grave ou morte.

Em seu livro de Penal, Luis Régis Prado aduz que:

"no aborto provocado por terceiro (com ou sem o consentimento) tutelam-se também – ao lado da vida humana dependente (do embrião ou do feto) – a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida. Todavia, apenas é possível vislumbrar a liberdade ou a integridade pessoal como bens jurídicos secundariamente protegidos em se tratando de aborto não consentido (art. 125, CP) [4]

O Código Penal traz ainda a forma qualificada do crime de aborto, no art. 127, aumentando a pena em um terço se como conseqüência do abortamento advier lesões corporais graves à gestante ou até a morte dela.

O aborto provocado só será permitido, no Brasil, quando couber no art. 128, do CP. Ou seja, no aborto necessário, para salvar a vida da gestante, desde que, não haja outro meio de fazê-lo ou quando a gravidez for produto de estupro.

Em alguns países, como no Chile é proibida qualquer forma de aborto. Enquanto em outros é totalmente permitida tal prática, principalmente os países da região européia.

3 ONDE COMEÇA A VIDA?

Um dos pontos controvertidos a respeito do aborto gira em torno do questionamento a respeito do início da vida humana. A partir de qual momento o produto da concepção pode ser considerado um ser vivo? Importante responder este questionamento, já que o tipo de aborto visa proteger a vida intrauterina. Não fazendo sentido proteger aquilo que não a possui.

A legislação brasileira não traz de forma explícita ordenamento sobre o começo da vida humana, apesar da nossa Constituição Federal priorizar a inviolabilidade do direito à vida. Tal definição, dessa forma, fica a cargo da doutrina e da jurisprudência que normalmente se dividem em quatro correntes:

a) Teoria da fecundação: Aqui o início da vida é marcado pela concepção, o momento em que o espermatozóide penetra o óvulo, carregando e definindo o produto com o material genético, DNA. Surgindo, assim, uma vida distinta de seus progenitores, possuindo um material genético único. Esta teoria é a, normalmente, adotada por religiões.

b) Teoria da nidação: defende que a vida iniciar-se-á a partir da implantação do embrião no útero. Após a fecundação o óvulo "viaja" das trompas ao útero, para neste fixar-se, processo que leva em torno de 5 a 15 dias. É nesta fase que o óvulo vai se dividindo, e está mais vulnerável a ações externas e internas, estas relacionadas à seleção natural, quando o organismo materno detectar defeitos na divisão celular. Muitos consideram que só com a nidação que pode-se considerar tecnicamente o início da gravidez. Esta é a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro.

c) Teoria encefálica: aduz que a vida começa com o início da atividade cerebral. A morte humana é constatada a partir da morte cerebral, da inatividade do cérebro, dessa forma muitos pesquisadores questionam porque o inicio da vida não segue a mesma premissa: a atividade cerebral.

d) Teoria do Nascimento: a vida iniciar-se-ia a partir do nascimento com vida do feto. Aqui há uma desconsideração do embrião como humano. Tal teoria não condiz com o nosso ordenamento jurídico, já que são concedidos direitos e deveres ao nascituro.

Em seu livro de penal Heleno Fragoso nos traz o seguinte:

O aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto. Pressupõe, portanto a gravidez, Istoé o estado de gestação, que para efeitos legais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina. Do ponto de vista médico, a gestação se inicia com a fecundação, ou seja, quando o ovo se forma na trompa, pela união dos gametas masculino e feminino. Inicia-se então a marcha do óvulo fecundado para o útero, com duração média de três a seis dias, dando-se a implantação no endométrio. Daí por diante é possível o aborto.

A matéria tem sido objeto de debate em face dos efeitos dos anovulatórios orais e 'pílulas anticoncepcionais', bem como do dispositivo intrauterino (DIU). Certas pílulas impedem a ovulação ou o acesso do espermatozóide ao óvulo, pelas transformações que causam muco cervical. Em tal caso, impede-se a concepção.

Outras pílulas, no entanto, atuam após a concepção, impedindo a implantação do ovo no endométrio. O mesmo ocorre com os dispositivos intrauterinos, cuja ação, para muitos, ainda não está perfeitamente explicada: é certo, no entanto, que não impedem a concepção, mas sim a implantação do ovo ou o seu desenvolvimento, provocando a sua expulsão precoce. É fácil compreender que as pílulas da segunda espécie e os DIU, que não impedem a concepção, seriam abortivos (e não anticoncepcionais), se por aborto se entende a interrupção da gravidez e esta se inicia com a concepção.

Todavia, a lei não especifica o que se deva entender por aborto, que deve ser definido com critérios normativos, tendo-se presente a valoração social que recai sobre o fato e que conduz a restringir ao crime ao período da gravidez que se segue à nidação. Aborto é, pois, a interrupção do processo fisiológico da gravidez desde a implantação do ovo no útero materno até o início do parto.[5]

A partir de tais explicações pode-se concluir que a proteção da vida, no Brasil, iniciar-se-á com a nidação, a implantação do embrião na parede uterina. Dessa forma, Rogério Greco diz que uma vez implantado o ovo no útero materno, qualquer comportamento para interromper a gravidez, à primeira vista será considerado aborto.[6]

4 A PÍLULA DO DIA SEGUINTE

A pílula do dia seguinte é conhecida como um meio contraceptivo de emergência, porém em torno deste assunto surgem diversas controvérsias e discussões polêmicas, pois existe quem a considere um meio abortivo.

Tal método evita a prenhez por meio de uma carga extra de hormônios retarda a ovulação, impede a fecundação ou ainda pode impedir a fixação do óvulo no útero materno. É composto por dois comprimidos que tem altas doses de hormônio, como a progesterona e o estrogênio.

A eficácia do medicamento encontra-se no período máximo de 72 horas. Quanto mais se demora de ingeri-lo, menor será a eficácia. O uso contínuo também traz confusão ao ciclo menstrual.

A revista mundo estranho traz as seguintes considerações a respeito da pílula:

1. Os comprimidos liberam hormônios sintéticos na corrente sanguínea. Eles diminuem no organismo o nível do hormônio folículo estimulante, o FSH. Ele é responsável, entre outras coisas, pelos movimentos da trompa que liberam o óvulo e o empurram em direção ao útero. Sem FSH, a trompa sossega, o óvulo estaciona e não encontra o espermatozóide

2. Para garantir o serviço, a pílula age também na mucosa que reveste o útero, chamada endométrio. Os hormônios provocam uma descamação nessa mucosa, o que impede que o óvulo fecundado "grude" nas paredes do útero. Tecnicamente, é só depois da fixação que ocorre a gravidez - por isso, a pílula não é considerada abortiva, e sim preventiva. [7]

As discussões a respeito do método referido são muitas, principalmente de cunho religioso, pois os religiosos consideram a pílula um meio abortivo, já que eles defendem que a vida inicia com a fecundação e ela atuará para dificultar a maturação do produto.

Quem defende a pílula como meio abortivo aduz que a vida inicia-se com a concepção, com o encontro dos gametas, o espermatozóide e o óvulo. Dessa forma, para os que adotam esta teoria, a pílula quando impede a fixação do óvulo na parede uterina, impede que o ser vivo formado se desenvolva, amadureça, acontecendo aí a eliminação da vida, o aborto.

Porém, indo de encontro com a teoria da concepção, para efeito de proteção através da lei penal, a vida só terá relevância com a nidação, que pode ocorrer de 5 a 15 dias após a concepção. É quando considera-se o inicio da gravidez, quando se permite a sobrevivência e início da alimentação celular via o corpo da mãe.

A teoria da nidação tem maior relevância no nosso direito, pois, antes dela ocorrer e com a fecundação não existe certeza do prosseguimento da gravidez, pois as gestantes são mais suscetíveis à perda do produto e expulsão natural deste sem ser percebido ou mesmo detectada a gravidez. Esta só será detectada e reconhecida com a nidaçao quando o organismo materno se prepara para a manutenção e desenvolvimento do embrião.

5 CONCLUSAO

A Pílula do dia seguinte é considerada, no Brasil um meio contraceptivo, já que impede a gravidez 72 horas após o ato sexual. Para a defesa penal, ela não é abortiva, já que a proteção surge com a nidação, adotando este momento como o início da vida.

Muitos estudiosos, doutrinadores e principalmente religiosos sustentam que a vida deve ser protegida desde o momento da concepção, momento em que acreditam que ela começa. Não sendo determinista para o nosso direito.

A existência de teorias a respeito do início da vida humana sustenta discussões sobre o aborto e o consumo da pílula do dia seguinte. Alimentando o embate entre as teorias da concepção e da nidação

Apesar da existência de várias teorias e de vários defensores delas, a que se sobressai no Direito Penal Brasileiro é a teoria da nidação. Dessa forma, pode-se concluir que a ingestão da pílula do dia seguinte, e posterior impedimento da gravidez, não constitui crime, já que ela age antes do que considera-se gravidez.


REFERENCIAS

BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

_______. Direito penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. t II.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 2. p. 30-43; 106-125.

GOMES, Hélio. Medicina Legal. 5 ed. São Paulo Saraiva, 2000. vol. 3.

MIOTTO, Amida Bergamini. O Direito à vida. Desde que momento? Brasília, DF. Elaborado em jul. 2002.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001. v. 2. p. 62-63, 81-104.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 59-66.

REGIS, Arthur Henrique de Pontes. Início da vida humana e da personalidade jurídica: questões à luz da Bioética. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 617, 17 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6462/>. Acesso em: 20 nov. 2009.

ROXIN, Claus. A proteção da Vida Humana através do Direito Penal. Tradução Luís Greco. Rio de Janeiro. Elaborado em 28 jun. 2005. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=134> Acesso em: 02 dez. 2009.

Site Mundo Estranho. Disponível em:<http://mundoestranho.abril.com.br/saude/pergunta_287235.shtml> Acesso em 08 dez. 2009



[1] BRUNO, Aníbal. Crimes contra pessoa. p. 160

[2] GOMES, Hélio. Medicina Legal. p. 132

[3] REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos Antonio Barbosa, BARCELLOS, José Maria. Abortamento. In: REZENDE, Jorge de ET AL. (Coord.) Obstetrícia, p. 691.

[4] PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 94

[5] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p.115-116.

[6] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Especial, p. 241.

[7] Site Mundo Estranho. Disponível em:< http://mundoestranho.abril.com.br/saude/pergunta_287235.shtml>