O som de freada, buzinas e xingamentos levou Justos a sair do carro e ir dar satisfações com o taxista que o havia trancado:

           - Paciência Senhor, tenha calma.

           - Porra, tá cego, você não viu que eu ia cruzar não, cara.

           - Mas meu querido o sinal está fechado pro Senhor e aberto pra mim.

           - Que sinal, aqui não se usa isso não, eu sou taxista a mais de dez anos e nunca prestei atenção a isso, já está obsoleto faz tempo ó.

           Justus como é do seu feitio, falava com moderação, ponderando: - Tudo bem, tudo bem, mas e o pisca direito ligado, eu pensei...

           - Pensou errado, tomou a palavra o taxista, outra porcaria que não se usa mais, não era nem mais pra vir nos carros. Me diga uma coisa, você não é daqui não é? E quase murmurando: - Não consigo enxergar a bosta dessa placa direito.

           Ao ouvir, Justos se admira e pergunta: - Mas tão perto e o Senhor não enxerga?

           - É eu tenho um pouco de dificuldade pra vê de perto.

           - E pra longe?

           - Pior ainda.

           - Como é que fica a sinalização, sem enxergar.

           - Pra que enxergar, enxergar o que? No trânsito daqui, mesmo quem vê não enxerga.

           - O Senhor me perguntou se eu era daqui, não, realmente não sou, eu vim visitar um filho meu.

           - logo vi, eu sabia, é por isso que você não sabe dirigir, quer dizer, dirige como antigamente, a coisa aqui tá avançada, a gente usa direção intuitiva.

           - Não, o Senhor está brincando, e se alguém intui errado?

           - Aqui acolá acontece alguma coisa, geralmente com gente de fora, os daqui estão mais conectados.

           - E quanto à lei, não existem guardas de trânsito?

           - Ah, o Senhor quer dizer os amarelinhos, não, os azulzinhos, também mudam de cor toda semana, eles ficam lá no centro da cidade e quando dão às costas tudo volta ao normal; na maioria das vezes eles aconselham faça assim, faça assado, mas você sabe como é né?

           - Então, por que não se segue os conselhos das autoridades?

           - Meu amigo. Como é mesmo seu nome?

           - Justos, meu nome é Justos.

           - Seu Justus, os padres estão aí faz tempo dando conselhos pra ninguém pecar e até eles mesmos pecam, que dirá os outros; assim também é no trânsito.

           - Ah, entendi. Diz Justus perplexo.

           - Bom, seu Justos, eu tenho que trabalhar, quanto a esse amaçado vou deixar pra lá, o seu é uma boa pessoa, de fora, dirige ruim, até mais ver.

           Justus observa boquiaberto, o taxista entrar no carro, sair em disparada, cortar o sinal vermelho e ainda com o pisca direito ligado, entrar à esquerda numa contra mão. Entra em seu veículo ainda um pouco nervoso pelo ocorrido e com mais prudência segue, porém encucado com o que lhe dissera o taxista.

           No centro da cidade, Justus estaciona, desliga o motor e tenta sair, um flanelinha o impede segurando a porta e falando depressa: - Leva mal não Dotô, dá uma rezinha aí, põe mais aprumado que é pra cabê mais carro, tá ligado.

           Justus tranquilamente aciona o motor, dá ré com toda a dificuldade do trânsito e recoloca o veículo na mesma vaga, um pouco mais reto, já sendo repreendido pelo flanelinha. Depois de um entra e saí estressante, finalmente o carro em seu devido lugar, o flanelinha olha pra ele com um sorriso muito do safado na cara e fala: - Leva mal Dotô, mais tu dirigi rim pra caralho meu. E sacudindo um balde de água em cima do veículo: - O enxague é vinte conto, a pastora sai free, tá ligado.

           Rindo consigo mesmo, Justo um tanto embaraçado, sem saber o que falar, simplesmente aciona o alarme e caminha pela calçada, vez em quando olha pra trás, pro carro, onde o flanelinha se esbalda com a flanela encardida, e retribui seu olhar com uma piscadela e aquele mesmo sorriso safado na cara.