Ônus da prova, conceito que deve ser avaliado primeiramente, é encargo processual da parte que a sujeita, em regra, a um prejuízo ou a uma vantagem em relação ao adversário dentro do processo. Portanto, na lição do professor João Batista Lopes "não existe dever jurídico de provar, mas simplesmente ônus de fazê-lo".[1]

Para haver ônus da prova é imprescindível a ausência de prova, porque se esta existe, por óbvio, não há o que se provar.

Vale ressaltar, ainda de acordo com a lição do renomado mestre, que a parte a quem cabia o ônus de fazer a prova não terá contra si, necessariamente, um julgamento desfavorável, porque tal prova poderá ser realizada até mesmo pelo adversário e outras circunstâncias poderão ser avaliadas pelo Juiz em face do princípio da persuasão racional.

Nesse sentido, ônus da prova não é prova e, por conseguinte, não deve ser avaliada como matéria de instrução processual.

Fred Didier ensina que "As regras do ônus da prova não são regras de procedimento (não há um momento em que o Juiz deva determiná-lo ou determinar sua inversão, se for o caso).". O ônus da prova, assim, deve ser avaliado como regra de julgamento, e, não como matéria instrutória, pois somente incide quando não há prova do fato probando, que se reputa como não ocorrido[2].

Assim, se não há prova nada há que instruir, pois o ônus é anterior àquela (ônus da alegação). Vale lembrar, assim, que ônus é encargo e, a valoração quanto às conseqüências processuais, contrárias ou não a quem deveria se incumbir dessa faculdade processual somente ocorrerá no julgamento. Corroborando esse entendimento, o Mestre Fred Didier preceitua: "O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu."2.

Em que pese o citado mestre aduzir que o julgamento será contrário àquele que tinha o encargo do ônus da prova e dele não se desincumbiu, entendo que essa deva ser a regra, mas, nem sempre, o julgamento deverá ser contrário àquela parte, pois até mesmo, como já dito, a prova produzida pelo seu adversário poderá lhe aproveitar. É certo, porém, que se trata de exceção, e que, via de regra, a conseqüência jurídica lhe será prejudicial.

A inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º., VIII, do Código de Defesa do Consumidor, todavia, deve tomar rumo diverso. Segundo o citado dispositivo legal, esta ocorrerá em duas hipóteses: quando verossímil a alegação do consumidor ou quando este for hipossuficiente.

A mudança não é sutil. Há doutrinadores que emprestam à inversão do ônus da prova a mesma natureza do encargo puro e simples, tratando-o como regra de julgamento. Estes, capitaneados pelo Mestre Luiz Guilherme Marinoni discorrem sobre as duas hipóteses de inversão do ônus no Código do Consumidor, a verossimilhança (convicção de verossimilhança) da alegação do consumidor e a sua hipossuficiência (inesclarecibilidade) e entendem que tais situações devem ser avaliadas por ocasião da prolação de sentença, como verdadeira regra de julgamento.

Nesse sentido leciona o renomado professor: [3]

A dúvida, a inesclarecibilidade e a convicção de verossimilhança, ainda que constituam pressupostos para o juiz decidir, apenas podem ser demonstradas na motivação da sentença, ocasião em que o juiz justifica a decisão.

Assim, para essa corrente doutrinária, a inversão do ônus da prova é regra de julgamento e deve ocorrer na sentença.

Em sentido contrário, outra parte da doutrina entende que a inversão do ônus da prova nas relações de consumo deve ser tratada como regra procedimental, matéria instrutória. A discussão tem por fundamento o fato de que a inversão do ônus da prova na sentença acarretaria uma surpresa à parte, surpresa esta que não se coaduna com princípios como o da cooperação, do contraditório e da isonomia.

Em que pese o CDC ter adotado a inversão do ônus da prova para amparar o consumidor, sua apreciação apenas na sentença acarretaria sério prejuízo ao réu, que não teria a oportunidade de se desincumbir desse ônus se assim o desejasse.

Nessa toada, a lição de Fred Didier[4]:

Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois 'se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir um ônus para o réu e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia'. Deve a inversão, pois, ser feita em momento que permita àquele que assumiu o encargo livrar-se dele.

O respeito aos princípios da isonomia processual, da cooperação e do devido processo legal (abrangido aí o contraditório) emprestam à segunda corrente um sentido mais direcionado ao escopo da Justiça. Se a inversão do ônus da prova é regra que visa à proteção do consumidor, presumidamente hipossuficiente, tal regra não deve servir ao abuso do direito, devendo coadunar-se com os princípios em epígrafe. A oportunidade concedida ao Réu de desincumbir-se de seu ônus é medida que atende ao devido processo legal e deve ser prestigiada.

Vale ressaltar, ainda, a corroborar este último entendimento, que a convicção de verossimilhança e a inesclarecibilidade, hipóteses de inversão do ônus probatório, podem ser demonstradas, também, nas motivações das decisões anteriores aos julgamentos, consoante o disposto no artigo 93, IX, da Constituição da República e não apenas na sentença.

Concluindo, portanto, segundo a melhor doutrina, a inversão do ônus da prova em matéria de consumo deve ser entendida como regra procedimental ou matéria de instrução probatória, e, portanto, o momento adequado para sua verificação será aquele anterior ao julgamento, justamente para que se oportunize à parte contrária a possibilidade de desincumbência do seu encargo.

Bibliografia:

(1)LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. Material da primeira aula da disciplina Prova, Sentença e Coisa Julgada, ministrada no Curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp/Rede LFG.

(2)Didier Jr., Fred, Sarno Braga, Paula, Oliveira, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2. Salvador, BA: ed. Jus Podivm, 2007. p.55-58.

(3)Marinoni, Luiz Guilherme, Arenhart, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo, SP: 4. Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 274/275.

(4)Didier Jr., Fred, Sarno Braga, Paula, Oliveira, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2. Salvador, BA: ed. Jus Podivm, 2007. p.57-58