Quando nem havia largado a mamadeira, embora ainda estivesse em fase de alfabetização aos seis anos de idade, meus pais tiveram a insensatez de me matricular em um curso de português. Pergunto qual a serventia de um curso de redação para uma criança que ainda fazia xixi na cama? Lembro como se fosse hoje, o meu desespero ao encontrar Dona Dalva, uma velha de setenta anos que tinha um mau hálito horrível e insistia em me beijar e apertar minhas bochechas toda vez que eu chegava. Com ela aprendi o significado de todas as figuras de linguagem. De que me serviu saber o que é metonímia ou sinédoque? Alguma mulher algum dia admirou homens por isso?

Mulheres gostam de “caras” que simplesmente as façam sorrir e que as ajudem a resolver seus problemas. Resolver os problemas do sexo oposto significa entende-la nos dias em que o leão enraivecido conhecido como TPM atacar ela e você, saber que os elogios sinceros são importantes e as tornam mais felizes e seguras, aprender que elas apreciam homens que escutam atentamente aqueles assuntos enfadonhos sobre pessoas que muitas vezes eles mesmos não suportam, significa ter paciência com suas crises existenciais, conhecer a diferença entre um scarpin e outro sapato fechado, reparar e dizer que ela ficou linda quando ela cortou, tingiu, escovou o cabelo ou simplesmente penteou a franja de lado, saber que absorventes de abas e sem abas não são todos iguais, nunca esquecer o aniversário dela ou qualquer outra data comemorativa que ela julgue importante, ser um bom pai, amigo, amante e...se possível... pagar suas faturas de cartões de créditos. Homens que sabem o significado de sinédoque normalmente são “chatos de galocha”, insensíveis aos sutis sinais reais ou ilusórios deixados por uma mulher.

Questiono até hoje meus pais o porquê de simplesmente não terem me matriculado em uma escolinha de futebol? Talvez tivesse feito muito sucesso, teria muito dinheiro em uma conta prime e garotas de cabeças vazias - mas de corpos torneados - correndo atrás de mim. Teria conseguido um contrato vitalício com alguma empresa fabricante de artigos esportivos, feito bastante sucesso no exterior, e voltado ao Brasil no final de carreira contratado a preço de ouro pelo Corinthians, mesmo estando visivelmente OBESO. Jogaria em alguns jogos, me envolveria em escândalos envolvendo travestis e encerraria minha carreira antes do término do contrato ovacionado pela torcida; ou ainda usaria um cabelo estilo pica-pau e ficaria em meu país ganhando em um mês o que a maioria dos pais de família brasileiros não ganharão em uma vida toda de trabalho, alegando um falso patriotismo para justificar o motivo de não ter ido jogar na Europa.

Herdei de papai o gosto pela música. Lembro-me do velho piano que meu pai costumava a tocar aos finais de tarde, e, embora o “coroa” nunca tenha sido um grande músico apreciava ouvi-lo tocar, mesmo quando ele desafinava e confundia acordes simples o som daquele piano me trazia paz. Ele sempre dizia que a combinação das notas musicais era capaz de tocar na divisa do sentimento humano. Talvez papai nunca tenha ouvido Michel Teló e Calcinha Preta.

Mas sem dúvida a pior coisa que meus pais me ensinaram foi a ter fé, acreditar em Deus, e lições como: você mora na casa em que constrói, a construção é diária e apenas se coloca o último tijolo dessa obra chamado vida com a própria morte (quantas vezes não ouvi isso). Não compreenderam que o mundo não é um lugar ético e justo, e que quanto mais princípios você tiver, menor será a sua chance de se dar bem (custe o que custar). 

Também não perdôo meus pais por eles não terem “sacado” que minha geração seria marcada pelo culto ao corpo. Deveriam ter me empurrado goela abaixo todos os tipos de suplementos e anabolizantes, misturado Jack3D e Whey no meu leite do café da manhã, e me feito malhar pelo menos umas doze horas por dia na academia.

Talvez a Globo me chamassem para participar da “intrigante” trama de Malhação ou quem sabe de uma novela das Oito? Seria galã de novela, contracenaria em cenas calientes em que faria parte de um triângulo amoroso envolvendo Juliana Paes e a Aline Moraes, seria o mais novo sex symbol da emissora, o legítimo sucessor do Jose Mayer...

Quem sabe não mandaria um vídeo para o BBB, exibindo um corpo sarado e falando umas coisas sem nexo algum e me selecionassem para compor o grupo dos doze heróis? Sairia de lá, com um milhão de reais em minha conta bancária, com um contrato para posar nu na G Magazine, e com a incrível satisfação de ter a certeza de que eu contribuí para deixar milhões de brasileiros mais burros.

A inteligentíssima apresentadora Luciana Gimenez me entrevistaria, fazendo perguntas complexas como “quem você considerava falso na casa” ou “como foi passar os dias no cárcere”, e quem sabe se eu fosse muito polêmico e fizesse bastante sucesso no reality show ganharia o direito de dar um selinho na Hebe Camargo.

Bobagens? Vou me permitir em manifestar minhas bobagens até o dia em que José Serra se filiar ao PT, todos os xiitas se converterem ao Cristianismo, Luciana Gimenez utilizar apenas roupas fabricadas em Ibitinga e engravidar de um favelado, Carla Perez souber soletrar paralelepípedo e pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico, Edir Macedo e o Apóstolo Valdemiro Santiago não extorquirem mais nenhum vintém de seus fiéis supostamente para comprar um flat com vista para o trono do céu, E MEUS PAIS ENTENDEREM O ANACRONISMO EM QUE VIVE O MUNDO.