MEDIDAS CAUTELARES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

 

  Álvaro Veras Castro Melo [1]

 

RESUMO

Objetiva-se traçar uma análise pormenorizada das medidas cautelares previstas na Lei de Improbidade Administrativa, abordando os seus caracteres diferenciados, prazos, espécies e a interpretação jurisprudencial, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema. Para tanto, inicialmente será realizado uma abordagem geral a respeito da importância da tutela da probidade administrativa no contexto social brasileiro, e empós serão elucidadas noções gerais acerca das medidas cautelares e da Lei de Improbidade Administrativa. Por fim, constituindo-se no cerne principal do presente trabalho, serão abordadas as medidas cautelares previstas em tal diploma legislativo de modo específico, expondo criticamente cada um de seus aspectos. 

Palavras-chave: Direito Administrativo. Direito Processual Civil .Medidas cautelares. Lei de Improbidade Administrativa.

ABSTRACT

The objective is to draw a detailed analysis of the precautionary measures provided for in the Law of Administrative Misconduct, discussing their different characters, periods, species and judicial interpretation, notably from the Superior Court of Justice.To this end, a general approach initially be held about the importance of the protection of administrative probity in the Brazilian social context, and after be elucidated general notions about the Law of Administrative Misconduct and precautionary measures. Finally, constituting the main crux of this work, will be discussed about the precautionary measures in this legislative act in specific ways, critically exposing each of its aspects.

Keywords: Administrative Law. Civil Procedure Law. Precautionary measures. Law of Administrative Misconduct.

 INTRODUÇÃO

Após a análise de preliminares aplicáveis a todas as medidas cautelares presentes na LIA, cumpre frisar que, de acordo com a finalidade, momento e objeto, deverá optar-se pelo pedido de uma ou outra medida, cada qual aplicável ao seu caso específico.

 Desse modo, cumpre agora realizar uma análise minuciosa a respeito de cada uma das características dessas medidas, perpassando posteriormente por uma crítica a respeito do caráter por demais ampliativo dado a elas pelo STJ, notadamente a de indisponibilidade de bens. Há de ser destaca, ainda, primeiramente,a possibilidade de o juízo conferir medidas cautelares inominadas para defender o patrimônio público.

1.1. Da possibilidade de medidas cautelares inominadas

Antes de ingressar medidas cautelares típicas que estão previstas especificamente na LIA, cumpre traçar algumas notas a respeito da possibilidade de concessão de medidas cautelares atípicas, com o fito de defender o patrimônio público e evitar o perecimento do direito a que faz jus a coletividade, com base no já explicitado poder geral de cautela.

Sobre a possibilidade de medidas cautelares inominadas, dissertam Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart (2008, p. 100):

As normas do Código de Processo Civil abrem oportunidade a utilização do procedimento adequado ao caso concreto cautelar, ou melhor, à construção da ação cautelar ao caso concreto. Evidencia-se, mediante tais normas, não apenas que o legislador não pode instituir procedimentos quantas são necessidades de segurança, mas, sobretudo, que estas necessidades variam conforme as particularidades concretas, e, assim, que não há alternativa a não ser deixar uma válvula de escape para a utilização da técnica processual adequada a situação concreta.

Analisando tal tema, o STJ já emitiu posicionamento favorável, inclusive permitindo a decretação de tais medidas de modo liminar, sem a ouvida do réu:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Em ação de improbidade administrativa, é possível a concessão de liminar “inaudita altera parte” a fim de obstar o recebimento pelo demandado de novas verbas do poder público e de benefícios fiscais e creditícios. Isso porque, ressalvadas as medidas de natureza exclusivamente sancionatória – por exemplo, a multa civil, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos –, pode o magistrado, a qualquer tempo, com fundamento no poder geral de cautela, adotar a tutela necessária para fazer cessar ou extirpar a atividade nociva, a teor do que disciplinam os arts. 461, § 5º, e 804 do CPC, 11 da Lei 7.347/1985 e 21 da mesma lei combinado com os arts. 83 e 84 do CDC. Assim, embora o art. 17, § 7º, da LIA estabeleça como regra a prévia notificação do acusado para se manifestar sobre a ação de improbidade, pode o magistrado, excepcionalmente, conceder medida liminar sempre que verificar que a observância daquele procedimento legal poderá tornar ineficaz a tutela de urgência pretendida. Precedentes citados: EDcl no Ag 1.179.873-PR, Segunda Turma, DJe 12/3/2010 e REsp 880.427-MG, Primeira Turma, DJe 4/12/2008. (REsp 1.385.582-RS, 2ª Turma. Rel. Herman Benjamin, julgado em 1º/10/2013.) (grifo nosso)

Há de ser asseverado, ainda, que tal “válvula de escape”, entendida como a medida cautelar inominada, foge do princípio da tipicidade das formas processuais, cuja finalidade é a de garantir ao cidadão um procedimento previamente previsto na lei. Desse modo,deve ser, indubitavelmente, vista com muita cautela e adotada de modo excepcional.

1.2. Do seqüestro de bens

Antes de adentrarmos em qualquer discussão sobre o sequestro na Lei de Improbidade, é necessário analisar o seu conceito e requisitos como uma das ações cautelares específicas do CPC. 

Sobre o tema, disserta Daniel Amorim Assumpção Neves (2011, p. 1233):

Sequestro é a medida cautelar que tem como objetivo assegurar a eficácia de futura execução para entregar de coisa, consistindo na busca e apreensão de determinado bem ou bens do patrimônio do requerido. Registre-se que a futura execução que tem o seu resultado garantido pelo sequestro não é necessariamente desenvolvida por meio de um processo autônomo, também se admitindo que se desenvolva por meio de mera fase procedimental(ação sincrética).

Desse modo, sequestro, em breves palavras, é a ação cautelar típica ou nominada, com natureza cautelar, cujo objetivo é garantir a execução para a entrega de coisa certa, e, em razão disso, incide sobre um bem móvel, imóvel ou semovente. 

A medida cautelar de sequestro de bens está prevista no art. 16 da Lei nº 8.429/92 nos seguintes termos:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Apesar da redação um tanto quanto confusa prevista na lei, há de se consignar que o pedido de sequestro de bens do agente ou de terceiro envolvido em ato de improbidade pode ser requerido pelo Ministério Público ou pela procuradoria do órgão interessado, os quais podem ser provocados mediante representação da comissão processante instaurada para apurar o ato de improbidade no âmbito administrativo.

          Em razão da reserva de jurisdição, a sua efetivação deve ser necessariamente realizada pelo órgão judicial.

Torna-se imperioso ressaltar que não se encontra vinculado o parquet aos termos da representação feita pela autoridade administrativa, cuja natureza não é de condição de procedibilidade. Em virtude de sua independência funcional, pode atuar pleiteando essa medida cautelar mesmo sem apresentação ou quedar-se inerte mesmo com tal representação. 

Em virtude da disposição legal, o campo da aplicação de tal medida cautelar de sequestro apenas é cabível em se tratando de ato de improbidade que cause lesão ao erário ou que importe em enriquecimento ilícito, não sendo possível, por exemplo, para garantir o pagamento de multa civil, por ausência de previsão legal.

Em razão de sua natureza, aduz-se que a medida de sequestro apenas pode recair sobre coisa certa, determinada, não podendo alçar genérica e indiscriminadamente todo o patrimônio do agente, em razão de sua própria definição.

 Desse modo, é correto frisar-se que nessa medida a constrição patrimonial apenas se limitará aos bens adquiridos durante o exercício da função pública, mais precisamente aqueles adquiridos a partir e em razão do ato de improbidade. 

Sobre o tema, o STJ já firmou posicionamento: 

LEI 8.429/92, ARTS. 9., VII, 112, I). INDISPONIBILIDADE DE BENS DO IMPETRANTE, ANTERIORMENTE JA DECRETADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

I - O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL AJUIZOU AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA O IMPETRANTE. DIAS DEPOIS, AFOROU AÇÃO CAUTELAR, INSTANDO NA INDISPONIBILIDADE DOS BENS CONSTANTES DA DECLARAÇÃO DE RENDAS. O JUIZ DECRETOU "IN LIMINE" A INDISPONIBILIDADE DE TODOS OS BENS. O ATO JUDICIAL FOI ATACADO POR MEIO DE MANDADO DE SEGURANÇA.

II - COMO FICOU DECIDIDO NO RMS 6.182/DF, SOMENTE OS BENS ADQUIRIDOS APOS OS FATOS CRIMINOSOS E QUE PODEM SER OBJETO DE SEQUESTRO, NÃO OS ANTERIORES. DECIDIU-SE, AINDA, PERMITIR AO IMPETRANTE ADMINISTRAR SEUS BENS, COM A PRESTAÇÃO DE CONTAS AO JUIZ.III - RECURSO PROVIDO, UMA VEZ QUE A SITUAÇÃO FATICA EM RELAÇÃO A JOÃO ALVES DE ALMEIDA E A MESMA DA CONTEMPLADA NO RMS 6.182/DF.

(STJ, 2a turma, ROMS, n 6197/DF, rel. desig. Min Adhemar Maciel j. 17/11/1997) (grifo nosso)

Há de ser ressaltado, ainda, que, diferentemente da indisponibilidade de bens, na qual a corrente majoritária jurisprudencial aduz que nela existe um perigo na demora presumido, a decretação do seqüestro necessita da demonstração, mesmo que de modo sumário, dos riscos de danificação da coisa.

Um tema que suscita controvérsias relacionada a essa medida cautelar é a respeito da possibilidade de ela ser decretada sobre bens em que incide, em tese, a impenhorabilidade prevista na Lei n 8.009/90 de bem de família. 

Sobre o tema, cumpre trazer as lições de Rogério Pacheco Alves e Emerson Garcia (2011, p. 972): 

Não faz sentido a alegação de impenhorabilidade da coisa uma vez que as normas prevista no art. 649 do CPC e da Lei n 8.009/90 reveste-se de um evidente conteúdo ético e, por isso mesmo, de forma alguma visam corroborar com o enriquecimento ilícito, sendo mesmo um absurdo invocar-se a impenhorabilidade nesses casos, mormente nas hipóteses de enriquecimento ilícito.

Deve ser considerado, ainda, que, pela própria essência da medida de sequestro, a qual recai necessariamente sob bens determinados, torna-se imperioso que tanto no pedido feito pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada quanto no acolhimento judicial de tal pretensão sejam individualizados os bens. 

Instado a se manifestar sobre o tema, o STJ já consolidou tal posição:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DILAPIDAÇAO PATRIMONIAL. ART. DA LEI N. 8.429/92. INDIVIDUALIZAÇAO DE BENS. DESNECESSIDADE.

1.É pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

2. Na espécie, o Juízo de Primeira Instância considerou que o dano aos cofres públicos perfaz o valor de R$ 41.782,12 (quarenta e um mil, setecentos e oitenta e dois reais e doze centavos). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada pela desnecessidade de individualização dos bens sobre os quais se pretende fazer recair a indisponibilidade prevista no art. parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, considerando a diferença existente entre os institutos da "indisponibilidade" e do "sequestro de bens" (este com sede legal própria, qual seja, o art. 16 da Lei n. 8.429/92). Precedentes: REsp 1195828/MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010; AgRg na MC 15.207/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.9.2009; 

(AgRg nos EDcl no Ag 587.748/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 23.10.2009.)(grifo nosso)

Torna-se tal característica, tal como será demonstrado no momento adequado, outra nota distintiva entre essa medida e a de indisponibilidade de bens. 

1.3. Do afastamento cautelar do agente público

A Lei nº 8.429/92, em seu artigo 20, aduz que o agente público apenas irá perder a função pública ou ter os seus direitos políticos com a decisão transitada em julgado, determinando que “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Em verdade, trata-se de medida que visa garantir o princípio da presunção de inocência do agente público, ou seja, deve ele permanecer, regra geral, no exercício do cargo público enquanto houver pendência do processo, já que se pode alterar a decisão condenatória.

 Tal princípio, que regra geral é aplicado ao processo penal, também deve ser aplicado nessa seara, em virtude de um enquadramento dos atos de improbidade em um espectro mais amplo denominado Direito Judicial Sancionador.  

Ancorado nessa corrente, concluindo que a presunção de inocência é uma garantia que não se limita à esfera penal, já se manifestou o Ministro do STF, Celso de Mello, no julgamento da “Arguição de descumprimento de preceito fundamental” (ADPF) n°144, do Distrito Federal:

[...] a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, projetando-se para esferas processuais não criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves consequências no plano jurídico - ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição, que se formulam, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que se imponham ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial transitada em julgado”. (ADPF 144, Voto Min. Relator Celso de Mello, pag. 33)

Sendo essa a regra geral, a medida cautelar de afastamento do agente público consiste em uma exceção, conforme está previsto no art. 20, parágrafo único, da LIA, nos seguintes termos: “parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.

Indubitavelmente, tal medida tem inspiração no Código de Processo Penal, que elenca entre uma das providencias cautelares diversas da prisão preventiva:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais

      Por intermédio desse afastamento provisório do agente, busca o legislador fornecer ao juiz um imprescindível meio com o objetivo de buscar a verdade real, intentando a garantia da verossimilhança da instrução processual. Reconhece-se, assim, que por vezes os agentes públicos, notadamente os que se situam com maior grau de hierarquia dentro da Administração Pública, utilizam-se do poder inerente a suas funções para atuar dolosamente na produção de provas, ameaçando testemunhas, destruindo documentos, dificultando a realização de pericias.

        Assim, objetiva-se propiciar um clima mais transparente e irrestrito acesso ao material probatório, afastando possíveis óbices que a continuidade desse agente no cargo poderia causar.

             Por tratar-se de medida cautelar, deverão estar presentes para a decretação da medida a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora (periculum in mora). 

          Nessa toada, embora não possa tal afastamento provisório decorrer de meras conjecturas, elucubrações existentes, sob pena de se configurar pena antecipada e não medida com vistas a realização de instrução processual, não há razão para se exigir prova cabal, exauriente, de que o agente mantido no exercício da função acarretara prejuízo ao descobrimento da verdade. É, assim, mais razoável acreditar que indícios já serão suficientes a decretação da medida. 

          Sobre tal tema, cumpre trazer as lições de Fábio Medina Osório (1997, p. 164-165) defensor enfático essa interpretação, argumentando que: 

Em primeiro lugar, se existem indícios de que o Administrador Público, ficando em seu cargo, poderá perturbar, de algum modo, a coleta de provas do processo, o afastamento liminar se impõe imediatamente, inexistindo poder discricionário da autoridade judiciária. Não se mostra imprescindível que o agente público tenha, concretamente, ameaçado testemunhas ou alterado documentos, mas basta que, pela quantidade de fatos, pela complexidade da demanda, pela notória necessidade de dilação probante, se faça necessário, em tese, o afastamento compulsório e liminar do agente público do exercício de seu cargo, sem prejuízo de seus vencimentos, enquanto persistir a importância da coleta de elementos informativos ao processo

Nesse sentido, vem decidindo o STJ

SUSPENSÃO DE LIMINAR. PREFEITO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO CAUTELAR. DECISÃO QUE NÃO SE PRENDE AO ART. 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/92. ILEGALIDADE. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA INSTITUCIONAL. 1. A Constituição Federal, quando trata de independência e harmonia, sustenta o delicado equilíbrio entre os Poderes da República.                                                                            2. Este equilíbrio não exclui completamente a possibilidade de que um dos Poderes interfira no outro. Há, entretanto, previsão expressa - em Lei ou na Constituição - dos casos em que essa intervenção é legítima.
3. Em se tratando de improbidade administrativa, só há uma hipótese tolerável de intervenção do Poder Judiciário nos demais Poderes para afastar agentes políticos: Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92.
4. Vale dizer: a gravidade dos ilícitos imputados ao agente político e mesmo a existência de robustos indícios contra ele não autorizam o afastamento cautelar, exatamente porque não é essa a previsão legal.
5. A decisão que determina o afastamento cautelar do agente político por fundamento distinto daquele previsto no Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, revela indevida interferência do Poder Judiciário em outro Poder, rompendo o delicado equilíbrio institucional tutelado pela Constituição.
6. Surge, então, grave lesão à ordem pública institucional, reparável por meio dos pedidos de suspensão de decisão judicial (Arts. 4º da Lei 4.348/64, 12, § 1º, da Lei 7.347/85, 25, caput, da Lei 8.038/90 e 4º da Lei 8.437/92).
7. Para que seja lícito e legítimo o afastamento cautelar com base no Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, não bastam simples ilações, conjecturas ou presunções. Cabe ao juiz indicar, com precisão e baseado em provas, de que forma - direta ou indireta - a instrução processual foi tumultuada pelo agente que se precisa afastar.

(STJ - AgRg na SLS: 857 RJ 2008/0076978-4, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 29/05/2008, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 01/07/2008 REPDJe 14/08/2008   DJe 01/07/2008 REPDJe 14/08/2008)(grifo nosso)

       Há de ser ressaltado, ainda, que o afastamento, por ser medida excepcional e decretada com o fito de proteger a instrução processual, apenas alcança o cargo ou função que se relaciona diretamente com o fato investigado. 

         A título exemplificativo, imaginemos a hipótese de que um agente, analista de um Tribunal de Justiça e professor de uma Universidade, tenha cometido o ato ímprobo no âmbito dessa instituição de ensino. Nesse caso, se eventualmente for necessária a medida de afastamento cautelar, deve-se restringir ao cargo relacionado ao ato ímprobo, no caso, o de professor, podendo continuar exercendo regularmente as funções no âmbito jurisdicional.

Saliente-se que, pelos princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade dos vencimentos, essa medida cautelar não afeta a remuneração do agente, que sequer poderá ser reduzida pelo Poder Público ou mesmo por determinação judicial. 

Aspecto que merece destaque é a previsão da competência da autoridade judicial ou administrativa competente para determinar tal afastamento, deixando clara também a legitimação dessa segunda que fará uso de seus poderes hierárquico e disciplinar para tutelar a probidade e o processo.

Há de ser relevado, ainda, que a lei não prevê prazo para o afastamento da autoridade, suscitando inúmeras críticas por parte da doutrina abalizada. Em razão de sua excepcionalidade e por incidir no direito ao pleno exercício de funções públicas e mandatos eletivos, não se pode admitir que tal medida vigore por prazo indeterminado, sob pena de, por exemplo, no caso dos Prefeitos, ocorrer uma espécie de cassação indireta.

Instado a se manifestar sobre tal tema na seara do processo penal, aplicável de modo analógico ao afastamento cautelar previsto na LIA, o STJ já decidiu:

MEDIDA CAUTELAR. PREFEITO. AFASTAMENTO DO CARGO. MOMENTO E PRAZO.

As medidas cautelares alternativas à prisão preventiva – art. 319 do CPP, com redação dada pela Lei n.12.403/2011 –, são aplicáveis aos detentores de mandado eletivo, por tratar-se de norma posterior que afasta tacitamente a incidência da lei anterior. Assim, ao contrário do que dispõe o DL n. 201/1967, é possível o afastamento do cargo público eletivo antes do recebimento da denúncia. Quanto ao prazo da medida cautelar imposta, a Turma entendeu que é excessivo o afastamento do cargo por mais de um ano, como no caso, visto que ofende o princípio constitucional da duração razoável do processo, ainda mais por nem sequer ter ocorrido o oferecimento da denúncia. Ademais, o STJ firmou o entendimento de que o afastamento do cargo não deve ser superior a 180 dias, pois tal fato caracterizaria uma verdadeira cassação indireta do mandato.(Precedentes citados: AgRg na SLS 1.500-MG, DJe 6/6/2012, e AgRg na SLS 1.397-MA, DJe 28/9/2011. HC 228.023-SC, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, julgado em 19/6/2012) (grifo nosso)

Sobre o tema, realizando uma interpretação a partir dos próprios prazos elencados pelo ordenamento jurídico brasileiro, cumpre trazer à baila as lições de Rogério Pacheco Alves e Emerson Garcia (2011, p. 952).

Assim, deve o magistrado, ao determinar o afastamento do agente, fixar, sempre, o prazo de duração da medida, o que deverá ser aferido a partir das peculiaridades da causa(elevado número de réus e de fatos, necessidade de realização de pericias complexas, etc). Como parâmetro máximo, sugere-se a adoção do prazo de 112(cento e doze) dias, que é o resultado da soma dos vários prazos estabelecidos para a prática de atos processuais na ação civil de improbidade administrativa: dois dias para que o juiz mande notificar o requerido ao oferecimento de defesa previa, quinze dias para o oferecimento de defesa previa, trinta dias para o recebimento da petição inicial, quinze dias para o oferecimento de contestação, dez dias para o despacho saneador, trinta dias para a realização da audiência de instrução e julgamento; e dez dias para a prolação da sentença. Quando desnecessária a notificação para o oferecimento de defesa previa, esse prazo se reduz a 67 dias.

          Cumpre frisar, ainda, que não se pode falar em excesso da instrução apto a ensejar o esgotamento de prazo desse afastamento quando tal fato decorrer por atuação, mesmo que não dolosa, da defesa, suscitando repetidamente a elaboração de mais provas. 

            Trata-se, mutatis mutandis, de aplicação também de entendimento do STJ,e sculpido na Súmula 64 que preconiza que: “não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”

1.4. Da indisponibilidade de bens

A ação cautelar de indisponibilidade de bens está prevista no art. 7 da Lei, o qual roga:

Art. 7: Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo Único: A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Encontra guarita, ainda, no que dispõe o art. 37, § 4º da CF/88, ao lado de outras medidas de caráter sancionatório, tais como a suspensão de direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário sem prejuízo à ação penal cabível.

Apesar de estar ao lado de medidas de cunho sancionatório, não resta dúvida de que a indisponibilidade é providência cautelar cujo objetivo é a defesa do direito difuso da sociedade - e também do interesse do Estado - na incolumidade do patrimônio público. 

Sob o prisma instrumental, salienta-se que tal medida cautelar tem por objetivo tornar os bens do agente ímprobo insuscetíveis de alienação, cessão ou doação, para que sejam tais bens sejam suficientes à satisfação de eventual condenação ao ressarcimento de bens ou valores.

Primeiramente, pela dicção legal, observa-se que está disposto expressamente que tal medida cautelar seria cabível apenas nos casos que o ato de improbidade administrativa causasse lesão ao erário ou ensejasse enriquecimento ilícito, sendo em tese incabível para o caso de atos que violassem princípios da Administração Pública.

Tem-se, no entanto, que a doutrina e jurisprudência pátria volvem-se contra uma interpretação tão literal do dispositivo. Sobre o tema, cumpre trazer as lições de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, pag. 968):

Sobre o ponto, vale notar que o art. 7 da LIA submete a indisponibilidade de bens a ocorrência de lesão ao patrimônio público, expressão que deve ser interpretada em seu sentido mais amplo de modo a acabar também o patrimônio moral do ente. Por outro lado, não se tem dúvida de que além de lesões morais, a violação de princípios também pode repercutir na esfera propriamente pecuniária do lesado, o que se vê confirmado pelo próprio art. 12, III, da Lei de Improbidade

Defendendo uma interpretação mais sistemática, aduzindo ainda que pela prática de tais atos pode ocorrer a sanção de ressarcimento integral do dano e multa civil, o que justificaria a possibilidade de sua adoção, o STJ também já consolidou sua posição sobre o tema:

EMENTA ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. POSSIBILIDADE. DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO NO ART. 7o DA LEI N. 8.429/92. INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS. DESNECESSIDADE.

1. O art. 7 da Lei n. 8.429/92 estabelece que "quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito".

2. Uma interpretação literal deste dispositivo poderia induzir ao entendimento de que não seria possível a decretação de indisponibilidade dos bens quando o ato de improbidade administrativa decorresse de violação dos princípios da administração pública.

3. Observa-se, contudo, que o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92 estabelece, entre as sanções para o ato de improbidade que viole os princípios da administração pública, o ressarcimento integral do dano - caso exista -, e o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.

4. Esta Corte Superior tem entendimento pacífico no sentido de que a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

5. Portanto, em que pese o silêncio do art. 7o da Lei n. 8.429/92, uma interpretação sistemática que leva em consideração o poder geral de cautela do magistrado induz a concluir que a medida cautelar de indisponibilidade dos bens também pode ser aplicada aos atos de improbidade administrativa que impliquem violação dos princípios da administração pública, mormente para assegurar o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, se houver, e ainda a multa civil prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.429/92

6. Em relação aos requisitos para a decretação da medida cautelar, é pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual o periculum in mora, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação ato de improbidade administrativa, é implícito ao comando normativo do art. 7o da Lei n. 8.429/92, ficando limitado o deferimento desta medida acautelatória à verificação da verossimilhança das alegações formuladas na inicial. Agravo regimental improvido.

 (Embargos de Divergência em RESP Nº 1.311.013 – RO 2013/0037774-7 – Rel. Min Eliana Calmon, julgado em 11/03/2013)(grifo nosso)

Por ser medida de cunho cautelar, ter-se-ia que, regra geral, tal como já exposto, exigir-se a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora (periculum in mora).

Quanto ao fumus boni iuris, não há nenhuma novidade: não há sentido em se permitir a decretação de uma medida de tão grave senão quando a pretensão do autor na demanda mostrar-se provável, mesmo que nesse momento pela cognição sumária que é realizada não se exija prova exauriente.

No que cumpre, porém, ao periculum in mora, cabe realizar uma nota distintiva. Parte da doutrina inclina-se no sentido de ser ele implícito pelo art. 7 da LIA, consubstanciado a indisponibilidade em uma tutela de evidência.

           Desse modo, seria dispensado no caso concreto a demonstração de que o autor estivesse dilapidando o seu patrimônio, em virtude de uma possível impossibilidade de reparação pecuniária posteriormente aos cofres públicos. 

Sobre o tema, cumpre trazer a visão de Fabio Osório Medina(1998, p. 240-241):

O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário, sendo a indisponibilidade patrimonial medida obrigatória, pois traduz consequência jurídica do processamento da ação, forte no art. 37, parágrafo 4o, da Constituição da República.

Tal parte da doutrina sustenta, ainda, que exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação acarretaria do ponto de vista prático irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal.

Sobre o tema, o STJ já se posicionou:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI Nº8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA.EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA. FUMUS BONI IURIS.NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL ÀLESÃO E AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO RESPECTIVO. BENS IMPENHORÁVEIS.EXCLUSÃO.

1. Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens na Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei8.429/92, sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora),ou seja, do perigo de dilapidação do patrimônio de bens do acionado. 

2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a Lei nº8.429/92 traz em seu bojo medidas cautelares para a garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas.Dentre elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma legal.

3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais,exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris  (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).

4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art.7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º).

5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.

6.Verifica-se no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992 que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade,representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Precedentes: (REsp1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012;MC 9.675/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel.Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011)

8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, o cultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou da refetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.

9. A decretação da indisponibilidade de bens, apesar da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração dorisco de dilapidação do patrimônio, não é uma medida de adoção automática, devendo ser adequadamente fundamentada pelo magistrado,sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal),sobretudo por se tratar de constrição patrimonial.

10. Oportuno notar que é pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

11. Deixe-se claro, entretanto, que ao juiz responsável pela condução do processo cabe guardar atenção, entre outros, aos preceitos legais que resguardam certas espécies patrimoniais contra a indisponibilidade, mediante atuação processual dos interessados a quem caberá, p. ex., fazer prova que determinadas quantias estão destinadas a seu mínimo existencial. 

12. A constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguardado, como já dito , o essencial para sua subsistência. 

13. Na espécie, o Ministério Público Federal quantifica inicialmente o prejuízo total ao erário na esfera de, aproximadamente, R$15.000.000,00 (quinze milhões de reais), sendo o ora recorrente responsabilizado solidariamente aos demais agentes no valor de R$5.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil reais). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).

14. Assim, como a medida cautelar de indisponibilidade de bens,prevista na LIA, trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da verossimilhança das alegações, pois, como visto, pela própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora. No presente caso, o Tribunal a quo concluiu pela existência do fumus boni iuris, uma vez que o acervo probatório que instruiu a petição inicial demonstrou fortes indícios da ilicitude das licitações, que foram suspostamente realizadas deforma fraudulenta. Ora, estando presente o fumus boni juris, como constatado pela Corte de origem, e sendo dispensada a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, em razão da gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público, conclui-se pela legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens.

15. Recurso especial não provido.

(REsp 1319515/ES, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 22/08/2012).(grifo nosso)

Conforme explica o Ministro Mauro Campbell Marques, em trechos de seu voto:

As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação). (...)

No entanto, no caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio, e sim da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º). (...)

periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. (...)

A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma, afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.

Discute-se, ainda, a respeito do momento em que tal medida poderia ser decretada. Como já argumentado, por ter natureza cautelar e em decorrência do art. 804 do CPC, pode-se cogitar em sua decretação de modo preparatório à ação principal, anteriormente ao próprio recebimento da ação e à citação do réu.

Sobre o tema, o STJ já manifestou posicionamento por diversas vezes:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. AQUISIÇAO ANTERIOR AO ATO ÍMPROBO. POSSIBILIDADE. DEFERIMENTO DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. SÚMULA 07/STJ. VIOLAÇAO DO ART. 535IICPC. NAO CONFIGURADA

1. A concessão de liminar inaudita altera pars (art. 804 do CPC) em sede de medida cautelar preparatória ou incidental, antes do recebimento da Ação Civil Pública, para a decretação de indisponibilidade (art. 7º, da Lei 8429/92) e de sequestro de bens, incluído o bloqueio de ativos do agente público ou de terceiro beneficiado pelo ato de improbidade (art. 16 da Lei 8.429/92), é lícita, porquanto medidas assecuratórias do resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, reparação do dano ao erário ou de restituição de bens e valores havidos ilicitamente por ato de improbidade, o que corrobora o fumus boni juris. Precedentes do STJ: REsp 821.720/DF , DJ 30.11.2007; REsp 206222/SP, DJ 13.02.2006 e REsp 293797/AC , DJ 11.06.2001.

[...]

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 1078640/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 23/03/2010)(grifo nosso)

Volvendo, agora, à temática dos bens sobre os quais tal indisponibilidade incide, cumpre, primeiramente, diferenciar tal medida do sequestro, sendo essa caracterizada como já exposto por recair sobre bens determinados. 

Sobre o tema, Wallace Paiva Martins Junior (2001, p. 328) aduz que:a medida de indisponibilidade tem, justamente, essa característica salutar que a distingue do sequestro, pois dispensa a individualização dos bens pelo autor, abrangendo a universidade de bens ou valores do patrimônio do réu ou de terceiro”.

Como decorrência justamente dessa nota distintiva entre essas duas medidas cautelares, é necessária na hipótese de sequestro de bens a individualização dos bens sobre os quais deve recair a medida, ao passo que na indisponibilidade tal requisito é desnecessário.

 Sobre o tema, o STJ já emitiu posicionamento: 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA. PERICULUM IN MORA IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS.

 1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário.

 2. O periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'

 3. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, nas demandas por improbidade administrativa, a decretação de indisponibilidade prevista no art. 7º, parágrafo único, da LIA não depende da individualização dos bens pelo Parquet.

4. A medida constritiva em questão deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Precedentes do STJ. 5. Recurso especial provido.

(STJ - REsp: 1319583 MT 2012/0080027-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2013) (grifo nosso)

A despeito da própria generalidade da medida de indisponibilidade, forçoso que se conclua que deve incidir apenas no montante necessário à plena reparação do dano,sendo proporcional ao escopo que se almeja alcançar, não sobre todo o patrimônio do requerido quando este se apresentar bem superior ao que se almeja alcançar.

Nessa toada, como dentre as sanções decorrentes da LIA está, além do ressarcimento integral do dano, também a previsão de multa cível, indaga-se a respeito da inclusão nessa medida dos valores necessários ao pagamento de tal multa.

Na jurisprudência do STJ, prevalece a corrente que classifica tal sanção de multa como autônoma, razão pela qual argumenta-se que para que se garanta o integral ressarcimento do dano ao erário há de considerá-la também para o cálculo quantitativo da indisponibilidade dos bens. Nota-se tal posição pela seguinte aresto:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA. PERICULUM IN MORA IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS.

1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 

2. O periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'. 

3. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, nas demandas por improbidade administrativa, a decretação de indisponibilidade prevista no art. 7º, parágrafo único, da LIA não depende da individualização dos bens pelo Parquet.

4. A medida constritiva em questão deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Precedentes do STJ. 

5. Recurso especial provido.

(REsp: 1319583 MT 2012/0080027-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2013)(grifo nosso)

Outra questão que merece destaque é sobre a aplicação de tais medidas sobre os bens adquiridos mesmo antes da pratica do ato de improbidade. 

        Verificado o ato de improbidade e a presença dos requisitos autorizadores da medida cautelar, entende a doutrina majoritária que todo o acervo patrimonial do agente estará sujeito a responsabilização, aplicando-se, aqui, a regra geral prevista no art. 591 do CPC que determina que: “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”

Argumenta-se que pensar em sentido contrário seria, indubitavelmente, desproteger de maneira desarrazoada o patrimônio público e desprestigiar a própria essência da medida de indisponibilidade.

Além disso, restringir essa efetividade da reparação do dano seria, ainda, responsabilizar de modo mais severo aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal, em dívidas privadas, conferindo um enorme prestigio do direito de propriedade em detrimento da probidade administrativa e do interesse público.

Sobre o tema, cumpre trazer as lições de Francisco Octavio de Almeida Prado (2001, p. 200):

Como toda medida cautelar, a indisponibilidade de bens, para ser deferida, depende da configuração de dois pressupostos, quais sejam: o periculum in mora e o fumus boni iuris. E, no tocante à extensão da medida, o parágrafo único do art. 7º traçou os parâmetros ao estipular que os bens suscetíveis de indisponibilidade são os que se mostrem suficientes para fazer face ao ressarcimento do dano, ou aqueles havidos em decorrência do enriquecimento ilícito. Esses parâmetros impõem ao requerente da medida de indisponibilidade que estabeleça uma correlação entre o valor de um dano (ainda que estimado) e o valor de bens determinados integrantes do patrimônio do investigado, ou a indicação de um ato de enriquecimento ilícito e da subsequente aquisição de bens ou valores que possa ser considerada fruto ou decorrência desse enriquecimento. É importante registrar, diante dos parâmetros traçados pelo parágrafo único do art. 7, ser descabido o requerimento de indisponibilidade indiscriminada, abrangendo a totalidade do patrimônio investigado, sem a indicação de bens determinados, correlacionados com um dano ao erário ou com um ato de enriquecimento ilícito.

Em sede pretoriana, a jurisprudência do STJ inclinou-se inicialmente pelo entendimento de que a indisponibilidade patrimonial só atinge bens adquiridos depois da prática do ato de improbidade administrativa,como pode-se visualizar:

A indisponibilidade de bens, para os efeitos da lei 8.429/92, só pode ser efetivada sobre os adquiridos posteriormente aos atos supostamente de improbidade. A decretação da disponibilidade e o sequestro de bens, por ser medida extrema, há de ser devidamente e juridicamente fundamentada, com apoio nas regras impostas pelo devido processo legal, sob pena de se tornar nula. Inocorrência de verificação dos pressupostos materiais para decretação da medida, quais sejam, existência de fundada caracterização da fraude e o difícil ou impossível ressarcimento do dano, caso comprovado. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial no 2002/0052962-9. Primeira Turma. Relator: Min. José Delgado. 17 set. 2002. Diário da Justiça, p. 295, 21 out. 2002. (grifo nosso)

Nota-se, no entanto, que ocorreu uma mudança jurisprudencial, entendendo agora a Corte da Cidadania majoritariamente pela possibilidade aplicação da medida de indisponibilidade tanto aos bens adquiridos antes quanto aos adquiridos depois do suposto ato de improbidade:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). INDISPONIBILIDADE DE BENS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna  o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.

2. Inexiste violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil, quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados pelos litigantes.

3. A decretação de indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa deve observar o teor do art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/92, limitando-se a constrição aos bens necessários ao ressarcimento integral do dano, ainda que adquiridos anteriormente ao suposto ato de improbidade

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. (STJ, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 06/12/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA)  (grifo nosso)

Controvertida no âmbito doutrinário e jurisprudencial é a possibilidade de aplicação da medida de indisponibilidade sobre bem de família. Neste sentido, faz-se indispensável à transcrição da definição dessa espécie de bem dada por GONÇALVES (2008, p. 521):

Bem de família é o direito de imunidade relativa à apreensão judicial, que se estabelece, havendo cônjuges ou entidade familiar, primeiro por força de lei e em alguns casos ainda por manifestação de vontade, sobre imóvel urbano ou rural, de domínio e/ou posse de integrante, residência efetiva desse grupo, que alcança ainda os bens móveis quitados que a guarneçam, ou somente esses em prédio que não seja próprio, além das pertenças e alfaias, eventuais valores mobiliários afetados e suas rendas.

Sobre o tema, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p. 966 e 967) posicionam-se no sentido de que regra geral não cabe por incidir a regra da impenhorabilidade, sendo possível afastar em apenas um caso:

A medida de indisponibilidade de bens não poderá alcançar aqueles considerados impenhoráveis pelo legislador ordinário, sob pena de aniquilamento da dignidade da pessoa alcançada pela responsabilização. No entanto, quando a conduta causadora do dano ao patrimônio público também caracterizar crime, hipótese bastante provável, e desde que haja sentença condenatória transitada em julgado, incabível será a oposição de impenhorabilidade do bem de família, aplicando-se o art 3º, VI, da Lei 8.009, de 29 de marco de 1990.

De outro lado, em corrente que se observa nas mais recentes decisões do STJ, argumenta-se que o eventual caráter de bem de família dos imóveis nada interfere na determinação de sua indisponibilidade, já que esta não se trata de penhora, mas sim de impossibilidade de alienação.

          Aduz-se que a Lei nº 8.009/90 intenta resguardar o lugar onde se estabelece o lar, impedindo a alienação do bem onde se estabelece a residência familiar, não existindo na indisponibilidade o perigo de alienação.               Argumenta-se, ainda, que ela objetiva justamente impedir que o imóvel seja alienado e, caso seja julgado procedente o pedido formulado contra o agravante na ação de improbidade, assegura o ressarcimento dos danos que porventura tenham sido causados ao erário.

        Tal corrente conclui que, desse modo, em nada favorece ao agravante a demonstração de que os imóveis estavam sob a proteção da Lei nº 8.009/90.

Cumpre observar julgado que encampa tal posição proveniente do STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458, II, E 535, II, DO CPC NÃO CARACTERIZADA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INOBSERVÂNCIA DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS E REGIMENTAIS. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/1992. REQUISITOS PARA CONCESSÃO. LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS. BENS ADQUIRIDOS ANTES OU DEPOIS DOS FATOS ÍMPROBOS. BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. 

1. Não ocorre ofensa aos arts. 165, 458, II, e 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. O descumprimento das exigências estabelecidas no art. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RI/STJ impede o conhecimento do recurso especial pela hipótese da alínea c do permissivo constitucional.

3. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 

4. O requisito cautelar do periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de bloqueio de bens, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'.

5. A demonstração, em tese, do dano ao Erário e/ou do enriquecimento ilícito do agente, caracteriza o fumus boni iuris. Fixada a premissa pela instância ordinária, inviável de modificação em recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

6. É admissível a concessão de liminar inaudita altera pars para a decretação de indisponibilidade e seqüestro de bens, visando assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, o ressarcimento ao Erário. Precedentes do STJ. 

7. A jurisprudência é pacífica pela possibilidade de a medida constritiva em questão recair sobre bens adquiridos antes ou depois dos fatos descritos na inicial.

 8. O caráter de bem de família de imóvel não tem a força de obstar a determinação de sua indisponibilidade nos autos de ação civil pública, pois tal medida não implica em expropriação do bem. Precedentes desta Corte. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(STJ, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 16/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA) (grifo nosso)

     No que pese tais entendimentos jurisprudenciais, há de ser asseverado que deve haver o máximo de moderação – e mesmo de prudência – na autorização de constrição patrimonial dos bens materiais da pessoa imputada de improbidade, pois se trata de medida altamente vexatória que utilizada de modo totalmente imoderado e com base apenas na petição inicial da ação ofende todo o elenco de garantias processuais.

        A repressão a quaisquer ilícitos, mesmo que pelo enorme prejuízo que tragam à sociedade, e a persecução da reparação dos seus danos devem se processar com estrita obediência às garantias subjetivas. 

Isso ocorre pois não têm as autoridades, ainda que movidos por altos e legítimos propósitos, a ampla discricionariedade de superar os limites do ordenamento jurídico nem interpretar as normas de modo totalmente livre pondo-as em confronto com os superiores princípios do sistema.

      Estabelecer mecanismo sancionatórios não formais, ofendendo o princípio da legalidade que deve reger todas as punições dentro de um Estado Democrático de Direito é, indubitavelmente, medida que deve ser deveras criticada. 

         A utilização das medidas cautelares tem que estar sempre ligado ao seu intuito, qual seja, tornar efetivo o ressarcimento integral do dano, respeitando os limites e definições legais.

      Além disso, há de ser realizada também uma crítica de ordem legal. Como foi mostrado no presente trabalho, a base, o alcance, extensão e outras características dessas medidas ocorreu precipuamente na seara jurisprudencial. No que pese ser hodiernamente reconhecida como fonte de direito, tem-se que, tal como ocorreu em relação a alguns tópicos aqui demonstrados, pode tal visão dos Tribunais modificar a qualquer tempo.

          Não se pode olvidar, ainda, que, pelas disposições legais do ordenamento jurídico brasileiro, os próprios juízes singulares não são de modo algum vinculados a tais decisões.

Inexistem, assim, garantias concretas de que o patrimônio público hoje em tese pelo demonstrado melhor defendido continue a ter no futuro tal necessária proteção.

          Desse modo, torna-se imperioso a edição de melhor e mais adequada legislação especifica a tais medidas, de modo que tais controvérsias não surjam com mais frequência e se possa ter uma defesa mais certa e eficaz desse tão valioso bem difuso que é o patrimônio público.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do contexto atual da sociedade, percebe-se que vivemos em uma crise de moralidade, em que é exceção a existência de políticos que cumprem com probidade e honestidade os seus deveres com a sociedade. Revoltada com tais acontecimentos, que envolvem inegavelmente também atores privados, a população começou a se revoltar e exigir de modo imediato melhores condições de vida, uma vez que a sua condição precária está umbilicalmente ligada ao desvio de recursos públicos.

            Nessa toada, cumpre destacar o papel importante que exerce a Lei de Improbidade Administrativa, pois busca através de sanções de natureza cível proteger o patrimônio público e punir regularmente aqueles que causam dano ao erário, enriquecem ilicitamente ou mesmo afetam os princípios da Administração Pública.

      Com o objetivo de assegurar o resultado útil do processo que rege a aplicação de tais medidas sancionatórias, existem as cautelares previstas nesse diploma legislativo: a de sequestro, a de indisponibilidade dos bens e a de afastamento cautelar do agente público

 Há de ser ressaltada, ainda, a possibilidade de decretação das denominadas medidas cautelares inominadas, com base no poder geral de cautela, dentre as quais pode-se exemplificar com a proibição de o agente ímprobo receber benefícios creditícios do Poder Público.

De modo geral, as medidas cautelares existem com o fito de solucionar situações de urgência que surgem ao longo do processo, tendo por finalidade precípua a garantido resultado útil do processo.

 Podem ser enumeradas como suas características marcantes, especialmente no âmbito da LIA, a temporariedade, a não satisfatividade e a instrumentalidade. Além das condições genéricas da ação, para que uma medida cautelar seja deferida há que existir, regra geral, os requisitos da fumaça do bom direito e o perigo na demora. 

 No que cumpre às medidas cautelares de modo específico, quanto à de sequestro, há que se destacar que apenas pode ela incidir sobre bens determinados, devendo ser no seu pedido individualizados os bens.

 Tem-se que destacar também que, em virtude de sua própria essência, apenas pode ser decretada sobre os bens adquiridos após a prática do ato, conforme acolhe de modo pacífico a jurisprudência do STJ.

 Relativamente à medida de afastamento cautelar do agente público, há de ser asseverado que, em virtude do princípio da presunção de inocência que também deve ser aqui aplicado, a regra geral é que, a despeito de ser o agente acusado de improbidade administrativa, permanece ele no exercício de sua função. 

           Tal medida cautelar foi, assim, prevista de modo excepcional para aqueles casos em que existem indícios, não necessariamente provas cabais, de que a manutenção dele no cargo pode prejudicar a formação da prova no processo. Reconhece-se, assim, a possibilidade de utilização de tal função com o fito de influenciar no correto deslinde da lide. 

 Em virtude da irredutibilidade de vencimentos, tal afastamento do agente ocorre de modo a não afetar a sua remuneração.

 Inexiste, na lei, previsão de prazo especifico para tal medida vigorar. Ocorre que, dado o seu caráter excepcional, devem ser fixados parâmetros razoáveis, já tendo entendido o STJ no sentido de que no caso de Prefeito tal medida pode vigorar no máximo pelo prazo de 180 dias sob pena de cassação indireta do mandato.

 No que diz respeito à última medida cautelar prevista tipicamente na LIA, no caso a de indisponibilidade de bens, salienta-se que tal medida cautelar tem por objetivo tornar os bens do agente ímprobo insuscetíveis de alienação, cessão ou doação, para que sejam tais bens sejam suficientes à satisfação de eventual condenação ao ressarcimento de bens ou valores.

 Nos termos legais, apenas poderia ser decretada nos casos de atos de improbidade que causam lesão ao erário ou ensejasse enriquecimento ilícito. Prevalece, no entanto, no âmbito do STJ, corrente que defende uma interpretação mais sistemática, aduzindo que também pode ser decretada nos casos de violação aos princípios da     Administração Pública, por estes atos também ensejarem sanções como o ressarcimento integral do dano e multa.

 Interessante traço característico dessa medida é ela ter, na visão majoritária doutrinária e jurisprudencial, o perigo na demora presumido, sendo dispensada a demonstração no caso concreto que o agente estivesse dilapidando o seu patrimônio. Constitui, assim, em verdade, em uma tutela de evidência.

 Há de ser asseverado que essa medida, ao contrário da de sequestro de bens, não necessita da individualização dos bens do agente ímprobo, seja para o seu pedido ou decretação pelo juízo.

 Por último, entende-se que mesmo os bens adquiridos antes do cometimento do ato de improbidade poderão ser atingidos pela medida, em razão da disposição do art. 591 do CPC. Entender em sentido contrário seria, inegavelmente, desproteger de maneira desarrazoada o patrimônio público e responsabilizar, sem justo motivo, de modo mais severo o devedor de dívidas privadas.

 Assim, tem-se que observar a inegável importância que se revestem tais medidas no âmbito da LIA e da proteção do patrimônio público. Em uma sociedade que clama e roga ardentemente por mais moralidade, a correta aplicação de tal diploma legislativo contribui indubitavelmente em grande instrumento para a melhora no trato com o dinheiro público.

 A despeito de tal importância, não há como negar que tal tema deveria ter recebido um melhor e mais pormenorizado tratamento legislativo. 

 Em virtude justamente dessa ausência legislativa, a base, o alcance, extensão e outras características dessas medidas ocorreu precipuamente na seara jurisprudencial, notadamente proveniente das decisões do STJ. No que pese a sua importância inegável no ordenamento jurídico brasileiro atualmente, não gera tal fonte de direito vinculação entre os juízes de 1º grau e pode ser modificada a qualquer tempo.

 Torna-se, assim, imperioso, para a melhor proteção desse bem difuso tão importante para a coletividade a edição de adequado tratamento legislativo. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CALAMANDREI, Piero. Introducción al Estudio Sistemático de las Providencias Cautelares. Buenos Aires: Tipográfica Argentina, 1945.

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COELHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995.

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo Cautelar. São Paulo: RT - Revista dos Tribunais, 2008.

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MIRANDA, Francisco Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974.

NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011.

 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa: Observações sobre a Lei 8429. Porto Alegre: Síntese, 1998.

PRADO, Francisco Otávio Almeida. Improbidade Administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001.

MEDIDAS CAUTELARES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

 

  Álvaro Veras Castro Melo [1]

 

RESUMO

Objetiva-se traçar uma análise pormenorizada das medidas cautelares previstas na Lei de Improbidade Administrativa, abordando os seus caracteres diferenciados, prazos, espécies e a interpretação jurisprudencial, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema. Para tanto, inicialmente será realizado uma abordagem geral a respeito da importância da tutela da probidade administrativa no contexto social brasileiro, e empós serão elucidadas noções gerais acerca das medidas cautelares e da Lei de Improbidade Administrativa. Por fim, constituindo-se no cerne principal do presente trabalho, serão abordadas as medidas cautelares previstas em tal diploma legislativo de modo específico, expondo criticamente cada um de seus aspectos. 

Palavras-chave: Direito Administrativo. Direito Processual Civil .Medidas cautelares. Lei de Improbidade Administrativa.

ABSTRACT

The objective is to draw a detailed analysis of the precautionary measures provided for in the Law of Administrative Misconduct, discussing their different characters, periods, species and judicial interpretation, notably from the Superior Court of Justice.To this end, a general approach initially be held about the importance of the protection of administrative probity in the Brazilian social context, and after be elucidated general notions about the Law of Administrative Misconduct and precautionary measures. Finally, constituting the main crux of this work, will be discussed about the precautionary measures in this legislative act in specific ways, critically exposing each of its aspects.

Keywords: Administrative Law. Civil Procedure Law. Precautionary measures. Law of Administrative Misconduct.

 INTRODUÇÃO

Após a análise de preliminares aplicáveis a todas as medidas cautelares presentes na LIA, cumpre frisar que, de acordo com a finalidade, momento e objeto, deverá optar-se pelo pedido de uma ou outra medida, cada qual aplicável ao seu caso específico.

 Desse modo, cumpre agora realizar uma análise minuciosa a respeito de cada uma das características dessas medidas, perpassando posteriormente por uma crítica a respeito do caráter por demais ampliativo dado a elas pelo STJ, notadamente a de indisponibilidade de bens. Há de ser destaca, ainda, primeiramente,a possibilidade de o juízo conferir medidas cautelares inominadas para defender o patrimônio público.

1.1. Da possibilidade de medidas cautelares inominadas

Antes de ingressar medidas cautelares típicas que estão previstas especificamente na LIA, cumpre traçar algumas notas a respeito da possibilidade de concessão de medidas cautelares atípicas, com o fito de defender o patrimônio público e evitar o perecimento do direito a que faz jus a coletividade, com base no já explicitado poder geral de cautela.

Sobre a possibilidade de medidas cautelares inominadas, dissertam Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart (2008, p. 100):

As normas do Código de Processo Civil abrem oportunidade a utilização do procedimento adequado ao caso concreto cautelar, ou melhor, à construção da ação cautelar ao caso concreto. Evidencia-se, mediante tais normas, não apenas que o legislador não pode instituir procedimentos quantas são necessidades de segurança, mas, sobretudo, que estas necessidades variam conforme as particularidades concretas, e, assim, que não há alternativa a não ser deixar uma válvula de escape para a utilização da técnica processual adequada a situação concreta.

Analisando tal tema, o STJ já emitiu posicionamento favorável, inclusive permitindo a decretação de tais medidas de modo liminar, sem a ouvida do réu:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Em ação de improbidade administrativa, é possível a concessão de liminar “inaudita altera parte” a fim de obstar o recebimento pelo demandado de novas verbas do poder público e de benefícios fiscais e creditícios. Isso porque, ressalvadas as medidas de natureza exclusivamente sancionatória – por exemplo, a multa civil, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos –, pode o magistrado, a qualquer tempo, com fundamento no poder geral de cautela, adotar a tutela necessária para fazer cessar ou extirpar a atividade nociva, a teor do que disciplinam os arts. 461, § 5º, e 804 do CPC, 11 da Lei 7.347/1985 e 21 da mesma lei combinado com os arts. 83 e 84 do CDC. Assim, embora o art. 17, § 7º, da LIA estabeleça como regra a prévia notificação do acusado para se manifestar sobre a ação de improbidade, pode o magistrado, excepcionalmente, conceder medida liminar sempre que verificar que a observância daquele procedimento legal poderá tornar ineficaz a tutela de urgência pretendida. Precedentes citados: EDcl no Ag 1.179.873-PR, Segunda Turma, DJe 12/3/2010 e REsp 880.427-MG, Primeira Turma, DJe 4/12/2008. (REsp 1.385.582-RS, 2ª Turma. Rel. Herman Benjamin, julgado em 1º/10/2013.) (grifo nosso)

Há de ser asseverado, ainda, que tal “válvula de escape”, entendida como a medida cautelar inominada, foge do princípio da tipicidade das formas processuais, cuja finalidade é a de garantir ao cidadão um procedimento previamente previsto na lei. Desse modo,deve ser, indubitavelmente, vista com muita cautela e adotada de modo excepcional.

1.2. Do seqüestro de bens

Antes de adentrarmos em qualquer discussão sobre o sequestro na Lei de Improbidade, é necessário analisar o seu conceito e requisitos como uma das ações cautelares específicas do CPC. 

Sobre o tema, disserta Daniel Amorim Assumpção Neves (2011, p. 1233):

Sequestro é a medida cautelar que tem como objetivo assegurar a eficácia de futura execução para entregar de coisa, consistindo na busca e apreensão de determinado bem ou bens do patrimônio do requerido. Registre-se que a futura execução que tem o seu resultado garantido pelo sequestro não é necessariamente desenvolvida por meio de um processo autônomo, também se admitindo que se desenvolva por meio de mera fase procedimental(ação sincrética).

Desse modo, sequestro, em breves palavras, é a ação cautelar típica ou nominada, com natureza cautelar, cujo objetivo é garantir a execução para a entrega de coisa certa, e, em razão disso, incide sobre um bem móvel, imóvel ou semovente. 

A medida cautelar de sequestro de bens está prevista no art. 16 da Lei nº 8.429/92 nos seguintes termos:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Apesar da redação um tanto quanto confusa prevista na lei, há de se consignar que o pedido de sequestro de bens do agente ou de terceiro envolvido em ato de improbidade pode ser requerido pelo Ministério Público ou pela procuradoria do órgão interessado, os quais podem ser provocados mediante representação da comissão processante instaurada para apurar o ato de improbidade no âmbito administrativo.

          Em razão da reserva de jurisdição, a sua efetivação deve ser necessariamente realizada pelo órgão judicial.

Torna-se imperioso ressaltar que não se encontra vinculado o parquet aos termos da representação feita pela autoridade administrativa, cuja natureza não é de condição de procedibilidade. Em virtude de sua independência funcional, pode atuar pleiteando essa medida cautelar mesmo sem apresentação ou quedar-se inerte mesmo com tal representação. 

Em virtude da disposição legal, o campo da aplicação de tal medida cautelar de sequestro apenas é cabível em se tratando de ato de improbidade que cause lesão ao erário ou que importe em enriquecimento ilícito, não sendo possível, por exemplo, para garantir o pagamento de multa civil, por ausência de previsão legal.

Em razão de sua natureza, aduz-se que a medida de sequestro apenas pode recair sobre coisa certa, determinada, não podendo alçar genérica e indiscriminadamente todo o patrimônio do agente, em razão de sua própria definição.

 Desse modo, é correto frisar-se que nessa medida a constrição patrimonial apenas se limitará aos bens adquiridos durante o exercício da função pública, mais precisamente aqueles adquiridos a partir e em razão do ato de improbidade. 

Sobre o tema, o STJ já firmou posicionamento: 

LEI 8.429/92, ARTS. 9., VII, 112, I). INDISPONIBILIDADE DE BENS DO IMPETRANTE, ANTERIORMENTE JA DECRETADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

I - O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL AJUIZOU AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA O IMPETRANTE. DIAS DEPOIS, AFOROU AÇÃO CAUTELAR, INSTANDO NA INDISPONIBILIDADE DOS BENS CONSTANTES DA DECLARAÇÃO DE RENDAS. O JUIZ DECRETOU "IN LIMINE" A INDISPONIBILIDADE DE TODOS OS BENS. O ATO JUDICIAL FOI ATACADO POR MEIO DE MANDADO DE SEGURANÇA.

II - COMO FICOU DECIDIDO NO RMS 6.182/DF, SOMENTE OS BENS ADQUIRIDOS APOS OS FATOS CRIMINOSOS E QUE PODEM SER OBJETO DE SEQUESTRO, NÃO OS ANTERIORES. DECIDIU-SE, AINDA, PERMITIR AO IMPETRANTE ADMINISTRAR SEUS BENS, COM A PRESTAÇÃO DE CONTAS AO JUIZ.III - RECURSO PROVIDO, UMA VEZ QUE A SITUAÇÃO FATICA EM RELAÇÃO A JOÃO ALVES DE ALMEIDA E A MESMA DA CONTEMPLADA NO RMS 6.182/DF.

(STJ, 2a turma, ROMS, n 6197/DF, rel. desig. Min Adhemar Maciel j. 17/11/1997) (grifo nosso)

Há de ser ressaltado, ainda, que, diferentemente da indisponibilidade de bens, na qual a corrente majoritária jurisprudencial aduz que nela existe um perigo na demora presumido, a decretação do seqüestro necessita da demonstração, mesmo que de modo sumário, dos riscos de danificação da coisa.

Um tema que suscita controvérsias relacionada a essa medida cautelar é a respeito da possibilidade de ela ser decretada sobre bens em que incide, em tese, a impenhorabilidade prevista na Lei n 8.009/90 de bem de família. 

Sobre o tema, cumpre trazer as lições de Rogério Pacheco Alves e Emerson Garcia (2011, p. 972): 

Não faz sentido a alegação de impenhorabilidade da coisa uma vez que as normas prevista no art. 649 do CPC e da Lei n 8.009/90 reveste-se de um evidente conteúdo ético e, por isso mesmo, de forma alguma visam corroborar com o enriquecimento ilícito, sendo mesmo um absurdo invocar-se a impenhorabilidade nesses casos, mormente nas hipóteses de enriquecimento ilícito.

Deve ser considerado, ainda, que, pela própria essência da medida de sequestro, a qual recai necessariamente sob bens determinados, torna-se imperioso que tanto no pedido feito pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada quanto no acolhimento judicial de tal pretensão sejam individualizados os bens. 

Instado a se manifestar sobre o tema, o STJ já consolidou tal posição:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DILAPIDAÇAO PATRIMONIAL. ART. DA LEI N. 8.429/92. INDIVIDUALIZAÇAO DE BENS. DESNECESSIDADE.

1.É pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

2. Na espécie, o Juízo de Primeira Instância considerou que o dano aos cofres públicos perfaz o valor de R$ 41.782,12 (quarenta e um mil, setecentos e oitenta e dois reais e doze centavos). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada pela desnecessidade de individualização dos bens sobre os quais se pretende fazer recair a indisponibilidade prevista no art. parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, considerando a diferença existente entre os institutos da "indisponibilidade" e do "sequestro de bens" (este com sede legal própria, qual seja, o art. 16 da Lei n. 8.429/92). Precedentes: REsp 1195828/MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010; AgRg na MC 15.207/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.9.2009; 

(AgRg nos EDcl no Ag 587.748/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 23.10.2009.)(grifo nosso)

Torna-se tal característica, tal como será demonstrado no momento adequado, outra nota distintiva entre essa medida e a de indisponibilidade de bens. 

1.3. Do afastamento cautelar do agente público

A Lei nº 8.429/92, em seu artigo 20, aduz que o agente público apenas irá perder a função pública ou ter os seus direitos políticos com a decisão transitada em julgado, determinando que “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Em verdade, trata-se de medida que visa garantir o princípio da presunção de inocência do agente público, ou seja, deve ele permanecer, regra geral, no exercício do cargo público enquanto houver pendência do processo, já que se pode alterar a decisão condenatória.

 Tal princípio, que regra geral é aplicado ao processo penal, também deve ser aplicado nessa seara, em virtude de um enquadramento dos atos de improbidade em um espectro mais amplo denominado Direito Judicial Sancionador.  

Ancorado nessa corrente, concluindo que a presunção de inocência é uma garantia que não se limita à esfera penal, já se manifestou o Ministro do STF, Celso de Mello, no julgamento da “Arguição de descumprimento de preceito fundamental” (ADPF) n°144, do Distrito Federal:

[...] a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, projetando-se para esferas processuais não criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves consequências no plano jurídico - ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição, que se formulam, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que se imponham ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial transitada em julgado”. (ADPF 144, Voto Min. Relator Celso de Mello, pag. 33)

Sendo essa a regra geral, a medida cautelar de afastamento do agente público consiste em uma exceção, conforme está previsto no art. 20, parágrafo único, da LIA, nos seguintes termos: “parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.

Indubitavelmente, tal medida tem inspiração no Código de Processo Penal, que elenca entre uma das providencias cautelares diversas da prisão preventiva:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais

      Por intermédio desse afastamento provisório do agente, busca o legislador fornecer ao juiz um imprescindível meio com o objetivo de buscar a verdade real, intentando a garantia da verossimilhança da instrução processual. Reconhece-se, assim, que por vezes os agentes públicos, notadamente os que se situam com maior grau de hierarquia dentro da Administração Pública, utilizam-se do poder inerente a suas funções para atuar dolosamente na produção de provas, ameaçando testemunhas, destruindo documentos, dificultando a realização de pericias.

        Assim, objetiva-se propiciar um clima mais transparente e irrestrito acesso ao material probatório, afastando possíveis óbices que a continuidade desse agente no cargo poderia causar.

             Por tratar-se de medida cautelar, deverão estar presentes para a decretação da medida a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora (periculum in mora). 

          Nessa toada, embora não possa tal afastamento provisório decorrer de meras conjecturas, elucubrações existentes, sob pena de se configurar pena antecipada e não medida com vistas a realização de instrução processual, não há razão para se exigir prova cabal, exauriente, de que o agente mantido no exercício da função acarretara prejuízo ao descobrimento da verdade. É, assim, mais razoável acreditar que indícios já serão suficientes a decretação da medida. 

          Sobre tal tema, cumpre trazer as lições de Fábio Medina Osório (1997, p. 164-165) defensor enfático essa interpretação, argumentando que: 

Em primeiro lugar, se existem indícios de que o Administrador Público, ficando em seu cargo, poderá perturbar, de algum modo, a coleta de provas do processo, o afastamento liminar se impõe imediatamente, inexistindo poder discricionário da autoridade judiciária. Não se mostra imprescindível que o agente público tenha, concretamente, ameaçado testemunhas ou alterado documentos, mas basta que, pela quantidade de fatos, pela complexidade da demanda, pela notória necessidade de dilação probante, se faça necessário, em tese, o afastamento compulsório e liminar do agente público do exercício de seu cargo, sem prejuízo de seus vencimentos, enquanto persistir a importância da coleta de elementos informativos ao processo

Nesse sentido, vem decidindo o STJ

SUSPENSÃO DE LIMINAR. PREFEITO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO CAUTELAR. DECISÃO QUE NÃO SE PRENDE AO ART. 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/92. ILEGALIDADE. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA INSTITUCIONAL. 1. A Constituição Federal, quando trata de independência e harmonia, sustenta o delicado equilíbrio entre os Poderes da República.                                                                            2. Este equilíbrio não exclui completamente a possibilidade de que um dos Poderes interfira no outro. Há, entretanto, previsão expressa - em Lei ou na Constituição - dos casos em que essa intervenção é legítima.
3. Em se tratando de improbidade administrativa, só há uma hipótese tolerável de intervenção do Poder Judiciário nos demais Poderes para afastar agentes políticos: Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92.
4. Vale dizer: a gravidade dos ilícitos imputados ao agente político e mesmo a existência de robustos indícios contra ele não autorizam o afastamento cautelar, exatamente porque não é essa a previsão legal.
5. A decisão que determina o afastamento cautelar do agente político por fundamento distinto daquele previsto no Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, revela indevida interferência do Poder Judiciário em outro Poder, rompendo o delicado equilíbrio institucional tutelado pela Constituição.
6. Surge, então, grave lesão à ordem pública institucional, reparável por meio dos pedidos de suspensão de decisão judicial (Arts. 4º da Lei 4.348/64, 12, § 1º, da Lei 7.347/85, 25, caput, da Lei 8.038/90 e 4º da Lei 8.437/92).
7. Para que seja lícito e legítimo o afastamento cautelar com base no Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, não bastam simples ilações, conjecturas ou presunções. Cabe ao juiz indicar, com precisão e baseado em provas, de que forma - direta ou indireta - a instrução processual foi tumultuada pelo agente que se precisa afastar.

(STJ - AgRg na SLS: 857 RJ 2008/0076978-4, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 29/05/2008, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 01/07/2008 REPDJe 14/08/2008   DJe 01/07/2008 REPDJe 14/08/2008)(grifo nosso)

       Há de ser ressaltado, ainda, que o afastamento, por ser medida excepcional e decretada com o fito de proteger a instrução processual, apenas alcança o cargo ou função que se relaciona diretamente com o fato investigado. 

         A título exemplificativo, imaginemos a hipótese de que um agente, analista de um Tribunal de Justiça e professor de uma Universidade, tenha cometido o ato ímprobo no âmbito dessa instituição de ensino. Nesse caso, se eventualmente for necessária a medida de afastamento cautelar, deve-se restringir ao cargo relacionado ao ato ímprobo, no caso, o de professor, podendo continuar exercendo regularmente as funções no âmbito jurisdicional.

Saliente-se que, pelos princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade dos vencimentos, essa medida cautelar não afeta a remuneração do agente, que sequer poderá ser reduzida pelo Poder Público ou mesmo por determinação judicial. 

Aspecto que merece destaque é a previsão da competência da autoridade judicial ou administrativa competente para determinar tal afastamento, deixando clara também a legitimação dessa segunda que fará uso de seus poderes hierárquico e disciplinar para tutelar a probidade e o processo.

Há de ser relevado, ainda, que a lei não prevê prazo para o afastamento da autoridade, suscitando inúmeras críticas por parte da doutrina abalizada. Em razão de sua excepcionalidade e por incidir no direito ao pleno exercício de funções públicas e mandatos eletivos, não se pode admitir que tal medida vigore por prazo indeterminado, sob pena de, por exemplo, no caso dos Prefeitos, ocorrer uma espécie de cassação indireta.

Instado a se manifestar sobre tal tema na seara do processo penal, aplicável de modo analógico ao afastamento cautelar previsto na LIA, o STJ já decidiu:

MEDIDA CAUTELAR. PREFEITO. AFASTAMENTO DO CARGO. MOMENTO E PRAZO.

As medidas cautelares alternativas à prisão preventiva – art. 319 do CPP, com redação dada pela Lei n.12.403/2011 –, são aplicáveis aos detentores de mandado eletivo, por tratar-se de norma posterior que afasta tacitamente a incidência da lei anterior. Assim, ao contrário do que dispõe o DL n. 201/1967, é possível o afastamento do cargo público eletivo antes do recebimento da denúncia. Quanto ao prazo da medida cautelar imposta, a Turma entendeu que é excessivo o afastamento do cargo por mais de um ano, como no caso, visto que ofende o princípio constitucional da duração razoável do processo, ainda mais por nem sequer ter ocorrido o oferecimento da denúncia. Ademais, o STJ firmou o entendimento de que o afastamento do cargo não deve ser superior a 180 dias, pois tal fato caracterizaria uma verdadeira cassação indireta do mandato.(Precedentes citados: AgRg na SLS 1.500-MG, DJe 6/6/2012, e AgRg na SLS 1.397-MA, DJe 28/9/2011. HC 228.023-SC, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, julgado em 19/6/2012) (grifo nosso)

Sobre o tema, realizando uma interpretação a partir dos próprios prazos elencados pelo ordenamento jurídico brasileiro, cumpre trazer à baila as lições de Rogério Pacheco Alves e Emerson Garcia (2011, p. 952).

Assim, deve o magistrado, ao determinar o afastamento do agente, fixar, sempre, o prazo de duração da medida, o que deverá ser aferido a partir das peculiaridades da causa(elevado número de réus e de fatos, necessidade de realização de pericias complexas, etc). Como parâmetro máximo, sugere-se a adoção do prazo de 112(cento e doze) dias, que é o resultado da soma dos vários prazos estabelecidos para a prática de atos processuais na ação civil de improbidade administrativa: dois dias para que o juiz mande notificar o requerido ao oferecimento de defesa previa, quinze dias para o oferecimento de defesa previa, trinta dias para o recebimento da petição inicial, quinze dias para o oferecimento de contestação, dez dias para o despacho saneador, trinta dias para a realização da audiência de instrução e julgamento; e dez dias para a prolação da sentença. Quando desnecessária a notificação para o oferecimento de defesa previa, esse prazo se reduz a 67 dias.

          Cumpre frisar, ainda, que não se pode falar em excesso da instrução apto a ensejar o esgotamento de prazo desse afastamento quando tal fato decorrer por atuação, mesmo que não dolosa, da defesa, suscitando repetidamente a elaboração de mais provas. 

            Trata-se, mutatis mutandis, de aplicação também de entendimento do STJ,e sculpido na Súmula 64 que preconiza que: “não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”

1.4. Da indisponibilidade de bens

A ação cautelar de indisponibilidade de bens está prevista no art. 7 da Lei, o qual roga:

Art. 7: Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo Único: A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Encontra guarita, ainda, no que dispõe o art. 37, § 4º da CF/88, ao lado de outras medidas de caráter sancionatório, tais como a suspensão de direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário sem prejuízo à ação penal cabível.

Apesar de estar ao lado de medidas de cunho sancionatório, não resta dúvida de que a indisponibilidade é providência cautelar cujo objetivo é a defesa do direito difuso da sociedade - e também do interesse do Estado - na incolumidade do patrimônio público. 

Sob o prisma instrumental, salienta-se que tal medida cautelar tem por objetivo tornar os bens do agente ímprobo insuscetíveis de alienação, cessão ou doação, para que sejam tais bens sejam suficientes à satisfação de eventual condenação ao ressarcimento de bens ou valores.

Primeiramente, pela dicção legal, observa-se que está disposto expressamente que tal medida cautelar seria cabível apenas nos casos que o ato de improbidade administrativa causasse lesão ao erário ou ensejasse enriquecimento ilícito, sendo em tese incabível para o caso de atos que violassem princípios da Administração Pública.

Tem-se, no entanto, que a doutrina e jurisprudência pátria volvem-se contra uma interpretação tão literal do dispositivo. Sobre o tema, cumpre trazer as lições de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, pag. 968):

Sobre o ponto, vale notar que o art. 7 da LIA submete a indisponibilidade de bens a ocorrência de lesão ao patrimônio público, expressão que deve ser interpretada em seu sentido mais amplo de modo a acabar também o patrimônio moral do ente. Por outro lado, não se tem dúvida de que além de lesões morais, a violação de princípios também pode repercutir na esfera propriamente pecuniária do lesado, o que se vê confirmado pelo próprio art. 12, III, da Lei de Improbidade

Defendendo uma interpretação mais sistemática, aduzindo ainda que pela prática de tais atos pode ocorrer a sanção de ressarcimento integral do dano e multa civil, o que justificaria a possibilidade de sua adoção, o STJ também já consolidou sua posição sobre o tema:

EMENTA ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. POSSIBILIDADE. DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO NO ART. 7o DA LEI N. 8.429/92. INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS. DESNECESSIDADE.

1. O art. 7 da Lei n. 8.429/92 estabelece que "quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito".

2. Uma interpretação literal deste dispositivo poderia induzir ao entendimento de que não seria possível a decretação de indisponibilidade dos bens quando o ato de improbidade administrativa decorresse de violação dos princípios da administração pública.

3. Observa-se, contudo, que o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92 estabelece, entre as sanções para o ato de improbidade que viole os princípios da administração pública, o ressarcimento integral do dano - caso exista -, e o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.

4. Esta Corte Superior tem entendimento pacífico no sentido de que a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

5. Portanto, em que pese o silêncio do art. 7o da Lei n. 8.429/92, uma interpretação sistemática que leva em consideração o poder geral de cautela do magistrado induz a concluir que a medida cautelar de indisponibilidade dos bens também pode ser aplicada aos atos de improbidade administrativa que impliquem violação dos princípios da administração pública, mormente para assegurar o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, se houver, e ainda a multa civil prevista no art. 12, III, da Lei n. 8.429/92

6. Em relação aos requisitos para a decretação da medida cautelar, é pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual o periculum in mora, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação ato de improbidade administrativa, é implícito ao comando normativo do art. 7o da Lei n. 8.429/92, ficando limitado o deferimento desta medida acautelatória à verificação da verossimilhança das alegações formuladas na inicial. Agravo regimental improvido.

 (Embargos de Divergência em RESP Nº 1.311.013 – RO 2013/0037774-7 – Rel. Min Eliana Calmon, julgado em 11/03/2013)(grifo nosso)

Por ser medida de cunho cautelar, ter-se-ia que, regra geral, tal como já exposto, exigir-se a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora (periculum in mora).

Quanto ao fumus boni iuris, não há nenhuma novidade: não há sentido em se permitir a decretação de uma medida de tão grave senão quando a pretensão do autor na demanda mostrar-se provável, mesmo que nesse momento pela cognição sumária que é realizada não se exija prova exauriente.

No que cumpre, porém, ao periculum in mora, cabe realizar uma nota distintiva. Parte da doutrina inclina-se no sentido de ser ele implícito pelo art. 7 da LIA, consubstanciado a indisponibilidade em uma tutela de evidência.

           Desse modo, seria dispensado no caso concreto a demonstração de que o autor estivesse dilapidando o seu patrimônio, em virtude de uma possível impossibilidade de reparação pecuniária posteriormente aos cofres públicos. 

Sobre o tema, cumpre trazer a visão de Fabio Osório Medina(1998, p. 240-241):

O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário, sendo a indisponibilidade patrimonial medida obrigatória, pois traduz consequência jurídica do processamento da ação, forte no art. 37, parágrafo 4o, da Constituição da República.

Tal parte da doutrina sustenta, ainda, que exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação acarretaria do ponto de vista prático irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal.

Sobre o tema, o STJ já se posicionou:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI Nº8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA.EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA. FUMUS BONI IURIS.NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL ÀLESÃO E AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO RESPECTIVO. BENS IMPENHORÁVEIS.EXCLUSÃO.

1. Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens na Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei8.429/92, sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora),ou seja, do perigo de dilapidação do patrimônio de bens do acionado. 

2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a Lei nº8.429/92 traz em seu bojo medidas cautelares para a garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas.Dentre elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma legal.

3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais,exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris  (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).

4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art.7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º).

5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.

6.Verifica-se no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992 que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade,representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Precedentes: (REsp1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012;MC 9.675/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel.Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011)

8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, o cultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou da refetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.

9. A decretação da indisponibilidade de bens, apesar da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração dorisco de dilapidação do patrimônio, não é uma medida de adoção automática, devendo ser adequadamente fundamentada pelo magistrado,sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal),sobretudo por se tratar de constrição patrimonial.

10. Oportuno notar que é pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

11. Deixe-se claro, entretanto, que ao juiz responsável pela condução do processo cabe guardar atenção, entre outros, aos preceitos legais que resguardam certas espécies patrimoniais contra a indisponibilidade, mediante atuação processual dos interessados a quem caberá, p. ex., fazer prova que determinadas quantias estão destinadas a seu mínimo existencial. 

12. A constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguardado, como já dito , o essencial para sua subsistência. 

13. Na espécie, o Ministério Público Federal quantifica inicialmente o prejuízo total ao erário na esfera de, aproximadamente, R$15.000.000,00 (quinze milhões de reais), sendo o ora recorrente responsabilizado solidariamente aos demais agentes no valor de R$5.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil reais). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).

14. Assim, como a medida cautelar de indisponibilidade de bens,prevista na LIA, trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da verossimilhança das alegações, pois, como visto, pela própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora. No presente caso, o Tribunal a quo concluiu pela existência do fumus boni iuris, uma vez que o acervo probatório que instruiu a petição inicial demonstrou fortes indícios da ilicitude das licitações, que foram suspostamente realizadas deforma fraudulenta. Ora, estando presente o fumus boni juris, como constatado pela Corte de origem, e sendo dispensada a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, em razão da gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público, conclui-se pela legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens.

15. Recurso especial não provido.

(REsp 1319515/ES, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 22/08/2012).(grifo nosso)

Conforme explica o Ministro Mauro Campbell Marques, em trechos de seu voto:

As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação). (...)

No entanto, no caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio, e sim da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º). (...)

periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. (...)

A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma, afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.

Discute-se, ainda, a respeito do momento em que tal medida poderia ser decretada. Como já argumentado, por ter natureza cautelar e em decorrência do art. 804 do CPC, pode-se cogitar em sua decretação de modo preparatório à ação principal, anteriormente ao próprio recebimento da ação e à citação do réu.

Sobre o tema, o STJ já manifestou posicionamento por diversas vezes:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. AQUISIÇAO ANTERIOR AO ATO ÍMPROBO. POSSIBILIDADE. DEFERIMENTO DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. SÚMULA 07/STJ. VIOLAÇAO DO ART. 535IICPC. NAO CONFIGURADA

1. A concessão de liminar inaudita altera pars (art. 804 do CPC) em sede de medida cautelar preparatória ou incidental, antes do recebimento da Ação Civil Pública, para a decretação de indisponibilidade (art. 7º, da Lei 8429/92) e de sequestro de bens, incluído o bloqueio de ativos do agente público ou de terceiro beneficiado pelo ato de improbidade (art. 16 da Lei 8.429/92), é lícita, porquanto medidas assecuratórias do resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, reparação do dano ao erário ou de restituição de bens e valores havidos ilicitamente por ato de improbidade, o que corrobora o fumus boni juris. Precedentes do STJ: REsp 821.720/DF , DJ 30.11.2007; REsp 206222/SP, DJ 13.02.2006 e REsp 293797/AC , DJ 11.06.2001.

[...]

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 1078640/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 23/03/2010)(grifo nosso)

Volvendo, agora, à temática dos bens sobre os quais tal indisponibilidade incide, cumpre, primeiramente, diferenciar tal medida do sequestro, sendo essa caracterizada como já exposto por recair sobre bens determinados. 

Sobre o tema, Wallace Paiva Martins Junior (2001, p. 328) aduz que:a medida de indisponibilidade tem, justamente, essa característica salutar que a distingue do sequestro, pois dispensa a individualização dos bens pelo autor, abrangendo a universidade de bens ou valores do patrimônio do réu ou de terceiro”.

Como decorrência justamente dessa nota distintiva entre essas duas medidas cautelares, é necessária na hipótese de sequestro de bens a individualização dos bens sobre os quais deve recair a medida, ao passo que na indisponibilidade tal requisito é desnecessário.

 Sobre o tema, o STJ já emitiu posicionamento: 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA. PERICULUM IN MORA IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS.

 1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário.

 2. O periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'

 3. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, nas demandas por improbidade administrativa, a decretação de indisponibilidade prevista no art. 7º, parágrafo único, da LIA não depende da individualização dos bens pelo Parquet.

4. A medida constritiva em questão deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Precedentes do STJ. 5. Recurso especial provido.

(STJ - REsp: 1319583 MT 2012/0080027-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2013) (grifo nosso)

A despeito da própria generalidade da medida de indisponibilidade, forçoso que se conclua que deve incidir apenas no montante necessário à plena reparação do dano,sendo proporcional ao escopo que se almeja alcançar, não sobre todo o patrimônio do requerido quando este se apresentar bem superior ao que se almeja alcançar.

Nessa toada, como dentre as sanções decorrentes da LIA está, além do ressarcimento integral do dano, também a previsão de multa cível, indaga-se a respeito da inclusão nessa medida dos valores necessários ao pagamento de tal multa.

Na jurisprudência do STJ, prevalece a corrente que classifica tal sanção de multa como autônoma, razão pela qual argumenta-se que para que se garanta o integral ressarcimento do dano ao erário há de considerá-la também para o cálculo quantitativo da indisponibilidade dos bens. Nota-se tal posição pela seguinte aresto:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA. PERICULUM IN MORA IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS.

1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 

2. O periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'. 

3. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, nas demandas por improbidade administrativa, a decretação de indisponibilidade prevista no art. 7º, parágrafo único, da LIA não depende da individualização dos bens pelo Parquet.

4. A medida constritiva em questão deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Precedentes do STJ. 

5. Recurso especial provido.

(REsp: 1319583 MT 2012/0080027-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2013)(grifo nosso)

Outra questão que merece destaque é sobre a aplicação de tais medidas sobre os bens adquiridos mesmo antes da pratica do ato de improbidade. 

        Verificado o ato de improbidade e a presença dos requisitos autorizadores da medida cautelar, entende a doutrina majoritária que todo o acervo patrimonial do agente estará sujeito a responsabilização, aplicando-se, aqui, a regra geral prevista no art. 591 do CPC que determina que: “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”

Argumenta-se que pensar em sentido contrário seria, indubitavelmente, desproteger de maneira desarrazoada o patrimônio público e desprestigiar a própria essência da medida de indisponibilidade.

Além disso, restringir essa efetividade da reparação do dano seria, ainda, responsabilizar de modo mais severo aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal, em dívidas privadas, conferindo um enorme prestigio do direito de propriedade em detrimento da probidade administrativa e do interesse público.

Sobre o tema, cumpre trazer as lições de Francisco Octavio de Almeida Prado (2001, p. 200):

Como toda medida cautelar, a indisponibilidade de bens, para ser deferida, depende da configuração de dois pressupostos, quais sejam: o periculum in mora e o fumus boni iuris. E, no tocante à extensão da medida, o parágrafo único do art. 7º traçou os parâmetros ao estipular que os bens suscetíveis de indisponibilidade são os que se mostrem suficientes para fazer face ao ressarcimento do dano, ou aqueles havidos em decorrência do enriquecimento ilícito. Esses parâmetros impõem ao requerente da medida de indisponibilidade que estabeleça uma correlação entre o valor de um dano (ainda que estimado) e o valor de bens determinados integrantes do patrimônio do investigado, ou a indicação de um ato de enriquecimento ilícito e da subsequente aquisição de bens ou valores que possa ser considerada fruto ou decorrência desse enriquecimento. É importante registrar, diante dos parâmetros traçados pelo parágrafo único do art. 7, ser descabido o requerimento de indisponibilidade indiscriminada, abrangendo a totalidade do patrimônio investigado, sem a indicação de bens determinados, correlacionados com um dano ao erário ou com um ato de enriquecimento ilícito.

Em sede pretoriana, a jurisprudência do STJ inclinou-se inicialmente pelo entendimento de que a indisponibilidade patrimonial só atinge bens adquiridos depois da prática do ato de improbidade administrativa,como pode-se visualizar:

A indisponibilidade de bens, para os efeitos da lei 8.429/92, só pode ser efetivada sobre os adquiridos posteriormente aos atos supostamente de improbidade. A decretação da disponibilidade e o sequestro de bens, por ser medida extrema, há de ser devidamente e juridicamente fundamentada, com apoio nas regras impostas pelo devido processo legal, sob pena de se tornar nula. Inocorrência de verificação dos pressupostos materiais para decretação da medida, quais sejam, existência de fundada caracterização da fraude e o difícil ou impossível ressarcimento do dano, caso comprovado. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial no 2002/0052962-9. Primeira Turma. Relator: Min. José Delgado. 17 set. 2002. Diário da Justiça, p. 295, 21 out. 2002. (grifo nosso)

Nota-se, no entanto, que ocorreu uma mudança jurisprudencial, entendendo agora a Corte da Cidadania majoritariamente pela possibilidade aplicação da medida de indisponibilidade tanto aos bens adquiridos antes quanto aos adquiridos depois do suposto ato de improbidade:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). INDISPONIBILIDADE DE BENS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna  o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.

2. Inexiste violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil, quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados pelos litigantes.

3. A decretação de indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa deve observar o teor do art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/92, limitando-se a constrição aos bens necessários ao ressarcimento integral do dano, ainda que adquiridos anteriormente ao suposto ato de improbidade

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. (STJ, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 06/12/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA)  (grifo nosso)

Controvertida no âmbito doutrinário e jurisprudencial é a possibilidade de aplicação da medida de indisponibilidade sobre bem de família. Neste sentido, faz-se indispensável à transcrição da definição dessa espécie de bem dada por GONÇALVES (2008, p. 521):

Bem de família é o direito de imunidade relativa à apreensão judicial, que se estabelece, havendo cônjuges ou entidade familiar, primeiro por força de lei e em alguns casos ainda por manifestação de vontade, sobre imóvel urbano ou rural, de domínio e/ou posse de integrante, residência efetiva desse grupo, que alcança ainda os bens móveis quitados que a guarneçam, ou somente esses em prédio que não seja próprio, além das pertenças e alfaias, eventuais valores mobiliários afetados e suas rendas.

Sobre o tema, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p. 966 e 967) posicionam-se no sentido de que regra geral não cabe por incidir a regra da impenhorabilidade, sendo possível afastar em apenas um caso:

A medida de indisponibilidade de bens não poderá alcançar aqueles considerados impenhoráveis pelo legislador ordinário, sob pena de aniquilamento da dignidade da pessoa alcançada pela responsabilização. No entanto, quando a conduta causadora do dano ao patrimônio público também caracterizar crime, hipótese bastante provável, e desde que haja sentença condenatória transitada em julgado, incabível será a oposição de impenhorabilidade do bem de família, aplicando-se o art 3º, VI, da Lei 8.009, de 29 de marco de 1990.

De outro lado, em corrente que se observa nas mais recentes decisões do STJ, argumenta-se que o eventual caráter de bem de família dos imóveis nada interfere na determinação de sua indisponibilidade, já que esta não se trata de penhora, mas sim de impossibilidade de alienação.

          Aduz-se que a Lei nº 8.009/90 intenta resguardar o lugar onde se estabelece o lar, impedindo a alienação do bem onde se estabelece a residência familiar, não existindo na indisponibilidade o perigo de alienação.               Argumenta-se, ainda, que ela objetiva justamente impedir que o imóvel seja alienado e, caso seja julgado procedente o pedido formulado contra o agravante na ação de improbidade, assegura o ressarcimento dos danos que porventura tenham sido causados ao erário.

        Tal corrente conclui que, desse modo, em nada favorece ao agravante a demonstração de que os imóveis estavam sob a proteção da Lei nº 8.009/90.

Cumpre observar julgado que encampa tal posição proveniente do STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458, II, E 535, II, DO CPC NÃO CARACTERIZADA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INOBSERVÂNCIA DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS E REGIMENTAIS. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/1992. REQUISITOS PARA CONCESSÃO. LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS. BENS ADQUIRIDOS ANTES OU DEPOIS DOS FATOS ÍMPROBOS. BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. 

1. Não ocorre ofensa aos arts. 165, 458, II, e 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. O descumprimento das exigências estabelecidas no art. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RI/STJ impede o conhecimento do recurso especial pela hipótese da alínea c do permissivo constitucional.

3. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 

4. O requisito cautelar do periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de bloqueio de bens, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'.

5. A demonstração, em tese, do dano ao Erário e/ou do enriquecimento ilícito do agente, caracteriza o fumus boni iuris. Fixada a premissa pela instância ordinária, inviável de modificação em recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

6. É admissível a concessão de liminar inaudita altera pars para a decretação de indisponibilidade e seqüestro de bens, visando assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, o ressarcimento ao Erário. Precedentes do STJ. 

7. A jurisprudência é pacífica pela possibilidade de a medida constritiva em questão recair sobre bens adquiridos antes ou depois dos fatos descritos na inicial.

 8. O caráter de bem de família de imóvel não tem a força de obstar a determinação de sua indisponibilidade nos autos de ação civil pública, pois tal medida não implica em expropriação do bem. Precedentes desta Corte. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(STJ, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 16/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA) (grifo nosso)

     No que pese tais entendimentos jurisprudenciais, há de ser asseverado que deve haver o máximo de moderação – e mesmo de prudência – na autorização de constrição patrimonial dos bens materiais da pessoa imputada de improbidade, pois se trata de medida altamente vexatória que utilizada de modo totalmente imoderado e com base apenas na petição inicial da ação ofende todo o elenco de garantias processuais.

        A repressão a quaisquer ilícitos, mesmo que pelo enorme prejuízo que tragam à sociedade, e a persecução da reparação dos seus danos devem se processar com estrita obediência às garantias subjetivas. 

Isso ocorre pois não têm as autoridades, ainda que movidos por altos e legítimos propósitos, a ampla discricionariedade de superar os limites do ordenamento jurídico nem interpretar as normas de modo totalmente livre pondo-as em confronto com os superiores princípios do sistema.

      Estabelecer mecanismo sancionatórios não formais, ofendendo o princípio da legalidade que deve reger todas as punições dentro de um Estado Democrático de Direito é, indubitavelmente, medida que deve ser deveras criticada. 

         A utilização das medidas cautelares tem que estar sempre ligado ao seu intuito, qual seja, tornar efetivo o ressarcimento integral do dano, respeitando os limites e definições legais.

      Além disso, há de ser realizada também uma crítica de ordem legal. Como foi mostrado no presente trabalho, a base, o alcance, extensão e outras características dessas medidas ocorreu precipuamente na seara jurisprudencial. No que pese ser hodiernamente reconhecida como fonte de direito, tem-se que, tal como ocorreu em relação a alguns tópicos aqui demonstrados, pode tal visão dos Tribunais modificar a qualquer tempo.

          Não se pode olvidar, ainda, que, pelas disposições legais do ordenamento jurídico brasileiro, os próprios juízes singulares não são de modo algum vinculados a tais decisões.

Inexistem, assim, garantias concretas de que o patrimônio público hoje em tese pelo demonstrado melhor defendido continue a ter no futuro tal necessária proteção.

          Desse modo, torna-se imperioso a edição de melhor e mais adequada legislação especifica a tais medidas, de modo que tais controvérsias não surjam com mais frequência e se possa ter uma defesa mais certa e eficaz desse tão valioso bem difuso que é o patrimônio público.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do contexto atual da sociedade, percebe-se que vivemos em uma crise de moralidade, em que é exceção a existência de políticos que cumprem com probidade e honestidade os seus deveres com a sociedade. Revoltada com tais acontecimentos, que envolvem inegavelmente também atores privados, a população começou a se revoltar e exigir de modo imediato melhores condições de vida, uma vez que a sua condição precária está umbilicalmente ligada ao desvio de recursos públicos.

            Nessa toada, cumpre destacar o papel importante que exerce a Lei de Improbidade Administrativa, pois busca através de sanções de natureza cível proteger o patrimônio público e punir regularmente aqueles que causam dano ao erário, enriquecem ilicitamente ou mesmo afetam os princípios da Administração Pública.

      Com o objetivo de assegurar o resultado útil do processo que rege a aplicação de tais medidas sancionatórias, existem as cautelares previstas nesse diploma legislativo: a de sequestro, a de indisponibilidade dos bens e a de afastamento cautelar do agente público

 Há de ser ressaltada, ainda, a possibilidade de decretação das denominadas medidas cautelares inominadas, com base no poder geral de cautela, dentre as quais pode-se exemplificar com a proibição de o agente ímprobo receber benefícios creditícios do Poder Público.

De modo geral, as medidas cautelares existem com o fito de solucionar situações de urgência que surgem ao longo do processo, tendo por finalidade precípua a garantido resultado útil do processo.

 Podem ser enumeradas como suas características marcantes, especialmente no âmbito da LIA, a temporariedade, a não satisfatividade e a instrumentalidade. Além das condições genéricas da ação, para que uma medida cautelar seja deferida há que existir, regra geral, os requisitos da fumaça do bom direito e o perigo na demora. 

 No que cumpre às medidas cautelares de modo específico, quanto à de sequestro, há que se destacar que apenas pode ela incidir sobre bens determinados, devendo ser no seu pedido individualizados os bens.

 Tem-se que destacar também que, em virtude de sua própria essência, apenas pode ser decretada sobre os bens adquiridos após a prática do ato, conforme acolhe de modo pacífico a jurisprudência do STJ.

 Relativamente à medida de afastamento cautelar do agente público, há de ser asseverado que, em virtude do princípio da presunção de inocência que também deve ser aqui aplicado, a regra geral é que, a despeito de ser o agente acusado de improbidade administrativa, permanece ele no exercício de sua função. 

           Tal medida cautelar foi, assim, prevista de modo excepcional para aqueles casos em que existem indícios, não necessariamente provas cabais, de que a manutenção dele no cargo pode prejudicar a formação da prova no processo. Reconhece-se, assim, a possibilidade de utilização de tal função com o fito de influenciar no correto deslinde da lide. 

 Em virtude da irredutibilidade de vencimentos, tal afastamento do agente ocorre de modo a não afetar a sua remuneração.

 Inexiste, na lei, previsão de prazo especifico para tal medida vigorar. Ocorre que, dado o seu caráter excepcional, devem ser fixados parâmetros razoáveis, já tendo entendido o STJ no sentido de que no caso de Prefeito tal medida pode vigorar no máximo pelo prazo de 180 dias sob pena de cassação indireta do mandato.

 No que diz respeito à última medida cautelar prevista tipicamente na LIA, no caso a de indisponibilidade de bens, salienta-se que tal medida cautelar tem por objetivo tornar os bens do agente ímprobo insuscetíveis de alienação, cessão ou doação, para que sejam tais bens sejam suficientes à satisfação de eventual condenação ao ressarcimento de bens ou valores.

 Nos termos legais, apenas poderia ser decretada nos casos de atos de improbidade que causam lesão ao erário ou ensejasse enriquecimento ilícito. Prevalece, no entanto, no âmbito do STJ, corrente que defende uma interpretação mais sistemática, aduzindo que também pode ser decretada nos casos de violação aos princípios da     Administração Pública, por estes atos também ensejarem sanções como o ressarcimento integral do dano e multa.

 Interessante traço característico dessa medida é ela ter, na visão majoritária doutrinária e jurisprudencial, o perigo na demora presumido, sendo dispensada a demonstração no caso concreto que o agente estivesse dilapidando o seu patrimônio. Constitui, assim, em verdade, em uma tutela de evidência.

 Há de ser asseverado que essa medida, ao contrário da de sequestro de bens, não necessita da individualização dos bens do agente ímprobo, seja para o seu pedido ou decretação pelo juízo.

 Por último, entende-se que mesmo os bens adquiridos antes do cometimento do ato de improbidade poderão ser atingidos pela medida, em razão da disposição do art. 591 do CPC. Entender em sentido contrário seria, inegavelmente, desproteger de maneira desarrazoada o patrimônio público e responsabilizar, sem justo motivo, de modo mais severo o devedor de dívidas privadas.

 Assim, tem-se que observar a inegável importância que se revestem tais medidas no âmbito da LIA e da proteção do patrimônio público. Em uma sociedade que clama e roga ardentemente por mais moralidade, a correta aplicação de tal diploma legislativo contribui indubitavelmente em grande instrumento para a melhora no trato com o dinheiro público.

 A despeito de tal importância, não há como negar que tal tema deveria ter recebido um melhor e mais pormenorizado tratamento legislativo. 

 Em virtude justamente dessa ausência legislativa, a base, o alcance, extensão e outras características dessas medidas ocorreu precipuamente na seara jurisprudencial, notadamente proveniente das decisões do STJ. No que pese a sua importância inegável no ordenamento jurídico brasileiro atualmente, não gera tal fonte de direito vinculação entre os juízes de 1º grau e pode ser modificada a qualquer tempo.

 Torna-se, assim, imperioso, para a melhor proteção desse bem difuso tão importante para a coletividade a edição de adequado tratamento legislativo. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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