MEDIDA PROVISÓRIA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

 

Alice Linares de Oliveira Scandelai[1]

RESUMO: O presente artigo busca demonstrar a possibilidade de se utilizar a Medida Provisória em face dos princípios do Direito Tributário, criando assim Impostos.

Palavras-chave: Medida Provisória; Tributação; Imposto; Principio.

1.            INTRODUÇÃO

 

A Medida Provisória se trata de um ato unipessoal do Presidente da República, possuindo força de Lei, e no qual o Poder Legislativo não participa, sendo apenas chamados a se manifestar em momento posterior, devendo esse ato ser limitado dentro do que estabelece o artigo 62 da Constituição Federal.

Com a Emenda Constitucional 32 de 2001, houve alteração no artigo 62, fazendo com que houvesse ampliações e limitações quando a elaboração de Medida Provisória.

Muito se era questionado a respeito de ser poder utilizar Medida Provisória para instituir tributos. Contudo com a vinda da emenda 32/01, ficou regulado que pode a Medida Provisória apenas INSTITUIR e MAJORAR tributos, e somente nos casos de IMPOSTOS FEDERAIS.

Entretanto o artigo 153 da CF dispõe que todos os Impostos Federais já foram instituídos, salvo o IGF (Imposto Extraordinário de Guerra). Dessa forma, através da Medida Provisória ficou estabelecido que pode majorar sobre demais tributos, já criar, será apenas no caso de IEG.

Contudo, há ainda entendimento no sentido de que não seria possível nem ao menos se utilizar de Medida Provisória para majorar tributos, cabendo tão somente ser feito através de Leis.

O art. 62, §1º, inciso III, veda o uso de Medida Provisória, Sobre matéria reservada a Lei Complementar.

A lei complementar se apresenta como espécie normativa eleita pelo legislador constituinte como adequada para tratar de assuntos que, não obstante sua importância, não poderia ser abrangida pela própria Constituição, mas, por serem de tais maneiras relevantes, mereceriam uma apreciação diferenciada daquela dispensada à lei ordinária.

As diferenças entre lei ordinária e complementar são de natureza formal e material. Formal porque, quanto ao procedimento legislativo de elaboração, a lei complementar exige na subfase de votação um quorum referente à maioria absoluta da Casa Legislativa, o que equivale à metade mais um dos membros que integram a referida casa; já para elaboração de leis ordinárias, é exigida a maioria relativa, ou seja, metade mais um dos membros presentes na Casa Legislativa. A partir daí, pode-se inferir que o número de legisladores exigido para aprovação de uma lei complementar será o mesmo, já para aprovação de lei ordinária, tal número poderá variar, levando-se em consideração o número de parlamentares presentes.

Quanto ao aspecto material, observa-se que só poderá ser objeto de lei complementar a matéria expressamente prevista na Constituição, enquanto as demais matérias deverão ser objeto de lei ordinária.

Partindo deste entendimento, apesar das discussões doutrinárias sobre o assunto, pode-se concluir que a lei complementar é de hierarquia superior à lei ordinária, não só porque assim confirma seu especial procedimento legislativo, mas porque o próprio legislador constituinte desta maneira determinou, haja vista a importância das matérias por ela tratadas.

A Emenda Constitucional n. 32 ao falar sobre o assunto Medida Provisória, expressamente estipulou que não podem ser objeto de Medidas Provisórias matérias sujeitas à lei complementar.

 

 

2.            MEDIDA PROVISÓRIA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da legalidade tributária, assente no art. 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dita que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Fica claro, portanto, à vista do exposto, que se pretendeu enaltecer e dar uma maior especificidade ao Princípio da Legalidade dentro do sistema tributário nacional, haja vista que, com outras palavras, porém com a mesma retórica, os mesmos ditames foram preceituados no art. 5º, inciso II.

O Princípio da Legalidade Tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da CF, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal. Um tributo somente pode ser instituído ou majorado mediante lei em sentido restrito, ou seja, uma lei que seja a um só tempo formal e material. Ademais, esta lei em sentido restrito, que cria um tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago, isto é, a referida lei deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela (princípio da reserva absoluta de lei formal). Diante disso, a norma constitucional que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça", é também denominada de princípio da estrita legalidade tributária.

As medidas provisórias podem criar ou aumentar tributo, porquanto conformam-se perfeitamente ao conceito de lei em sentido restrito, respeitando, portanto, o princípio da legalidade em matéria tributária. Contudo a Medida Provisória, por ser lei formal e material simultaneamente, ajustando-se, então, ao que se entende por LEI EM SENTIDO ESTRITO, pode instituir ou majorar um tributo, visto que respeita ao princípio da estrita legalidade tributária. Este princípio, também denominado pela doutrina de reserva absoluta de lei formal, exige lei em sentido restrito para a criação ou majoração de um tributo e, diante da comprovação de que a medida provisória é ao mesmo tempo lei formal e material, fica claro, por conseguinte, que o referido instituto pode ser usado como veículo normativo em matéria tributária. Ressalta-se, porém, que tal concepção leva em conta apenas o respeito da medida provisória em relação ao princípio da legalidade tributária.

Entretanto, há de se destacar que existe outra corrente, sendo essa contraria ao que foi mencionada, e também majoritária, no qual a doutrina não aceita a medida provisória como lei em sentido restrito e, em consequência, como ato normativo que acata o princípio da legalidade tributária. Não podendo assim majorar nem criar leis, salvo nos casos de IEG.

3.            MEDIDA PROVISÓRIA E O PRINCÍPIO DA AUTOIMPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA

 

Esta assegurada, no Texto Maior, a democracia no processo de imposição das exações, mediante a participação dos cidadãos.

Assim, por se tratar de um direito-garantia do cidadão, o princípio da Autoimposição, efetivado pelo princípio da legalidade estrita, jamais poderá ser suprimido por qualquer emenda constitucional, sob pena de ofensa a cláusula pétrea do art.60, §4º, IV, CF, que proíbe o amesquinhamento, por meio de emenda constitucional, dos direitos e garantias fundamentais.

O Princípio da Auto Imposição, se faz necessária a observância de dois corolários: (i) a imposição tributária apenas por meio de lei formal e (ii) que as intervenções do poder na esfera da liberdade e da propriedade dos cidadãos estejam devidamente respaldadas em lei formal que as autorize.

O princípio da AutoImposição se apresenta, portanto, como garantia fundamental do contribuinte, pois impõe que qualquer inovação que venha a agravar a carga tributária seja previamente submetida à consulta popular, o que apenas se realiza por meio do emprego de lei formal, emanada pelo Poder Legislativo. Esta reserva legal do Parlamento oportuniza o controle indireto dos contribuintes ao poder de tributar, caracterizando-se como cláusula pétrea da ordem constitucional brasileira.

O poder constituinte derivado, no exercício de sua competência reformadora, encontra-se limitado pelas disposições do texto originário da Lei Maior, sujeitando-se a limitações expressas e implícitas. Em relação à elaboração da EC n.32/01, no que atine à regulamentação da medida provisória, o que se nota é que o constituinte derivado investiu-se das prerrogativas de constituinte originário e, sem a menor cerimônia, ‘reconstruiu’, a seu talante, a figura da medida provisória.

A Emenda Constitucional nº32/03, ao estabelecer negativamente as hipóteses de atuação da medida provisória, em razão da redação obscura do §2º, art. 62, autorizou, de forma indireta, a atuação deste instrumento na majoração e instituição de tributos.

Por conta disso, o legislador constituinte derivado exorbitou os poderes a ele outorgados, na medida em que se olvidou do princípio da Auto Imposição, consagrado pelo macro princípio da legalidade estrita, previsto no art. 150, inc. I, da Lei Maior, o qual veda qualquer imposição tributária por meio de instrumento normativo diverso da lei em sentido estrito, emanada pelo Poder Legislativo.

Sendo assim, apenas por meio do genuíno processo legislativo é que se pode proceder à consulta popular, averiguando a aquiescência dos contribuintes em relação à carga tributária que lhes será imposta, por meio do aceite de seus representantes.

Desta forma, vê-se que o exercício do poder de tributar, mormente em um modelo republicano, depende de um espaço amplo de debate com a sociedade, de modo a não mais configurar uma “imposição tributária”, mas sim um “consentimento tributário”, consagrando-se a participação popular democrática em qualquer interferência estatal ao direito de propriedade dos cidadãos.

A medida provisória não respeita a reserva constitucional do Congresso Nacional, uma vez que não possui natureza jurídica de lei em sentido estrito, mas sim de ato normativo primário de governo dotado de força de lei, haja vista que, seu processo elaborativo não respeita a representatividade popular, indispensável a qualquer ato que agrave a carga tributária, porque somente o povo detém o poder e a legitimidade para controlá-la.

Indubitável, portanto, o direito do cidadão-contribuinte de participar de forma direta, ou por meio de seus representantes, da elaboração das leis que irão, de certa forma, estabelecer limitações ao seu direito de propriedade, tornando-se dissonante o permissivo constitucional previsto no §2º, art. 62, com os princípios norteadores do sistema tributário brasileiro.

4.            MEDIDA PROVISÓRIA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA

Os pressupostos constitucionais da relevância e urgência, contidos no art. 62 da CF/88, existem como forma de justificar a antecipação da eficácia e da aplicabilidade de uma norma que há de ser convertida em lei, posteriormente. É verdade que não há delimitação legal do significado de tais pressupostos. Quando extraídas do contexto normativo onde estão inseridas, no caso, o caput do citado artigo 62, as expressões se tornam conceitos aparentemente abertos.

Compete ao Presidente da República, em primeiro plano, aferir sobre a existência dos pressupostos em cada caso concreto.

Nas Constituições de 1967 e 1969, o Supremo decidiu que o Presidente exercia juízo discricionário sobre a presença dos pressupostos constitucionais no decreto-lei, e que tal juízo sujeitar-se-ia apenas ao controle político do Congresso, não ao controle jurisdicional.

Contudo, posteriormente, o Tribunal se afastou da referida jurisprudência, alegando que poderia haver controle jurisdicional dos referidos pressupostos, desde que verificado o abuso manifesto por parte do representante do Poder Executivo.

Mesmo que esses pressupostos tenham sido colocados na Constituição como termos vagos e imprecisos, entende-se que é função indelegável do STF, enquanto guardião da Norma Fundamental, se manifestar sobre a interpretação de tais requisitos. Cada vez que assim proceder, a Corte tornará menos vago e impreciso o significado dos referidos conceitos, redirecionando os poderes políticos para a real dimensão do que pretendeu a norma legal.

Na prática, contudo, relevância e urgência se apresentam como noções de fácil verificação fática e possível de serem corretamente ponderadas em cada caso concreto. Não pode, pois, o Poder Executivo, mesmo dentro da discricionariedade que lhe é atribuída, ampliar os referidos conceitos de forma a usurpar a função legiferante que só excepcionalmente poderá exercer.

Quanto à referida discricionariedade, no âmbito tributário ela se mostra, via de regra, como mais um impedimento para a adoção de Medidas Provisórias no que tange à instituição de tributos, para tanto, basta se reportar ao que estabelece o art. 3º do CTN. Ao definir tributo, o mencionado artigo assevera que o mesmo será cobrado "mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Quando o ato administrativo for vinculado, a lei estabelecerá a única solução possível diante de determinada situação de fato, fixando os requisitos para atuação da Administração que ficará isenta de qualquer apreciação subjetiva. Instituir ou majorar tributos, então, não se apresenta como necessidade relevante e urgente, tendo em vista que as leis que criam um novo tributo ou majoram aqueles já existentes têm, via de regra, sua aplicabilidade adiada para o exercício financeiro seguinte ao de sua publicação, graças ao Princípio da Anterioridade, cujo objetivo é evitar para o contribuinte a chamada "surpresa tributária".

Não se pretende afirmar, contudo, que absolutamente não haja urgência ou relevância em assuntos tributários, pelo contrário, tais pressupostos são da essência da matéria, já que o tributo é a principal fonte de financiamento para o Estado, e, por conseguinte, sofre condicionamentos conjunturais econômicos. Acontece que a relevância e urgência tributárias estão disciplinadas de maneira peculiar, tanto é assim que a própria Constituição prevê um Sistema Tributário Nacional.

Diferente dos demais ramos do Direito, nos quais o legislador cria leis de efeitos e aplicabilidade imediatos à publicação e vigência, desde que não retroativos, o Direito Tributário possui regra constitucional através da qual se adia, em geral, a eficácia das leis que criam ou majoram tributos para o exercício financeiro subsequente ao ano de sua publicação. Desta feita, o Princípio da Anterioridade Tributária se apresenta como um comando constitucional superior, inafastável por quaisquer outros atos, ainda que de caráter normativo, como são as Medidas Provisórias.

O Presidente da República não pode, imbuído de faculdade discricionária, atropelar a anterioridade das leis tributárias. No caso de admissão desta faculdade, ensejar-se-ião uma das seguintes situações, igualmente inconstitucionais:

a)             Discricionariamente, os Poderes Legislativo e Executivo decidiriam que podem instituir ou majorar tributos por meio de medidas provisórias, conciliando-as com o Princípio da Anterioridade, o que de fato se verificou com o já explicitado § 2º do art. 62 da CF/88, ou;

b)             Discricionariamente, também, elegeriam o que é urgente e relevante no Direito Tributário, afastando o Princípio da Anterioridade e desprezando a regulação própria e especial que a relevância e urgência mereceram na Constituição de 1988.

Parece que o legislador constituinte preferiu, com a mudança trazida pela EC/32 ficar com a primeira das inconstitucionalidades.

5.  CONCLUSÃO

 

Nota-se por todo o exposto que se tratando de Medidas provisórias, há duas correntes exposta pelas doutrinas, contudo o que tem se prevalecendo de forma majoritária, é a não utilização de tal ato, para que se crie aumente ou até mesmo venha a querer extinguir tributo.

Deve se ressaltar que em casos excepcionais, poderá a utilização de Medida Provisória para que seja majorada, por exemplo, o Imposto Extraordinário de Guerra.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1998. 

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 8ª edição, São Paulo: Atlas, 2001.

SZKLAROWSKY, Leon Fredja: Medidas Provisórias no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: NDJ, 1990.

VADE MECUM - obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo, Márcia Cristina, 5 ed., São Paulo: Saraiva, 2010.


[1] Discente do 5º ano, Turma A, do Curso de Direito das Faculdades Integradas “Antonio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente.