Medida de segurança: uma análise critica da sua indeterminação temporal Luiza Sousa Barros Vieira Thiciane Teixeira Ribeiro Gonçalves Sumário: Introdução; 1. Medidas de segurança em geral; 2. Espécies de medida de segurança; 2.1.Detentiva; 2.2 Restritiva; 3. Considerações doutrinarias à respeito da indeterminação temporal da medida de segurança; 4.Críticas ao prazo de cumprimento indeterminado;5. Princípios infringidos devido à indeterminação temporal da medida de segurança. Conclusão; Referências. RESUMO Com o presente trabalho, aborda-se inicialmente como ocorre a aplicação das medias de segurança, posteriormente identifica-se e caracteriza-se as espécies de medida de segurança. Em seguida aborda-se as considerações doutrinárias a respeito da indeterminação temporal das medidas de segurança, como também as críticas devido ao seu prazo indeterminado. Analisa-se os princípios infringidos devido a internação que não tem prazo máximo. PALAVRA-CHAVE: Medidas de segurança. Princípios. Prazo indeterminado. Introdução O presente trabalho tem por finalidade propiciar conhecimentos mais vastos aos estudantes acerca do tema: Medidas de segurança. A mais antiga lembrança demonstra que já na Roma antiga as medidas conferidas aos insanos possuíam cunho peculiar, na medida em que, visando a paz social, os mesmos eram postos à disposição de suas famílias para serem custodiados ou aprisionados quando da impossibilidade de controle familiar [1]. Condiz tal medida ao tratamento ao qual devem ser submetidos os indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis – autor do crime – com a finalidade de proporcionar a “cura” e tornar estes delinquentes aptos a reintegrar a sociedade, sem voltar a delinquir. Contudo, submeter tais indivíduos ao processo penal com o intuito de aplicar-lhes uma medida de segurança constitui um processo turbulento, uma vez que, inúmeros questionamentos insurgem. Onde encontrar a culpa de quem é legalmente irresponsável? Como garantir o devido processo legal a quem não pode nem ao menos entender seus termos? O artigo 96 do Código Penal determina que o tratamento deverá ser feito em hospital de custódia e tratamento, nos casos em que é necessária internação do paciente ou, quando não houver necessidade de internação, o tratamento será ambulatorial (a pessoa se apresenta durante o dia em local próprio para o atendimento), dando-se assistência médica ao paciente [2]. Contudo, se houver falta de hospitais para tratamento, o Código autoriza que o procedimento seja realizado em outro estabelecimento adequado, não devendo em hipótese alguma ser efetuado em presídio, uma vez que este não é considerado estabelecimento adequado para tratar um indivíduo doente mental. As medidas de seguranças foram pela primeira vez devidamente sistematizadas no Projeto de Código de Virgílio de Sá Pereira, onde foi prevista a responsabilidade atenuada para os semi-imputáveis. Havia o que se chama de sistema duplo binário, cumprimento cumulativo de pena e medida de segurança. O atual código trabalha com o critério biopsicológico para determinação da imputabilidade do criminoso, através da análise da existência de um nexo de causalidade entre o estado mental patológico e o crime, sendo indispensável a ausência da vontade ou do entendimento. 1. Medidas de segurança em geral As medidas de segurança representam as sanções jurídico-penais, são apresentadas pelo Estado, tem finalidade preventiva de tratar aqueles que não tem consciência acerca dos atos praticados, os inimputáveis e os semi- imputáveis, que demonstram periculosidade, para que não pratiquem novas ações danosas. Quanto ao conceito de Medida de Segurança, Prado (2007. p. 704.) leciona que: São consequências jurídicas do delito, de caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial. Consubstanciam-se na reação do ordenamento jurídico diante da periculosidade criminal revelada pelo delinquente após a prática de um delito. O objetivo primeiro da medida de segurança imposta é impedir que a pessoa sobre a qual atue volte a delinquir, a fim de que possa levar uma vida sem conflitos com a sociedade. Quando se aborda sobre as medida de segurança dois valores se contrapõem a impossibilidade da punição imposta pelo Estado à pessoa que não tem consciência dos atos que pratica e sob outra perspectiva os atos praticados devem obter uma resposta por parte do Estado. Ocorre o entendimento de não há possibilidade de punição aos atos praticados por inimputáveis, o que ocorre é o tratamento. No Código Penal de 1940, prevalecia o sistema Duplo Binário, sendo possível a aplicação cumulativa de pena, mais a aplicação de medida de segurança ao semi - imputável. Em 1984 com a reforma adotou- se o Sistema Vacariante, aplica-se desde então ou a pena ou a medida de segurança. Dessa forma aos imputáveis é aplicada a pena e aos inimputáveis a medida de segurança, presente no artigo 98 do Código Penal. Diferente da finalidade a pena, a medida de segurança tem como finalidade o tratamento ou cura, preparando-os para voltar à sociedade sem que voltem a delinquir. A aplicação da medida de segurança requer como pressupostos a pratica de um fato definido como crime, potencialidade para a ocorrência de novas ações danosas, periculosidade. Quando a pratica do crime não se aplica medida de segurança caso não haja prova da autoria ou do fato, se houver excludente de ilicitude, se o caso for impossível ou caso ocorra a prescrição ou outra causa extintiva de punibilidade. Só será aplicada a medida de segurança aos doentes mentais que realizavam fatos típicos e ilícitos, a periculosidade é presumida na inimputabilidade, na semi-imputabilidade precisa ser constatada pelo juiz. 2. Espécies de Medida de Segurança A legislação penal admite duas espécies de medida de segurança, detentivas e restritivas; na detentiva existe a necessidade de internação e hospital de custodia e tratamento psiquiátrico; na restritiva é realizado o tratamento ambulatorial, presente no artigo 97 do Código Penal. A espécie detentiva é consolidada na internação em hospital de custodia e tratamento, ocorrendo abstenção poderá ocorrer a aplicação da medida de segurança em outro estabelecimento se esse for apropriado para tal finalidade. O juiz tem a faculdade de determinar qual o tratamento é mais adequado, tendo como base a periculosidade. A medida de segurança detentiva apresenta algumas características como o fato de não ser estabelecido o prazo determinado, sendo a sua duração equivalente a cessação de periculosidade, que será constatada através de pericia medica realizada durante o período de internação. A observação da cessação da periculosidade é realizada após prazo mínimo, que varia entre um e três anos. Caso o juiz da execução determine alteração desse prazo, será alterado, presente na Lei de Execução Penal, art.176. Caso ocorra a cessação da periculosidade pela pericia medica, a medida de segurança será suspensa, ocorre a desinternação, será condicional, de forma provisória no prazo de um ano com a liberação do agente. Ao final do prazo se o imputável se durante esse tempo não praticar fato indicativo da persistência da periculosidade, não sendo necessariamente crime ocorre de fato a extinção da medida de segurança, estabelecido no artigo 97, § 3º do Código Penal. A espécie restritiva ocorre a sujeição a tratamento ambulatorial, presente no artigo 97 do Código Penal. Acerca das espécies de medida de segurança Queiroz (2005, p.379-380) leciona que: Duas são as medidas de segurança previstas no Código: internação e tratamento ambulatorial (art. 96). A primeira, cumprida nos atuais Hospitais de Custódia e Tratamento psiquiátrico (HCT) ou, à falta, em estabelecimento adequado, e que importa em privação da liberdade do paciente, destina-se aos crimes mais graves, punidos com reclusão; a segunda, cujo tratamento ocorrerá nos mesmos locais, dirige-se aos delitos menos graves, punidos com detenção. O tratamento ambulatorial até a constatação da cessação da periculosidade não tem prazo determinado, sendo feita a constatação através de pericia medica, no prazo de um a três anos, entretanto poderá ocorrer a qualquer momento se o juiz da execução determinar, LEI, art. 176. 3. Considerações doutrinárias a respeito da indeterminação temporária da medida de segurança Segundo o art. 97, § 1º, e 98 do Código Penal o prazo mínimo de duração da medida de segurança é de um a três anos a ser aplicado a um determinado ato ilícito praticado. A questão debatida entre diversos doutrinadores criminalistas gira em torno do conteúdo exposto no artigo 97 § 1º do Código Penal, onde diz que: ‘’A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 a 3 anos. ’’ O legislador quantifica somente o prazo mínimo da aplicação da medida de segurança, quanto ao prazo máximo, tem-se que a medida de segurança perdura por tempo indeterminado, ou seja, se prolonga até que através de laudo médico seja demonstrada a cessação da periculosidade. Entretanto, a Constituição Federal Brasileira, no art. 5º, inc. XLVII, "b", proíbe a pena perpétua. Por sua vez, o artigo 75 do Código Penal se notabiliza por limitar o cumprimento da pena de prisão em trinta anos. Assim, insurge o embate quanto à constitucionalidade da perpetuidade da medida de segurança. De acordo com Ferrari (2001, p. 195): [...] dispor expressamente sobre a inexistência de limites mínimos obrigatórios de duração de prazos das medidas de segurança criminais, admitindo a realização da perícia médica, a qualquer. Tempo reforçando a concepção isolada prevista no art. 176 da Lei de Execução Penal. Posiciona-se quanto ao assunto Rogério Greco (2006, p. 729): Não tem prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado à cura ou à manutenção da saúde mental do inimputável. Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio de perícia médica, a chamada cessação da periculosidade do agente, podendo, não raras as vezes, ser mantida até o falecimento do paciente. Já Supremo Tribunal Federal (STF) manifesta-se afirmando que o tempo de duração da medida de segurança não poderá extrapolar o limite de trinta anos, previsto constitucionalmente. (HC 84219/SP, DJ 23/09/2005). 4 Críticas ao prazo de cumprimento indeterminado Embasado no Código Penal infere-se que não há prazo determinado quanto a duração da aplicação da medida de segurança. Todavia, sabe-se da existência de duas correntes doutrinárias que divergem sobre o tema. A primeira afirma que o cumprimento da medida de segurança deve perdurar até a cessação da periculosidade do agente, o que de fato seria o fim da perturbação da saúde mental, tal fato pode durar a vida inteira do agente, não havendo dessa forma, prazo máximo de duração da medida de segurança. Adversamente, de acordo com a segunda corrente, a medida de segurança deve possuir prazo determinado previamente, uma vez que, se houver a omissão deste prazo, se estará admitindo a institucionalização da pena com caráter perpétuo, o que iria de encontro a Constituição da República de 1988. Esta corrente subdivide-se em duas subcorrentes, onde a primeira objetiva que a medida de segurança possua o limite máximo de sua aplicação semelhante ao das penas privativas de liberdade, trinta anos, conforme artigo 75 do Código Penal. Tal posicionamento é adotado pelo Supremo Tribunal Federal. A segunda afirma que o limite máximo para a aplicação da medida de segurança á àquele cominado ao fato específico, por exemplo, de acordo com o artigo 121 do Código Penal, se o agente cometeu homicídio simples, a pena imposta não poderá ultrapassar vinte anos, que é a pena máxima aplicada ao agente que cometeu o homicídio simples. De acordo com o artigo 97, § 1º, do Código Penal, considera-se que as medidas de segurança por tempo indeterminado enquanto não cessar a periculosidade do agente não vai ao encontro da Constituição de 1988, uma vez que, esta garante que a sanção penal não seja perpétua. Segundo, Paulo de Souza Queiroz “no que tange à indeterminação do prazo máximo das medidas de segurança - herança do positivismo criminológico -, cabe redarguir que, em homenagem aos princípios da igualdade, proporcionalidade, humanidade e não-perpetuação das penas, não se justifica, numa perspectiva garantista, que tais sanções, diferentemente das penas, possam durar indefinidamente, enquanto ‘não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade’ (CP, art. 97, § 1º), razão pela qual jamais deverão exceder o tempo da pena que seria cabível na espécie”. Conclui-se dessa forma, que denso número dos doutrinadores aponta a não-recepção pela Constituição Federal da República de 1988 da medida de segurança por tempo indeterminado. 5. Princípios infringidos devido à indeterminação temporal da medida de segurança O Principio da dignidade da pessoa humana, tem como objetivo proteger a pessoa humana, o Estado, deve, portanto assegurar a todos os cidadãos, as condições necessárias para a realização da vida com dignidade. O estado tem seu poder regulado de forma racional e humanitária, devendo os direitos inerentes aos seres humanos serem respeitados, sem lhes causar sofrimentos, humilhações. O principio da dignidade da pessoa humana também deve ser seguido no direito penal, não sendo possível a criação nem a aplicação de penas ou medidas de segurança que de alguma forma degradem o cidadão, não sendo aplicáveis penas perpetuas, não ocorrendo a ligação direta entre restrição de liberdade e a perda da liberdade do individuo. O significado de dignidade da pessoa humana é feita por Alexandre de Morais (2003, p.75): A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais , sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas , constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Os direitos humanos segundo da Silva (1993, p. 164) se consolidam como uma ‘’ limitação da soberania popular em face dos poderes constitutivos do Estado que dela dependem’’. Dessa forma o poder do Estado não pode ir de encontro aos direitos garantidos aos indivíduos; no artigo 5, inciso XLVII, alínea b, prevê que na haverá penas de caráter perpetuo, desse aplicar essa norma as medidas de segurança que são regidas pela indeterminação temporal que ofende a dignidade da pessoa humana, principio presente na Constituição Federal. A legalidade penal deve estar presente na aplicação da medida de segurança, o cidadão tem o direito de conhecer de forma clara quais são os limites de sua liberdade e a interferência do Estado sobre ela. A pena perpetua é proibida, mas não existe prazo determinado para as medidas de segurança, todos os cidadãos devem tem as garantias constitucionais asseguradas, saber previamente qual a quantidade da intervenção realizada pelo Estado em sua liberdade individual. Conclusão Segundo Alexandre de Moraes, “a vedação às penas de caráter perpétuo decorre do princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas e compatibiliza-se com a garantia constitucional à liberdade e à dignidade humana”. O princípio da humanidade das sanções (uma das maiores conquistas da humanidade, aflorado pelo Iluminismo, em especial, nas idéias memoráveis de Beccaria[3]) não permite a medida de segurança indeterminada. A medida de segurança indeterminada viola ainda o princípio da proporcionalidade, dessa forma, a duração máxima da medida de segurança será a da pena privativa ou ainda os trinta anos. Após decorrido esse prazo deverá ser efetuada a internação cível-administrativa, onde as providências a serem tomadas pelo juiz cível, devem ser realizadas. Dessa forma, infere-se que por mais grave que seja a conduta realizada, e por maior que seja o desvalor do resultado final, a dignidade da pessoa humana deve permanecer íntegra na execução penal. Portanto, não seria cabível conduzir os indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis a cumprir pena numa penitenciária, pois isso não evita que eles voltem a delinquir. Não seria cabível ainda, que nos casos de medida de segurança, estes indivíduos sejam encaminhados para manicômios, uma vez que, que o transtorno continuaria atuando, prejudicando então, os indivíduos mais frágeis. Dessa forma, opta-se pela criação de ambientes projetados para abrigar estes cidadãos, onde a proteção seja mais eficiente, e a psiquiatria possa melhor estudá-los para que tratamentos futuros mais eficazes sejam desenvolvidos possivelmente. Referências: [1] ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. Disponível em:< http://azlista.com.br/article/detail.php?id=720>. Acesso em: 10 abr. 2012. ARAÚJO, Flávio Roque da Silva. Prazos (mínimo e máximo) da medida de segurança. Disponível: Acesso em: 15. Abr. 2012. CAPEZ, Fernando. 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