FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIA CURSO DE DIREITO HAISLANE OLIVEIRA ALVES DE CASTRO MANDADO DE INJUNÇÃO: ASPECTOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA APLICAÇÃO Vitória da Conquista - Bahia 2015 HAISLANE OLIVEIRA ALVES DE CASTRO MANDADO DE INJUNÇÃO: ASPECTOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA APLICAÇÃO Trabalho apresentada à disciplina de TCC I, do curso de Direito, da Faculdade de Tecnologia e Ciências como requisito parcial de avaliação da disciplina, sob orientação do Prof°: Isabela. Vitória da Conquista - Bahia 2015 HAISLANE OLIVEIRA ALVES DE CASTRO MANDADO DE INJUNÇÃO: ASPECTOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DE SUA APLICAÇÃO Aprovado em: __________ Conceito: ______________ BANCA EXAMINADORA: _____________________________________________ _____________________________________________ ____________________________________________ RESUMO Esse documento discorre sobre o mandado de injunção como forma de diferenciá-lo da inconstitucionalidade por omissão e com o propósito de desfazer qualquer construção doutrinária que tenha como objetivo equipará-los. Traça, também, um panorama dos principais posicionamentos doutrinários acerca do provimento a ser perseguido pela sentença proferida em sede de mandado de injunção. Três são os posicionamentos doutrinários identificados: o mandado de injunção como subsidiário aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão; o mandado de injunção como meio para provocar a edição de norma geral e abstrata; e o mandado de injunção como constitutivo do direito do impetrante. Como o Supremo Tribunal Federal equiparou por muito tempo o mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, só mudando seu entendimento inicial recentemente, o presente trabalho traz os principais julgados proferidos por àquela Corte no sentido de demonstrar a evolução jurisprudencial que estava ocorrendo. Essa evolução percorreu o interregno existente entre o MI 107, que fixou o entendimento segundo o qual o mandado de injunção serviria apenas para declarar a mora do Poder omisso, e o MI 721, que fixou o entendimento que considera o mandado de injunção meio hábil a constituir o direito do impetrante que esteja obstado pela falta de norma regulamentadora. Por último, discorre sobre os tipos de normas constitucionais e sobre a viabilidade das mesmas serem objetos do mandado de injunção, apresentando um enfoque mais detido com relação às normas programáticas, por entendermos que a sua adoção no constitucionalismo não configura crise do Direito Constitucional. Palavras-Chave: Mandado de Injunção; Inconstitucionalidade por Omissão; Supremo Tribunal Federal; Normas Constitucionais. ABSTRACT This document discusses the writ of injunction as a way to differentiate it from unconstitutionality by omission and in order to dispel any academic work that has as objective to equip them. Moth, also an overview of the major doctrinal positions about the provision being chased by the sentence given in place of writ of injunction. Three doctrinal positions are identified: the writ of injunction as ancillary to the effects of unconstitutionality by omission, the writ of injunction as a means to bring the issue of general and abstract rule, and the writ of injunction as constitutive of the right of the petitioner. As the Supreme Court long has treated the writ of injunction to the direct action of unconstitutionality by omission, only recently changing his initial understanding, this work provides the key to that given by trial court in order to demonstrate the evolution of jurisprudence that was occurring. This evolution has come the interregnum between the MI 107, which established the understanding that the writ of injunction would only serve to declare the lives of silent power, and MI 721, which established the proposition that the writ of injunction to be a skillful the right of the petitioner who is hampered by the absence of regulations. Finally, discusses the types of constitutional requirements and the feasibility of such objects are the writ of injunction, with a focus more arrested in relation to program standards, because we believe that its adoption in constitutionalism does not configure crisis of Constitutional Law. Keywords: Injunctive; Unconstitutionality by default; Federal Supreme Court; Constitutional Requirements.   SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................06 1. GARANTIAS CONTRA AS OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS: INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO X MANDADO DE INJUNÇÃO.........09 1.1. Inconstitucionalidade por omissão......................................................................10 1.2. Mandado de Injunção..........................................................................................12 2. POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO MANDADO DE INJUNÇÃO.................................................................................................................17 2.1. Mandado de Injunção como subsidiário aos efeitos da Inconstitucionalidade por omissão......................................................................................................................18 2.2. Mandado de Injunção como meio para provocar norma geral e abstrata.......................................................................................................................20 2.3. Mandado de Injunção como constitutivo do direito do impetrante .....................21 3. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FERDERAL.........................................................................25 3.1. Mandado de Injunção 107...................................................................................25 3.2. Mandado de Injunção 232...................................................................................28 3.3. Mandado de Injunção 283...................................................................................29 3.4. Mandado de Injunção 284...................................................................................30 3.5. Mandado de Injunção 361...................................................................................31 3.6. Mandado de Injunção 721...................................................................................32 4. APLICAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO QUANTO AOS TIPOS DE NORMAS CONSTITUCIONAIS.................................................................................35 4.1. Norma constitucional de eficácia plena...............................................................35 4.2. Norma constitucional de eficácia contida............................................................36 4.3. Norma constitucional de eficácia limitada...........................................................37 4.3.1. Norma constitucional de princípio institutivo....................................................37 4.3.2. Norma constitucional de princípio programático..............................................37 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................44 REFERÊNCIAS.........................................................................................................47 INTRODUÇÃO Em todos os lugares, muito tem se questionado sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. Influenciados por esta preocupação e somada a crise constitucional vivida pelo Brasil anteriormente a promulgação da vigente Carta Magna, os membros da Assembléia Nacional Constituinte apresentaram propostas a fim de que os direitos e garantias constitucionais não passassem de mero aconselhamento aos governantes, sem apresentar qualquer tipo de sanção para aqueles que descumprissem os seus preceitos. Essas propostas tinham em mente a resolução de um diagnóstico que, levando-se em consideração as Constituições anteriores, revelavam o descrédito da Constituição em efetivar as conquistas empreendidas pelo texto legal, cujos programas já se encontravam direcionados no texto de suas normas. Afinal de contas, as conquistas, numa ordem constitucional democrática, não se medem pelo volume ou abrangência delas, mas pela maior efetividade que faça alcançar as suas normas. Tendo em vista essa necessidade, e em simetria com o sistema de controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, foram inseridas no texto da Constituição de 1988 duas formas de controle das omissões inconstitucionais: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção. Cada uma dessas garantias foi instituída tendo objetos individualizados e dessemelhantes, apesar de perseguirem um mesmo propósito, pois: um atua através da via concentrada, e o outro através da via difusa; um com legitimados legalmente estabelecidos, numerus clausus, e o outro tendo por legitimado qualquer cidadão, desde que o seu direito esteja obstado pela falta de norma regulamentadora; um visa apenas a declaração da mora ao Poder omisso, e o outro a efetivar o direito, concretamente, do impetrante. Por isso, vislumbrando-se o panorama descrito acima, é que se faz importante a verificação da vontade do legislador constituinte originário ao se constatar tratarem-se estas garantias de institutos diversos com objetos igualmente diversos, para não cair na vala comum da ineficácia e da inaplicabilidade das normas constitucionais. Assim, introduzindo o presente trabalho, faz-se necessária essa individualização/separação do mandado de injunção de toda e qualquer equiparação que se pretenda empreender com a inconstitucionalidade por omissão, pelas razões acima expostas. Contudo, a aplicação do mandado de injunção foi durante muito tempo hostilizada sob o argumento básico de que, dando-se ao Judiciário a prerrogativa de poder aplicar o direito previsto constitucionalmente quando verificada a sua não regulamentação pelas vias executivas ou administrativas, estaria ocorrendo a interferência de um Poder sobre o outro, não desejada pela Constituição, o que afetaria a harmonia dos Poderes prevista no artigo 2º da Carta Magna. Tendo em vista essas implicações, serão feitas no primeiro capítulo deste trabalho, de forma sucinta e sem quaisquer pretensões de esgotar o debate, as individualizações e diferenciações existentes entre o mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão, com o objetivo de colocá-los em seus devidos lugares no sistema de garantias preconizadas pela Constituição. O próximo passo a ser dado será, no capítulo seguinte, a identificação dos posicionamentos doutrinários existentes acerca do mandado de injunção, especificando os seus principais elementos e limitações. Apontar as viabilidades de aplicação de cada posicionamento e fazer subsumir aquele que mais se identifica com os propósitos do que aqui se pretende afirmar: a possibilidade de ampliação da eficácia do mandado de injunção aos diversos direitos apregoados pela Constituição e que estejam ausentes de regulamentação. No terceiro capítulo, e por ser a Corte competente para julgamento do mandado de injunção em face das normas da Constituição da República de 1988, far-se-á um resumo dos principais julgados em sede de mandado de injunção realizados perante o Supremo Tribunal Federal, apresentando os entendimentos jurisprudenciais defendidos por aquele tribunal. Por ora, o que pode ser colocado, e como uma das razões para feitura de um capítulo exclusivo para a análise destes julgados, é que, por muito tempo, o STF emprestou ao mandado de injunção os mesmos efeitos perseguidos pela inconstitucionalidade por omissão. Precedente aberto com o julgamento de questão de ordem suscitada no Mandado de Injunção 107, o que demonstra a apatia inicial do Supremo para com a nova garantia. E, por fim, como resposta a indagação “Qual tipo de normas constitucionais poderia ser impetrado o mandado de injunção como forma de efetivá-las?”, será estabelecida a eficácia das normas constitucionais, no que se refere à possibilidade de impetração do mandado de injunção para efetivar direito nelas não regulamentado, observando-se a classificação das normas constitucionais empreendida por José Afonso da Silva, por ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal e por ter apoio majoritário da doutrina. Diante de toda essa problemática, enfrentar-se-á essas questões, definindo a natureza jurídica da decisão proferida em sede de mandado de injunção e enfrentando o problema das normas programáticas quanto à possibilidade de sua efetivação ao caso concreto mediante mandado de injunção. Portanto, serão essas as discussões travadas em torno do tema, ou seja, é a justificativa encontrada para a defesa incondicional do mandado de injunção de forma a abarcar todas as normas previstas na Constituição, por entender ser essa garantia um dos instrumentos que asseguram o efetivo exercício da cidadania, entendida aqui como pressuposto da democracia participativa. CAPÍTULO 1 – GARANTIAS CONTRA AS OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS: INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO X MANDADO DE INJUNÇÃO Para dar início ao que se pretende atingir com o presente trabalho, faz-se necessário diferenciar os institutos jurídicos responsáveis por sanar as omissões inconstitucionais, quando aqueles competentes para tanto não a realizarem. Quais sejam: a inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção. Antes de qualquer desdobramento que se pretenda para a diferenciação destas duas garantias, parte-se da premissa de que o único ponto de convergência existente entre elas é aquele que diz respeito à falta de norma regulamentadora, ou seja, a falta de norma infraconstitucional que venha regulamentar direito previsto constitucionalmente que esteja obstado pela falta da mesma. Contudo, a jurisprudência por muito tempo acabou por desconstituir o verdadeiro sentido que a norma constitucional deu ao prever o mandado de injunção, o que pode ser verificado com a transcrição do primeiro precedente do STF, no julgamento do MI 107, onde se lavrou, in verbis: Em face dos textos da Constituição relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora, e ação que visa obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direita de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional. Esse precedente esvaziou o verdadeiro sentido dado pelo legislador ao mandado de injunção quando faz a equiparação de dois institutos distintos, mesmo que tenham sido instituídos para combater a omissão inconstitucional, dando à sentença do mandado de injunção a mesma eficácia da proferida na inconstitucionalidade por omissão, ou seja, dar ciência ao Poder, constituído em mora regulamentar, para que tome as providências necessárias para a regulamentação do direito, liberdade ou prerrogativa, prevista constitucionalmente, sem que nenhuma penalidade pudesse ser prevista caso persistisse a sua não-regulamentação. Vê-se, portanto, que essa individualização (separação), a de ser feita ante a convergência de objetivo existente entre a inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção, mesmo sabendo se tratar de institutos diversos, para, assim, chegar à consecução daquilo que se pretende com a pesquisa ora desenvolvida: a separação do mandado de injunção de toda construção teórico-jurídica que vise a sua equiparação à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja única característica análoga é a de serem garantias constitucionais utilizadas para sanar omissões inconstitucionais. Tendo-se este norte como orientador, passa-se, agora, ao estudo individualizado dos dois institutos, como forma de colocá-los em seus devidos lugares no ordenamento jurídico pátrio. Primeiro, a inconstitucionalidade por omissão e, por ultimo, o mandado de injunção. 1.1 – Inconstitucionalidade por omissão Segundo José Afonso da Silva , a Constituição de 1988, ao instituir a inconstitucionalidade por omissão, teve como fonte de influência a Constituição portuguesa, conforme previsto em seu artigo 283, aqui transcrito parcialmente: 1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes das assembléias regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exeqüíveis as normas constitucionais. A Constituição brasileira de 1988 prevê a inconstitucionalidade por omissão no § 2º do artigo 103, assim dispondo: Declarada a inconstitucionalidade por omissão da medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. Não obstante essa previsão no texto constitucional observa-se, ainda, que a própria Constituição prevê, numerus clausus, aqueles que são legitimados a propor esse tipo de ação. Todos previstos no caput do artigo 103, sendo os mesmos a propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. A não inclusão do cidadão entre os legitimados para propor essa ação, talvez seja a grande crítica a ser feita ao legislador constituinte, pois, em outros países, é conhecida a ação popular de inconstitucionalidade, a exemplo da Alemanha . Dentre outras críticas que podem ser feitas ao legislador constituinte, a que pode ser colocada no momento, além da elencada acima, figura-se na não previsão de provimento quanto ao direito constitucional visado pela referida garantia, ou seja, possibilitar a Suprema Corte o resguardo do direito por meio de uma normatização mínima que suprisse a omissão até que o legislador, competente para tanto, a suprisse em definitivo por meio de lei que regulasse completamente a matéria constitucional sem regulamentação . Na inconstitucionalidade por omissão, diante da previsão normativa do § 2º do artigo 103, o que se pretende é a elaboração da norma regulamentadora infraconstitucional inexistente, não sendo necessário, para tanto, que o direito de alguém seja impedido ou violado. A providência prevista não visa buscar a concretização do direito obstado por falta de norma regulamentadora. A principal função da decisão em sede de inconstitucionalidade por omissão é, portanto, a estimulação de produção de normas necessárias a integrar a eficácia do mandamento constitucional que as requeira . O seu objetivo, conforme a afirmação feita acima, não é a declaração de nulidade de uma omissão legislativa, a decisão judicial irá limitar-se a constatação da inconstitucionalidade . E como se insere dentro da matéria de competência exclusiva do STF, a sua decisão será versada apenas em abstrato. Com essa análise do § 2º do artigo 103, podemos dizer que a inconstitucionalidade por omissão verifica-se naqueles casos em que não sejam praticados atos de cunho legislativos ou executivos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais que necessitam de lei ou providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática. Utilizando-se, mais uma vez, da lição de José Afonso da Silva , a inconstitucionalidade por omissão está inserida entre os instrumentos, ao lado do mandado de injunção e da iniciativa popular, que objetivam tornar eficazes normas constitucionais. Contudo, adverte, a mera ciência ao Poder Legislativo, que não pode ser obrigado a legislar, pode se tornar ineficaz, embora a decisão que constate a omissão constitucional possa incutir no legislador um dever moral que o impulsione a atender ao julgado. Dentre as sanções previstas, vê-se, pois, que se restringe à ciência para sanar a omissão do Poder competente. No caso do órgão administrativo, estipula prazo de 30 (trinta) dias para sanar a omissão, ultimado este prazo e sem a resolução do problema, cabe a execução do julgado, ou seja, a sentença declaratória pode transformar-se em condenatória. Da análise destes efeitos, chega-se a conclusão que, diante de um Poder Judiciário muitas vezes conservador e de um Poder Legislativo sem vontade política necessária ao atendimento dessa regulamentação, o conteúdo prático destes mecanismos torna-se completamente sem eficácia, acabando por esvaziar o instituto. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, verifica-se que há um descumprimento de um dever imposto pela Constituição, caracterizada por uma ordem imperativa, de fazer a regulamentação do próprio texto. A sua criação concretizou-se dentro de uma necessidade indubitável de se debaterem questões constitucionais até hoje sem solução diante da inércia regulamentar. Concluindo este tópico, o estudo aqui desenvolvido, sem entrar em suas minúcias, teve como escopo apenas individualizar o instituto representado pelo mandado de injunção da inconstitucionalidade por omissão, separando-os. O próximo tópico terá como objeto de análise o mandado de injunção, onde serão feitos, pormenorizadamente, os contrapontos em relação à inconstitucionalidade por omissão. 2.2 – Mandado de injunção Com o objetivo de atender ao reclamo geral que objetivava a busca por maior efetividade da Constituição, pois, em regimes passados, as normas constitucionais pereciam por inércia do legislador em regulamentar os direitos delas decorrentes, foi criado pela Constituição de 1988 o mandado de injunção. Quanto a sua origem, uma grande controvérsia se impõe. Muitos afirmam que sua origem é inglesa, como remédio essencial da equity . A equidade, dentro do sentido dado pelo direito inglês, configura-se na valoração judicial dos elementos do caso concreto e dos princípios da justiça material, segundo uma lista de valores sociais, emitindo, assim, uma decisão baseada no justo natural e não na estrita legalidade. Dentro dessa perspectiva, do direito inglês, o mandado de injunção seria um remédio outorgado, mediante um juízo discricionário, quando falta lei regulando a espécie e quando o sistema protetivo da common law não oferece proteção ao caso que veio a sua apreciação. Outros afirmam que se originou em outros ordenamentos jurídicos, como é o caso do norte-americano, português e alemão. Já outros, como é o caso de Luis Roberto Barroso , afirmam tratar-se de verdadeira “flor nativa”, sem similar preciso no direito comparado. A margem dessa discussão quanto à origem do mandado de injunção, pode-se perceber, e aqui será mais uma vez repetido, que o mandado de injunção foi concebido como um remédio para tentar resolver uma dramática patologia nacional: o descrédito da Constituição causado pela inércia do legislador em regulamentar direito nela previsto, como forma de garantir a realização concreta do referido direito. A Constituição de 1988 prevê o mandado de injunção no inciso LXXI do artigo 5º, in verbis: conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; Fazendo-se a contraposição entre o mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão, transcrevemos a lição do Ministro Carlos Veloso, citado por Luis Roberto Barroso, que de forma sucinta e elucidativa afirma existir diferença entre os dois institutos, não sendo possível a aproximação de objetos de institutos diversos, in verbis: A diferença entre mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão está justamente nisto: na ação de inconstitucionalidade por omissão, que se inscreve no contencioso jurisdicional abstrato, de competência exclusiva do STF, a matéria é versada apenas em abstrato e, declarada a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao Poder competente para adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo no prazo de 30 dias (CF, art. 103, § 2º). No mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito que a Constituição concede é ineficaz ou inviável em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou tribunal, por força do próprio mandado de injunção, a integração do direito à ordem jurídica, assim tornando-o eficaz e exercitável. Como dito acima, o Judiciário, por força do remédio constitucional representado pelo mandado de injunção, irá fazer a integração do direito previsto constitucionalmente, inviabilizado que está por falta de norma infraconstitucional que o regulamente. Aqui reside justamente a grande celeuma que envolve a garantia: a possibilidade prática de concretização imediata do pedido efetuado por intermédio do mandado de injunção. A título de exemplo, entendem alguns que poderá o órgão incumbido de regulamentar a diretriz, requerer ao Poder Judiciário um prazo mínimo para regular a norma, caso em que poderia haver tempo suficiente para adequar a norma constitucional aos aspectos fáticos que se apresentarem. Por ora, foi colocada a situação acima apenas para realçar a grande discussão doutrinária acerca do referido remédio. Essa análise será feita com maior detimento em capítulo específico sobre a evolução doutrinária do mandado de injunção. No entanto, pode-se afirmar que a vontade do legislador constituinte foi no sentido de fazer com que as decisões emanadas do Judiciário operassem efeitos apenas inter partes, constituindo o direito daquele que vai a juízo em busca de garantir uma pretensão que ele tenha como certa. É de salientar, portanto, que não se quer, em nenhum momento, tirar as atribuições dadas pela Constituição ao Poder Legislativo ou ao órgão administrativo competente, consubstanciadas no ônus de providenciar a expedição de norma regulamentadora para dar efetividade ao direito constitucional e a conseqüente eficácia erga omnes. Ao Poder Judiciário caberia apenas o julgamento do caso concreto em face da não liquidez da pretensão objetivada. Não se pretende, também, com o mandado de injunção, que apenas seja feita a ciência ao órgão competente para sanar o problema sem que houvesse qualquer conseqüência para a inércia regulamentar, pois, se estaria usurpando efeitos próprios da inconstitucionalidade por omissão, mesmo sabendo que, até para esta garantia, a pura e simples ciência não teria os efeitos práticos pretendidos, sem que houvesse, na sentença judicial proferida, pressupostos normativos mínimos para dar eficácia social aos direitos previstos na Constituição. Enfim, mesmo que haja alegações sobre a possibilidade de ingerência do Poder Judiciário em atribuições tidas como legislativas, é certo que nada está disposto na Constituição quanto aos limites de ingerência entre os Três Poderes. Mais certo ainda, como medida de freios e contra-pesos existentes entre os Poderes da República, a Constituição prevê o mandado de injunção, cabendo ao Judiciário providenciar meios adequados para que o problema seja sanado, não havendo, com isso, ingerência arbitrária de um Poder sobre outro. Parte-se do corolário da não admissibilidade do Poder Judiciário em recomendar ou compelir, no caso específico do Poder legislativo, à prática de determinado ato. O ato de legislar, quando não for o caso de obrigatoriedade prevista pela Constituição, é tipicamente discricionário, não cabendo ao Judiciário determinar o momento de fazê-lo. Dessas elucubrações, chega-se a uma conclusão parcial, a de que o mandado de injunção é uma diretriz endereçada a alguns órgãos para que seja aplicada. Cabe aos lesados, nos estritos termos em que prescreve o dispositivo constitucional que elegeu o remédio, utilizar seu poder coercitivo, independentemente de qualquer controvérsia doutrinária existente em relação à interferência exorbitante do Poder Judiciário sobre os demais, provocando, assim, a manifestação do órgão competente para concretizar o direito constitucional nos termos da decisão judicial. Com o que foi dito no parágrafo anterior, pode-se vislumbrar outra diferença significativa entre o mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão: na ação de inconstitucionalidade por omissão sendo impossível, diante da previsão feita pelo legislador originário, a declaração da nulidade da omissão legislativa ou administrativa, a decisão judicial irá limitar-se a constatar a inconstitucionalidade; enquanto no mandado de injunção, por se fundamentar numa outorga de direito mediante atuação discricionária (frise-se, dentro da legalidade) de um juízo, objetiva formular regra jurídica para o caso concreto, com efeito, apenas, para aqueles que pretendam ter assegurado o direito previsto constitucionalmente. Portanto, a inclinação até aqui feita é no sentido de demonstrar o caráter constitutivo da decisão proferida em matéria de mandado de injunção. Não merecendo aplausos o entendimento daqueles que defendem a tese da subsidiariedade do mandado de injunção aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão por se mostrar completamente inócua e destituída de sentido lógico, pois, ninguém melhor do que o órgão omisso sabe que vem se omitindo, e a simples ciência da omissão não configuraria obrigatoriedade. No capítulo seguinte será feita uma análise dos mais diferentes posicionamentos doutrinários acerca do mandado de injunção para, ao final, defender o posicionamento, nos mais diferentes aspectos que envolvem o instituto, enfocando, essencialmente, o caráter da sentença judicial proferida em sede de mandado de injunção. CAPÍTULO 2 – POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO MANDADO DE INJUNÇÃO Quando do surgimento do mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro, logo apareceram diversas opiniões divergentes acerca dessa inovação, podendo ser identificados, segundo Vicente Greco Filho , levando-se em conta as peculiaridades individuais de cada doutrinador, três posicionamentos doutrinários: a) a que vê como seu objeto o de atribuir, para o caso específico do impetrante, o direito cujo exercício esteja obstado em virtude de falta de regulamentação; b) a que entende que o mandado tem por finalidade provocar a edição de norma geral para o seu exercício, pelo próprio Tribunal, para todos os casos na situação do impetrante; e c) a que entende que ele encerra pela declaração da mora constitucional a determinação para que o Poder Legislativo a faça, sem efeito executivo. Essa celeuma doutrinária, que dividiu o mando de injunção em três posicionamentos, conforme visto acima, se prendeu primeiramente ao fato de que o texto constitucional do inciso LXXI do artigo 5º é impreciso e, por último, porque não há lei especifica sobre a matéria. Isso fez com que a doutrina e a jurisprudência ficassem vacilantes ao edificarem os princípios norteadores para a sua compreensão, não conseguindo encontrar solução pertinente com a vontade legislativa em virtude da novidade que o mandado de injunção representou, naquele momento, na ordem jurídica brasileira. Quanto à necessidade de lei específica sobre a matéria, com o objetivo de tornar o mandado de injunção norma auto-aplicável e de eficácia plena, está assente na doutrina a sua desnecessidade, como pode ser percebido na opinião de Sérgio Reginaldo Bacha , transcrita abaixo: (...) não é de todo absurdo afirmar que seria retrocesso sujeitar-se no instituto do mandado de injunção à condição de norma de eficácia contida e aplicabilidade imediata, na classificação fornecida por José Afonso da Silva, ou na cita de Bastos e Ayres Brito como norma regulamentável. Se assim fosse, estar-se-ia condenando a uma situação de procrastinação algo que veio justamente para espancar do ordenamento jurídico as incontáveis normas que, na realidade, se constituem em verdadeiros nati morto, pois nunca galgaram patamar algum, pelo contrário, ficaram no papel, foram letras mortas, não passaram do status de normas eternamente programáticas, maculando a Constituição como carta de faz de conta. Então, de forma prudente, poder-se-ia afirmar que o não reconhecimento do instituto em pauta, como sendo de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou da classe das normas irregulamentáveis, seria o mesmo que tachá-lo de ‘promessas de promessas’. Dessa forma, mesmo não coadunando com a opinião manifestada a respeito das normas programáticas, que será devidamente esclarecida em capítulos subseqüentes, pode-se perceber que a ausência de norma específica regulamentadora não deve obstaculizar a sua imediata aplicabilidade, haja vista a peremptória disposição do § 1º do artigo 5º, dispondo que as “normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”. Ademais, como que uma pá de cal sobre aqueles que assim não entendem, Carlos Mário da Silva Veloso nos apresenta um argumento que, de longe, abate todo e qualquer posicionamento contrário, afirmando que, in verbis: (...) não há duvida de que a norma instituidora do mandado de injunção é de eficácia plena, assim de aplicabilidade imediata, porque não depende de legislação posterior para a sua operatividade. O procedimento a ser adotado é o do Código de Processo Civil, vale dizer, o ordinário, possibilitando-se ao interessado a produção de prova. Mas, se os fatos puderem ser comprovados de plano, nada impede a adoção do rito do mandado de segurança. Superada a questão da aplicabilidade imediata da norma constitucional do mandado de injunção, e voltando aos posicionamentos doutrinários inicialmente identificados, subvertendo a ordem apresentada, faremos a seguir a análise dessas três posições doutrinárias, no intuito de apresentar o panorama dos diversos posicionamentos acerca do provimento que se deve perseguir em sede de mandado de injunção. 2.1 – Mandado de injunção como subsidiário aos efeitos da Inconstitucionalidade por omissão Tendo em vista a direção que aqui se quer tomar, passamos a analisar, primeiramente, o entendimento que considera o mandado de injunção subsidiário da inconstitucionalidade por omissão, ou seja, o Judiciário declararia a mora regulamentar do Poder omisso, ordenando-o, mas não obrigando a legislar quando se tratar do Poder Legislativo, que baixe as medidas viabilizadoras do exercício do direito não regulamentado. Esse entendimento, como já mencionado anteriormente, equipara integralmente o mandado de injunção à ação de inconstitucionalidade por omissão vez que, concedida a ordem, o Tribunal limitar-se-ia a declarar a mora constitucional do órgão competente (Legislativo ou Executivo) para que adotem as providências necessárias. Alguns autores, como forma de demonstrar a possibilidade de aplicação desse entendimento, afirmam que as sanções pelo descumprimento da ordem seriam várias a depender do órgão emissor da norma, conforme o entendimento abaixo: Se se tratar de autoridade administrativa, é perfeitamente lícita a comunicação de prazo para que haja, sob pena de ver-se incursa na figura delituosa do descumprimento de ordem judicial. Se a omissão for legislativa, a procedência do Mandado de Injunção formalizará claramente a possibilidade daquele poder que, se não desonerar-se do dever que lhe incumbe, sujeitar-se-á a sanções que pode ser desde uma ação de indenização contra o Estado com vistas à reparação dos danos sofridos pelo impetrante, com possível ação de regresso contra os agentes causadores do dano, até sanções de cunho extra-jurídico, mas para as quais a decisão judicial muito embora, consiste na não-recondução daqueles legisladores faltosos. Veja que as sanções acima individualizadas em nada apontam para a transformação do mandado de injunção como remédio jurídico que possa tornar eficazes normas constitucionais sem regulamentação, tendo em vista a falta de operatividade para que haja a efetiva realização dos direitos constitucionais obstados. Pelas sanções possíveis em sede da tese da subsidiariedade, a procedência do mandado de injunção impetrado restaria inócua, pois, seria necessária, depois de muitos atos processuais, inclusive tendo que se valer da esfera penal, a busca por via judicial outra que não a do referido remédio, não atingindo o objetivo precípuo de tornar eficazes direitos constitucionais obstados pela omissão de Poder em mora regulamentar. Com o mesmo entendimento acima exposto, José Afonso da Silva contrapõe, de maneira veemente, a absurda tese da subsidiariedade do mandado de injunção aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão nos seguintes termos, in verbis: (...) A tese é errônea e absurda, porque: (1) não tem sentido a existência de dois institutos com o mesmo objetivo e, no caso, efeito duvidoso, porque o legislador não fica obrigado a legislar; (2) o constituinte, em várias oportunidades na elaboração constitucional, negou ao cidadão legitimidade para a ação de inconstitucionalidade; por que teria ele que fazê-lo por vias transversas?; (3) absurda mormente porque o impetrante de mandado de injunção, para satisfazer seu direito (que o moveu a recorrer ao Judiciário), precisaria percorrer duas vias: uma, a do mandado de injunção, para obter a regulamentação que não poderia vir, especialmente se ela dependesse de lei, pois o legislativo não pode ser constrangido a legislar; admitindo que obtenha a regulamentação, que será genérica, impessoal, abstrata, vale dizer, por si, não satisfatória de direito concreto; a segunda via é que, obtida a regulamentação, teria ainda que reivindicar sua aplicação em seu favor, que, em sendo negada, o levaria outra vez ao Judiciário para concretizar seu interesse, agora por outra ação, porque o mandado de injunção não caberia. 2.2 – Mandado de injunção como meio para provocar a edição de norma geral e abstrata A segunda tese alicerça-se no entendimento de que o mandado de injunção tem por finalidade provocar a edição de norma geral para o seu exercício, pelo próprio Tribunal, para todos os casos na situação do impetrante. Nessa situação, o Poder Judiciário, substituindo o legislador ou administrador remisso, se comportaria como legislador editando normas de eficácia erga omnes, cujo fundamento seria a barreira que impede o exercício do direito. Abaixo segue opinião de Francisco Antônio de Oliveira que corrobora o dito acima, in verbis: De fato, se é este o óbice fundamental ao exercício do direito, na ausência de uma norma, que o órgão competente para baixá-la se omite em fazê-lo, não é destituído de sentido, à primeira vista ao menos, o pretender-se deslocar essa tarefa para o Poder Judiciário, que de forma substitutiva, de forma vicária, se comportaria como um legislador editando uma norma que a principio deveria ser baixada pelo próprio legislador ou administrador remisso. O efeito dessa decisão seria obviamente erga omnes. Passando agora a análise desse segundo posicionamento, podemos afirmar que se afigura errônea a tese defendida pelos seus seguidores, diante da seguinte assertiva: uma vez dando a sentença do mandado de injunção eficácia geral, contra todos, restaria exorbitada as atribuições de outro Poder. Isso fica mais evidente quanto às atribuições do Poder Legislativo, cuja principal função, a de legislar, seria usurpada em face do provimento erga omnes em sede de mandado de injunção. Diante disso, é impensável que diante de um poder constituído com a função precípua de editar leis, como é o caso do Legislativo, admita-se que, para suprir suas omissões, a solução seja a transferência do encargo de legislar para outro poder absolutamente despreparado para o exercício desse mister e já integralmente absorvido pelas funções de exercer a jurisdição. Diz que seria a mesma coisa que diante de um Juiz moroso ou de um Tribunal omisso se aplicar a solução de transferir a competência para julgamento do caso para o Poder legislativo. O processo injuncional não visa diretamente à obtenção da regulamentação geral de norma que preencheu os requisitos do processo legislativo definido pela Constituição, e sim, objetiva apenas tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania . Em suma, essa teoria avança pouco em relação à tese da susidiariedade por se fixar na liberdade do juiz para estabelecer como o direito apresentado no litígio deverá ser exercido e ordenar seu cumprimento, editando a norma com força de lei geral e abstrata que, como vimos, mostra-se completamente inconveniente pelas discussões empreendidas acima. 2.3 – Mandado de injunção como constitutivo do direito do impetrante A terceira posição, majoritária na doutrina, sustenta que cabe ao magistrado resolver o caso concreto entre as partes e concretizar o direito dos impetrantes, satisfazendo-o plenamente, independentemente de regulamentação. Dessa forma, caberia ao órgão judicial competente expedir os comandos e diretrizes necessárias para conferirem a satisfação do direito, liberdade ou prerrogativa ao requerente do mandado, sem qualquer possibilidade de que o decidido no litígio beneficie terceiros não integrantes do feito . Nota-se que, pelo entendimento esposado pela tese constitutiva, o órgão judicante teria que exercer função legislativa, posto que constituiria o direito obstado através de provimento judicial suficiente para regulamentar, tendo como parâmetro o caso em concreto, com eficácia inter partes. A virtude desse posicionamento está em que, como bem fundamentou Sergio Reginaldo Bacha, o mandado de injunção seria destinado a viabilizar o exercício de direitos ou liberdades ou prerrogativas, emperrados que estão pela falta de norma regulamentadora, pois, faltando a referida norma, os direitos ficaram postergados à solução de continuidade. E não podem. O pleno exercício deles exige atividade, e nela consiste o indivíduo pedir e ser atendido em algo. Significa, pois, o movimento dentro da extensão que o Direito faculta ao indivíduo, investindo-o na garantia destinada a proscrever as omissões do Estado, que, como ações ilegais ou abusivas, produzem lesões. Segundo esse entendimento, os impetrantes agem na busca de realização concreta e direta da prerrogativa de seu direito, independentemente de regulamentação. A causa de pedir é a lesão pela lacuna legislativa, pela impossibilidade efetiva do exercício de um direito supralegal. A sentença há de ser, pois, satisfativa do pedido. Compete ao Juiz determinar as condições para essa satisfação e determiná-la imperativamente, no caso concreto, sem extensão alguma. Sendo assim, o objeto da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para a edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competentes para criar a regra, criando ele próprio, para os fins estreitos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante, ‘independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentação’. Assim delineado o objeto da decisão, não será cabível a injunção quando a norma constitucional for auto-aplicável, ou seja, bastante em si mesma. Também, não deve ser admitida a injunção antes de decorrido o prazo previsto na Constituição para a elaboração da norma regulamentadora. Do mesmo modo para os casos de inconformidade ou insatisfação de norma regulamentadora plenamente válida no ordenamento jurídico, não ensejando o ajuizamento do pedido de injunção. E nem se pode cogitar do argumento de que o Poder Judiciário substitui o Poder Legislativo, haja vista que, entre as funções secundárias dos Três poderes, há os chamados “desvios” de competência . Assim, há situações em que o Legislativo julga e executa (art. 49, IX e XII); o Executivo legisla e julga (art. 84, IV e XXVI); e o Judiciário legisla e executa (art. 93, caput e art. 96, I, b), sempre observando os feios e contrapesos da tripartição dos Poderes, criada por Montesquieu, conforme pode ser auferido em passagem abaixo mencionada da obra “O Espírito das Leis”, in verbis: Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem dos direitos das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro, o príncipe ou magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre particulares. Chamaremos a este ultimo poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado. De toda essa argumentação, chega-se a conclusão de que, longe de usurpar funções primárias atribuídas a outros Poderes, caberá ao Judiciário integrar a ordem jurídica, quando isto seja indispensável ao exercício do direito. A semelhança do que ocorre, quando se aplica o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim dispõe: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Isso sem falar, se utilizando novamente da Lei de Introdução ao Código Civil, que o Judiciário atuará nos estritos termos de sua função tradicional, consubstanciada na solução da lide levada a sua apreciação, proferindo sentença subsidiada nos princípios e garantias constitucionais e atendendo ao disposto no artigo 5º da referida lei, que assim dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Por tudo o quanto exposto, não há duvidas de que este é o entendimento que mais se coaduna com a intenção do legislador constituinte ao instituir o remédio constitucional. Agora, é preciso ter em mente que o provimento aqui pretendido tem que estabelecer a outorga do direito diretamente ao reclamado, vez que o impetrante age na busca direta do direito constitucional em seu favor e, para tanto, quer ele que a sentença proferida lhe dê subsídios suficientes para que possa exercê-lo de maneira eficaz e sem obstáculos. Em resumo, o mandado de injunção tem que bastar em si mesmo, para não haver a necessidade de duas vias judiciais diferentes. Importa lembrar, também, que não basta a mera permissão constitucional estabelecida pelo legislador constituinte, em relação ao mandado de injunção faz-se imperioso que o dispositivo autorizante traga em seu arcabouço a possibilidade de ser utilizado não apenas juridicamente, mas também socialmente. Assim, mesmo levando-se em conta que não há uma unicidade ou exclusividade quanto aos efeitos da sentença, partindo-se da classificação das sentenças em condenatórias, constitutivas ou declaratórias, a predominância do provimento em mandado de injunção deve ser de caráter eminentemente constitutivo, prevalecendo a eficácia da Constituição, primando pelo direito lesado do impetrante. CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Partindo-se do desenvolvimento do quanto se pretende realizar neste capítulo, far-se-á uma abordagem dos julgados em matéria de mandado de injunção perpetrados perante o Supremo Tribunal Federal que julgamos importantes para demonstrar a evolução do posicionamento acerca do instituto dentro daquela Suprema Corte. E para tanto percorreremos o intervalo existente entre o primeiro precedente acerca do mandado de injunção, o MI 107, que fixou o entendimento da subsidiariedade do mandado de injunção aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão, até o mais novo precedente em torno do tema, o MI 721, em que se afirmou o caráter mandamental e não apenas declaratório do mandado de injunção, cabendo ao Judiciário não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia do legislador. 3.1 – Mandado de injunção 107 Passando ao deslinde do pretendido pelo presente capítulo, o primeiro precedente do STF sobre o mandado de injunção não conseguiu acolher a exegese definida pelo legislador constituinte originário e o que vinha sendo apregoado pela doutrina. Esse precedente acabou por esvaziar completamente o instituto, dando ao mandado de injunção o mesmo efeito que seria perseguido pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Esse entendimento foi defendido pelo Ministro Moreira Alves, relator do MI 107, cuja tese sagrou-se vitoriosa, nos termos abaixo, in verbis: Portanto, em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício esta inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê a ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, da Carta Magna), com a determinação, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou administrativos referida no item anterior desse voto. Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito de competência desta Corte - que está devidamente definida pelo artigo 102, I, g – auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber. Veja que, nos termos do voto proferido acima, quando se tratar de direito oponível contra o Estado, será determinada, também, a suspensão de todos os processos judiciais ou administrativos de que possa advir ao impetrante algum dano que não teria ocorrência se não houvesse a omissão inconstitucional. A suspensão dos processos judiciais ou administrativos foi assim caracterizada, in verbis: Se esta Corte, ao julgar o mandado de injunção impetrado por alguém declarar a omissão argüida como inconstitucional, não se limitará ela a cientificar o Poder omisso para que tome as providências necessárias ao suprimento, mas poderá determinar, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado mas cujo exercício está inviabilizado por omissão deste, que, enquanto esta não for suprida, suspendam os processos judiciais ou administrativos – o que alcança, evidentemente, até a ameaça de sua instauração – de que possa advir ao impetrante dano que não ocorreria se aquele direito fosse exercitável. É a conseqüência decorrente de não poder o Estado, por seus diversos Poderes e Órgãos, valer-se do principio de que não está obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, certo que é que esta não existe por inconstitucional omissão sua. Essa lamentável decisão teve como escudo o princípio constitucional da divisão funcional entre os Poderes, em que um Poder não poderia usurpar funções político-jurídicas atribuídas a outro. Assim, o Judiciário não poderia concretizar o direito do impetrante por meio de decisão que regulamentaria o direito obstado com eficácia inter partes, até que fosse editada norma com eficácia erga omnes pelo órgão competente. A possibilidade da violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes foi colocada no voto do Ministro Celso de Melo, in verbis: É preciso assinalar, no entanto, que o mandado de injunção não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas. O mandado de injunção não é sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. Não legitima, por isso mesmo, a veiculação de provimentos normativos que se destinem a substituir a faltante norma regulamentadora sujeita a competência, não exercida, dos órgãos públicos. O Supremo Tribunal Federal não se substitui ao legislador ou ao administrador que se hajam abstidos de exercer a sua competência normatizadora. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observância ao princípio constitucional da divisão funcional do Poder. Outra preocupação que foi abordada no julgamento do MI 107 foi a questão da viabilidade prática da utilização do mandado de injunção se prevalente a natureza constitutiva de sua sentença. A viabilização prática da sentença constitutiva do mandado de injunção foi posta em xeque pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto, nos seguintes termos: Ora, Sr. Presidente, o primeiro requisito da interpretação do instituto destinado a dar efetividade à Constituição é a viabilidade prática de sua utilização. E estou convencido de que a solução constitucional afinal imposta na Constituição para o sistema de competência jurisdicional do mandado de injunção inviabilizaria a sua prática, se entendido o instituto como via processual de suprimento inter partes da omissão normativa, que é a corrente, que é a tese, por exemplo, sustentada pela mesma autoridade de Galeno Lacerda e também do ilustre Juiz Ivo Dantas, em preciosos estudos doutrinários, pioneiros, logo após a promulgação da Constituição. Veja-se, por exemplo, todo o capítulo dos direitos trabalhistas, onde talvez esteja o maior número de direitos constitucionais dependentes de solução regulamentadora em relação aos quais se teria, na fórmula do eminente Professor Galeno Lacerda, para reivindicação pelo empregado contra seu patrão, a solução de uma ação ordinária, da competência originária do Supremo Tribunal Federal, para cada trabalhador. Ora, essa solução, de absoluta e patente inviabilidade, não pode estar no intuito da Constituição. Discordando totalmente do entendimento esposado pelos seus colegas, o Ministro Carlos Veloso sustenta a tese no sentido de se estabelecer o caráter substancial do mandado de injunção, pelo que faz o mesmo as vezes da norma infraconstitucional ausente e integra o direito ineficaz, ineficaz em razão da ausência da norma regulamentadora, à ordem jurídica. Quer dizer, mediante o mandado de injunção, o juiz cria, para o caso concreto, a norma viabilizadora do exercício do direito, ou, como ensina Celso Barbi, adota “uma medida capaz de proteger o direito reclamado”, solução que se põe de “acordo com a função tradicional da sentença, que é resolver o caso concreto levado ao Poder judiciário, mas limitando a eficácia apenas a esse caso, sem pretender usurpar funções próprias de outros poderes.” (Conf. Meu artigo “As Novas Garantias Constitucionais”, RDA, 177/14, 24). Divirjo, portanto, data vênia, do entendimento segundo o qual com o mandado de injunção, simplesmente dá-se ciência ao órgão incumbido de elaborar a norma regulamentadora de que está ele omisso. Esse entendimento, data vênia, esvazia a nova garantia constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo, segundo está na Constituição, art. 5º, LXXI, viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e a cidadania. 3.2 – Mandado de injunção 232 Da posição inicialmente adotada pelo STF, uma pequena evolução se apresenta no julgamento do MI 232, pois, além de declarar a mora do Poder competente, fixou prazo de seis meses para que o mesmo adotasse as providências legislativas necessárias, com vistas a regulamentar norma carente de disciplina constitucional. E se ultrapassado o lapso temporal fixado, o impetrante do mandado de injunção e titular de direitos e liberdades constitucionais, e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, imediatamente passaria a exercer aquilo que até então o estava obstando. Esse entendimento foi, mais uma vez, sustentado pelo Ministro Moreira Alves, relator do presente processo, que afirma não haver dúvidas da edição da lei aludida no § 7º do artigo 195 da Constituição, e que, por isso, e tendo em vista o disposto no artigo 5º do Ato das Disposições Constituição Transitórias, está caracterizada a mora inconstitucional do Congresso. Assim, conheço, em parte, do pedido, e, nessa parte, o defiro para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar a requerente a gozar da imunidade requerida. Concluindo pela fixação do prazo e vencido o mesmo com o cumprimento da obrigação determinada, vindo a tona o diploma legal provocado, adverte o Ministro Marco Aurélio que haverá uma alcance ilimitado quanto as partes envolvidas no mandado de injunção, contrariando a mens legis da norma constitucional, que outro não é senão tornar eficaz um direito previsto na Carta, beneficiando apenas o impetrante. Assim entendendo, pode-se perceber que, pior do que a usurpação de funções seria a imposição de um Poder sobre outro para que cumpra as suas funções estabelecidas na Constituição. E para acabar de vez com qualquer dúvida existente quanto à diferença entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o Ministro Carlos Veloso, em seu voto, nos traz as claras distinções entre as duas garantias, afirmando que: (...) a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem por escopo a defesa da ordem jurídica; já o mandado de injunção tem por finalidade proteger direito subjetivo constitucional, direito individual ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à cidadania e à soberania. A ordem jurídica, objeto da ação direta, tem caráter abstrato; a defesa do direito individual, entretanto, faz-se em concreto. E se o constituinte simplesmente estabeleceu, no art. 103, § 2º, que, declarada a inconstitucionalidade por omissão, seria apenas dada ciência ao órgão competente, assim procedeu porque criou ele, na mesma carta, o mandado de injunção, que, em concreto, preencheria o vazio que resulta da decisão despida de sanção, que é a decisão perseguida na ação direta (CF, art. 103, § 2º). O que acontece é que o mandado de injunção complementa e completa a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3.3 – Mandado de injunção 283 Com o MI 283, o prazo para que o legislador ultime o processo legislativo da lei regulamentadora diminuiu, passando a ser de quarenta e cinco dias, mais quinze dias para sanção presidencial. Caso não tomadas as providências cabíveis nos prazos assinados, ficaria reconhecida ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrassem. Quem definiu os contornos desse entendimento foi o Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, assim julgando: Verificando iniludivelmente a superação do prazo constitucional assinado para a edição da lei, concede-se o mandado de injunção com seus efeitos específicos de declarar a mora legislatoris inconstitucional e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que supra a omissão. Como, entretanto, a persistência da omissão legislativa pode acarretar frustração irreparável à expectativa de gozo pelo impetrante da reparação reparatória devida pela União, cabe acautelá-los dos riscos da demora, na medida do possível. Para isso, acolho solução arbitrada, nos seguintes termos: a) assino prazo de 45 dias, mais 15 dias para sanção presidencial, afim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada pelo art. 8º, § 3º, ADCT; b) ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconheço ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrarem; c) declaro que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. Após embate acirrado com o Ministro Moreira Alves, o Ministro Marco Aurélio proferiu seu voto afirmando que, o reconhecimento da faculdade do impetrante, ultrapassado o prazo assinado, para obter do Juízo de primeiro grau a condenação da reparação constitucional devida, estaria complementando o provimento dado pelo STF, sem que fosse prevista competência para tanto, nos seguintes termos: Senhor Presidente, não serei convencido, pelo menos consideradas as razões até aqui expostas, no erro no tocante a este enfoque. Não posso, de forma de alguma, abrir mão da competência que é assegurada à Corte para transferi-la a um juízo diverso, que é o juízo de primeiro grau. E para mim, na verdade, prevalente a solução preconizada, teremos, fatalmente, essa transferência. A concretização do preceito constitucional dar-se-á considerada uma sentença proferida pelo juízo de primeiro grau. Se estará como que complementando, sem a necessária previsão constitucional relativa a competência, o provimento desta Corte. Se estará, portanto, a meu ver, de forma imprópria, chegando ao desiderato próprio ao mandado de injunção, sob pena de não mais se justificar a própria existência. 3.4 – Mandado de injunção 284 Com o MI 284, cuja causa de pedir é semelhante à causa de pedir do MI 283, cessado o prazo de 45 dias, mais os 15 dias para sanção presidencial, sem que fosse adimplida a obrigação de legislar do Congresso Nacional, não seria necessária nova comunicação, assegurando ao impetrante a possibilidade de ajuizar, imediatamente, ação de rito ordinário para se buscar a reparação. Esse entendimento foi assim esposado: Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional — único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada — e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório. 3.5 – Mandado de injunção 361 Ao ver que o descumprimento tanto do Legislativo quanto do Executivo comprometeria a seriedade de suas decisões, culminando com a sua vulgarização, a não fixação de prazo para o suprimento da omissão legislativa seria a tônica nas ações de mandado de injunção na Suprema Corte, ainda que, tal postura se revestisse de uma coercitividade mitigada. Esse precedente foi aberto pelo MI 361, após dissidência do Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis: Mora legislativa: exigência e caracterização: critério de razoabilidade. A mora — que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa — é de ser reconhecida, em cada caso, quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da Lei Fundamental; vencido o tempo razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo podem descaracterizar a evidência da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar. (...) Mandado de injunção: natureza mandamental (MI 107-QO, M. Alves, RTJ 133/11): descabimento de fixação de prazo para o suprimento da omissão constitucional, quando, por não ser o Estado o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora (v.g., MI 283, Pertence, RTJ 135/882) —, não seja possível cominar conseqüências à sua continuidade após o termo final da dilação assinada. Tendo em vista o precedente acima colocado, ao proferir seu voto no julgamento do MI 430, o Ministro Marco Aurélio afirma não poder fixar um prazo para posteriormente surgir um impasse, caso não seja observado pelo Congresso Nacional, numa atividade precípua, uma atividade que é política do Poder Legislativo, e a decisão do Supremo Tribunal Federal cair no vazio, ser motivo de descrédito para a atuação da própria Corte. 3.6 – Mandado de injunção 721 Veja que, com toda essa discussão empreendida em torno do mandado de injunção no âmbito do STF, é possível visualizar que o referido remédio constitucional galgava degraus para atingir o seu maior desiderato: tornar viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que estivessem obstaculizados por falta de norma regulamentadora. Como toda novidade, o mandado de injunção causou apreensão a todos no universo jurídico, principalmente aos aplicadores do direito. E não era demais acreditar num futuro promissor do mandado de injunção, quando já, não sem tempo, os aplicadores se conscientizarão de sua importância, compreendendo, em definitivo, todo conteúdo da mens legis da norma do inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal. E passados quase 20 anos da instituição do mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro, em 30 de agosto de 2007, no julgamento do MI 721, relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal muda o seu entendimento, se curvando ao que vinha sendo defendido pela maioria da doutrina e pelos votos dissidentes, nos seguintes termos: O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em mandado de injunção impetrado, contra o Presidente da República, por servidora do Ministério da Saúde, para, de forma mandamental, adotando o sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/91, art. 57), assentar o direito da impetrante à aposentadoria especial de que trata o § 4º do art. 40 da CF. Na espécie, a impetrante, auxiliar de enfermagem, pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora a que se refere o art. 40, § 4º, a fim de possibilitar o exercício do seu direito à aposentadoria especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos em atividade considerada insalubre — Salientando o caráter mandamental e não simplesmente declaratório do mandado de injunção, asseverou-se caber ao Judiciário, por força do disposto no art. 5º, LXXI e seu § 1º, da CF, não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia do legislador. Em seu voto, o relator, Ministro Marco Aurélio conclama a nova composição do STF para refletir sobre a timidez inicial quanto ao alcance do mandado de injunção, assim se pronunciando: É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omisso, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a ótica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não se chegou a casa do milhar na impetração dos mandados de injunção. Com o voto proferido pelo Ministro Eros Grau, percebe-se que pode ser aberta novas perspectivas em se tratando dos efeitos da sentença do mandado de injunção. A sentença, neste caso, poderia ter eficácia erga omnes, e não apenas inter partes, para os casos análogos e de modo abstrato e geral, in verbis: Esses parâmetros hão de ser definidos por esta Corte de modo abstrato e geral, para regular todos os casos análogos, visto que norma jurídica é o preceito, abstrato, genérico e inovador – tendente a regular o comportamento social de sujeitos associados – que se integra no ordenamento jurídico e não se dá norma para um só. Segundo o mesmo, esse novo efeito sugerido é semelhante ao que se pretende com a súmula vinculante, que, ao ser editada, atuará como texto normativo a ser interpretado e aplicado, explicando esse posicionamento nos seguintes termos: O Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico, a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhante a que se há de passar com a súmula vinculante, que, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado. A justificativa para esse entendimento, esposado pelo Ministro Eros Grau, foi extraída de doutrina elaborada pelo professor José Ignácio Botelho de Mesquita que, em passagem de seu texto, tirado do voto do mencionado Ministro, assim assevera: Fixados estes limites desponta o problema da compreensão da norma que será supletivamente formulada pelo tribunal. Deverá ela regular apenas o caso concreto submetido ao tribunal, ou abranger a totalidade dos casos constituídos pelos mesmos elementos objetivos, embora entre sujeitos diferentes? Dentre essas alternativas, é de se optar pela última, posto que a atividade normativa é dominada pelo princípio da isonomia, que exclui a possibilidade de se criarem tantas normas regulamentadoras diferentes quantos sejam os casos concretos submetidos ao mesmo preceito constitucional. Também aqui é preciso ter presente que não cumpre ao tribunal remover um obstáculo que só diga respeito ao caso concreto, mas a todos os casos constituídos pelos mesmos elementos objetivos. Feito esse resumo dos principais posicionamentos defendidos pelo Supremo Tribunal federal, pode-se perceber que, a duras penas e passados quase vinte anos desde a sua instituição no constitucionalismo brasileiro, o mandado de injunção foi galgando patamares num curso de desenvolvimento e evolução. Graças às posições de alguns Ministros, nitidamente vanguardeiras, conseguiu disseminar, mesmo que moderadamente e a passos curtos, o verdadeiro objetivo do novel instituto, descortinando a sua real finalidade: a de ser meio hábil a formular norma para o caso concreto, tornando viável o exercício de direito obstado pela norma regulamentadora. E essa real finalidade foi descortinada pelo STF quando de sua nova composição, em que se traduziu a sua máxima expressão, coincidindo com os propósitos do Legislador constituinte de 1988. CAPÍTULO 4 – APLICAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO QUANTO AOS TIPOS DE NORMAS CONSTITUCIONAIS Como início deste capítulo, enfrentar-se-á a questão em torno da seguinte pergunta: Qual tipo de normas constitucionais poderia o mandado de injunção ser impetrado como forma de efetivar os direitos nelas previstos? Usando como norte a formulação do questionamento colocado acima, iutilizar-se-á da classificação das normas constitucionais desenvolvida pelo eminente doutrinador José Afonso da Silva, formulada no livro Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 6º Edição, Malheiros, 2003, por ser esta a classificação adotada pelo STF e aceita pela maioria da doutrina. Passando ao seu desenvolvimento, o mencionado autor classifica as normas constitucionais em normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada. Estas são ainda submetidas a uma subdivisão em normas constitucionais de princípio institutivo e normas constitucionais de princípio programático. Far-se-á análise de cada uma em separado e estabelecerá se são passíveis de serem regulamentadas via mandado de injunção. 4.1 – Norma constitucional de eficácia plena A primeira delas, a norma constitucional de eficácia plena, pode ser assim conceituada: como sendo aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular. Quanto à sua natureza, pode-se dizer que estabelecem uma conduta jurídica positiva ou negativa com comando certo e definido, colocando-se, predominantemente, entre as regras organizativas e limitativas dos Poderes estatais . As normas constitucionais de eficácia plena incidem diretamente sobre os interesses que o constituinte quis dar expressão normativa. São de aplicabilidade imediata, porque dotados de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade. No dizer clássico, são auto-aplicáveis. As condições gerais para essa aplicabilidade são a existência apenas do aparato jurisdicional, que significa: aplicam-se pelo fato de serem normas jurídicas, que, pressupõem, no caso, a existência do Estado e de seus órgãos. Mesmo revelada uma acentuada tendência, na Constituição Federal, de se deixar ao legislador ordinário à integração e complementação de suas normas, mesmo assim, uma simples análise nos mostra que a maioria de seus dispositivos acolhe normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Posta estas colocações, conseqüência lógica do que se expõe é que se o dispositivo constitucional se mostrar auto-aplicável, será total o descabimento do mandado de injunção pelo simples fato de não haver necessidade de integração por norma regulamentadora. 4.2 – Norma constitucional de eficácia contida A segunda, as normas constitucionais de eficácia contida, (...) são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados. A sua natureza jurídica se demonstra por serem normas imperativas, positivas ou negativas, limitadoras do Poder Público, ou seja, consagradoras, em regra, de direitos subjetivos do indivíduo ou de entidades públicas ou privadas. E as regras de contenção de sua eficácia constituem limitações e autonomias; ou (...) são regras e conceitos limitativos das situações subjetivas de vantagem. Por serem normas de aplicabilidade imediata e direta, ficando dependente apenas de limites que ulteriormente se lhes estabeleçam mediante lei, pelas mesmas razões expostas quanto às normas de eficácia plena, também não caberá mandado de injunção para regulamentar direito nela previsto. 4.3 – Norma constitucional de eficácia limitada As últimas, as normas constitucionais de eficácia limitada, são normas constitucionais de princípio, dependem de outras providências normativas para que possam surtir os efeitos essenciais colimados pelo Legislador constituinte. Por depender de legislação posterior que lhes dê eficácia, se dividem em dois tipos de normas: normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. 4.3.1 – Norma constitucional de princípio institutivo A primeira delas são as normas constitucionais de princípio institutivo, que podem ser conceituadas como sendo (...) aquelas através dos quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei. Estas normas são de aplicabilidade imediata no que tange à legislação posterior, bem como em relação à legislação futura, que a elas tem que se conformar. 4.3.2 – Norma constitucional de princípio programático Já as normas de princípio programático são: (...) aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. A razão de ser para a instituição desse tipo de norma no constitucionalismo, revela o compromisso existente entre as forças políticas liberais e tradicionais e as reivindicações políticas sociais. O que não poderia ser diferente com a nossa Constituição vigente, vez que, apesar de apresentar, do ponto de vista dos fins sociais do Estado, mais progressista que as anteriores, ainda possui muitas normas programáticas. Isso deixa evidente que o compromisso entre o liberalismo e o socialismo não resultou em muitas concessões a este último. Após estabelecer os objetivos do Estado social, confrontando-o com as teses liberais, Paulo Bonavides nos traz um diagnostico não muito animador para os direitos sociais, ameaçados que estão, hodiernamente, pelo neoliberalismo econômico, nos seguintes termos: Ao empregar meios intervencionistas para estabelecer o equilíbrio na repartição dos bens sociais, instituiu ele ao mesmo passo um regime de garantias concretas e objetivas, que tendem a fazer vitoriosa uma concepção democrática de poder vinculada primacialmente com a função e fruição dos direitos fundamentais, concebidos doravante em dimensão inteiramente distinta daquela peculiar ao feroz individualismo das teses liberais e subjetivas do passado. Com efeito, essa espécie de Estado social, humanizador do poder, jurídico nos fundamentos sociais da liberdade e, democrático na essência de seus valores, padece, de último, ameaça letal à conservação das respectivas bases e conquistas. Esmaecê-lo e depois destruí-lo é parte programática das fórmulas neoliberais propagadas em nome da globalização e da economia de mercado, bem como a queda de fronteiras ao capital migratório, cuja expansão e circulação sem freio, numa velocidade imprevisível, contribui irremissivelmente para decretar e perpetuar a dependência dos sistemas que demoram nas esferas do Terceiro Mundo. Tem esse capital internacional ação predatória sobre a base econômica dos países em desenvolvimento, porquanto gira de maneira especulativa, provoca crises, abala a fazenda pública, desorganiza as finanças internas, derruba bolsas, dissolve economias, esmaga mercados. Como pode ser visualizado na transcrição acima, os países em desenvolvimento se tornam ainda mais vulneráveis aos efeitos nefastos empreendidos pelo neoliberalismo. Essa conclusão tem em vista a seguinte afirmação: se os direitos sociais previstos em suas Constituições estiverem pendentes de providência legislativa ulterior, ficarão desprotegidos da necessária executoriedade para a efetivação de seus direitos, reduzindo-as a uma expressão formal desfigurante de suas conquistas socais. Enfrentando agora a questão da juridicidade das normas programáticas, alguns autores chegam a negar-lhes este atributo sob o argumento de que a presença de tal tipo de normas no ordenamento jurídico constitucional constitui a principal causa da crise vivenciada pelo Direito Constitucional na pós-modernidade. Essa maneira de pensar tem sua justificativa na falta de efetividade que a Constituição tem enfrentado ao longo do tempo, por não conseguir apaziguar as diferenças sociais, não conseguindo realizar a adequação necessária entre o formalmente escrito e o que acontece de maneira concreta na periferia das relações sociais. Contudo, não concordamos com semelhante entendimento por estarmos certos de que as normas programáticas merecem melhor sorte. Não só emprestando-lhes o papel de vincularem tantos as leis ordinárias anteriores como as posteriores, se contrárias aos seus dispositivos, como, também, serem passiveis de objeto para efetivação concreta do direito nela previsto pela via do mandado de injunção. Veja que essa tese deve ser combatida seriamente e de maneira veemente por ser responsável pela caracterização como programática de toda norma que se torna incômoda aos objetivos do individualismo exacerbado. Contudo, é de se ter em mente que a sua juridicidade deve-se afirmar pelo simples fato de constarem dentro de um texto de lei, sendo necessário contrariar qualquer pretensão de injuridicidade de regras pertencentes a uma Constituição, ainda mais em se tratando de uma Constituição rígida como a nossa. Afirmada a sua juridicidade, e no propósito de se buscar melhor terminologia para definir as normas programáticas, diz José Afonso da Silva: São normas de princípio teleológico porque apontam, em mero esquema, para um fim a ser atingido. Qualquer que seja, porém, a expressão utilizada, o certo é que sua vinculatividade vem sendo mais e mais reconhecida. Significa que o fato de dependerem de providências institucionais para sua realização não quer dizer que não tenham eficácia. Ao contrário, sua imperatividade direta é reconhecida, como imposição constitucional aos órgãos públicos. São, por isso, também aplicáveis nos limites dessa eficácia (...). E mesmo que não negada essa juridicidade, as normas programáticas, vislumbrando-se o caso brasileiro, repousam numa errada concepção de programaticidade, pois, seja por falta de vontade política em determinar as reais prioridades ou pela falta de recursos públicos disponíveis, essas normas poderiam ser auto-aplicáveis para serem alçadas a categoria de normas preceptivas. Sendo necessário que tal sorte de normas seja imbuída de pressupostos eficaciais mínimos de existência concreta para a viabilização de diretos obstados pela falta de regulamentação. Portanto, a função e relevância dessas normas no ordenamento constitucional se fundamentam na seguinte constatação: Se o regime, que é essência da ordem jurídica, “se qualifica como um regime de democracia, pelo menos tendencialmente substancial, [afirma Natoli] enquanto persegue a eliminação do privilégio econômico e a instauração de condições, em que se consente a participação na formação da direção política geral também de todos aqueles que, de fato, eram excluídos do sistema tradicional; e que as normas programáticas se coordenam (enquanto tais, com função tipicamente instrumental) para esse fim fundamental; é, outrossim, verdade que os princípios expressos em tais normas projetam a sua relevância para além dos limites da matéria específica, para as quais as próprias normas são ditadas, e investem toda a ordenação jurídica. Isso mesmo significa, ainda, que a sua relevância não pode ser excluída ou suspensa pela falta da prevista legislação ulterior de atuação (...)”. Toda essa defesa que se faz das normas constitucionais programáticas, no que tange a sua relevante função dentro do ordenamento jurídico, tem seu fundamento no princípio da força normativa da Constituição segundo o qual deve-se dar primazia às soluções hermenêuticas que possibilitem a atualização normativa, garantindo a eficácia e permanência da lei fundamental. Nas palavras do próprio formulador do princípio: (...) a força normativa da Constituição não reside, tão somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza regular do presente (individualle Beschaffenheit der Gegemwait). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional – não só a vontade de poder (Wille zun Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zun Verfassung). Se essa interpretação fosse utilizada pelo Supremo Tribunal Federal desde o julgamento do primeiro mandado de injunção naquela Corte, atentando-se aos ditames do princípio da força normativa da Constituição para se buscar a máxima efetividade das normas de princípio programático, seria legitima a afirmação de que não seria necessária qualquer regulamentação, dependendo apenas de uma interpretação adequada legitimada pelo Judiciário. Mesmo tendo em vista que a Constituição de um Estado não pode estar dissociada da realidade fática e das condições históricas de sua realização (no dizer de Lassalle), sob pena de não se concretizar, é certo que isso não importa na ausência de força conformadora e realizadora de pretensões sociais contidas nas normas programáticas, em razão de sua própria existência em uma Constituição formalmente elaborada. Para corroborar o dito acima: A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. A força condicionante da realidade e normatividade da Constituição pode ser diferençada; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas. “Constituição real” e “Constituição jurídica” estão em relação de coordenação. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem pura e simplesmente, uma da outra. Ainda que não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo das forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia. Essa constatação leva a outra indagação, concernente às possibilidades e aos limites de sua realização no contexto amplo de interdependência no qual esta pretensão de eficácia encontra-se inserida. (...) Definem-se, ao mesmo tempo, a natureza peculiar e a possível amplitude da força vital e da eficácia da Constituição. A norma constitucional somente logra atuar se procura construir um futuro com base na natureza singular do presente. Tal como exposto por Humboldt alhures, a norma constitucional mostra-se eficaz, adquire poder e prestígio se for determinada pelo princípio da necessidade. Em outras palavras, a força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes de seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva. A Constituição converte-se, assim, na ordem geral objetiva o complexo de relações da vida. Por isso, qualquer Constituição, por mais analítica ou extensa que seja, possui conteúdo aberto, com um alto grau de normas a regulamentar e não regula tudo quanto dela é objeto. A necessidade de se possuir uma ordem jurídica eficazmente unida e fechada faz parte do arcabouço ideológico dos formalismos característicos do liberalismo clássico, apegado estritamente ao individualismo e totalmente alheio aos problemas sociais. Isto posto, podemos agora estabelecer as condições gerais de aplicabilidade das normas de princípio programático, dizendo que: (...) as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes: I – estabelecem um dever para o legislador ordinário; II – condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; IV – constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; V – condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; VI – criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem (...). Quanto ao mandado de injunção, a observação de que algumas normas programáticas restam décadas sem ganhar normatividade plena provocou uma reação. E essa reação foi no sentido de tornar a própria norma impositiva de um dever ao legislador que, se não cumprido tempestivamente, desencadearia os institutos adequados ao suprimento dessas omissões. Neste contexto é que surgiram o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O primeiro, como já visto, em caráter genérico e abstrato, e o segundo para satisfação do direito obstado ao impetrante. Dentro desse contexto, é de ser colocado que não estamos alheios aos problemas da democracia moderna, (...) ligados às contradições internas do elemento político sobre que se apóia (as massas) e à hipótese de um desvirtuamento do poder, por parte dos governantes, pelo fato de possuírem estes o controle da função social e ficarem sujeitos à tentação, daí decorrente, de o utilizarem a favor próprio (caminho da corrupção e da plutocracia) ou no interesse do avassalamento do indivíduo (estrada do autoritarismo). Temos que ter conhecimento desses problemas e enfrentá-los da melhor maneira possível. Por isso, é que temos em mente que a não efetivação das normas programáticas, notadamente as que asseguram direito inerentes à coletividade, mais do que na falta de recursos econômico-financeiros, está ligada na falta de decisão política necessária e na falta de compromisso para determinar as prioridades das demandas sociais existentes. Diante disso, e de tudo o que foi dito neste capítulo, é que emprestamos ao mandado de injunção todo o poder necessário para o alcance da efetividade máxima das normas constitucionais, sejam elas de quais tipos forem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Terminada as suscitações e debates empreendidos acima, vê-se que esta monografia preocupou-se com o tema relativo ao mandado de injunção como forma de contribuir para a construção de uma teoria que teve como objetivo a individualização do mencionado instituto de toda e qualquer construção teórica que visasse a sua equiparação a qualquer outro remédio constitucional que guardasse características afins, mas que, nem por isso, dentro de uma hipótese cientifica, fosse impedimento para fazer subsumir as suas características individuais e os seus princípios próprios. Preocupou-se, ainda, esta monografia, em defender o mandado de injunção como uma garantia para tornar efetivas normas constitucionais que estivessem sem aplicabilidade devido uma providência legislativa ulterior, sem que houvesse qualquer sanção para o Poder omisso, tendo em vista o não cumprimento de suas obrigações funcionais para o resguardo do direito obstado pela falta de norma regulamentadora. Foi demonstrado que a construção doutrinária pela máxima efetividade das normas constitucionais está sendo incorporada pelo Supremo Tribunal Federal de forma ainda tímida, e depois de passados quase vinte anos desde a implantação do mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro. Essa construção, como evidenciado, teve como principal empecilho a preocupação com a intervenção do Judiciário no “atuar” dos outros Poderes, sem que se estivesse em mente que o papel do aplicador do Direito é o de figurar como instrumento de sociabilidade do mundo moderno, procurando no Direito todos os meios que contribuam para o alcance da efetividade dos direitos sociais obstaculizados por qualquer entrave burocrático. Enfim, é o reconhecimento e consolidação da idéia de dar efetividade aos direitos constitucionais, aceitando a nova realidade social surgida com a criação dos direitos sociais que dão ensejo, consequentemente, a direitos subjetivos. Foi colocada, também, a questão dos tipos de normas constitucionais existentes, e se elas, uma a uma, seriam passiveis de constituição dos direitos nelas previstos pela via do mandado de injunção. Deu-se especial atenção para as normas programáticas, pois são elas as que mais necessitam de proteção dentro do ordenamento jurídico, por estarem quase sempre à margem da aplicabilidade e efetividade que se fazem necessária para dar executoriedade às normas constitucionais. Por isso, em face dessa legislação social, que se limita a definir a finalidade e os princípios gerais, e diante de direitos sociais essencialmente dirigidos a gradual transformação do presente e do futuro, os aplicadores do Direito devem assumir a posição de negar o caráter limitado de tais direitos ou normas programáticas. Atuando de forma a interpretar as normas constitucionais para conseguir tirar-lhes o máximo de proveito para a parte lesada com a omissão. A aceitação dessa realidade visa à transformação da concepção do Direito e da nova função do Estado, mesmo reconhecendo o impulso em sentido contrário proporcionado pelo neoliberalismo, mas que, ante a abismal realidade social, mudanças devem ser assumidas para desconstituir este momento de crise institucional, política e econômica. Diante disso, é chegada a hora de dar a devida contribuição na tentativa de tornar efetivos tais programas, contribuindo, assim, para fornecer conteúdo concreto àquelas finalidades e princípios. O que se pode fazer controlando e exigindo o cumprimento do dever do Estado de intervir ativamente na esfera social, um dever que, por ser prescrito legislativamente, cabe exatamente aos aplicadores fazer respeitar. De qualquer maneira, essa intervenção dos aplicadores do Direito não tira a necessidade de se prosseguir com as lutas sociais para se objetivar a conquista do bem-estar almejado e consignado pela Constituição. Dentro desse contexto, o não cumprimento dos fins e objetivos da Constituição é inconstitucional, e a sua concretização depende de instrumentos para tornar viáveis os direitos, liberdades e prerrogativas que estejam obstados pela desobediência aos programas nela determinado. É exigência, em um Estado Democrático de Direito, a necessidade de um sistema de proteção jurídica que controle quaisquer atos dos Poderes Públicos que não estejam em consonância com a Constituição, abrangendo, também, as omissões. Para isso é que foi criado o mandado de injunção, como garantia deferida àquele que teve seu direito, liberdade ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, lesado pela norma regulamentadora faltante. Estes problemas foram colocados no presente trabalho, e optou-se por dar a sentença do mandado de injunção caráter constitutivo do direito do impetrante, como forma de garantir todas as possibilidades de suprimento das omissões inconstitucionais que lhes são apresentadas, quando o prejudicado com esse estado de coisas procura o Judiciário com o objetivo definido de ter assegurado seu direito obstaculizado por uma inércia a que não deu causa. Por fim, essas foram as questões debatidas em torno do tema e o que se tentou construir para a consecução da máxima efetividade da Constituição, abarcando, também, as normas programáticas por entender que as suas disposições precisam ser legitimadas pela via do mandado de injunção, e por não considerarmos que a sua adoção pela Constituição possa configurar crise do Direito Constitucional na atualidade. REFERÊNCIAS BACHA, Sergio Reginaldo. Mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey. 1998. BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da constituição brasileira. 7º ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal. 6º ed. São Paulo: Malheiros. 1996. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição (Die normative Kraft der Vefassung) apud de Gilmar Ferreira Mendes. S. A. Fabris. 1991. OLIVEIRA, Francisco Antônio. Mandado de injunção (da inconstitucionalidade por omissão) – enfoques trabalhistas – jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. QUARESMA, Regina. O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão: teoria e prática. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6º ed. 2º tiragem. São Paulo: Malheiros. 2003. ___________________. Curso de direito constitucional positivo. 24º ed. São Paulo: Malheiros. 2005. SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Lineamentos do mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves. ____________________________. DJ de 27-3-92, MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-91. ____________________________. DJ de 14-11-91, MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-03-1991. ____________________________. DJ de 26-6-92, MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-91. ____________________________. DJ de 17-6-94, MI 361, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 8-4-94. ____________________________. Informativo 477, MI 721, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-8-07.