Julya Lopes de Matos²

Péricles Regis Melo Silva de Freitas Júnior³

Prof. Esp. Tiago José Mendes Fernandes4

Sumário: 1.INTRODUÇÃO 2 O INSTITUTO DO PODER DE POLÍCIA 2.1Poder de polícia administrativa e polícia judiciária 2.2 Traços característicos do poder de polícia administrativo 3 O PODER DE POLÍCIA E A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO 3.1 Supremacia geral e supremacia especial 3.2 O princípio da supremacia do interesse público como regente da administração pública4 LIMITAÇÕES AO PODER DE POLÍCIA 4.1 O poder de polícia e o princípio da proporcionalidade 4.2 O princípio da legalidade e as limitações ao poder de polícia administrativa 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

RESUMO

O poder de polícia administrativo é a atividade da administração pública voltada à concretização do interesse público geral atuando de forma discricionária, coercitiva e preventiva através de atos normativos ou concretos tendo por finalidade a regulamentação da liberdade e propriedade individual. O exercício desse poder garantidor possui limitações impostas tanto pelo ordenamento jurídico pátrio quanto pela sua natureza principiológica. A “Supremacia do interesse público” é o princípio basilar da atividade administrativa estatal, tendo especial importância no estudo da polícia administrativa, instituto que lhe serve como protetor. As limitações ao poder de polícia atingem de forma direta o “interesse público”, devendo, por esse motivo, ser ponderadas de modo a respeitar as garantias constitucionalmente previstas principalmente no tocante à liberdade e à propriedade privada através da legalidade e da proporcionalidade.

Palavras-chave: Poder de Polícia. Interesse Público. Limites.

  1.      INTRODUÇÃO

Concomitante ao surgimento da noção de estado como ente coletivo fez-se presente a necessidade do estabelecimento de parâmetros para a atuação estatal, a partir dessa urgência emerge a concepção de “interesse publico” não apenas a soma dos interesses de seus indivíduos, mas como o interesse da sociedade como coletividade, sendo assim, superior às vontades particulares. Nasce assim o princípio da supremacia do interesse público, basilar da administração estatal.

 Com o estabelecimento desse preceito básico administrativo tornou-se indispensável a criação de um instituto de proteção a esse “interesse”, surge então o poder de polícia administrativo, a atividade do Estado caracterizada pela função de limitar os direitos e liberdades dos indivíduos em prol da ordem pública.

O poder de polícia administrativo é definido como atividade da administração pública voltada à concretização da supremacia do interesse público através de atos normativos ou concretos de cunho em regra negativo/preventivo, visando regular a liberdade e a propriedade dos indivíduos.

A polícia administrativa, como atividade fundamentada por lei, possui diversas limitações expressas pelo ordenamento jurídico pátrio além daquelas decorrentes da sua natureza de garantidora de norma principiológica.

A “Supremacia do interesse público”, como princípio basilar da administração estatal encontra-se em posição de destaque, porém, não inatingível, visto que, devido à sua natureza principiológica, é um mandado de otimização, não uma regra absoluta, devendo ser utilizada no caso concreto de forma ponderada concomitantemente em situações de choque de normas fundamentais.

As limitações ao poder de polícia e, por conseguinte, à supremacia do interesse público, tem impacto direto no panorama social, posto que frequentemente as ações policiais administrativas restringem direitos fundamentais básicos ligados à liberdade e a propriedade privada.

 

  1.      O INSTITUTO DO PODER DE POLÍCIA

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada nesse sentido amplo abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos (MELLO, 2015, p. 846)

A acepção ampla de poder de polícia compreende atribuições tanto legislativas quanto administrativas e, sendo essa uma atividade estatal, apresenta uma natureza complexa que se deve, de acordo com Justen Filho (2011), ao fato de não ensejar apenas a limitação à autonomia privada, mas também a satisfação de necessidades coletivas.

Segundo Mello (2015) o uso da expressão “poder de polícia” é equivocado posto que engloba uma diversidade de manifestações administrativas distintas, submetidas a regimes diferentes, como leis e atos administrativos, disposições superiores e providências subalternas.

  1.   Poder de polícia administrativa e polícia judiciária

De acordo com Justen Filho (2011), tanto a polícia administrativa quanto a judiciária são atividades de natureza administrativa desenvolvidas no âmbito do Poder executivo, se diferindo pelo fato de que a polícia judiciária atua de modo conexo ao Poder Judiciário; O que reforça a diferença entre as duas atividades administrativas em questão apontada por Lazzarini (apud DI PIETRO, 2012), que se pauta na ocorrência de ilícito penal para caracterizar a ação da polícia judiciária.

O que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou a paralisar atividades antissociais enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica (MELLO, 2015, p. 859)

Ao estudar os poderes de polícia administrativo e judiciário, a maior parte da doutrina tende a diferenciá-los pelo caráter manifestamente repressivo da polícia judiciária em contraposição à natureza preventiva da administrativa; há, porém, situações nas quais é necessária a ação repressiva pela polícia administrativa, como a de apreensão de licenças, o que mitiga essa diferença.

Alexandrino e Paulo (2011), em concordância com Di Pietro (2012) pontuam como diferenças entre as polícias administrativa e judiciária o fato de a primeira ser exercida sobre atividades privadas enquanto a segunda incide diretamente sobre as pessoas; além disso, a polícia administrativa é desempenhada por órgãos administrativos de caráter fiscalizador integrantes da administração pública, enquanto a judiciária é privativa de corporações especializadas, quais sejam, as polícias civil e militar (que também exerce função policial administrativa).

Carvalho Filho (2012) aponta outra importante diferença entre as polícias administrativa e judiciária, enquanto a primeira se exaure em si mesma, a última, mesmo sendo, uma atividade administrativa, como já foi pontuado, serve como preparação para a atuação jurisdicional, sendo regida pelo artigo 4º e seguintes do Código de Processo Penal.

  1.   Traços característicos do poder de polícia administrativo

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. – Código Tributário Nacional)

O poder de polícia administrativo tem seu conceito previsto pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional, havendo, porém, complementações a essa definição pela doutrina mais moderna; “Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (DI PIETRO, 2012, p. 124).

Cirne Lima (apud MELLO, 2015) aponta como traços característicos da atividade de polícia: a) provir privativamente da autoridade pública; b) ser imposta coercitivamente pela administração; e c) abranger genericamente as atividades e propriedades. Desse rol surgem os atributos do poder de polícia, apontados pela maior parte da doutrina como: discricionariedade, autoexecutoriedade, coercibilidade e negatividade.

O atributo da discricionariedade trata-se do poder da administração de determinar de acordo com os critérios de oportunidade e conveniência quais atividades irá praticar ou fiscalizar, além de quais sanções deverão ser aplicadas, dentro dos limites legais e resguardada a devida proporcionalidade.

Apesar de a discricionariedade ser a regra no poder de polícia, nada impede que a lei vincule totalmente determinados atos ou fatos ligados à atividade do poder de polícia administrativa.

Em rigor, no Estado de Direito, inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada (MELLO, 2015, p.860)

O atributo da autoexecutoriedade é o que permite à administração pública que seus atos tenham execução imediata e direta, independente de ordem judicial; essa característica, porém, não está presente em todos os atos da polícia administrativa, só existindo, de acordo com Alexandrino e Paulo (2011), quando expressamente prevista em lei ou, mesmo que a lei não a preveja, em situações de urgência.

(...)Alguns autores desmembram a autoexecutoriedade em exigibilidade e executoriedade. (...) Para esses administrativistas, a exigibilidade traduz a prerrogativa de a administração pública impor obrigações ao administrado, sem necessidade de prévia autorização judicial, enquanto a executoriedade significa a possibilidade de a administração realizar diretamente a execução forçada da medida que ela impôs ao administrado. (ALEXANDRINO;PAULO, 2011, p. 250)

A coercibilidade é o atributo que permite às medidas adotadas pela administração pública a possibilidade de serem impostas de forma coativa aos administrados, podendo ser empregada a força pública em caso de resistência ao ato de polícia pelo particular; sendo, de acordo com Di Pietro (2012) indissociável da autoexecutoriedade de forma que os atos de polícia só são autoexecutórios quando dotados de coercibilidade.

É importante atentar para o fato de que nem todos os atos de polícia ostentam os atributos da autoexecutoriedade e da coercibilidade. Os atos preventivos de polícia administrativa (por exemplo, exigência de obtenção de licenças ou autorizações para a prática de determinadas atividades privadas), bem como alguns atos repressivos, a exemplo da cobrança de multa não paga espontaneamente pelo particular, não gozam de autoexecutoriedade ou coercibilidade. (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 251)

O último atributo do poder de polícia é a negatividade, ou seja, o fato de o poder de polícia, de acordo com Mello (2015), sempre impor uma abstenção, uma obrigação de não fazer ao particular, posto que o poder público não “quer” que sejam praticados determinados atos, mas sim evitar a prática pelos particulares dessas atividades de forma nociva ao interesse público.

Segundo Carvalho Filho (2012), o exercício da atividade de polícia administrativa pode se dar de duas maneiras, através de atos normativos ou concretos, tendo os primeiros conteúdos genérico, abstrato e impessoal, por exemplo, decretos, portarias, resoluções, instruções e outros; já os atos concretos são preordenados para indivíduos determinados e identificados, como exemplos temos as licenças, autorizações e sanções.

De acordo com Alexandrino e Paulo (2011) o poder de polícia pode ser exercido de forma preventiva ou repressiva; o exercício preventivo do poder de polícia pode se dar através da expedição de licença (ato pelo qual a administração pública reconhece que o particular preenche as condições necessárias para o gozo de determinado direito subjetivo) ou autorização (ato pelo qual a administração pública permite ao particular a realização de atividade privada de seu interesse). Já a atividade repressiva do poder de polícia se dá através da aplicação de sanções como consequência da quebra pelos particulares das normas de polícia às quais se sujeitam, sendo essas infrações administrativas constatadas usualmente no exercício da atividade de polícia de fiscalização.

  1.    O PODER DE POLÍCIA E A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

A concepção clássica de poder de polícia, de acordo com Justen Filho (2011), era desse como sendo um instrumento da “ordem pública”, ou seja, da segurança, tranquilidade e saúde; No entanto, essa definição de “ordem pública” acabou incorporando uma gama de valores como a dignidade da pessoa humana e demais garantias fundamentais.

Mello (2015) aponta como valores a presentes sob a guarda do poder de polícia a segurança, a ordem, a tranquilidade, a higiene, a saúde e a moralidade públicas, além de valores estéticos, artísticos, históricos, paisagísticos, riquezas naturais e economia popular; a partir daí pode-se delinear alguns dos âmbitos de abrangência do interesse público.

3.1 Supremacia geral e supremacia especial

Ao analisar o Poder de Polícia administrativo, Mello (2015), faz uma reflexão única quanto à supremacia do interesse público fazendo a didática divisão entre a supremacia geral e a supremacia especial com base em doutrinadores italianos, dessa forma, será abordada essa classificação com base no autor supracitado no presente capítulo.

A supremacia geral se pauta na noção da supremacia das leis em geral e se concretiza através de atos da administração pública, se distinguindo da supremacia especial, cuja abrangência se limita a sujeitos com vínculos específicos com a administração pública, não sendo, por isso, cabível utilizar a supremacia especial como ensejadora de ato do poder de polícia administrativo.

De acordo com tal formulação doutrinária, que a doutrina brasileira praticamente ignora, a Administração, com base em sua supremacia geral, como regra, não possui poderes para agir senão extraídos diretamente da lei. Diversamente assistir-lhe-iam poderes outros, não sacáveis diretamente da lei, quando estivesse assentada em relação específica que os conferisse. Seria esta relação, portanto, que, em tais casos, forneceria o fundamento jurídico atributivo do poder de agir, conforme expõe, na Itália, Renato Alessi, entre tantos outros. (MELLO, 2015, p. 848)

O autor em questão aponta como argumentos para basear a necessidade de reconhecimento da supremacia especial a existência inequívoca de grupos de pessoas cuja relação jurídica com o Estado difere da generalidade, ensejando a necessidade de uma disciplina interna, além de certos benefícios que regulem o regime especial de sujeições; é asseverado também que nessas situações especiais seria impróprio, impossível e inadequado que todas as disposições concernentes a essas relações fossem previstas e assentadas unicamente em leis, excluindo a competência qualquer outra fonte normativa.

(...)Enquanto não construirmos categorias próprias para explicar detidamente as aludidas situações, há que se aceitar a categoria das relações especiais de sujeição- ainda que bastante reformadas em relação a sua formulação de origem-, de tal sorte que todas as discussões erigíveis ao respeito delas, para se manterem dentro do campo de um impostergável realismo, cifrar-se-ão a indagar sobre as condições e limites de exercício dos poderes que comportam. (MELLO, 2015, 851)

Sendo assim, o autor impõe como condições para o regime de sujeição especial à administração pública a fundamentação última em lei, que os poderes se fundamentem de forma imediata nas mesmas relações de sujeição especial, que sejam restritas suas disposições ao que for instrumentalmente necessário, que essas relações se mantenham de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e que conservem seu objeto atrelado apenas ao que for relacionado à sujeição especial.

Há, porém, ainda de acordo com Mello (2015), condicionantes negativas aos poderes derivados da supremacia especial, quais sejam, não poderem contrariar ou restringir direitos ou deveres decorrentes de norma constitucional ou legal, não poderem extravasar o âmbito da relação que enseja a supremacia especial ou o estritamente necessário para o cumprimento dos fins da relação em questão, além de ser vedado o poder de produzir, por si mesmas, consequências que restrinjam ou elidam interesses de terceiros ou os ponham em situação de dever.

Além do já mencionado, quanto às relações que ensejam a incidência da supremacia especial do interesse público, cumpre observar que a existência de tais situações não figuraria um afastamento da regência do princípio da legalidade, mas, apenas uma modulação específica a esse princípio, posto que em todas as intervenções das sujeições especiais deve haver autorização legal.

3.2 O princípio da supremacia do interesse público como regente da administração pública

O princípio da supremacia do interesse público é um princípio implícito. Embora não se encontre enunciado no texto constitucional, ele é decorrência das instituições adotadas no Brasil. Com efeito, por força do regime democrático e do sistema representativo, presume-se que toda atuação do Estado seja pautada pelo interesse público, cuja determinação deve ser extraída da Constituição e das leis, manifestações da “vontade geral”. Assim sendo, lógico é que a atuação do Estado subordine os interesses privados. (Alexandrino; Paulo, 2011, p. 184)

De acordo com Carvalho Filho (2012), o círculo no qual se pode compreender a atuação do poder de polícia é extremamente amplo, bastando a presença do indivíduo em qualquer ramo da atividade particular para ensejar a necessidade da atuação restritiva do Estado, visto que não existem, segundo o autor, direitos individuais absolutos, devendo estes sempre serem subordinados aos interesses coletivos, principalmente as garantias relativas à liberdade e a propriedade, direitos “condicionados, cujo exercício é sempre sujeito a adequações necessárias para que seja garantido o interesse público.

Justen Filho (2011) pontua o fato de que a atividade do poder de polícia visa a realização dos “direitos fundamentais do conjunto dos integrantes da coletividade”, ou seja, a satisfação do interesse público, dessa forma, é necessária que, para a concretização desse objetivo, a polícia administrativa deve privar pela limitação de direitos individuais, de modo a evitar que o máximo usufruto de direito individual produza limitação desproporcional à liberdade alheia.

Sendo assim, de acordo com Alexandrino e Paulo (2011), a natureza principal dos atos de polícia da administração pública é de procedimentos acautelatórios, cujo objetivo maior é evitar ou abrandar a ocorrência de danos à coletividade; dessa forma, ao constatar irregularidades praticadas pelo particular, a sanção por parte da polícia administrativa é apenas um meio de garantir a manutenção da ordem pública e não a finalidade para a qual essa intervenção da administração na esfera particular é voltada.

  1.      LIMITAÇÕES AO PODER DE POLÍCIA

Justen Filho define “O poder de polícia administrativa é a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade” (2011, p. 567), Com base nessa afirmação, observa o autor a limitação à liberdade privada não só como o fim último do poder de polícia e da administração em geral, mas como uma das justificativas para a existência do Estado, além de um dos principais fins desse, concernindo aos âmbitos das atividades legislativas e jurisdicionais, além das administrativas.

De acordo com Caetano (2011) existem três corolários a serem respeitados para o estabelecimento de limites ao poder de polícia, sendo o primeiro de que o poder em questão não deve intervir no âmbito da vida privada dos indivíduos; a partir daí se desdobram, segundo o autor, duas regras, a de que a polícia não pode se ocupar de interesses particulares e a de que a polícia tem de respeitar a vida íntima e o domicílio dos cidadãos. O segundo corolário é o de que a polícia deve atuar apenas sobre aquele que perturbou a ordem e não sobre aquele que esteja utilizando legitimamente seu direito; já o último corolário é o de que os poderes de polícia não devem ser exercidos de modo a impor restrições ou usar de coação além do estritamente necessário.

A respeito da discricionariedade característica do poder de polícia, já discutida no capítulo anterior, cabe ponderar novamente a sua limitação tanto pela lei, quanto por princípios gerais do direito administrativo, tais quais a supremacia do interesse público, a legalidade e a proporcionalidade, além disso, cumpre mencionar ressalva feita por Alexandrino e Paulo (2011), que o abordarem as limitações à polícia administrativa observam o fato de que, assim como qualquer ato administrativo, os atos de polícia estão sujeitos ao regime do devido processo legal, sendo imperativo que se assegure o direito à ampla defesa.

  1.   O poder de polícia e o princípio da proporcionalidade

O poder de polícia encontra seus limites na lei e no princípio da proporcionalidade. As restrições e imposições autorizadas explícita ou implicitamente na lei serão determinadas para o caso concreto em vista o princípio da proporcionalidade (JUSTEN FILHO, 2011, p. 577)

Assim como qualquer outra competência estatal de limitação de direitos, o poder de polícia é norteado pelo princípio da proporcionalidade, o que significa, de acordo com Justen Filho (2011), que toda a limitação à atuação policial prevista em lei ou qualquer ato administrativo só será válida se adequada, necessária e compatível com os valores presentes na Constituição ou outra lei que tutele o interesse sujeito à limitação. Existe, porém, segundo o autor supracitado, a possibilidade pautada no princípio da proporcionalidade de determinação da polícia administrativa que acarrete a interdição absoluta de determinada atividade desde que seja a única forma de preservar os valores públicos protegidos.

A lei nº 9.784 que trata sobre o processo administrativo traz previsão expressa da necessidade da aplicação da proporcionalidade no âmbito da administração pública de forma expressa em seu artigo segundo, reiterando a importância desse princípio no inciso VI do parágrafo único do artigo supracitado quando obriga a observação de critérios de “VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;” em qualquer processo administrativo, o que abrange as medidas da polícia administrativa.

A incidência do princípio da proporcionalidade faz com que as medidas do poder de polícia não tenham eficácia idêntica, de acordo com Justen Filho (2011), existem graus distintos de eficácia das medidas policiais, de grau de eficácia mínimo aquelas que impõem algum dever ao particular sem que isso importe a exigibilidade de conduta por parte do estado, como as de constrangimento legal para que seja executada a medida; as medidas de grau médio determinam a imposição de direitos e obrigações, além de exigibilidade imediata pela administração pública; Já aquelas de grau de eficácia máximo utilizam da força material para constranger fisicamente os sujeitos envolvidos. Cumpre pontuar o fato de que, segundo o autor em pauta, boa parte das medidas “nascem” de grau mínimo e vão se “desenvolvendo” até o grau médio ou máximo, entretanto, de acordo com a gravidade do ato concreto, há a possibilidade de que a medida as medidas já se iniciem de grau médio ou máximo.

No caso doa atos sancionatórios praticados no exercício do poder de polícia, avulta em importância o princípio da proporcionalidade. Com efeito, em uma de suas acepções, esse princípio determina que haja correspondência entre a intensidade de uma sanção aplicada pela administração pública e a gravidade ou a lesividade da conduta que essa mesma sanção vise a reprimir (ou a prevenir) (Alexandrino; Paulo, 2011, p.242)

Quando não existe outro meio eficaz para obter o cumprimento da pretensão jurídica, a polícia administrativa, segundo Mello (2015), pode utilizar a via da coação de forma compatível e proporcional tanto à lesão quanto ao resultado pretendido; Qualquer excesso, seja por intensidade da medida maior do que a suficiente ou extensão maior do que a necessária, caracteriza a injuridicidade do ato do poder público.

  1.   O princípio da legalidade e as limitações ao poder de polícia administrativa

É relevante insistir com a natureza infra legislativa da atividade de poder de polícia administrativa. O princípio da legalidade assegura a todos que somente a lei crie deveres de agir e de abster-se. A atividade de poder de polícia administrativa não apresenta natureza inovativa, mas meramente regulamentar. As limitações constantes das leis são tornadas concretas por meio da atividade administrativa do poder de polícia. (JUSTEN FILHO, 2011, p. 568)

O princípio da legalidade é um instituto fundamental do direito administrativo, sendo dele derivadas, segundo Justen Filho (2011), normas basilares para as atividades da polícia administrativa, como a da previsibilidade e da especificação /tipicidade, que possibilitam ao particular a escolha entre o lícito e o ilícito ao tipificar legislativamente a ilicitude e sua sanção equivalente; Além disso, o princípio da legalidade torna necessária uma determinação legal mínima que obriga o legislador a definir a infração e regular a individualização da sanção, não sendo, no entanto, impossível à lei administrativa remeter ao administrador a avaliação quanto à aplicação ou a dosagem da sanção, não sendo admitido apenas o silêncio legislativo ou normas gerais que deem margem extrema à discricionariedade da Administração.

Di Pietro (2012) aponta a existência de limitações legalmente impostas às medidas de polícia quanto à competência, à forma, aos fins, motivos ou objeto; Quanto à competência e a forma, essas devem seguir as normas legais que determinam o ente público competente para legislar sobre a matéria em questão e a forma de trâmite dessa lei; já em relação aos fins e motivos, o poder de polícia só deve ser exercido com a finalidade  e a motivação de atender ao interesse público, caso contrário ocorrerá o chamado “desvio de poder”, que acarretará a nulidade do ato, além da responsabilização penal, civil e administrativa do responsável pela sua prática; finalmente, no tocante ao objeto, ou seja, o meio de ação, a autoridade é limitada às possibilidades de ação impostas em lei, devendo a escolha quanto à ação a ser tomada se basear no princípio da proporcionalidade, não devendo a polícia administrativa ir além do necessário à satisfação do interesse público.

Quanto à competência, Mello (2015) pontua o fato de que o poder de polícia deve ser exercido pelo ente que seja legitimado para legislar sobre a matéria que se visa proteger através dos atos de polícia, observando o fato de que, no caso de haver concorrência entre entes para legislar sobre determinado assunto, há também a concorrência entre as polícias administrativas.

Ainda em relação à competência, Carvalho Filho (2012), anota a invalidade tanto de atos praticados por agente de pessoa federativa diversa daquela que possui competência para legislar sobre a matéria, quanto dos atos de polícia que baseados em leis inconstitucionais. Além disso, o autor sugere, no caso de competências concorrentes entre os entes federativos no âmbito do poder de polícia, a vigência do regime de gestão associada, previsto pelo artigo 241 da Constituição Federal.

Quanto à delegação de competência do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito público membros da administração pública indireta (autarquias e fundações públicas de direito público), segundo Alexandrino e Paulo (2011), é possível que exerçam o poder de polícia, não podendo apenas editar leis; Já quanto à delegação do poder de polícia a pessoas jurídicas privadas, mesmo que autorizadas por lei (Empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado), os autores acreditam ser invalida tal delegação, visto que a polícia administrativa é fundada no poder de império inerente ao regime de direito público, não podendo ser entregue a pessoas jurídicas de direito privado, mesmo que integrantes da administração pública, o que tornaria qualquer lei delegatória nessas condições inconstitucional.

Cumpre registrar, todavia, que respeitados autores admitem a delegação a entidades de personalidade jurídica de direito privado, pelo menos a delegação de algumas categorias de atos integrantes do ciclo de polícia (principalmente os fiscalizatórios), desde que a entidade integre a administração pública formal e a competência seja expressamente conferida por lei. (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p.246)

Carvalho Filho (2012) aceita a possibilidade de delegação do poder de polícia se supridas três condições: 1) A pessoa jurídica sempre deverá integrar a estrutura da administração pública indireta; 2) a competência delegada deve ser conferida por lei; e 3) o poder de polícia há, devido a sua função executória, de restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória; Uma vez cumpridas as condições mencionadas, o autor em questão assevera a necessidade de observação de três cautelas: a) o impedimento de conflito entre o interesse público e o privado; b) o afastamento do setor econômico do mercado; e c) dever de o ente delegado exercer o poder de polícia em decorrência da prestação de serviço público e não de forma institucional.

Segundo Mello (2015), é possível a prática de certos atos que precedem poder de polícia por particulares mediante delegação ou simples contrato de prestação, como no caso da fiscalização do cumprimento de normas de trânsito através de equipamentos fotossensores pertencentes e operados por empresas privadas; outra possibilidade observada pelo autor é a de particulares praticarem atos materiais sucessivos a atos jurídicos de polícia, por exemplo, a contratação de empresa privada pela administração para demolir ou implodir obras efetuadas irregularmente; e, finalmente, uma última hipótese formulada pelo doutrinador é a de ato de polícia inteiramente vinculado e expedido por máquina que sirva de veículo de formação e transmissão de decisão do próprio poder público, o caso dos parquímetros que expedem autos de infração.

Deverão os atos de polícia ser praticados por agentes no exercício regular de sua competência. É também indispensável que o ato seja produzido com a forma imposta pela lei. Outros requisitos de validade são a finalidade, o motivo e o objeto. Enfim, como ato administrativo que é, o ato de polícia será legal ou ilegal, conforme compatível ou não com os requisitos exigidos para a sua validade. (CARVALHO FILHO, 2012, p. 89)

Outra limitação aplicável ao poder de polícia administrativo deriva da sua natureza de ato administrativo; como atos administrativos, os atos de polícia não podem ofender ato jurídico perfeito, coisa julgada ou direito adquirido, sendo assim, esses atos possuem o atributo da irretroatividade que os limita temporalmente.

Ora, se o exercício do poder de polícia é dever do Estado, decorre desse dever o direito (a garantia) para o administrado de que seja prestado a contento. Bem por isto, da omissão da Administração, decorrerá o direito do individuo de exigir uma atuação eficaz, ou no caso de ocorrerem danos “não eventuais”, de exigir o ressarcimento correspondente. (FRANCO, 2012, p. 109)

Em toda e qualquer hipótese nas quais precisem sustar providências administrativas ilegais que tenham fundado receio de vir a sofrer ou para obter as reparações devidas por danos causados por atuação ilegal da polícia administrativa, os particulares podem sempre recorrer, de acordo com Mello (2015), ao Poder Judiciário se utilizando dos instrumentos do habeas corpus ou do mandado de segurança sempre que houver o uso desmedido ou, de qualquer modo, afrontoso à legalidade do poder de polícia administrativo.

  1.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se busca meramente evitar que um particular produza lesões a terceiros, o que poderia ser obtido por via da imposição de mera abstenção. O poder de polícia também compreende a competência para impor aos sujeitos o dever de promover condutas ativas que satisfaçam, de modo mais adequado, os direitos fundamentais alheios e os interesses coletivos. Sob esse prisma, o poder de polícia se torna um instrumento de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, deixando de ser um simples instrumento de defesa da liberdade e da propriedade. (JUSTEN FILHO, 2011, p. 571)

A lei usualmente dispõe, segundo Justen Filho (2011), sobre a estrutura essencial das medidas de poder de polícia, atribuindo à Administração Pública competência para promover sua execução. Dessa forma, a competência administrativa de poder de polícia se configura como uma atividade infralegislativa, o que significa que existe uma norma legal anterior que define os limites, obrigações e os direitos dos integrantes da comunidade, entretanto, isso não impede a polícia administrativa de exercer sua competência tanto de forma vinculada quanto discricionária.

O poder de polícia administrativo atua na linha entre o poder restritivo da Administração e a intangibilidade dos direitos assegurados aos indivíduos e, de acordo com Carvalho Filho (2012), atuar aquém dessa linha é renunciar de forma ilegítima a poderes públicos a agir além do necessário representa arbítrio e abuso de poder; segundo o autor supracitado, para seu exercício, o poder de polícia, em regra, exige a aplicação do binômio conveniência/oportunidade, o que demonstra a discricionariedade da polícia administrativa, sendo, evidentemente, vedado tanto o excesso de poder quanto o desvio de finalidade; há, porém, a possibilidade de vinculação desse poder, caso no qual está fixada a dimensão da limitação à polícia administrativa, não podendo, sem a alteração da norma restritiva, serem alteradas as limitações impostas.

Somente a lei pode autorizar a restrição de direitos e das garantias individuais, delimitando a atuação do Poder Público através do poder de polícia. Sendo assim, a limitação aos direitos impostos pela Administração deve manter congruência com os motivos e fins que a justificam, guardando-se assim proporcionalidade ou razoabilidade entre a limitação imposta e o fim pretendido. (CAMPOS, 2008, p. 68)

Dessa forma, conclui-se pela necessidade da limitação ao poder de polícia, mesmo esse se tratando de um poder discricionário cuja finalidade é a manutenção da soberania do interesse público; a partir do estudo feito observa-se que há necessidade de concretização das liberdades individuais para a construção do Estado de Direito, mesmo que se preze pelo interesse coletivo como soberano; Tendo em vista o frágil equilíbrio entre o público e o privado torna-se imperativo que sejam traçados limites baseados na proporcionalidade e na legalidade para que a ponderação entre esses princípios seja suficiente para garantir a regularidade da polícia administrativa.

 

 

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado.  19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Online. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm>. Acesso em: 08 de Maio de 2016.

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