SINOPSE DO CASE: LEI N.º 11.101/05: RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA – CONSTRUINDO SENTIDO[1]

   Leonardo Leitão Salles[2]

Daniel Almeida Rodrigues[3]

  1. 1.      DESCRIÇÃO DO CASO

João Feitosa, morador da cidade de Belo Horizonte, adquiriu um conjunto de maquinário para fins de confecção de tecidos e vestuários, realizado em hasta pública referente a um processo de Recuperação Judicial de uma grande empresa. O contrato social da referida empresa prevê a cidade de Rio Branco - AC como sede estatuária da mesma, enquanto o seu principal parque fabril se localiza em Bacabal – MA e as principais deliberações da referida empresa ocorrem na cidade do Rio de Janeiro – RJ. João Feitosa desenvolvia suas atividades empresariais com o maquinário adquirido, quando foi surpreendido com uma determinação judicial, determinando a constrição judicial, com previsão de futura alienação, para a satisfação de créditos de natureza trabalhista relativos ao alienante do maquinário.

No dia 9 de fevereiro de 2005, entrava em vigor a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, que “regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”, o que fez com que a atuação da hermenêutica na construção dos novos parâmetros jurídicos estatais para as empresas, seja buscando a recuperação ou a decretação da falência. Busca-se analisar os problemas de natureza hermenêutica suscitados pela legislação atual, frente ao problema apresentado, inclusive em comparação e confrontação com o Decreto-Lei n. 7.661/45, para se apurar avanços, manutenção e criação de novas dificuldades de interpretação/aplicação do texto normativo ao caso concreto.

1.1  IDENTIFICAÇÃO DOS PROTAGONISTAS

João Feitosa: é morador de Belo Horizonte/MG e adquiriu um conjunto de maquinário para confeccionar tecidos e vestuário, realizado em hasta pública durante o processo de Recuperação Judicial de uma grande empresa nacional. Porém, João recebeu uma determinação de constrição judicial que previa a futura alienação do bem para satisfazer créditos de natureza trabalhista relativos ao alienante do maquinário.

Empresa em processo de Recuperação Judicial: O seu contrato social dispõe que a sede estatuária se localiza na cidade de Rio Branco/AC, enquanto o seu principal parque fabril se encontra em Bacabal/MA, ainda que as principais deliberações ocorram na cidade do Rio de Janeiro/RJ, que é onde se encontra o conselho deliberativo e os órgãos de gestão e direção desta empresa.

1.2  IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

O primeiro problema a ser investigado é relativo aos ônus e à sucessão do arrematante João Feitosa nas obrigações do devedor, quando da aquisição de bens provenientes de processos de recuperação judicial ou de processo falimentar. Há diferenças nessas duas situações? Quais as interpretações possíveis com relação a essa temática, inclusive sob o aspecto linguístico? Como os tribunais têm se posicionado sobre esse tema?

Quanto à abrangência da expressão "principal estabelecimento", constante do art. 3º da Lei n.º11.101/05, fundamental para a definição do juízo competente para processamento e julgamento dos pedidos de recuperação judicial: Caso a empresa em crise venha a ter seu processo de recuperação judicial convolado em falência, e os bens adquiridos por João Feitosa venham a ser arrecadados pela massa falida, qual seria o foro competente para julgamento do feito? Quais os sentidos apresentados pela doutrina para a referida expressão e consequentes efeitos práticos da adoção de cada um? Como os tribunais vêm se posicionando a respeito desse tema?

A questão central do caso: É possível identificar algum referencial teleológico/axiológico capaz de vincular algumas das respostas apresentadas aos temas de investigação acima propostos? Qual é esse referencial e o seu fundamento?

Qual ou quais os efeitos que decorreriam da aplicação das teorias relativas ao processo de adjudicação ao caso apresentado, quais sejam: Escola da Exegese; Escola da Jurisprudência dos Conceitos; Positivismo Sociológico; Jurisprudência dos Interesses; Livre Investigação Científica; Movimento do Direito Livre? Haveriam alterações na análise do caso em função da adoção de cada uma dessas escolas? Qual, ou quais, delas melhor se adequaria à satisfação do referencial teleológico/axiológico norteador da referida lei?

 

  1. 2.      IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1  DESCRIÇÃO DOS ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO

  • Quanto ao ônus e à sucessão do arrematante João Feitosa nas obrigações do devedor, quando da aquisição de bens provenientes de processos de recuperação judicial ou de processo falimentar. Há diferenças nessas duas situações? Quais as interpretações possíveis com relação a essa temática, inclusive sob o aspecto linguístico? Como os tribunais têm se posicionado sobre esse tema?

A lei 11.101/05, que é a lei de falências e recuperação de empresas dispõe em seu artigo 141, inciso II, acerca da alienação da empresa que se encontra em processo falimentar, quanto ao ônus e à sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. De acordo com o inciso II do art. 141, “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”. Logo, entende-se que o arrematante estará livre de qualquer ônus e obrigações do devedor, ainda que de natureza tributária ou trabalhista.

No processo de recuperação empresarial, quanto ao ônus e à sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, se encontra disposto no parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/05, que diz: “O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei”. Pode-se observar que tal dispositivo não veda expressamente a sucessão trabalhista como é feito no inciso II do art. 141 da referida lei, tratando somente das obrigações do devedor de natureza tributária.

Conforme o acórdão 20090642826 proferido pela 4º turma do TRT 2º Região no julgamento de recurso ordinário, “Realizando uma interpretação hermenêutica da Lei 11.101/05, depreende-se que o legislador vedou a sucessão tão somente nos casos de falência, mas não de recuperação judicial; se quisesse isentar o adquirente das obrigações trabalhistas, teria sido expresso quanto a elas no art. 60 da lei”. A hermenêutica não permite uma interpretação extensiva de tal norma jurídica, devendo ocorrer no processo de recuperação judicial a sucessão das obrigações trabalhistas do devedor.

No julgamento da ADI 3934, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pela impossibilidade de haver a sucessão das obrigações trabalhistas no processo de recuperação judicial. Ou seja, de acordo com a decisão do STF, os arrematantes não irão suceder as obrigações trabalhistas e tributárias da empresa que se encontra em recuperação judicial. Enquanto o posicionamento majoritário adotado pelas turmas do Tribunal Regional do Trabalho é de declarar expressamente a sucessão das obrigações trabalhistas em caso de recuperação judicial, como na decisão proferida pela 4º turma do TRT 2º Região:

“O parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 há de ser interpretado dentro do contexto sob o qual se insere, qual seja, o fim precípuo do processo de recuperação judicial, que objetiva resguardar a saúde financeira das empresas nos momentos de crise através da sua recuperação, salvando empregos e salários. Contudo, referido artigo não exclui a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas, porquanto não as excepciona textualmente”. (TRIBUNAL: 2º Região – Acórdão num: 20090642826 – Órgão julgador – Quarta turma - Relator Sergio Winnik – Revisor Paulo Augusto Camara).

  • Quanto à abrangência da expressão "principal estabelecimento", constante do art. 3º da Lei n.º11.101/05, fundamental para a definição do juízo competente para processamento e julgamento dos pedidos de recuperação judicial: Caso a empresa em crise venha a ter seu processo de recuperação judicial convolado em falência, e os bens adquiridos por João Feitosa venham a ser arrecadados pela massa falida, qual seria o foro competente para julgamento do feito? Quais os sentidos apresentados pela doutrina para a referida expressão e consequentes efeitos práticos da adoção de cada um? Como os tribunais vêm se posicionando a respeito desse tema?

O art. 3º da Lei de Falências e Recuperação de Empresas dispõe: “É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”. A expressão “principal estabelecimento” admite diversas interpretações e é fundamental para que se defina o foro competente para processar e julgar o pedido de recuperação judicial da empresa.

Segundo Requião (1984, apud ALMEIDA, 2007, p. 67-68):

O critério para se determinar o principal estabelecimento integrante de uma empresa com vários estabelecimentos (sejam sucursais, filiais, agências, depósitos, escritórios etc.) não leva em conta a dimensão dos mesmos. Conceitua-se tendo em vista o local onde se fixa a chefia da empresa, de onde emanam as ordens e instruções, em que se procedem as operações comerciais e financeiras de maior vulto e em massa, onde se encontra a contabilidade geral.

Enquanto Requião considera como principal estabelecimento o local onde é realizada a chefia da empresa, de onde emanam as ordens e instruções, bem como onde são tomadas as decisões; o doutrinador Fábio Ulhoa afirma que: “principal estabelecimento, para fins de definição da competência para o direito falimentar, é aquele em que se encontra concentrado o maior volume de negócios da empresa; é o mais importante do ponto de vista econômico”. Waldo Fazzio Jr. compartilha do pensamento de Fábio Ulhoa e afirma que o principal estabelecimento é o centro de operações negociais da empresa. No caso em análise, de acordo com o entendimento apontado por Requião, o foro competente seria no Rio de Janeiro/RJ, enquanto no entendimento de Fábio Ulhoa, do ponto de vista econômico, o foro competente seria na cidade de Bacabal/MA.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o principal estabelecimento é o “centro vital das principais atividades do devedor”. O STJ em decisão tomada no Conflito de Competência 37736/SP, definiu que: “O juízo competente para processar e julgar pedido de falência e, por conseguinte, de concordata, é o da comarca onde se encontra o centro vital das principais atividades do devedor”. (CC 37736/SP, Segunda Seção, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado: 11/06/2003, DJ 16/08/2004). Do entendimento do STF e do STJ, o foro competente para julgamento do feito seria no Rio de Janeiro/RJ.

Pode-se observar que cada intérprete do texto normativo poderá adotar um sentido diferente, pois o sentido é criado e não dado. No caso em questão, a definição de “principal estabelecimento” recebe diversos sentidos diferentes que são criados pelo intérprete. Alguns entendem ser o local de onde emanam as ordens e instruções da empresa, outros adotam o ponto de vista econômico. Da interpretação que se dá aos textos normativos, pode-se perceber a importância da interpretação da hermenêutica jurídica, ao se construir diversos sentidos na interpretação dos textos normativos.

  • A questão central do caso: É possível identificar algum referencial teleológico/axiológico capaz de vincular algumas das respostas apresentadas aos temas de investigação acima propostos? Qual é esse referencial e o seu fundamento?

De acordo com as palavras de FERRAZ JR. (2010):

“A interpretação teleológica e axiológica ativa a participação do intérprete na configuração do sentido. Seu movimento interpretativo, inversamente ao da interpretação sistemática que também postula uma cabal e coerente unidade do sistema, parte das consequências avaliadas das normas e retorna para o interior do sistema. É como se o intérprete tentasse fazer com que o legislador fosse capaz de mover suas próprias previsões, pois as decisões dos conflitos parecem basear-se nas previsões de suas próprias consequências. Assim, entende-se que, não importa a norma, ela há de ter, para o hermeneuta, sempre um objetivo que serve para controlar até as consequências da previsão legal (a lei sempre visa aos fins sociais do direito e as exigência do bem comum, ainda que, de fato, possa parecer que eles não estejam sendo atingidos)”.

Pode-se identificar referenciais teleológicos/axiológicos que são capazes de vincular as respostas apresentadas ao caso em análise, a partir das palavras de FERRAZ (2010), que afirma que a participação do intérprete na configuração do sentido aplicado à norma jurídica, é resultado de uma interpretação teleológica e axiológica desta. Para o intérprete, a norma sempre terá um objetivo de controlar as consequências da previsão legal.

Segundo Mattos (2007), ao se empregar o elemento teleológico, este será responsável por dar a diretriz do caminho a trilhar, visto que para que a lei produza efeito, esta deverá atender à finalidade de sua criação e, se a sua finalidade é decorrente de uma série de dispositivos, devemos interpretá-los sem nos distanciarmos da pretensão do legislador, pois devemos atribuir ao texto normativo um sentido a favor de quem deve protegê-la.

Em relação ao ônus e à sucessão das obrigações trabalhista do devedor pelo arrematante, temos diferentes interpretações quando se trata das obrigações trabalhistas no caso de falência e no caso de recuperação judicial, dispostos respectivamente no inciso II do art. 141 e no parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05. E na análise do art. 3º da referida lei, temos diferentes interpretações da expressão “principal estabelecimento” constante no caput, podendo ser considerado o principal estabelecimento conforme o ponto de vista econômico ou de onde emanam as principais ordens e deliberações da empresa.

O referencial teleológico/axiológico no caso em análise visa à efetividade do disposto na Lei de Falências e Recuperação de Empresas, devendo esta atender à finalidade de sua criação. Os princípios basilares desta Lei são os da preservação da empresa e assegurar a função social da mesma, sendo estas as principais finalidades da recuperação judicial, que tem por objetivo viabilizar ao devedor a possibilidade de superar tal situação, a fim de permitir a manutenção da empresa, conforme disposto no art. 47 desta Lei, cumprir com as obrigações trabalhistas e garantir a função social da empresa, que segundo Alexandre Husni (2007): “a função social da empresa constitui o poder de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados deveres positivos e negativos. [...] Possui a finalidade comum de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

  • Qual, ou quais, efeitos decorreriam da aplicação das teorias relativas ao processo de adjudicação (raciocínio interpretativo judicial) ao caso apresentado, quais sejam: Escola da Exegese; Escola da Jurisprudência dos Conceitos; Positivismo Sociológico; Jurisprudência dos Interesses; Livre Investigação Científica; Movimento do Direito Livre? Haveriam alterações na análise do caso em função da adoção de cada uma dessas escolas? Qual, ou quais, delas melhor se adequaria à satisfação do referencial teleológico/axiológico norteador da referida lei?

- Escola da Exegese

O exegetismo teve sua origem no século XIX e sua teoria se fundamentava na ideia de que o direito positivo era a lei escrita, e que a função do jurista ao aplicá-la era de observar rigorosamente ao que está disposto na lei, sem interpretações por sua parte. Para esta escola a lei seria a única fonte do Direito. Observa-se traços do Positivismo Jurídico na Escola da Exegese, aqui a lei deveria ser aplicada estritamente.

Ao se aplicar esta escola ao caso em análise, a função do intérprete seria observar somente o que está disposto na Lei 11.101/05, interpretando a lei escrita para alcançar a vontade do legislador. Logo, em relação ao ônus e à sucessão das obrigações do devedor no processo de recuperação judicial, há que se observar o disposto no parágrafo único do art. 60 da referida Lei, em que o legislador não isentou o arrematante de suceder as obrigações trabalhistas do devedor. Portanto, o arrematante deve cumprir as obrigações trabalhistas do devedor no processo de recuperação judicial.

Em relação à Lei 11.101/05, ao se aplicar a Escola da Exegese, o intérprete deve seguir os princípios basilares desta, principalmente o princípio da preservação da empresa, que se encontra no art. 47 desta lei, que dispõe acerca da recuperação judicial: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

- Jurisprudência dos Conceitos

A corrente da Jurisprudência dos conceitos utilizava como método o processo lógico dedutivo, baseando-se em um sistema de conceitos. Esse sistema se assemelha a uma pirâmide construída por conceitos, estando no vértice dessa pirâmide o conceito supremo ao qual todos esses outros conceitos que compõem a pirâmide vêm a se subsumir. Friedrich Puchta traz a ideia da genealogia de conceitos, e afirma que esta genealogia seria a própria pirâmide de conceitos, de onde se pode tirar a ideia de que, o conceito supremo, do qual se deduzem todos os outros, codetermina os restantes através do seu conteúdo. (LARENZ, 1997, p.25).

Tal corrente carrega traços do positivismo jurídico e traz a ideia da genealogia de conceitos, em que no topo se encontra o conceito supremo, ao qual se subsumem todos os outros. Ou seja, no caso em questão, haveria a subsunção da Lei 11.101/05 em relação à Constituição Federal, visto que a CF seria o conceito supremo da pirâmide de conceitos. Logo, de acordo com a escola da jurisprudência dos conceitos, todos os dispositivos da Lei de Falências e Recuperação de Empresas devem se subsumir ao conceito supremo que é a Constituição Federal.

- Escola do Positivismo Sociológico

O positivismo sociológico surgiu na primeira metade do século XIX, a partir da teoria de Augusto Comte. As principais características dessa teoria eram: o fim da busca de respostas por via dedutiva, a negação da teologia e da metafísica e a supervalorização do empirismo.  O positivismo jurídico é considerado uma espécie de positivismo sociológico, já que a sociologia é a ciência dos fatos, o direito seria um fato social e esta escola busca incrementar a função social no Direito.

Como visto anteriormente, a Recuperação judicial tem como objetivo garantir os princípios da preservação da empresa e da função social desta. Isto quer dizer que a empresa tem um papel social muito importante, gerando empregos e como consequência disso, eleva o desenvolvimento econômico social, tendo menos desempregados nas ruas. E com a preservação e manutenção da empresa em funcionamento, estes empregos estariam garantidos. A escola em análise visa incrementar a função social no Direito, enquanto a recuperação judicial tem como objetivo cumprir com a função social da empresa, logo estaria de acordo com a escola do positivismo sociológico.

- Escola da Jurisprudência dos Interesses

É a segunda subcorrente do positivismo jurídico, esta escola é contrária a posição da escola da exegese, por não ter como foco o legislador e sim a vontade da lei, a escola da jurisprudência dos interesses tem como característica a obediência a lei, ao interpretar a lei e aplicá-la, o juiz deve levar em consideração o que reveste esta norma.

Ao se aplicar esta escola no caso em análise, podemos considerar que o juiz, ao aplicar a lei de Falências e Recuperação de Empresa, deverá garantir o cumprimento dos princípios basilares desta, que seria no caso da recuperação judicial, assegurar a preservação da empresa, para cumprir com a função social desta, garantindo o desenvolvimento econômico do País e a manutenção dos trabalhadores na empresa. O interesse dessa recuperação judicial é preponderantemente garantir cumprimento da finalidade de criação da Lei 11.101/05.

- Escola da Livre Investigação Científica

Esta escola tem sua origem na França, no final do Século XIX e foi criada por François Gény. A Escola da Livre Investigação Científica garante mais liberdade ao intérprete da lei, não sendo tão restrita quanto o exegetismo, onde a lei deve ser devida e estritamente seguida. Aqui cabe ao juiz demonstrar sua vontade visando preencher lacunas legislativas, podendo interpretar para completar as lacunas e dar sentido à norma jurídica. Para esta teoria a lei continua sendo a principal fonte do Direito.

A Escola da Livre Investigação Científica, aplicada ao caso em análise, garantiria ao juiz o poder de interpretação da Lei 11.101/05, além de preencher as lacunas contidas nesta Lei, como no caso do seu art. 3º, em que não há unanimidade na definição da expressão “principal estabelecimento”, pois a lei não diz claramente, possibilitando diversas interpretações, como analisado anteriormente. Esta Escola garantiria ao juiz o poder de preencher esta lacuna e indicar qual deve ser o juízo competente para o julgamento do caso.

- Escola do Movimento do Direito Livre

O Movimento do Direito Livre surgiu na Alemanha, iniciado por Hermann Kantorowicz, em 1906. Esta escola crítica o positivismo extremo adotado pelo exegetismo, no Movimento do Direito Livre a lei não seria mais a única fonte do direito, esta escola adota somente algumas formas de positivismo sociológico, trazidas por Ehrilich. Para esta Escola, ao aplicar o Direito ao caso concreto, o que deve prevalecer é o Direito enquanto Justiça, aqui o juiz estaria desvinculado de seguir estritamente o disposto na lei e as lacuna deveriam ser preenchidas pelo Direito Livre.

Ao aplicar a Escola do Movimento do Direito Livre na interpretação da Lei 11.101/05, o juiz não precisaria se valer somente da lei para solucionar o caso concreto e esta não seria mais a única fonte do Direito. Na ausência de leis ou quando houver lacunas na lei, o juiz poderia interpretar para preenchê-las. Sabendo-se que a lei de Falência tem como base princípios como o da preservação da empresa e o da função social e os seus dispositivos buscam cumprir esta finalidade, ao valer-se do Direito Livre, o juiz poderia interpretar e aplicar outras fontes do direito, como costumes ou jurisprudências, não precisando interpretar estritamente o que está disposto na lei.

Referências:

 

ALMEIDA, Amador Paes. Curso de falência e Recuperação de Empresa. 23.ed. rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas: Lei n. 11.101, de 09-02-2005. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

____________________. Curso de Direito Comercial. 12. ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2011.

FAZZIO JR., Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de empresas. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2006.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2010.

HUSNI, Alexandre. Empresa socialmente responsável – uma abordagem jurídica e multidisciplinar. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradutor: José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

MATTOS, Xistos Silva. A sucessão do arrematante no processo de Recuperação Judicial. Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial. n. 90, ano: 2007. Disponível em: <http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1791.htm>. Acesso em: 25 de out. 2013.

                                                          



[1] Case apresentado à disciplina de Hermenêutica, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do sexto período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, Orientador.