LEGITIMADOS PARA PROMOÇÃO DA TUTELA COLETIVA DO CONSUMIDOR[1]

 

Amanda Ferreira Marques e Erica Alencar dos Santos[2]

Roberto Almeida[3]

Sumário: 1. Introdução. 2. Ação Civil Pública e Ação Civil Coletiva: distinções e minuciosas. 3. Legitimidade do Ministério Público. 4. O papel do Procon como legitimado para promoção da tutela coletiva do consumidor. 5. Conclusão. Referências.

RESUMO

 

O presente artigo versará acerca dos legitimados para promover a tutela de direitos dos consumidores, pela via coletiva, que cumprirá a priori, analisar os instrumentos cabíveis para dar-se a prestação jurisdicional, com exame especial e breves distinções entre ação civil pública e ação civil coletiva, meios processuais colocados à disposição do consumidor. Passa-se a exposição do Ministério Público como legitimado guardião da sociedade e de seus interesses constitucionalmente resguardados, e que sua ampla atuação reflete diretamente na consecução do bem comum, objetivo precípuo do Estado Democrático de Direito. Por fim, no rol dos legitimados, estudou-se o papel dos Procons, órgãos da Administração Pública direta dos Poderes Executivos Estaduais e Municipais, com destaque a conflituosa e tumultuada administração da justiça, estes órgãos possui legitimidade para instauração de processos administrativos por ofício para investigação de lesões coletivas, e ações correlatas para defesa dos direitos do consumidor. Estabelecidos no Brasil com a finalidade de atenuar os efeitos produzidos pela ineficácia do Estado na tutela coletiva de direitos.

Palavras-chave: Legitimados. Promoção da tutela coletiva. Direitos. Consumidores. Papel do Procon.

1 INTRODUÇÃO

            Ao adentrarmos na análise dos instrumentos cabíveis para promoção da prestação jurisdicional, com exame minucioso das vias processuais dispostas aos consumidores, nos deparamos no direito brasileiro com a tutela processual coletiva, que em caráter excepcional confere-se o direito de ação a outros órgãos e entidades, que fomentam demandar em favor dos legitimados - consumidores, na forma de substituição processual. Isto se firmou, com o advento da Lei da Ação Civil Pública, de nº 7.347/85, representativo marco de reconhecimento de interesses e direitos coletivos, passiveis de tutela e com legitimação robusta para interposição das ações, que pela primeira vez, cedeu esta ao Ministério Público, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, como também às associações civis a capacidade de demandar a título coletivo. Após a regulada a tutela coletiva no Brasil, com a Lei nº 7.347/85, foi acompanhada seguidamente do Código de Defesa do Consumidor, Lei de nº 8.078/90, que estabeleceu o objeto da proteção processual, a definição exata dos direitos envolvidos e a legitimação. Ressalta-se, portanto, a nítida interligação dialética no que tange ao aspecto processual, em matéria coletiva de direitos, do Código de Defesa do Consumidor com a Lei da Ação Civil Pública.

            Ao entremearmos os diplomas legislativos ora referidos, destacamos as definições aplicáveis à proteção coletiva, na tutela dos consumidores e nos demais interesses coletivos e difusos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como nessa interação é imprescindível falar sobre o artigo 21, CDC, a saber: “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”, que firma a aplicação comum das disposições do CDC às situações reguladas pela Lei de Ação Civil Pública, com também no sentido diametralmente contrário.

            O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 82, ao elencar os legitimados concorrentemente, para promoção da tutela coletiva do consumidor, estabelece: “Para fins do artigo 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear; estes legitimados incluídos no rol do dispositivo legal tem o poder de agir autonomamente, sem anuência dos demais.

            A que se falar ainda, na relevância desta pesquisa que gira em torno do rol dos legitimados, mais precisamente os Procons, que são órgãos da Administração Pública direta dos Poderes Executivos Estaduais e Municipais.  Que detém a legitimidade para propositura de uma Ação Civil Pública (ACP) e outras ações correlatas para defesa dos direitos do consumidor. E que diante a conflituosa e tumultuada administração da justiça, foram estabelecidos no Brasil, com o propósito de atenuar os efeitos produzidos pela ineficácia do Estado na tutela coletiva de direitos, especificamente na dos consumidores.

            Destaque-se que o presente estudo optou pela técnica de pesquisa bibliográfica, através da leitura de livros, jurisprudência e artigos científicos, sobre o tema. Para possibilitar o exame minucioso do tema em questão, far-se-á uso do método de abordagem dedutivo, partindo de premissas gerais para o particular. No que tange ao método de procedimento, será o observacional, partindo da análise dos legitimados em geral a serem abordados a fim de chegar ao legitimado específico, o Procon, que é uma designação simplificada, e esmiuçando sua função ao promover a tutela coletiva dos consumidores.

2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO CIVIL COLETIVA: DISTINÇÕES E MINUCIOSAS AFINIDADES

            A ação civil pública e ação civil coletiva possuem distinções latentes, especialmente no que tange aos aspectos de conceitos e adequação, legitimidade para agir, foro competente, litisconsórcio, sentença e coisa julgada. Porém apresentam afinidades, não se confundem, cuidando-se de ações típicas, cada qual com representação própria e destinadas à proteção de diferentes bens. Há quem entenda ser a ação civil pública espécie da ação civil coletiva, em que esta é gênero, “das quais são espécies: a ação civil pública, a ação popular, mandado de segurança coletivo...” (GARCIA, Leonardo Medeiros. 2010, p. 426).

            É inevitável que antes de falar sobre ações coletivas, que se conceitue o instituto da ação e suas condições, pressupostos da ação, e que nas palavras de Antonio Reis (2010, p. 87), é conveniente expor:

A ação é o direito subjetivo público, autônomo e abstrato, de provocar o exercício da função jurisdicional sobre determinada lide ou determinada relação ou situação jurídica sujeita pela lei à tutela jurisdicional do Estado, esclarecendo-se que a ação é direito subjetivo porque, mediante determinadas condições, as chamadas condições da ação, o autor tem o poder de exigir do Estado o exercício de determinada atividade, a atividade jurisdicional; é um direito autônomo, porque é um direito diverso do direito subjetivo material que o autor pretende ver reconhecido em juízo; é um outro direito, com outra essência (...). Portanto, como o direito de ação não é condicionado, optou-se por chamar as condições de requisitos da ação, sendo eles: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido (REIS, Antônio Carlos Tadeu Borges. 2010, p. 61).

            Cumpre nesse passo analisar a diferença essencial entre interesse público, que tem como titular o Estado, e interesse privado, o individuo como titular, todavia ressalta-se que não existe o entendimento de “classes distintas e intocável de interesse” (REIS, 2010, p. 64), em que distingue-se porque o interesse público pode alcançar direitos indisponíveis do cidadão, ou da coletividade, interesses sociais e difusos, e pode ser definido como “interesse geral da coletividade ou o interesse da coletividade como um todo” (REIS, 2010, p. 65).

            Em contrapartida, o interesse privado, do indivíduo, é aquele com o fim de ser desfrutado nos limites de atuação de seu destinatário. Em que Antônio Reis (2010) em concordância, define:

Os interesses individuais homogêneos apresentam-se uniformizados pela origem comum, na sua essência remanescem individuais. Compreendem os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato. Nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis e o dano ou a responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente variável (REIS, Antônio Carlos Tadeu Borges. 2010, p.72).

            Ada Pellegrini Grinover (1999, p.763) ensina: "os interesses coletivos são tidos como os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vínculo jurídico que os congrega".

            Dispostos alguns conceitos, partiremos para análise da ação civil coletiva, que se encarrega como objeto na “defesa dos interesses individuais homogêneos de origem comum”, e com as inovações introduzidas com o advento da Lei de proteção trouxe “grande avanço na conquista para defesa judicial do consumidor”. Adaptada ao sistema processual brasileiro assemelha-se a conhecida class action norte-americana, diferenciando-a no que tange à legitimação para agir e à representatividade (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 199).

            Pela própria definição, do objeto desse tipo de ação            , que é a defesa em juízo dos direitos individuais homogêneos, vinculados a um individuo, “de natureza divisível e de origem comum e com pluralidade de titularidade”, concluir-se-ia que poderiam ser propostas várias ações individuais pleiteando a favor de si. Daí se observa a mudança ocorrida, em que o Código de Defesa do Consumidor permite o ajuizar apenas uma ação coletiva, por legitimados legalmente em prol de todas as vítimas do mesmo evento, “evitando com isso o ajuizamento de milhares de ações” no país, visando celeridade processual para as partes e pelo Judiciário (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 200). E é cogente, as palavras de João Almeida, 2009:

Por outro lado, fortalece a posição do consumidor, que isoladamente, poderia não se sentir em condições de litigar - em virtude do reduzido valor patrimonial da demanda ou das despesas que forçosamente teria de efetuar, mas que, na via coletiva, mediante ação única, terá uma razoável oportunidade de ressarcimento. O procedimento é ordinário (CPC, arts. 282 e s.) com alterações que se tornaram necessárias em razão das peculiaridades da ação coletiva, notadamente no que tange à legitimação para agir, ao foro para o ajuizamento e a execução, ao conteúdo da sentença de conhecimento, à coisa julgada e, bem assim, à liquidação e execução da sentença (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 200).

            No que tange aos legitimados para ação coletiva, segundo o artigo 82 do CDC, incisos I a IV, são o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos do consumidor e as associações privadas. Refere-se a uma substituição processual, em que os legitimados concorrentes pleiteiam, mediante autorização legal, em nome próprio, os interesses das vítimas. Estas, de forma isolada, não estão legitimadas para a fase inicial, o processo do conhecimento da ação coletiva, porém podem intervir como litisconsortes ativos, segundo artigo 94, CDC e ainda atuarem com ímpeto na fase de liquidação e no processo de execução, conforme apregoa os artigos 97, 98 e § 3º do artigo 103 do CDC (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 202).   

            É válido destacar que a Lei de Ação Civil Pública não previu no que concerne à legitimação para agir, em relação à ação civil pública, incluir dentre os legitimados os órgãos públicos de defesa do consumidor, os Procons e afins, trazida a ampliação prevista no Código de Defesa do Consumidor (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 202).

            Atinente ao litisconsórcio na Ação Civil Coletiva admite-se apenas o entre legitimados concorrentes, em que se excluí pessoa física. O CDC estabelece a possibilidade de litisconsórcio entre os legitimados e também o ingresso dos interessados, vítimas ou sucessores na condição de litisconsortes ativos, segundo em seu artigo 94, em que se percebe na “ação civil coletiva o tratamento é diferenciado”, complementa João Almeida (2009, pg.202), e ainda segundo o autor, “se o próprio interessado pode ajuizar a ação individual para a defesa de seu patrimônio, também poderá fazê-lo na ação coletiva, auxiliando no pólo ativo da demanda” (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 202).

            Ao tratar do foro competente, para o processo e julgamento da ação coletiva será a Justiça comum dos Estados, com ressalva a competência da Justiça Federal, artigo 93, CDC. Ademais o foro competente é designado pela abrangência territorial dos danos, e assim “se de âmbito nacional, produzidos em dois ou mais Estados ou em Municípios de diferentes Estados, se regional, em vários Municípios de um mesmo Estado ou ainda local, circunscritos a um Município, e a este competente será o foro do lugar onde ocorreu ou deve ocorrer”, segundo artigo 93, I, CDC (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 202). Na fase de liquidação, promovida pelos legitimados concorrentes, o juízo competente será o da ação condenatória, artigo 98, §2, II do CDC.

            Com já citado anteriormente, as ações civil pública e coletiva são diferentes e destinadas à proteção de bens distintos, baseia-se essa diferença dada também pela Lei Orgânica do Ministério Público da União, nº 75, de 1993, que estabeleceu para o parquet, a atribuição para promoção da ação civil pública, artigo 6º, III, e, contudo no inciso XII, para promoção da ação civil coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos, o que prova a existência de duas ações diferentes.

            “Em sede doutrinária, esse ponto da diferenciação entre as ações não é pacífico, há doutrinadores que entendem que podem “ser utilizadas como sinônimas, inexistindo nenhuma utilidade prática para a diferenciação” (DINAMARCO, Pedro da Silva. 2001, p. 270 apud GARCIA, Leonardo Medeiros. 2010, p. 426).

            Afirma João Almeida (2009, p. 207) que “ação civil pública, criada em 1985, destinada à defesa coletiva do consumidor e de outros bens tutelados, é adequada para a defesa dos interesses ou direitos difusos ou coletivos, por natureza transindividuais e individuais” e que em sede jurisprudencial, STF e STJ e doutrinária admite-se atualmente serem direitos individuais homogêneos.

            A Ação Civil Coletiva, originada pelo CDC e ciada em 1990, é destinada à defesa apenas dos direitos do consumidor, vítimas ou sucessores, como dito alhures, “é adequada para defesa dos interesses individuais homogêneos, de origem comum e por natureza divisíveis”, segundo João Almeida (2009, p. 207) e assim apresentando um campo bem mais restrito do que a ação referida anteriormente.

            Ademais apesar dos âmbitos de utilização das ações serem distintos, outras diferenças podem ser elencadas, nos ensinamentos de João Batista Almeida (2009, p.207-208):

Na ação civil coletiva a condenação em dinheiro é sempre genérica; o destino de seu produto é preferencialmente destinado para os beneficiários (e não - ou só excepcionalmente – para o fundo); a liquidação e a execução podem ser feitas a título individual; há exigência de ampla divulgação da ação e o beneficiário pode ser admitido como litisconsorte ativo; na ação civil pública, contrariamente, a condenação é sempre certa, em dinheiro ou em obrigação de fazer ou não fazer (Lei nº 7.347/85, art. 3º); a destinação do produto da condenação em dinheiro é FDD (e não para os beneficiários); não se admitem a liquidação e a execução a título individual, a lei é omissa e, portanto, não exige ampla divulgação da ação, mesmo porque não há fase de habilitação e, por fim, é juridicamente impossível o litisconsórcio ativo do consumidor individualmente considerado com os co-legitimados (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 207-208).

            Referidas as devidas distinções entre as ações, passemos a apreciar as afinidades entre as mesmas, a saber, nas palavras do doutrinador João Batista Almeida (2009, p. 207):

Prestarem-se ambas à defesa coletiva do consumidor; não poderem ser utilizadas para pleito singular de direitos individuais, do que decorre a falta de legitimidade do indivíduo singularmente considerado para o pleito de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 207).

                É razoável ainda, referir que na existência da dúvida quanto à propositura de qual ação seja escolhida, é possível ocorrer prejuízo para os litigantes na hipótese de uma ser proposta no lugar da outra, como também na falta de certeza atinente à legitimidade ativa para agir (ALMEIDA, João Batista. 2009, p. 208).

            Diante o exposto a ação civil coletiva que é disciplinada nos artigos 91 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor, será cabível quando tratar de causas concernentes a direito individual homogêneo puro, presente a habilitação das vítimas e a exata comprovação do dano individualmente sofrido e o nexo de origem.

            Por fim, Ada Grinover (1995, p. 206) a seu turno, afirma que a ação civil pública “pode ser usada para a proteção de interesses ou direitos individuais homogêneos”. E aduz Hugo Mazzilli (2002, p.61), que somente será ação civil pública “quando for postulada pelo Ministério Público. E quando for por outro legitimado, será ação civil coletiva”.

3 LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

            O Ministério Público vem demonstrando sua relevância social, está entre todos os entes legitimados, o que se destaca na atuação da tutela judicial dos direitos coletivos, “tanto na proteção dos direitos do consumidor como das outras espécies de direitos mataindividuais”, segundo apontam as estatísticas (BESSA, Leonardo Roscoe. 2008, p. 395).

            Outrossim, em que é nítida a legitimidade do Mistério Público expressa no ordenamento jurídico, com a finalidade de ajuizar ações para tutela dos direitos difusos, individuais homogêneos e coletivos.

            Porém em meados dos anos 90, existiu uma resistência do Judiciário em aceitar essa legitimidade, que após diversas discussões nos tribunais houve ampla aceitação jurisprudencial para este ajuizar ações coletivas, com uma “restrição pontual quanto a exigência de verificação de relevância social do objeto da ação”, quando na hipótese de tratar de interesse coletivo ou individual homogêneo, “a considerar a destinação constitucional do órgão: defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis”, segundo artigo 127, CF (BESSA, Leonardo Roscoe. 2008, p. 396).

            Atualmente, parte da doutrina e a jurisprudência apresentam apenas restrição quanto a legitimidade do Ministério Público, no que concerne à avaliação, em concreto, da relevância social do objeto da ação, especialmente na tutela dos direitos individuais homogêneos, e o STF já se pronunciou a respeito, havendo inúmeros acórdãos da Corte reconhecendo a legitimidade do MP nas mais diversas áreas, especialmente o Recursos Especial de nº 424.048, do relator Ministro Sepúlveda Pertence, de 25 de outubro de 2005, em que atesta a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública quando se trata de direitos individuais homogêneos, em que seus titulares encontram como consumidores.

            É cogente expor o entendimento do doutrinador Nelson Nery Júnior (1994, p.1029), a respeito da temática quanto à legitimidade para a proteção dos interesses individuais homogêneos:

O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e adolescente à educação; aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico (JÚNIOR, Nelson Nery. 1994, p.1029).

            O entendimento do STJ acerca do assunto é de exatamente exigir a presença de interesse público, ou seja, relevância social, nas ações coletivas ajuizadas pelo Ministério Público para a tutela de direitos individuais homogêneos, a saber, o conteúdo em sede de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 590.802-RS:

Com efeito, a decisão tomada pela maioria na Corte Especial, quando do julgamento dos REsp-114.908 (Ministra Eliana Calmon, DJ de 20.5.02) diz que "o MP está legitimidado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público". Sucede que, quanto à aplicabilidade do Cód. de Defesa do Consumidor às relações locatícias, as Turmas que compõem a Terceira Seção têm jurisprudência no sentido de que as disposições contidas na Lei nº 8.078/90 não são aplicáveis ao contrato de locação predial urbana, que se regula por legislação própria, a saber, a Lei nº 8.245/91. Vejamos: "São inaplicáveis às relações locatícias as normas sobre multa do Código de Defesa do Consumidor. " (AgRg no Ag-402.029 , Ministro Gilson Dipp, DJ de 4.2.02.)"É pacífica e remansosa a jurisprudência, nesta Corte, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios, que são regulados por legislação própria."(REsp-689.266, Ministro Arnaldo Lima, DJ de 14.11.05.). "Consoante iterativos julgados desse Tribunal, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor não são aplicáveis ao contrato de locação predial urbana, que se regula por legislação própria - Lei nº8.24555/91." (REsp-302.209, Ministro Vicente Leal, DJ de 4.3.02.)."Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos contratos de locação regidos pela Lei n2454545/91."(AgRg no Ag-556.237 , Ministro Paulo Medina, DJ de 28.6.04.) "É cediço que, em relação locatícia regida pela Lei n2454545/91, não se aplica Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que esta relação está regulada por lei específica."AgRg no Ag-363.679 , Ministro Quaglia Barbosa, DJ de 21.11.05. Nego provimento ao agravo regimental     (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 590.802-RS. Relator: Ministro Nilson Naves. Brasília, DF, 30 de maio de 2006).

4 O PAPEL DO PROCON COMO LEGITIMADO PARA PROMOÇÃO DA TUTELA COLETIVA DO CONSUMIDOR

Procon é uma designação simplificada, dos órgãos do Poder Executivo Estaduais ou Municipais, que na condição de “ órgão responsável pelo cumprimento do dever fundamental de proteção ao consumidor, por vinculação constitucional” (BRITTO, Igor Rodrigues. SANTOS, Ricardo Goretti. 2011, p. 18) tem como missão  imprescindível tentar promover a resolução dos conflitos individuais manifestados. Ao promover a pacificação autocompositiva de conflitos de consumo, o Proncon cumpre esse com precisão este encargo. É o órgão que mantém uma relação mais próxima com os consumidores, gozando de credibilidade na sociedade.

O papel dos Procons, em meio à crise da administração da justiça, foram instituídos no Brasil com a missão de amenizar os efeitos produzidos pela ineficácia do Estado na tutela coletiva dos consumidores. Conferindo especial destaque ao fato de que a popularização dos Procons como instância de solução de conflitos individuais, muito se deve aos resultados expressivos - ao menos quantitativamente, atingidos por meio das chamadas audiências de conciliação.

                É sabido que a ação dos órgãos de defesa do consumidor é independente, e, portanto se o consumidor registrar sua reclamação junto ao Procon e também no Poder Judiciário, isso não implicará no encerramento automático de nenhuma das demandas, e assim adotar-se-á  providências cabíveis em âmbito da competência de cada órgão.

            Regimento Interno do Procon elenca algumas atribuições pertinentes a sua estrutura, quais sejam:

Coibir fraudes e abusos contra o consumidor, e prestar-lhe orientação permanente sobre os seus direitos e garantias; fiscalizar, autuar e aplicar sanções administrativas na forma da legislação pertinente à proteção e defesa do consumidor, aos responsáveis por condutas que violem as normas protetivas das relações de consumo, bem como fiscalizar preços, abastecimento, qualidade, origem, características, composição, garantia, prazos de validade e segurança de produtos e serviços, dentre outros, solicitar à polícia judiciária a instauração de procedimentos para apuração de infração contra o consumidor e contra a ordem econômica, nos termos da legislação vigente, levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de qualquer ordem que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores e representar ao Ministério Público competente, para fins de adoção de medidas processuais, penais e civis, no âmbito de suas atribuições dentre outras relacionadas à proteção e defesa dos consumidores (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. Regimento Interno do Procon Assembléia).

Por fim, é válido ressaltar que para o alcance da efetividade do acesso à Justiça dos consumidores, instrumentalizado pelos Procons, na busca pela solução dos dissídios tanto individuais, quanto coletivos e difusos, os autores Igor Britto e Ricardo Goretti (2011, p. 18-19), aduz sugestões:

É fundamental que os agentes dos Procons reconheçam, incorporem e pratiquem a defesa negociada dos interesses de um consumidor hipossuficiente. Essa defesa qualificada, a propósito, deve ser técnica, e não intuitiva, fato que demanda da Administração Pública, o desenvolvimento de políticas de capacitação desses agentes, para o emprego de técnicas de negociação assistida, bastante diferentes daquelas que tradicionalmente lhes são ministradas nos cursos de formação de conciliadores (...) os Procons e seus agentes, em momento posterior à resolução negociada de um conflito individual (prática que atenua a penalidade consensualmente assumida por aquele que viola o direito), se encarreguem da tomada de medidas administrativas (punitivas e pedagógicas) de prevenção de novos danos da mesma natureza, a exemplo do investimento e difusão dos cadastros de reclamações fundamentadas, da reunião de diversas reclamações individuais em um único processo administrativo com caráter de tutela coletiva ou difusa, da instauração de processos administrativos por ofício para investigação de lesões coletivas, da aplicação de penalidades severas, e da adoção de dosimetrias de multas que levem em consideração não apenas a proporção das lesões como também o poder econômico dos fornecedores multados (BRITTO, Igor Rodrigues. SANTOS, Ricardo Goretti. 2011, p. 18-19).

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5 CONCLUSÃO

 

            Viu-se que os legitimados para promover a tutela de direitos dos consumidores, pela via coletiva, é previsto no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, nos incisos I a IV, que são o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos do consumidor e as associações privadas. E que dentre este rol, enquadra-se ainda os Procons, que são órgãos da Administração Pública direta dos Poderes Executivos Estaduais e Municipais, e que diante a ineficiência e tumultuada administração da justiça, estes órgãos possui legitimidade para instauração de processos administrativos por ofício com finalidade de investigação de lesões coletivas, e ações correlatas para defesa dos direitos do consumidor.

            Refere-se assim uma substituição processual, em que os legitimados concorrentes pleiteiam, mediante autorização legal, em nome próprio, os interesses das vítimas. Vimos ainda que instrumentos cabíveis para dar-se a prestação jurisdicional, será pela ação civil pública ou pela ação civil coletiva, que são instrumentos processuais colocados à disposição do consumidor, para tutela de direitos individuais homogêneos, os interesses coletivos reconhecidos como interesses comuns a uma coletividade de pessoas.

            No que tange à legitimidade do Ministério Público para a proteção dos interesses individuais homogêneos, é cediço em sede jurisprudencial e doutrinária que é necessário a presença de interesse público, ou seja, que tenha relevância social, nas ações coletivas ajuizadas pelo Ministério Público.

            Por fim, ainda dentre os elencados legitimados para tutela coletiva, o Procon destaca-se para promoção da tutela coletiva, específica do consumidor, com o fomento na solução dos conflitos tanto individuais, quanto coletivos e difusos.

 

 

REFERÊNCIAS

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REIS, Antônio Carlos Tadeu Borges. A defesa do consumidor em juízo. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4489/. Acesso em 02 nov. 2013.

Para que serve o PROCON. Vamos em frente: online. Disponível em: <http://www.vamosemfrente.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=51:pra-que-serve-o-procon&catid=36:codigo-de-defesa-do-consumidor&Itemid=64>. Acesso em: 01 nov. 2013.

 

 

 

 

 

 



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito do Consumidor, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 6º período noturno, da UNDB.

[3] Professor especialista, orientador.