JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: UMA VIA DE ACESSO À JUSTIÇA 

Elida Bezerra Mota

Lucas Magalhães Barbosa[1] 

RESUMO

O Estatuto dos Juizados Especiais apresenta um forte segmento dentro do Poder Judiciário, no que diz respeito à efetivação da garantia processual constitucional do acesso à Justiça. Dessa forma, descreveremos e analisaremos o procedimento utilizado nos Juizados Especiais Cíveis, e se o mesmo efetiva as suas prerrogativas.

Palavras-Chave

Acesso à Justiça. Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis. Juizados Especiais Cíveis. 

INTRODUÇÃO

Tendo como ponto de análise a garantia processual constitucional do acesso à Justiça, decidimos realizar um estudo sobre o Estatuto dos Juizados Especiais, que apresenta em sua definição o objetivo de tornar mais ágil a relação entre jurisdicionado e Justiça. Para isso, descreveremos os princípios e o procedimento que conduzem o processo instaurado no mesmo.

     A constituição da República Federativa do Brasil prevê no seu artigo 98, inciso I, a criação de juizados especiais competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, contudo, nos absteremos a analisar o procedimento utilizado pelos Juizados Especiais Cíveis.

     Analisaremos, então, seus sujeitos, suas competências, suas peculiaridades etc. e, a partir da diferenciação existente entre o procedimento utilizado pela Justiça comum e pelos Juizados Especiais Cíveis, buscaremos mostrar se o mesmo efetiva suas prerrogativas ou se atua como mais um aparato da Justiça comum. Para chegarmos a essa conclusão, utilizamos, além do nosso entendimento sobre o assunto, da visão da magistrada Vanessa Clementino Sousa através de uma entrevista que segue em apêndice.

1.                  O ACESSO À JUSTIÇA

     O Brasil teve um crescimento populacional de dimensões muito elevadas nas últimas décadas e, com isso, nosso país foi necessitando de avanços, tanto tecnológicos quanto sociológicos. Formas de melhor organização dessa grande massa foram propostas, e intelectuais de diferentes áreas formaram uma só força para ajudar-nos a ter um país que caminhasse sempre avante.

     A justiça brasileira não ficou atrás. O acesso às informações, felizmente, cresce a cada dia que passa, e cada vez mais cidadãos conhecem os seus direitos, as suas obrigações, as ilegalidades etc. Tudo isso é um grande avanço para nossa nação, visto que por muito tempo os brasileiros tiveram seus direitos podados. Entretanto, apesar do acesso às informações das garantias dos indivíduos crescerem a cada dia, esse crescimento ainda é lento, se comparado a velocidade de estruturação, física, do Judiciário brasileiro.

     Ainda há, em pequenos e distantes municípios, a falta completa de informação, onde a Justiça é substituída por uma justiça muitas vezes “injusta”, por pessoas com pouco ou nenhum discernimento para atribuir razão a uma ou outra parte de um conflito, pessoas sem real autoridade, mas que usam de poder em meio a tanta desinformação.

     Segundo Cappelletti, três são os passos para o acesso à justiça: Assistência Jurídica e superação dos obstáculos decorrentes da pobreza, reformas necessárias para a legitimação de tutela dos interesses difusos, especialmente os referentes a consumidores e higidez ambiental, e múltiplas tentativas de obtenção de fins diversos, entre os quais estão os procedimentos mais acessíveis, simples e racionais mais econômicos, eficientes e adequados a certos tipos de conflitos, a promoção de uma espécie de justiça coexistente, baseada na conciliação e no critério de equidade social distributiva, bem como a criação de formas de justiça mais acessíveis e participativas, atraindo a ela membros de variados grupos sociais e buscando a superação da excessiva burocratização.[2]

            1.1 UMA MANEIRA EFETIVA DE TORNAR VIÁVEL O ACESSO À JUSTIÇA

     O acesso à Justiça não quer dizer simplesmente o acesso ao Judiciário, espaço físico, mas também a outros aspectos que possam levar o cidadão ao conhecimento de seus direitos e responsabilidades. Para aperfeiçoar a garantia do acesso à Justiça, a Emenda 45 de 2004 foi instituída, trazendo alterações constitucionais que concediam o devido acesso, entre elas estão: a razoável duração do processo, a proporcionalidade entre o número de juízes na unidade jurisdicional e a efetiva demanda judicial à respectiva população, a distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição, o funcionamento ininterrupto da atividade jurisdicional e a instituição do Conselho Nacional de Justiça.[3]

     Todas essas mudanças são constatações de que o acesso à Justiça é a melhor maneira de garantir a integridade dos direitos dos cidadãosem um Estado Democráticode Direito, devendo as soluções de conflitos acontecerem em meio às pessoas de diferentes classes sociais, e em tempo hábil.

      Uma maneira de observar o acesso à Justiça, levando em conta todos os subprincípios que o regem, é através do Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, elaborado pelo legislador infraconstitucional, que o redigiu com os olhos atentos às garantias constitucionais individuais e processuais. Examinaremos, então, os princípios e os procedimentos que norteiam o processo nos Juizados Especiais Cíveis, objeto desde trabalho.

  1. 2.                  Lei 9.099/95

Com a Carta Magna de 1988, fórmulas foram discutidas para tornar ágil a prestação jurisdicional. Uma das maneiras encontradas para tornar ainda mais viável a garantia processual constitucional do acesso à justiça se deu com a produção do artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, que apresenta o seguinte conteúdo:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I- juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitindo, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.[4]

     Nota-se, que o legislador constitucional possibilitou a criação de juizados especiais para solucionar causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. E para dar ensejo à atuação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o legislador infraconstitucional promulgou a Lei 9.099 em 26 de setembro de 1995 regulando os procedimentos utilizados no processo dos Juizados Especiais e os objetivos da norma constitucional.

     Os Juizados Especiais, portanto, foram criados com uma incumbência específica: ampliar o acesso à justiça. E quando se fala em acesso à justiça, está-se falando de acesso a uma ordem jurídica justa, buscando-se proporcionar a cada um o que lhe é devido. O Estatuto dos Juizados Especiais apresenta a possibilidade de se levar ao Poder Judiciário aquela pretensão que normalmente não seria analisada em juízo, em razão de sua pequena simplicidade ou de seu valor monetário baixo.

     Todavia, a possibilidade de se encaminhar uma demanda aos Juizados Especiais- seja a sua competência cível ou criminal- sem que nada seja cobrado do demandante, pode ser problemática. Devido à gratuidade do processo, muitos agem de forma temerária ao ingressar com uma ação nos Juizados Especiais, podendo gerar uma litigiosidade exacerbada.[5] Situação que acaba por ir de encontro ao princípio que regue o Estatuto dos Juizados Especiais, que é o princípio da celeridade. Ou seja, se há uma quantidade de demandas excessivas nos Juizados Especiais, o mesmo não apresentará condições de por em prática o que lhe diferencia da Justiça comum, que é a possibilidade de um acesso eficaz à justiça.

     Objetiva-se neste estudo, com os itens subsequentes, analisar os procedimentos e os princípios do processo utilizados nos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, ressaltando suas particularidades e vantagens para a prestação jurisdicional. Embora os Juizados Especiais Criminais apresentem características semelhantes, nos ateremos a analisar somente os de competência civil.

2.1.            Juizados Especiais Estaduais Cíveis

     Como já foi exposto, os Juizados Especiais Estaduais Cíveis, à luz das garantias constitucionais do processo, apresentam como alvo o aperfeiçoamento de uma via alternativa de resolução de conflitos, que, ao apresenta um sistema processual próprio de princípios e regras, diferencia-se do sistema utilizado pelo Código de Processo Civil.

     De acordo com os ensinamentos de Karl Larenz, “os princípios e subprincípios devem servir de alicerces de um sistema, não se podendo ter aí um sistema dedutivo” [6]; não podendo ser diferente com o sistema processual aplicado aos Juizados Especiais Estaduais Cíveis. O sistema processual em estudo é regulado por princípios enumerados no art. 2∙ da Lei 9.099/95, que diz: “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”[7]

     A capacidade de generalização dos princípios instituídos aos Juizados Especiais Cíveis os torna vetores hermenêuticos, o que significa dizer, que toda a interpretação do Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis só será legitima se for regulada segundo tais princípios.[8]

      O primeiro princípio a ser abordado é o princípio da oralidade, no qual, através dele, busca-se uma maior efetividade do procedimento civil, sendo apontada como uma forma de solucionar a vagarosidade e ineficácia do procedimento escrito.[9] No processo legal, regulado pelo Código de Processo Civil, o princípio da oralidade se manifesta intenso somente na fase instrutória, situação que não acontece nos Juizados Especiais Cíveis, pois o processo legal instaurado nos Juizados pode ser oral em todas as fases, isto é, a demanda judicial pode ser oral (podendo os representantes de o Juizado reduzi-las a termo escrito), o oferecimento da resposta pode ser oral, os embargos de declaração podem ser interpostos oralmente, o requerimento de execução de sentença pode ser oral etc.[10] A oralidade trás, por consequência, uma relação imediata entre o juiz e as partes do conflito.

     Para preservar o princípio da oralidade, uma nova característica é atribuída aos Juizados Especiais Cíveis, que é a concentração dos atos processuais em audiência. Depreferência, tudo deverá acontecer em uma só audiência, isso para preservar a qualidade do contato imediato entre o juiz e as fontes de prova oral. Não sendo possível, e havendo a necessidade de realização de mais de uma audiência, as mesmas devem ser realizadas com o menor intervalo de tempo possível.[11]

     Embora extremamente concentrados os atos processuais em audiência no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, o juiz exerce sua faculdade intelectual com o máximo de profundidade possível, sendo capaz de decretar sua decisão baseada em um juízo de certeza, tornando certa a existência ou a inexistência do direito substancial alegado pela parte pleiteadora do direito. A sentença determinada pelo juiz é capaz de alcançar a autoridade de coisa julgada, exatamente do mesmo modo como se dá no procedimento regido pelo Código de Processo Civil.[12]

     Os princípios da economia processual e da celeridade nos levam a um entendimento em comum: que é necessária a simplicidade para se alcançar uma prestação jurisdicional mais rápida. Combinação está que está intimamente ligada à informalidade, ou seja, ao abandono das formas e rituais desnecessários, presentes em vários setores da administração da justiça.

A regulamentação das formas processuais, longe de representar um mal, constitui, para as partes, a garantia de uma efetiva participação na série de atos necessários à formação do convencimento judicial e, para o próprio juiz, instrumento útil para alcançar a verdade sobre os fatos que deve decidir. O que deve ser combatido, nessa matéria, é o excessivo formalismo, que sacrifica o objetivo maior de realização da justiça em favor de solenidades estéreis e sem nenhum sentido.[13]

     Por esta razão, em nome da celeridade e da economia processual, subtraem-se, no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, algumas garantias dos sujeitos processuais, como a possibilidade de uma das partes provocar a intervenção de terceiros (art. 10 da Lei 9.099/95), propor ação rescisória (art. 59 da Lei 9.099/95), pois transportar para o procedimento dos Juizados Especiais Cíveis todas as garantias postas no Código de Processo Civil poderia significar a sua transformação em um procedimento ordinário.[14]

     Não obstante, um ponto que necessita ser tocado quando se aborda os princípios é a equivalência dos valores processuais da celeridade e da justiça. Um processo extremamente demorado não é, certamente, capaz de produzir resultados justos. Por outro lado, um processo rápido demais dificilmente será capaz de alcançar a justiça na decisão.[15]

     No mais, devemos evidenciar a importância e a efetiva aplicação dos princípios mencionados anteriormente, utilizados para os fins propostos pelo Estatuto dos Juizados Especiais, facilitando o acesso das partes à prestação jurisdicional e contribuindo ainda para o descongestionamento da Justiça comum.

2.2.            A COMPETÊNCIA E OS SUJEITOS DO PROCESSO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

A nossa Carta Magna, no seu artigo 24, inciso X, faz uma rápida menção a um Juizado de Pequenas Causas, que, por parte do legislador infraconstitucional criou a Lei 7.244 de 1984. E, ainda a mesma Carta Magna, em seu artigo 98, inciso I, propõe a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Em 1995, então, o legislador infraconstitucional optou por revogar a Lei 7.244 criando um só órgão jurisdicional para pequenas causas, causas cíveis e criminais de pequena complexidade. Isto é, com a instituição do Estatuto dos Juizados Especiais, o mesmo abarcou as causas cíveis e criminais de pequena complexidade e as pequenas causas reguladas anteriormente pela Lei 7.244/84.[16]

Esta distribuição de competências encontra-se no artigo 3∙ da Lei 9.099/95, no qual pequenas causas são aquelas fixadas em razão do valor da causa, cujo valor não ultrapasse quarenta salários mínimos.[17] Contudo, pode ocorrer, de se ter uma causa em que os valores encontram-se nos limites da lei, mas seja de grande complexidade jurídica. Por esta razão, a Lei 9.099/95 exclui da competência dos Juizados Especiais Cíveis as causas de “natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e o estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.” [18]

Assim como na relação processual ordinária, os sujeitos do processo nos Juizados Especiais Cíveis são as partes e o Estado-juiz. As partes, sendo composta por aquele que propõe a demanda e aquele em face de quem a demanda é proposta. O que há de diferente no procedimento dos Juizados é a atuação do juiz, que se utiliza de dois auxiliares, o juiz leigo e o conciliador- artigo 7∙, Lei 9.099/95.

O conciliador e o juiz leigo, de acordo com a lei vigente estudada, são os auxiliares da Justiça. O juiz leigo é novidade no direito brasileiro, mesmo com todo o tempo de vigência da Lei 9.099/95, pois não tem existência efetiva, ao menos na maioria dos Estados da Federação.[19] Já o conciliador é personagem assíduo em todos os Juizados Especiais Cíveis, sua função é promover a conciliação, participando de forma ativa das negociações entre as partes ou até mesmo sugerindo soluções possíveis.

A atuação do juiz leigo e do conciliador pode ser extremamente útil, pois além de decidir os casos que lhes sejam submetidos, os mesmos ajudariam, certamente, a desafogar, os juízes togados, cercados por todos os lados por processos que, na maioria das vezes, dirigem-se a um desfecho a que se chegaria independentemente da presença do magistrado profissional.[20]

2.3.            OS ATOS PROCESSUAIS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

     De um modo usual, aos Juizados Especiais Cíveis aplicam-se as mesmas regras impostas ao sistema comum, isto é, o regido pelo Código de Processo Civil. E de acordo com o artigo 13 da Lei em questão, “os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados” [21], ou seja, os atos processuais nos Juizados devem atingir sua finalidade essencial que é a viabilização do acesso à justiça de forma célere e econômica.

     Não obstante, quanto à documentação dos atos processuais, uma grande diferença se encontra entre o sistema regido pelo Código de Processo Civil e o sistema utilizado pelo Estatuto dos Juizados Especiais: enquanto no procedimento ordinário todos os atos processuais devem ser documentados, no procedimento adotado pelos Juizados vige a regra do artigo 13, parágrafo 3∙, da Lei 9.099/95, segundo o qual apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão. São os atos considerados essenciais: a demanda, a resposta e a sentença.[22]

     A demanda, segundo o artigo 14 da Lei em questão, será iniciada com a apresentação do pedido, de forma certa e determinada, à Secretaria do Juizado, devendo constar de forma simples e acessível: o nome; a qualificação e o endereço das partes; os fatos e os fundamentos, de forma sucinta; o objeto, ou seja, a causa da ação e o seu quantum pretendido, ou seja, o valor. [23] “Os pedidos podem ser cumulados, desde que, a soma não ultrapasse o valor da competência dos Juizados.” [24]

     Uma vez posta a demanda em juízo, defini-se instaurado o processo, e a parte autora já sabe de pronto a data da audiência de conciliação, devendo as partes comparecer pessoalmente para a audiência.

     A audiência de conciliação deve ser realizada pelo conciliador, sob orientação de juiz leigo ou togado (artigo 22, Lei 9.099/95), a quem incumbirá esclarecer as partes a respeito das vantagens da autocomposição para as boas relações entre as partes e dos riscos de a mesma não ser alcançada. Após os esclarecimentos iniciais, o conciliador será o responsável por dirigir a audiência, não devendo se limitar a perguntar e a ouvir o debate das partes, mas procurar mostrar as soluções possíveis, como já esclarecido anteriormente.[25] Obtido o êxito na conciliação, esta será reduzida a termo e homologada por sentença pelo juiz togado.

     A caracterização da audiência de conciliação até aqui exposta pressupõe o comparecimento de ambas as partes à audiência. O não comparecimento de uma das partes torna inexequível à tentativa de autocomposição da lide, não se contentando a lei com a presença de procuradores e/ou advogados, ainda que tenham esses poderes especiais para fazer o acordo.[26] Portanto, a ausência do demandante resultará da extinção do processo sem resolução de mérito- artigo 51, inciso I, da Lei 9.099/95. Enquanto, a ausência do demandando resultará em sua revelia, tendo como consequência a presunção de veracidade das alegações feitas pelo demandante a respeito dos fatos da causa, decretando-se imediatamente a sentença- artigo 23 da Lei 9.099/95.[27]

     Não sendo a lide solucionada na audiência de conciliação, instaurar-se-á a audiência de instrução e julgamento. O artigo 27 do Estatuto dos Juizados Especiais define que “não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo a defesa.” [28] Isto é, desde que não traga danos à defesa dos interesses de qualquer uma das partes. Defesa, no texto da Lei, deve ser entendido em latu sensu.

     O parágrafo único do referente artigo ainda sita que, não sendo possível a realização imediata da audiência de instrução e julgamento, deverá a mesma ser realizada no prazo máximo de quinze dias, devendo ser desde logo intimadas as partes e as testemunhas que porventura estejam presentes à audiência de conciliação.

     Como já se ressaltou, não consolidada a autocomposição, instaura-se a segunda etapa do procedimento utilizado nos Juizados Especiais Cíveis. A parte demandada, então, apresenta a sua resposta; sobre esta, a parte demandante, imediatamente, declara seu posicionamento. Se a parte demandada oferecer, em sua resposta, pedido contraposto, poderá a parte demandante pedir que se suspenda a audiência. Sendo o pedido da parte demandante aceito, indica-se de imediato o dia para a continuidade da mesma, quando então o demandante apresentará sua resposta ao pedido do demandado.[29]

     Após a manifestação do demandante sobre o pedido do demandado inicia-se a fase quando serão ouvidas as testemunhas. Encerrada esta parte da audiência, é apresentado às partes um momento para as últimas alegações, as quais serão sempre apresentadas oralmente. Após a apresentação das possíveis alegações, sobrará ao juiz apenas sentenciar o caso.[30]

  1. 3.                  PESQUISA

     Com a finalidade de questionar alguns pontos cruciais sobre os Juizados Especiais Cíveis realizamos uma entrevista, que segue na íntegra em apêndice, com a magistrada Vanessa Clementino Sousa, da 2∙ vara do município de Passo do Lumiar. Com as respostas da magistrada procuramos colocar em analisar os benefícios que a Lei dos Juizados trouxe e as consequências da mesma, e chegamos à conclusão de que existem aspectos positivos e mudanças que precisam ser feitas.

Quanto às garantias que são isentadas no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, bem, isso, de acordo com a explicação da magistrada e através do nosso entendimento, não gera um prejuízo ao acesso à Justiça, nem a dignidade da pessoa humana, pois o princípio da celeridade- utilizando as mesmas palavras da magistrada- “prepondera sobre as possíveis garantias que possam ser deixadas de lado” (ver perguntas em apêndice).

Outro aspecto que necessita ser reparado é o litígio que se instaura nos Juizados Especiais. Muitos conflitos que apresentam uma capacidade de resolução sem a necessidade de um juiz poderiam ser evitados. Essa necessidade de apresentar tudo ao Judiciário é que gera a litigiosidade exacerbada, o que poderia ser resolvido com uma boa conversa entre as partes, ou mesmo com a aplicação das normas éticas e morais que regem a nossa convivência em sociedade.

CONCLUSÃO

Observamos, ao longo desse trabalho, que o crescimento populacional brasileiro trouxe avanços tecnológicos e sociais consideráveis. Um desses avanços sociais foi a maior viabilização da garantia do acesso à justiça realizado através dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Os Juizados Especiais Cíveis, objeto de estudo desse trabalho, apresentam características que o distinguem do processo ordinário, ou seja, aquele utilizado pela Justiça comum. Apresentam princípios e procedimentos distintos que, instituídos pelo legislador infraconstitucional, possibilitam um verdadeiro acesso a ordem jurídica justa, sem muitas vezes precisar se chegar ao juiz togado para resolver o caso.

Assim, a atuação dos Juizados Especiais proporciona forma e matéria ao Estado Democrático de Direito, inclusive no que pertine ao seu acréscimo democrático, que agrega noções de justiça, igualdade jurídica e respeito aos direitos humanos.[31]

Concluindo, o Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis efetiva suas prerrogativas e atua como um forte braço do Poder Judiciário para resolver conflitos de interesses.

REFERÊNCIAS

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

RIBEIRO, LUDMILA. A Emenda Constitucional 45 e a Questão do Acesso à Justiça. Revista GV, São Paulo. Julho 2008.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 31. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. ed. 3.  Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007.

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: PENA- Composição e arte, 1999.

RODRIGUES, Décio Luiz José. Juizados especiais cíveis: lei n∙ 9.099, de 26.09.1995: lei anotada artigo por artigo. São Paulo: Fiuza, 1996.

TEMER, Michel. HOMONNAI JÚNIOR, Johann. Os Juizados Especiais e os meios para a sua agilidade. Revista trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros editores, v. 15, 1996.

MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Juizados Especiais Cíveis, entre o autoritarismo e garantismo. Revista de Processo: Editora Revista dos Tribunais, ano 33, novembro 2008.

SILVA, Luis Cláudio. Os Juizados especiais cíveis na doutrina e na prática forense. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

APÊNDICE

QUESTIONÁRIO REALIZADO COM A MAGISTRADA VANESSA CLEMENTINO SOUSA DA 2∙ VARA DO MUNICÍPIO DE PASSO DO LUMIAR.

  1. I.                        Como Vossa Excelência vê a criação do Conselho Nacional de Justiça para a reforma do Judiciário? Como algo válido ou como uma análise externa não válida por ferir princípios jurídicos (como por não ser composta unicamente por membros do Judiciário)?

     Eu vejo com bons olhos. Eu reconheço os avanços, as melhorias... Hoje, nós vemos as decisões tomadas pelo CNJ e não tenho dúvidas que foram as melhores possíveis. Mas eu tenho uma preocupação, como magistrada, porque o CNJ nos cobra muito, sem nos ouvir anteriormente. Eu acho que, como nós somos as pessoas que diretamente vão sofrer as influências das decisões tomadas pelo CNJ, nos deveríamos ser ouvidos também. Como por exemplo, os juízes tem condições se cumprir as metas impostas pelo CNJ? É necessário ouvir a classe dos magistrados, porque nós seremos as pessoas que cumprirão as decisões impostas por eles. 

  1. II.                        Nas mais distantes localidades, como seria possível, em sua opinião, haver Justiça ao alcance de todos? Será que a tecnologia de alguma forma poderia ajudar?

     Essa questão da Justiça chegar a todos, dentro da realidade de hoje, é uma questão muito delicada, por vezes, é a Justiça que tem que chegar até o jurisdicionado. Conduta que já é muito realizada pelos juízes aqui no Maranhão. Por exemplo, eu, quando trabalhei em Humberto de Campos ia de dois em dois meses realizar as audiências em Santo Amaro, que é subdivisão da comarca de Humberto de Campos, pois as dificuldades que as partes litigantes de Santo Amaro apresentavam para chegar a Humberto de Campos eram imensas. Pois muitos eram pobres, não tinham condições de pagar transporte e ainda corriam o risco de chegar a Humberto de Campos e a audiência ser adiada. Então, eu, de dois em dois meses, reservada todas as audiências de Santo Amaro para serem realizadas em Santo Amaro. Então, em alguns casos, é necessário que a Justiça se desloque até o jurisdicionado. Para que essa situação melhore, o ideal seria que cada cidade tivesse um fórum e apresentasse condições para que o juiz pudesse trabalhar.

 

  1. III.                        Qual a diferença, no que diz respeito aos critérios de seleção, entre um juiz de direito e um juiz de Juizado Especial?

     Depende da questão de vagas, não tem um critério que selecione juízes de direito ou “juízes de Juizado”, depende mesmo da vacância do cargo. Por exemplo, se você, como magistrado, é promovido para a comarca de São Luis, e houver vaga em determinado juizado, você será encaminhara para determinado juizado. Não há distinção entre um juiz da Justiça comum e juiz de Juizado Especial. Ambos são empossados na magistratura. Essa escolha não é pertence ao magistrado, mas da disponibilidade de vagas. Por vezes, o juiz de Juizado Especial é meio excluído, até mesmo pelas doutrinas, jurisprudências, mas não existe essa distinção. Juiz de Juizado é “juiz de carreira” como um juiz da Justiça comum.

 

  1. IV.                        Vossa Excelência concorda que, em nome da celeridade processual, utilizada nos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, algumas garantias sejam isentadas (como a ação rescisória e a intervenção de terceiros)? Isso modifica o acesso à justiça e o devido processo legal?

     Eu acredito que isso não prejudica o devido processo legal, até porque as possíveis garantias isentadas, se comparadas à celeridade dos Juizados, são mínimas. Quantos processos não foram sentenciados segundo o rito dos Juizados? Eu não vejo nenhum prejuízo ao acesso à Justiça por parte da aplicação dos procedimentos utilizados nos Juizados Especiais. A parte, hoje, que busca o Juizado tem o conhecimento de suas garantias e ela procura o Juizado justamente pela desburocratização que o mesmo apresenta, pelo seu procedimento célere, pela audiência de conciliação... Acredito que mais de 50% das demandas são solucionadas logo na primeira audiência de conciliação, raros são os casos que vão para a audiência de instrução e julgamento. Então, a celeridade que é buscada prepondera sobre as possíveis garantias que possam ser deixadas de lado.

  1. V.                        Vossa Excelência concorda que se o procedimento pelo qual passa o processo nos Juizados Especiais Cíveis apresentasse as mesmas garantias processuais que o processo ordinário, os Juizados Especiais Cíveis estariam sobrecarregados?

     Com certeza. Se já estão sobrecarregados da forma como o processo se instaura, imagina se apresentasse todas as garantias e trâmites que o processo da Justiça comum apresenta? Em alguns Juizados, já está se marcando audiências para 2011 com os procedimentos que apresenta, imagina que tivesse que estabelecer todos os trâmites do processo na Justiça comum... O objetivo dos Juizados é possibilitar o acesso a Justiça de forma mais rápida, então não há por que se instaurar um processo ordinário dentro dos Juizados.

 

  1. VI.                        Qual o seu posicionamento sobre a “litigiosidade exacerbada”, defendida por uma parte da doutrina, que se instaura nos Juizados Especiais Cíveis?

     Eu vejo que essa litigiosidade é justamente por conta do maior acesso à justiça. Qualquer pessoa hoje busca o Juizado, se ele ta sendo “xingado” aqui, ele já está no Juizado no dia seguinte, por que ele sabe que no Juizado ele não precisa contratar um advogado, pois é só ele ir lá e registrar por termo as suas declarações; que ele não vai ter custos, só se ele estiver com litigância de má fé. Então, os Juizados apresentam uma série de meios que fazem com que “qualquer briguinha” vá desembocar no Juizado. Eu acredito que essa litigiosidade seja por conta dessa facilidade que o Judiciário hoje apresenta.

  1. VII.                        Mas Vossa Excelência vê essa “litigiosidade exacerbada” como uma coisa boa ou ruim?

     As duas coisas. É boa, porque hoje ninguém pode alegar quer não tem acesso à Justiça, por ter que contratar advogado etc. Mas ao mesmo tempo é ruim porque existem muitas causas nos Juizados que a nós sabemos que a Justiça poderia ter ficado de lado e o conflito poderia ter se resolvido de outra forma. Mas, muitos ainda não tem essa visão, então acaba que nós, magistrados, termos que servir de meio para solucionar esses pequenos conflitos, que poderiam ser resolvidos com um boa conversa, enquanto outros conflitos que podem ser até mais grades estão em processo de espera. Então, por um lado é bom, porque a população menos favorecida, que antes não tinha um maior acesso à Justiça- porque tinha gastos e nós também sabemos que a defensoria não está presente em todas as comarcas- agora possui esse maior acesso, através dos Juizados Especiais, mas, em consequência tem esse outro lado que acaba que todo e qualquer conflito vai pra Justiça resolver.



[1] Acadêmicos do terceiro período de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 16.

[3] RIBEIRO, LUDMILA. A Emenda Constitucional 45 e a Questão do Acesso à Justiça. Revista GV, São Paulo. Julho de 2008. p. 5.

[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 31. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. ed. 3.  Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007. p. 9.

[6] LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: PENA- Composição e arte, 1999. P. 81.

[7] RODRIGUES, Décio Luiz José. Juizados especiais cíveis: lei n∙ 9.099, de 26.09.1995: lei anotada artigo por artigo. São Paulo: Fiuza, 1996. P. 13.

[8] CÂMARA, op. cit., p. 11.

[9] TEMER, Michel. HOMONNAI JÚNIOR, Johann. Os juizados especiais e os meios para a sua agilidade. Revista trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros editores, v. 15, 1996. p. 159.

[10] CÂMARA, op. cit., p. 13.

[11] Ibid., p. 25.

[12] Ibid., p. 27.

[13] GRINOVER, Ada Pellegrini, Fernandes, Scarane, Antônio, e Filho, Antônio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. ed 3. São Paulo: Malheiros editores. p. 15 apud TEMER, Michel; HOMONNAI JÚNIOR, Johann. Os Juizados especiais e os meios para a sua agilidade. Revista trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros editores, n. 15, 1996.

[14] MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Juizados Especiais Cíveis, entre o autoritarismo e garantismo. Revista de Processo: Revista dos Tribunais, ano 33, novembro 2008.

[15] CÂMARA, op. cit., p. 23.

[16] Ibid. p. 32.

[17] RODRIGUES, op. cit., p. 14.

[18] Ibid.

[19] CÂMARA, op. cit., p. 56.

[20] Ibid., p. 57.

[21] RODRIGUES, op. cit., p. 20.

[22] SILVA, Luis Cláudio. Os Juizados especiais cíveis na doutrina e na prática forense. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 48.

[23] CÂMARA, op. cit. 89.

[24] RODRIGUES, op. cit. p. 21.

[25] SILVA, op. cit., p. 51.

[26] CÂMARA, op. cit., p. 103.

[27] RODRIGUES, op. cit., p. 53.

[28] Ibid., op. cit., p. 25.

[29] CÂMARA, op. cit., p. 107.

[30] SILVA., op. cit., p. 55.

[31] LIMA, op. cit., p. 185.