INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO MECANISMO DE OXIGENAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PATRIO

 

Quando se discute cada vez mais a importância (ante a impotência?) de se dotar o processo e o sistema penal brasileiro de potencialidades de acesso, segurança e dignidade jurídicas ao jurisdicionado no país, em função do lastimável estado de diversas instituições dos três poderes em nossos dias, vale a pena renovar breves reflexões acerca de mecanismos de resolução de conflitos, ou mesmo, de oxigenação e salvaguarda de direitos fundamentais, como a liberdade e a vida. In hoc casu, a Inexigibilidade de Conduta Diversa, a qual, por sua relevância, será doravante relembrada.    

À guisa de brevíssimas considerações a Inexigibilidade de Conduta Diversa, se afigura como uma causa supra legal de exclusão da culpabilidade, presente e defendida por eminentes juristas pátrios e pelos nossos tribunais. Portanto inexistindo mandamento legal para albergar a situação de fato, ou seja, inexistindo norma previsível a dispor de situação de fato a ser valorada pelo Direito, o que configura a situação de lacuna, deverá o julgador pautar-se noutros critérios de integração da norma para proferir julgamento, e neste caso se vislumbra a excludente.

Com efeito, pode-se inferir que a “oxigenação” do sistema jurídico penal patrio, em casos diversos se dá em forte medida pela causa supralegal de exclusão da culpabilidade conhecida como inexigibilidade de conduta diversa, e, tem sido largamente esboçada pela defesa, sendo albergada inclusive na quesitação em procedimento de plenário do Tribunal Popular do Júri, instrumento secular e constitucional de defesa dos Direitos Fundamentais em nossa pátria.

Consoante assevera o eminente jurista e professor Walfredo Cunha Campos, em composição com a legítima defesa exculpante, por orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, a causa supra legal assume interesse e relevância jurídica.

Sobre o tema preleciona o mestre paulista (CAMPOS, 2008):

“Tem-se admitido que a defesa possa articular como causa supralegal de exclusão de culpabilidade a legítima defesa exculpante, aduzindo que qualquer pessoa, no lugar do réu, submetido à anormalidade das agressões por parte da vítima, ficaria perturbada emocionalmente, e poderia errar, de maneira compreensível, na dosagem da repulsa à injusta agressão. Afinal, como diz Nelson Hungria, a reação defensiva não é exata e matemática, não se prestando a ser pesada em balança de farmácia”.

O Supremo Tribunal Federal assim já decidiu no HC nº 72.341 – 1,2ª T., Rel. Maurício Corrêa, J. 13.06.1995. DJU, 20.3.1998. p. 5 :

“O excesso exculpante não se confunde com o excesso doloso ou culposo, por ter como causa a alteração do ânimo, o medo, a surpresa. Ocorre quando é oposta à agressão  injusta, atual ou iminente, reação intensiva, que ultrapassa os limites adequados a fazer cessar a agressão”.

          O inesquecível mestre Júlio Fabbrini Mirabete, um dos mais notáveis doutrinadores do Brasil, sobre a culpabilidade e responsabilidade objetiva assim se pronunciou:

         “Nossa legislação adotou o direito penal da culpabilidade, ou seja, a da reprovabilidade da conduta típica e antijurídica. É vedada, portanto, a responsabilidade objetiva. A responsabilidade penal objetiva significa que a lei determina que o agente responde pelo resultado ainda que agindo sem dolo ou culpa, o que contraria a doutrina do Direito Penal fundado na responsabilidade pessoal e na culpabilidade. (...) Mas tal princípio não é suficiente para se decidir pela existência de reprovabilidade da conduta. (...) Os elementos da culpabilidade são imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude e aexigibilidade de conduta diversa. (...) Eventualmente, na jurisprudência tem-se aceito a cláusula genérica de inexigibilidade de outra conduta como excludente da culpabilidade ”.

         Mais adiante o referido autor apresenta julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ, bem como outras cortes prevendo a admissibilidade da causa de inexigibilidade de conduta diversa vejamos alguns (MIRABETE, 2003):

         STJ: “Inexigibilidade de outra conduta. Causa legal e supralegal de exclusão de culpabilidade cuja admissibilidade no Direito brasileiro já não pode ser negada. Júri. Homicídio. Defesa alternativa baseada na alegação de não-exigibilidade de conduta diversa. Possibilidade em tese, desde que se apresentem ao júri quesitos sobre fatos e circunstâncias, não sobre mero conceito jurídico”(JSTJ 18/243 e RT 660/358).

TACRSP: “Não se pode condenar, por lesão corporal culposa, motorista que ao tentar sair de local conturbado por multidão que pratica atos de vandalismo contra seu veículo, atropela pessoa, por inexigibilidade de conduta diversa, máxime se acompanhado de esposa e filhos menores”(RDTACRIM 4/110).

TARJ: “A inexigibilidade de outra conduta é a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade, e que deve ser erigido, como um verdadeiro princípio de Direito Penal. Quando aflora em preceitos legislativos, é uma causa legal de exclusão, e se não, deve ser reputada causa supralegal, alçando-se em princípio fundamental ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que dispensa, via de conseqüência, a existência de normas expressas a respeito. Exclui-se a reprovação e, portanto, a culpabilidade se ocorreu circunstâncias em face das quais não se pode exigir de quem atua um comportamento ajustado ao dever” (RT 732/713)”.     

          Coube, portanto, na ausência de norma prescritiva a prever e prover determinadas circunstâncias de fato, e suas conseqüências, a cargo não da lei, mas da jurisprudência integrar, e proferir inclusive juízo valorativo de conteúdo integrador da norma, para dar completude e coerência ao ordenamento. Ainda que, a despeito dos limites e da interpretação fundamentalista do princípio da reserva legal, sob pena da manutenção de lacunas e seus potenciais efeitos nocivos, a função integradora jurisprudencial tem se mostrado parcialmente eficaz, ante a omissão legislativa.

Quando nas mais das vezes sob (o)pressão de grupos e interesses, o legislativo elabora normas desconectadas com harmonia do sistema jurídico, ou perversamente se omite, engessando ainda mais o sistema penal e judiciário brasileiro, bem como, perpetrando, promovendo o surgimento de mais antinomias e lacunas no mesmo ordenamento, ao menos em certos casos o judiciário vem socorrer o Direito e a sociedade dos problemas acima discutidos, é bem verdade que elevando os princípios constitucionais e suas garantias, pode-se pensar em minorar os estragos da omissão legislativa, bem como da sensação de injustiça e insegurança jurídica presente e patente na sociedade brasileira.     

BIBLIOGRAFIA

CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri. Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 2013.

CAMPOS, Walfredo Cunha. O Novo Júri Brasileiro. São Paulo: Primeira Edição, 2008.

NUCCI, Guilherme de Sousa. Tribunal do Júri. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2003.