O bom das indiadas é que elas sempre, ou quase sempre, rendem boas crônicas depois. Eu nunca fui muito bom com promessas de contos ou poesias, por mais que meu ego queira, meu instinto vai lá e dá-lhe uma porrada nos cornos. “Hey, quem você pensa que é? É você que carrega esse ser errático para casa depois da bebedeira? Ora bolas, foda-se”. Meu superego não é muito sociável e eu o entendo.
Fui na formatura de uma amiga minha, dessas que não serão esquecidas na hora de tentar preencher a minha mão com os poucos amigos que tenho. Odeio formaturas, aquela formalidade toda, colocar sapato (ainda mais apertado), sorrir, essas coisas... mas é um momento emocionante, pelo menos, para quem se forma, e por isso eu havia decidido que estaria lá apesar de todas as interpéries que foram surgindo no caminho. Queria compartilhar daquele sorriso sincero e puro da Ju, queria sentir um pouco de pureza, só isso... e eu fui.
Se as formaturas já são chatas por natureza técnica, o fato de ser uma colação de jornalistas que foram impelidos pela vossa excelência ministro do Supremo Bacanal Federal (SBF), Gilmar Mentes, a ter que arrumar um local apropriado para colocar o canudo que não serve para muita coisa além de ser esquecido em alguma gaveta suja junto de ácaros e baratas. Há muito repito, como jornalista, que a parte mais realista de um jornal é o Obituário, mas até nisso andam errando... O diploma nunca esteve intrinsecamente ligado à qualidade, mas a falta dele pode piorar ainda mais o que já é terrível. O problema não são as profissões, é o grandedeus que as gere, o Capital. Mas, enfim, passou meu tempo de gritar palavras de ordem, estou cansado, mas minha mente continua fervilhando, acreditem...
Ao menos foi tudo muito rápido. Ah sim, foi legal cantar o hino do Rio Grande do Sul, como sempre, mas foi patético o discurso resignado do meu ex-reitor (também me formei como jornalista na Unisuínos) em que ele repetia que “temos que aceitar a decisão da Justiça sob o risco de cair novamente em um regime ditatorial”. Mentes limitadas! Ou se é escravo do senhor real, parado ali na porta com o chicote, ou de si mesmo, de seus princípios e moralismos deturpados.
E viva a Justiça! Acatem-na! Do ponto de vista prático, o jornalismo, que já era ruim, ficará pior. Os jornalistas que já ganham uma miséria ganharão menos ainda. Mas isso é democracia, afinal de contas... Esperar o que de um país de idiotas satisfeitos que elegem um semi-analfabeto para presidente? Para ele, saber ler e escrever é o suficiente para qualquer coisa. Afinal, ele chegou à principal esfera do poder tupiniquim, chegou ao teatro da presidência da república com isso. Mas enfim, a coisa toda acabou, finalmente.
Agora era janta e festa. Essa última não estava muito afim, não somente pela sociabilização, mas porque estou em quarentena com o álcool e sabia da barra que passaria. Mas papo vai, papo vem e minha carona pós-janta foi embora. Paciência. Agora tinha que ir no tal do Pé Palito. Arrumei dois caroneiros de última hora que iriam para São Leopoldo depois da festa que, me prometeram, era um especial de Tim Maia e Jorge Ben. Engarrafamento, mulheres se insinuando sentadas nos seus carros e protegidas pelos vidros, como sempre. Deixamos pessoas que iriam ficar por Porto Alegre, mas que não iriam à indiada. Ah, droga, eu deveria ter me dado conta daqueles sinais luminosos que brotavam na minha mente e diziam “é uma cilada, é uma cilada!”. Mas, sei lá, eu já não tinha mais muito que fazer e precisava descarregar minha energia sexual. Eu e meus dois caroneiros paramos numa rua deserta perto do local onde seria a festa e .... bom, eu disse que ficaria afastado do álcool por um mês...mas não da marijuana que me deixou mais down, ainda mais depois de dar uma bomba num cagalhão de elefante. Sim, existem elefantes soltos na Cidade Baixa, acreditem.
A ideia agora era limpar o sapato para a coisa não ficar pior do que já estava ficando. Eu não ia beber de jeito nenhum e isso era um fato consumado, mas de maneira alterada e em crise de abstinência, agora, para piorar, havia um cagalhão gigante no meu sapato apertado. Fiz uma meia sola nuns gramados, pobres gramados que agora jazem soterrados em merda paquidérmica. Já na fila, achei as pessoas estranhas... pelo menos para mim e, para o que julgo, serem pessoas. Entramos no tal lugar. Que Tim Maia e Jorge Ben que nada. Até Michael Jackson tocaram... era lamentável! E eu precisava esperar minhas caronas. Ansioso, sim, eu mexia as pernas de ansioso quando, de repente, apareceu um ser bizarro com a boca toda pintada, meio personagem de Fellini, meio Cicciolina. A “tiazona”, como ela mesma se designou depois de me catar em algum canto, disse: “mexendo a perna gato? Isso é um bom sinal”. “Ah é? Eu preferiria rock n´ roll, acho que deve ser ansiedade”. “Ah, mas eu sou rock n´ roll, escuto orgasmatrom”. Logo a tiazona já estava grudada roçando sua calça justa no meu pau. Até fiquei excitado, lasquei um beijo nela, mas quando comecei a conferir o material, santodeus! Parecia uma gelatina em forma humana. Se ainda tivesse bebido o suficiente, mas estava de cara praticamente, somente um pouco chapado. Ela se empolgou e abriu minha camisa: “hey, hey, perae, aqui não beibe”... abotoava e ela abria, abotoava e ela abria, até que me enchi o saco. Chegou uma hora que ela abriu e me cravou as unhas e ainda disse algo parecido com “eu quero te comer todo, te mastigar e te pisar com minhas botas de salto”. Ela disse isso mostrando suas botas e sua coxa amórfica que estava melhor quando tapada pelo casaco. Santosdeus! Onde eu estava me metendo?! A boca da personagem já exalava um cheiro parecido com chorumes dos curtumes mais poluentes possíveis misturado com cerveja azeda. “Bah, preciso ir no banheiro”. “Precisa de uma ajuda, gato?”. “Não, até mais”. E fui!
Lá em cima fiquei sentado tomando água e coca-cola até que vomitei café e coca-cola. Meu organismo já não estava mais acostumado com essas drogas pesadas. Era a lembrança da “tiazona”, o gosto da coca-cola, o pagode rolando, tudo junto... o ambiente era propício para náusea mesmo. Daí resolvi observar, meu hobbie antigo. Tinha uma guria gorda com um vestido minúsculo azul se insinuando e eu com medo de olhar para ela. Porra, vai ser azarado assim na putaquepariu! Aí um corajoso chegou nela. Só de pegar na cintura para a troca de bactérias habitual no recinto e pronto, metade da bunda flácida estava de fora. Era um espetáculo aterrador. Lembrei da minha infância espiando a empregada gorda pela fresta do banheiro. Onde foi parar o romantismo ou melhor, os critérios, para não ser tão piegas. “Ah, porra, imagina uma filha minha nessa situação”, pensei. Existem coisas sobre as quais é melhor não pensar muito. Já havia vomitado uma vez e não queria perder o resto de alimento no meu estômago. O espetáculo horrendo, embalado por grandes hits, como até uma versão dos Beatles em pagode, continuava... Meus caroneiros estavam bêbados. O motorista cambaleava a cada tentativa de descer pela escada. Na próxima subida: “Cara, tu vais conseguir pegar o carro?”. Ah, vai saber, do jeito que ando azarado nos últimos tempos... “Cara, eu bebu muuuuinnntu mais”, disse com cara emburrada. Bah, o cara era vermelho... Eu já tinha notado, mas parece ter ficado mais nítido, parecia um berne pronto para explodir sangue por tudo. “Tudo bem, vou me jogar naquele sofá e quando vocês forem me chamem”, avisei, apontando para um sofá todo podre.
Parado ali, de repente chega uma mina com uma cara tão mal humorada quanto a minha. Pensei que minha sorte pudesse estar mudando. Era linda, morena de olhos expressivos e com uma bela bunda. Enfim, um ser interessante e que, com certeza, me livraria de ser apanhado de repente pela “tiazona from hell”. “Hey, tu estás descolocada aí?”. “Não!”. “Eu me sinto um peixe fora d´água, gosto mesmo é de rock n´ roll ou samba de raiz. E tu, gostas disso que está rolando?”. “Sim, mas não estou muito bem”. Daí eu pensei num momento cretino e bem, mas bem cafona e piegas, do tipo de cantada que eu nunca passaria se não estivesse realmente acuado. “Se eu disser que tu és a guria mais linda dessa festa, tu melhoras?”. Era o momento fatídico que foi resumido com um “Não”. Pronto. As esperanças tinham acabado. Quando ela levantou para ir embora ainda me largou um olhar e um “tchauzinho” com os dedos esguios. Tudo bem, mais uma derrota. Os anti-heróis nunca devem desistir por isso, pelo contrário, devem usar como combustível. Mas a ladainha pseudo-filosófica foi interferida pelo insight: “porra, cadê minha carona?”. Descendo as escadas, quem eu encontro? “Ah, fugindo da tiazona, gato?”. “Não, eu nunca fujo, mas é que estou num mal momento mesmo”. Minha quota de boas ações já havia terminado naquele beijo cheio de efluentes variados. Ela tentou desabotoar minha camisa mais uma vez e eu “porra, eu disse para parar com isso, mina.”. “O que tu tem?. “Já disse que não estou num bom dia. Sério, não perde teu tempo comigo. Vai à luta”. Era, de fato, uma guerreira da noite. “Mas o que tu tens? Não gostas de mulher?”. “Não, do teu tipo, não”. Ufa, ela virou as costas e foi-se. Dei um tempo lá em cima e logo avistei ela estuprando um outro cidadão. Alívio. Sempre existem seres dispostos à humilhação pública.
Daí eu desci e procurei os feadaspú por tudo quanto é canto, trombando com toda a espécie de gente fazendo dancinhas variadas com aqueles sons horríveis. A maioria fazia caretas péssimas que julgavam, no mínimo, serem sexy. Merda! Nada dos caras. Fui para a rua ver se o carro ainda estava lá e nada. Estava sem nada de grana e perguntei para o segurança. “Cara, onde acho um caixa 24 horas?”. “Ah, no posto da Venâncio”. Agora o próximo passo era convencer um taxista a confiar em mim, me levar lá, eu sacar e depois ir para a estação mercado. Consegui. Marchei em mais de R$ 30 na brincadeira e ainda cheguei em casa podre, às 6 e pouco da matina. O dia havia terminado. Ao menos, estava são e salvo mais uma vez...