ILÍCITO PENAL SOB DENOMINAÇÃO DE PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL: uma análise crítica acerca da tipificação da conduta diante dos princípios do direito penal1

 

Rafael Alves Fernandes Ribeiro
Rodrigo Barros
2

Maria do Socorro Almeida de Carvalho3

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contextualização sobre tipificação do crime do porte de droga para consumo pessoal; 2 Despenalização X Descriminalização da conduta em espécie; 3 Análise dos princípios norteadores da criminalização da conduta; 4 As consequências fáticas e jurídicas da despenalização; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho faz uma reflexão sobre a tipicidade da conduta de porte de droga para consumo pessoal, analisando assim várias divergências abordadas nos dias atuais. Dessa forma, o trabalho mostrará as consequências surgidas dessa conduta através de uma análise crítica principiológica. Será feito também uma análise a respeito da despenalização e/ou descriminalização em vista da necessidade ou não da interferência do direito penal nessa conduta, visto que na atualidade o número de usuários tem aumentado consideravelmente.

 

PALAVRAS-CHAVE: Lei de Drogas. Porte ilegal. Consumo. Despenalização. Descriminalização.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

O consumo de drogas em nosso país tem alcançado níveis alarmantes. Diante dessa grave situação surge a polêmica da intervenção do direito penal quanto ao flagrante de porte de drogas para uso pessoal que, até então, é considerado um ilícito penal.

Pois, notando que tal discursão cresce gradativamente, ainda mais quando se trata de drogas de suposto menor risco (ex: maconha), devido à pressão popular pela despenalização e pela vontade estatal de conter o aumento do consumo (tipificação da conduta), o presente estudo visa construir uma análise sistemática acerca do tema, abordando desde o contexto social que levou à intervenção penal até uma conclusão teórica para a questão calcada sob o prisma prático e jurídico.

De tal modo, o tema será apreciado em princípio pelo contexto social que levou ao aumento do consumo de drogas e a consequente intervenção do Estado, feita pelo Direito Penal. Adiante, serão confrontadas as correntes de maior influência sobre o tema a despenalização e a descriminalização da conduta, expondo os argumentos de cada uma delas e suas características positivas e negativas. Feito o confronto das divergências, o trabalho apresentará uma análise da fundamentação principiológica que serve de base para a tipificação da conduta em epígrafe.

Por fim, sob as vistas fáticas e jurídicas, será feito concisamente um estudo das consequências da possível despenalização do ilícito de porte de droga para consumo pessoal, mostrando assim os aspectos positivos e negativos dessa mudança.

 

1 Contextualização sobre tipificação do ilícito de porte ilegal de droga para consumo pessoal

 

Na época do Brasil colonial, vigoraram em nosso país, as ordenações filipinas, por mais de dois séculos. Os portugueses, apesar dos tempos e do difícil conhecimento a respeito a variedades de drogas existentes, já demonstravam preocupação a respeito da posse, do comércio e da importação de algumas substâncias, ninguém poderia possuir, mesmo que para consumo próprio.

 

 

Nenhuma pessoa tenha em sua caza para vender, rosalgar branco, nem vermelho, nem amarello, nem solimão, nem água delle, nem escamoneá, nem ópio, salvo se for Boticário examinado, e que tenha licença para ter Botica, e usar do Officio (Ordenações Filipinas, Livro V, Título LXXXIX).

 

 

Já com a vinda da Família Real Portuguesa, em 1808, poucas mudanças ocorreram de natureza penal, permanecendo dessa forma a vigência das Ordenações Filipinas. Em 1823, devido à proclamação da independência do Brasil realizada por Dom Pedro I, houve a consequente outorga da Constituição de 1824 com influências diretas dos Ideais do Liberalismo que emanavam na França e nos Estados Unidos da América, tendo posteriormente, promulgado em 1830 o Código Penal do Império. Este código não abordava nada ao respeito do assunto.

A promulgação da Lei Áurea em 1888, já marcava o início da necessidade da mudança no Código Penal até então, diante disso e com o advento da proclamação da República, veio o Código Penal de 1890, que tratava em seu artigo 159, no Capítulo III, Título III com a seguinte redação: “Art. 159. Expor á venda, ou ministrar, substâncias venenosas, sem legitima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários: Pena – de multa de 200$000 a 500$000.”

O Código Penal de 1940, com base na outorgada Carta Constitucional de 1937, instaurava uma nova ordem, novas leis e seu art. 281, trazia a seguinte redação.

 

 

Art. 281. Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de dois a dez contos de réis

 

 

Em outubro de 1976, surgiu a Lei Federal nº6368 que revogou este artigo que já havia sofrido várias alterações em seu texto. Somente a partir desta Lei, buscando a traçar contornos próprios a matéria, como ocorria em outros países, é que esta problemática foi regulamentada quase que de forma completa, pois foram criadas novas figuras típicas, esclarecendo assim e deixando evidente a conduta (MAIA, 2008). Posteriormente surgiu a Lei 10.409 de janeiro de 2002 com o objetivo de revogar integralmente a Lei de 1976 citada, mas isso não ocorreu; devido ao defeitos aparentes, as duas leis passaram a viger até o surgimento da Lei em estudo.

Diante da dificuldade, imprecisões e falhas existentes, surge a nova Lei de Drogas que revogou as duas leis já mencionadas. O Congresso Nacional se viu diante da necessidade de regular de forma a deixar unificada tal matéria rompendo, assim, com elementos repressores que serviam de fundamento para aplicação das sanções em períodos anteriores(MAIA, 2008).

A evolução da Lei de Drogas, nos leva a pensar que desde o início do surgimento do nosso povo já havia uma preocupação com a necessidade de se tipificar esta conduta e conforme a nova Lei, a tipificação da posse de droga para consumo pessoal encontra-se no artigo 28, onde consta:

 

 

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

 

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

 

II - prestação de serviços à comunidade;

 

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

 

 

Ao contrário do que tentam mostrar, não se pode falar em descriminalização, pois conforme pode se depreender da Lei já mencionada, o artigo citado acima se encontra no Capítulo III, denominado “DOS CRIMES E DAS PENAS” e conforme já analisamos a acima a nossa sociedade sempre procurou tipificar esta conduta.

 

 

Poderia alguém dizer que, não obstante a conceituação e tipificação das condutas descritas no caput do art. 28 da Lei n.º 11.343/06 como sendo crimes, assim não se enquadrariam, uma vez que o próprio legislador, no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, estampou que “considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”.

Como é cediço, não se pode subverter a ordem dos institutos e conceituações, para se querer definir um crime não pelos elementos constituintes, mas pela espécie de reprimenda prevista.(ZAUPA, 2006)

 

 

A Lei de Introdução limitou-se a destacar as características dos crimes e das contravenções penais, as quais, como se percebe, restringem-se à natureza da pena de prisão aplicada. O atual Código não define crime, deixando a elaboração do seu conceito para a doutrina nacional (BITENCOURT, 2006). Deste modo a conduta será tipificada, quando existir uma ação antijurídica e culpável.

Vale frisar ainda o que o renomado professor Doutor César Dario Mariano da Silva conclui:

 

(...)não será mais possível a aplicação de pena privativa de liberdade para o usuário de drogas, mas a conduta de possuir ou portar drogas para seu próprio uso continua sendo tipificada como crime". Enfatiza, ainda, que a Lei de Introdução ao Código Penal traz considerações sobre o Código Penal de 1940 e por essa razão "não fez menção às penas restritivas de direitos, que são consideradas espécies de penas pelo art.32 do atual Código Penal.

 

 

2. Despenalização X Criminalização do ilícito em espécie:

 

A revogação da Lei 6368/76 pela, atualmente vigente, 11.343/2006 trouxe à baia uma discussão doutrinária de grandes proporções, a qual se refere acerca do abrandamento da sanção sobre o dispositivo 28 da referida lei. Tal artigo modificou significativamente a forma como deve o sistema penal lidar com a conduta de portar drogas para consumo próprio, de tal modo que levou diversos doutrinadores a debaterem sobre a atual definição dessa ação no sistema penal: será esta ainda um crime?

Há entre a doutrina uma cisão bem definida, os que declaram que a conduta foi descriminalizada e os que defendem que esta foi despenalizada. Para melhor discutir a questão se faz mister conceituar, previamente, cada uma das definições.

O crime tem como elementos principais a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade, então, para que uma conduta deixe de ser crime é necessário que falte alguma dessas elementares. A descriminalização pressupõe que o Código Penal não mais venha a intervir sobre aquela conduta, de forma que se não o fizer estará, tacitamente, liberando aquele comportamento. Para tanto, deixa o legislador de tipificar tal modo de agir, ou seja, não o reprime expressamente no corpo da lei. A descriminalização é, portanto, a retirada de uma conduta do rol taxativo da legislação penal.

Por outro lado, a figura da despenalização nada mais é do que a diminuição ou substituição das sanções (diga-se por sanções menos gravosas) de uma conduta reprovável pela sociedade sem, entretanto, retira-la do campo taxativo do Direito Penal. A despenalização não afeta os elementos do crime, apenas diminui a intensidade da punição, atrevemo-nos a dizer, sob nossa responsabilidade, que seria, em alguns casos, uma parte de um processo de descriminalização, pois, se há abrandamento da sanção, consequentemente àquela conduta está sendo interpretada com menor grau de reprovação social.

Pois bem, adentrando agora no mérito deste tópico, é preciso definir qual seria a definição que melhor se amolda ao disposto no artigo 28 da Lei 11.343/2006.

Segundo o Decreto-Lei 3914/41, em seu art. 1º “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas alternativa ou cumulativamente”, a conduta de portar (utilizada aqui de forma genérica às demais expressas: adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo) drogas para consumo próprio cuja pena pode ser, cumulativamente, advertência, prestação de serviços sociais e/ou medida educativa, não seria considerada crime, tampouco infração penal.

Contudo, a interpretação literal não é a mais indicada para o caso, sendo, pois, indicada a análise histórica da conduta, pela qual facilmente é constatado o caráter criminoso da conduta. Dessa forma, definir a ação de portar drogas para consumo próprio como conduta descriminalizada é um equívoco, sendo melhor classifica-la como um comportamento em pleno amparo penal, incluído no rol taxativo de ilícitos e que configura ato antijurídico, restando apenas comprovar a culpa para a subsunção ao tipo.

 

 

(...) permanecendo relevante para o ordenamento jurídico-penal não há espaço para se falar em abolitio criminis, prevista no art.2º, caput, do Código Penal e causa extintiva de punibilidade (ex vi art.107, III, do CP), que se constata quando " deixando a lei de considerar como ilícito penal o fato praticado pelo agente, por revogação expressa ou tácita, extingue-se o próprio crime e nenhum efeito penal subsiste" (MIRABETE, 2006).

 

 

Trata-se, no caso, de uma conduta despenalizada, pelo menos no sentindo mais severo de pena. A corrente citada é a mais aceita e também é a defendida pelo Supremo Tribunal Federal, como segue nas palavras proferidas pela própria corte, na figura do Min. Sepúlveda Pertence:

 

 

 

A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado “Dos Crimes e das Penas”. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário. (RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007, Informativo n.° 456/STF)

 

 

 

 

3 Análise dos princípios norteadores da criminalização da conduta

 

O porte de drogas para consumo fortalece o tráfico de drogas, faz com que um maior número de pessoas utilize esse meio para sobreviver, que muitas vezes acaba levando, até mesmo, crianças também entrarem nesse meio, abandonando as escolas vivendo na marginalidade.

O objetivo da criminalização desta conduta é preservar os direitos fundamentais da pessoa humana, como a saúde, a educação, a dignidade da pessoa humana, integridade física, a “unidade” familiar... .

O indivíduo mesmo que se utilize da droga apenas para consumo, ou seja, não pratica a ação do tráfico, acaba se tornando viciado, há uma mudança em seu comportamento, que alem de lhe prejudicar, afeta outras pessoas.

Analisaremos um estudo a seguir da Dra. Débora Christina Ribas D'Ávila (Médica Psiquiátrica) a respeito de uma droga bastante popular no Brasil e no mundo:

 

 

Maconha:

 

Os efeitos do principal constituinte ativo da cannabis (THC) sobre a ansiedade parecem ser dose-dependente: com baixas doses é ansiolítico (reduz ansiedade) e em doses mais altas sendo ansiogênico (aumenta ansiedade). O canabidiol apresenta propriedades ansiolíticas.

 

Jovens portadores de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) relatam um efeito calmante proporcionado pela maconha, reduzindo sua inquietação interna. Este efeito reforça a hipótese da automedicação dos sintomas de TDAH como um fator de risco para o desenvolvimento de abuso/dependência de drogas.

 

A cognição se refere a habilidade de pensar. Os processos cognitivos incluem a percepção visual, auditiva e tátil, a atenção sustentada a determinada tarefa, à memória, julgamento, capacidade de resolver problemas e funções executivas (estabelecimento de objetivos, capacidade de planejamento, iniciativa, controle dos impulsos, monitoramento, avaliação de riscos, conseqüências do comportamento e flexibilidade mental). Há alterações no funcionamento cerebral e neuropsicológico dos usuários crônicos de maconha, mais especificamente em atenção, memória, aprendizagem, funções executivas, tomada de decisões, funcionamento intelectual e funções psicomotoras, mesmo após um mês de abstinência.

 

 

Pode-se observar através dessa análise que o indivíduo fica fora de si, podendo tomar decisões das quais não queria. Suas atitudes podem acabar afetando outras pessoas, o indivíduo fica tão viciado que é capaz de fazer qualquer ato a fim de obter a droga, como por exemplo, roubar, matar.

Para preservamos os princípios já citados anteriormente, o legislador se viu diante da necessidade de continuar a tipificar o consumo de drogas para o consumo pessoal. O legislador observa que dessa forma ela não esta ferindo certos princípios como alguns que são a favor de tornar lícito o uso de drogas alegam; na verdade o mesmo está fazendo uma ponderação entre os princípios. O usuário de droga ao se torna viciado, não afeta apenas a si mesmo, ele apenas não se prejudica, acaba atingindo todos aqueles que estão ao seu lado, como familiares e até mesmo desconhecidos.

O tráfico de drogas que existe devido ao consumo de pessoas, acaba causando várias despesas, como a perda da mão de obra (devido as pessoas deixarem suas atividades de lado como trabalho e até mesmo o estudo), gastos na recuperação da saúde (despesas com a recuperação do viciado), aumento no número de homicídios decorrente tanto do tráfico, mas também como do consumo pessoal, em que o indivíduo muda seu comportamento, levando o a tomar certas decisões e até mesmo cometer certos atos.

 

4 As consequências fáticas e jurídicas da despenalização

 

Como já esclarecido no segundo tópico a conduta do art. 28 da Lei 11.343/2006 não foi descriminalizada, mas recebeu um abrandamento punitivo ou uma despenalização. Fato é que a dita despenalizção gera consequências tanto no campo jurídico, quanto nas relações sociais fáticas.

Pois bem, sendo o direito intimamente vinculado aos acontecimentos sociais, digo até que são sua fonte, qualquer alteração em um destes fatores causará consequências no outro, como um sistema em constante modificação. No caso em estudo, a maior aceitação pela sociedade por parte de quem consome drogas, seja por simpatizar com aquela situação (outros usuários) ou por interpretá-la como uma enfermidade, fez com que o Legislador na nova redação da Lei de drogas diminuísse bastante as sanções penais para o ilícito do artigo 28, tanto que alguns nem o consideram mais um ato criminoso.

No campo jurídico a maior mudança oriunda da despenalização foi a forma de punir. Na revogada Lei, onde o indivíduo cuja conduta fosse enquadrada no porte de droga para consumo próprio poderia pegar até 02 anos de detenção, hodiernamente, nem mesmo será multado.

A questão do uso de drogas deixa de ser visto como fator gerador tráfico e sim vítima deste, o dependente químico deixa de ser etiquetado como delinquente e passa a ser encarado como um doente e que necessita de tratamento, daí as penas de advertência sobre os malefícios do consumo de drogas, a prestação de serviços à comunidade e imposição de frequentar uma unidade de reabilitação. Todas elas, medidas de cunho sócio educacionais com o escopo de recuperar aquele cidadão e, quem sabe num futuro próximo, até mesmo descriminalizar tal conduta, deixando-a aos cuidados do Direito Civil.

Por outro lado, no campo fático, há um efeito perigoso. A quase aceitação da conduta e a menor responsabilização criminal por sua prática, se não estiverem aliadas a uma grande conscientização social e a uma efetiva política de segurança pública, podem favorecer o crescimento do tráfico e gerar efeito altamente lesivo para toda a sociedade.

A nosso ver, a maior consequência da despenalização não é afrouxar a luta contra as drogas, mas demonstrar que o usuário não necessita de privação de direitos ou de liberdade e sim de ajuda, o vício é um mazela que não é exclusiva das drogas, é proveniente, também, dos jogos, da bebida e de várias atividades que deem prazer, porém, nem todas são punidas na seara penal. Deve ser uma proposta gradativa do Estado para extinguir a punibilidade e ressocializar o dependente de forma humana, sem maiores traumas como ser preso.

 

 

Conclusão

 

Diante de todas as exposições feitas neste projeto de pesquisa que partiu desde uma análise histórica acerca do surgimento da necessidade da tipificação penal da conduta até a despenalização da mesma no presente momento. Toda essa análise adentrou na questão da atual Lei de drogas 11.343/2006, em especial o seu artigo 28, envolvendo-se por questões conceituais como a divergência quanto à descriminalização ou despenalização, além da análise principiológica do referido artigo, onde se verifica alguns dos princípios norteadores da criminalização da conduta e, por fim, demonstrando os efeitos da nova redação da Lei.

Destarte, chegamos ao fim do estudo com o entendimento que a atual Lei de drogas, no que tange ao consumo de drogas, individualmente falando, é de fato menos repressora e deixa quase uma sensação de ineficácia. Mas, em análise mais concisa, ponderamos que a proposta do Legislador não era simplesmente desencarregar do Código Penal a missão de coibir o consumo de drogas e sim conscientizar a população em geral sobre o seu risco.

O legislador constituinte dessa forma, ao promulgar a Lei 11.343/2006 objetivou o preceito secundário do tipo penal referente ao usuário de drogas, inserto no artigo 28, sanções de caráter eminentemente pedagógico, ou seja, medidas educativas, consistentes em advertência sobre os efeitos das drogas, assim como prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (MAIA, 2008).

A despenalização veio como primeiro passo para uma cessão de responsabilidades para a seara civil, deixando a cargo do Direito Penal coibir o tráfico, enquanto que para o direito civil resta a tarefa de guarda e amparo ao dependente químico, deixando assim de lado a imagem deste como um criminoso e reconhecendo-o como um incapaz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte 1,10ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006;

 

Brasil. Lei n.º 11.343/2006;

 

D’AVILA, Débora Christina Ribas. Causas e Consequências das drogas. Disponível em:< http://www.amorexigente.org.br/ >. Acesso em 20 outubro 2012;

 

Julgados do Supremo Tribunal Federal. RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. Informativo n.º 456/2007;

 

MAIA, Emanuel Ferreira. ART. 28 DA LEI 11.343/2006: a análise jurídica da conduta de portar drogas para consumo próprio. São Luís: UNDB, 2008. 61p. Monografia – Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luís, 2008;

 

MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, 23ª. Edição, São Paulo Atlas, 2006;

 

Ordenações Filipinas, Livro V, Título LXXXIX;

 

ZARPA, Fernando Martins. O art. 28 da Lei nº 11.343/06 (posse de droga para consumo pessoal) e suas repercussões no mundo jurídico e fático – uma visão não garantista. Disponível em:< http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3024/O-art-28-da-Lei-no-11343-06-posse-de-droga-para-consumo-pessoal-e-suas-repercussoes-no-mundo-juridico-e-fatico-uma-visao-nao-garantista>. Acesso em: 20 setembro 2012

1 1° check de Paper apresentado para obtenção de nota parcial na matéria Direito Penal Especial III.

2 Alunos do 6° período do curso de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

3 Professora da disciplina supracitada.