IGUALDADE, CONVÍVIO E AFETIVIDADE FAMILIAR

  1. Princípio da Igualdade Familiar

A Constituição Federal de 1988, responsável pelas transformações da atualidade, como também as ocorridas no Direito de Família que encontra fundamentos em princípios tendo o princípio da igualdade se corelacionado com a liberdade, como princípios gerais aplicáveis a todas as entidades familiares.

Para Cunha Pereira (2006 apud, Stênio Barreto, 2011, p.68) ressalta, considerando que “a igualdade e o respeito às diferenças constituem um princípio chave para as organizações jurídicas e especialmente para o Direito de Família sem os quais não há dignidade do sujeito de direito, consequentemente não há justiça”. Segue enfatizando que “o discurso da igualdade vinculado à cidadania, outra categoria da contemporaneidade, que pressupõe o respeito às diferenças. Se todos são perante a lei, todos estão incluídos no laço social”.

O princípio da igualdade encontra-se intrinsecamente ligado aos direitos entre os cônjuges e companheiros em geral e entre os filhos, quando este é reafirmado no Artigo 5º da Constituição Federal, onde consagra que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, no mesmo artigo no inciso I consagra que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, esta igualdade esta definitivamente comprovada no artigo 226 §5º da Constituição Federal no tocante aos “direitos e deveres referentes à sociedade conjugal que são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. (BRASIL, 1988)

O aludido dispositivo acaba com o poder marital, consequentemente com o sistema de clausura da mulher, da qual eram restritas as tarefas domésticas e procriação. Estes deveres de promoverem a procriação e fazeres domésticos não mais se coadunam com a época atual devido aos avanços tecnológicos e sociais, a mulher também exerce seu papel na manutenção e no sustento da família. (GONÇALVES, 2012).

Igualdade, “traduz a intensidade revolucionaria em se tratando dos direitos e deveres dos cônjuges, significa o fim definitivo do poder marital, esse sentido de sociedade conjugal é mais amplo, pois abrange os companheiros da união estável”. (LÔBO, 2011, p. 66).

Com a nova redivisão do trabalho, onde a economia doméstica e de mercado foram alterados, influenciando o setor público e privado, a mulher pouco a pouco foi se tornando cidadã, reivindicando direitos, igualdades e posições sociais, assumindo um papel reconhecidamente responsável nesta união. (PEREIRA, 2008).

Ao analisarmos o artigo 227 §6º da Constituição Federal: “§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, esse sentido dá máxima igualdade entre os filhos, em todas as relações jurídicas, pondo por final as desigualdades e descriminações de direito. (BRASIL, 1988)

Em relação a esse dispositivo Gonçalves enfatiza que “estabelece absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legitima e ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não e adotiva”. Continua a nos ensinar que “hoje todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua Constancia, mas com iguais direitos e qualificações”. (GONÇALVES, 2012, p. 23-24).

Vale ressaltar que nos ensinamentos de Paulo Lôbo, o princípio da igualdade:

É o princípio como os demais princípios constitucionais ou gerais não são de aplicabilidade absoluta, ou seja, admite limitações que não violem seu núcleo essencial. Assim, o filho havido por adoção é titular dos mesmos direitos dos filhos havidos da relação de casamento, mas está, ao contrario dos demais, impedido de casar-se com os parentes consanguíneos de cuja família foi oriundo, ainda que se tenha desligado dessa relação de parentesco (artigo 1626 do Código Civil). A regra de restrição ou causa suspensiva a novo casamento, durante dez meses depois da viuvez ou da dissolução do casamento anterior (artigo 1523, II, do Código Civil), apenas diz respeito à mulher cujo casamento foi declarado nulo ou anulado, ou à viúva, para que não haja dúvida sobre a paternidade de filho cujo parto se der nesse período. (LÔBO, 2011, p. 66-67).

Os consectários da igualdade não podem apagar ou desconsiderar as diferenças naturais e culturais que entre as pessoas e entidades, todavia não podem legitimar tratamento jurídico assimétrico ou desigual, com base comum dos direitos e deveres de cada membro da família, para Lôbo:

Não há distinção de direitos e deveres essenciais entre as entidades familiares, ou hierarquização, mas são todas diferentes, não se podendo impor modelo preferencial sobre as demais, nem exigir da união estável as mesmas características do casamento, dada a natureza de livre constituição. Há situações em que os pais podem adotar medidas diferentes na educação de cada um dos filhos, ou mesmo um dos filhos. Por vezes, a satisfação do princípio da igualdade na filiação impõe o atendimento às diferenças individuais, o respeito ao direito de cada um de ser diferente. Outras vezes, um dos filhos apresenta necessidades especiais a demandar medidas especiais. (LÔBO, 2011, p. 67-68).

Há uma correlação entre a igualdade e a liberdade devido à autonomia da Constituição em relação à entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador. Esta correlação da liberdade e da igualdade no âmbito familiar em sede constitucional. A igualdade quanto à liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da autoridade parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos, como também o Princípio da Igualdade, que destaca uma nova ordem de nomenclaturas, correlacionadas a liberdade, o que demonstra uma decomposição estrutural, sem perder o vínculo jurídico.

  1. Princípio da Afetividade e do Convívio Familiar

No âmbito familiar os princípios fundamentais se entrelaçam e através da afetividade é que se busca um norte no sentido de valorizar a dignidade humana, a solidariedade, a convivência e igualdade familiar entre os que integram a entidade familiar.

Nos ensinamentos de Paulo Lôbo, com relação à evolução da família “expressa à passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da afinidade”. (LÔBO, 2011, p. 71).

Cristiano Farias (2004, apud Karina Carelli, 2008, p. 52) afirma que no ordenamento jurídico, “nossos pretórios tem reconhecido que a presença do caráter afetivo como mola propulsora de algumas relações, as caracteriza como entidade familiar independente de previsão constitucional, merecendo a proteção do direito de família”.

É importante o papel da família eudemonista com relação ao afeto, tendo em vista a busca do amor, da felicidade e da solidariedade com um único objetivo à família e a vida fraterna, sabendo que é nela a comunhão de igualdade e responsabilidade recíproca. (DIAS, 2011).

Com relação ao princípio da afetividade o afeto é a consagração do direito fundamental admitindo a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva, “o princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais”. (DIAS, 2011, p. 70)

Aduz a consagrada autora que “o afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue”. Assim sendo “a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado”. (DIAS, 2011, p. 71).

Para Berenice Dias a respeito da transformação da família em que se acentuam as relações de sentimentos entre os seus membros onde despontam:

Novos modelos de família mais igualitárias nas relações de sexo e idade mais flexíveis em suas temporariedades e em seus componentes, menos sujeitas a regras e mais ao desejo, acima de tudo independentemente a família tem que ter a função de dar e receber amor. (DIAS, 2011, p. 71).

Segundo Lôbo:

A afetividade como princípio jurídico, não se deve confundir com afeto, como fato psicológico ou anímico, portanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e deste em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. O princípio jurídico da afetividade entre pais e filhos apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda do poder familiar. Na relação entre cônjuges e entre companheiros o princípio da afetividade incide enquanto houver afetividade real, pois esta é pressuposto da convivência. Até mesmo a afetividade real, sob o ponto de vista do direito, tem conteúdo conceptual mais estrito do que o empregado nas ciências da psique, na filosofia, nas ciências sociais, que abrange tanto o que une quanto o que desune. (LÔBO, 2011, p. 71).

A busca pela explicação sobre as relações familiares contemporâneas faz com que juristas cogitem a respeito de que a comunhão de afeto é incompatível com o modelo de comunhão matrimonializado, este novo olhar valoriza tanto a sexualidade e quanto os vínculos conjugais sustentáveis no afeto e no amor, instalando uma nova ordem jurídica pautada no valor jurídico ao afeto. (LÔBO, 2011).

As relações familiares, formais ou informais indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que apresentem, nutrem-se, todas elas, de substancias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude de viver em comum. A teoria e a pratica das instituições de família dependem, em ultima analise, de nossa competência em dar e receber amor. (VILELLA, 1979, apud DIAS, 2011, p. 68-69).

Com o desaparecimento das funções tradicionais da família, seja qual for o modelo de família adotado e o constituído entre pai ou mãe e seus filhos, há um reencontro da afetividade[1] com o afeto[2], tendo em vista que inicialmente a afetividade era cuidada pelos cientistas sociais, educadores, psicólogos, objetivando as ponderações dos juristas com base nas relações familiares contemporâneas. O artigo 1593 do Código Civil brasileiro, diz que: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem”, este dispositivo deixa claro de que o afeto sincero, independentemente de está ligado por qualquer vinculo de parentesco. (LÔBO, 2011).

Considerando que a doutrina brasileira, a respeito do direito de família, coadunando-se com a aplicação do princípio da afetividade nas mais variadas dimensões tendo em vista que:

Solidariedade e cooperação; concepção eudeminista; funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; redirecionamento dos papeis masculino e feminino, com relação à colisão de direitos fundamentais. Sabendo que, a força da afetividade reside exatamente na aparente fragilidade, pois é o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares. (LÔBO, 2011, p. 73).

As pessoas que compõem o grupo familiar se entretêm diuturnamente e duradoramente em relação à afetividade na busca da convivência familiar, em virtude ao ambiente comum, no entanto “é o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidos e protegidos, especialmente as crianças”. (LÔBO, 2011, p. 74).

No fato da vida a convivência familiar, se preconiza e se estabelece como um dos princípios marcantes do direito de família, devido a tutela de regras especificas particularmente no que diz respeito à criança e ao adolescente, por outro lado é a essência real da socioafetividade. (LÔBO, 2011).

O fato é que, “para a convivência familiar, é buscar um fortalecimento dos vínculos familiares e a manutenção de criança no seio da família natural, porém com a destituição do poder familiar a entrega da criança para adoção”. (DIAS, 2011, p. 68-69).

No mundo atual, o exercício do poder familiar, prevalece o direito a dignidade e não a origem biológica dos filhos, o judiciário por vezes nas resoluções de conflitos leva em conta o afeto e a solidariedade no ambiente familiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Afetividade: Faculdade afetiva; afetiva qualidade do que é afetivo.afetivo. Afetivo. Que mostra afeto ou afeição = afetuoso. Piberam Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://www.priberam.pt /DLPO/default. aspx?pal.=afectivo>. Acesso, 29 de setembro de 2012. . Acesso em 06 de agosto de 2012

[2] Afeto: Impulso do ânimo; sua manifestação; Sentimento, paixão; Amizade, amor, simpatia. Piberam Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx? pal=repugn%u00e2ncias. Acesso em 29 de setembro de 2012.