HABILIDADES PESSOAIS E INTERPESSOAIS DO ADVOGADO NO CONTEXTO INTERPESSOAL
Publicado em 13 de novembro de 2013 por Luiz Saraiva Narciso
RESUMO: Este artigo tem por escopo uma breve análise das habilidades pessoais e interpessoais a serem desenvolvidas pelos advogados em seu ofício. Serão abordados aspectos arraigados no surgimento da psicologia, como o autoconhecimento, a observação, a escuta; além de abordar os principais erros comportamentais cometidos pelos advogados no exercício de sua função, essencial para a administração da Justiça. Para tanto, será tecida uma breve introdução acerca do papel do advogado e as principais habilidades a serem desenvolvidas por estes. A seguir serão traçadas considerações a respeito das habilidades interpessoais e pessoais de forma específica abordando sua importância no ofício e no dia desse profissional do direito. A psicologia do direito será abordada, portanto, sob o prisma da análise de sua influência no profissional.
PALAVRAS – CHAVE: Habilidades Pessoais e Interpessoais, Autoconhecimento, Advogado, Erros Comportamentais.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Habilidades pessoais e interpessoais do advogado; 1.1 Autoconhecimento; 1.2 Habilidades pessoais e interpessoais; 1.2.1 Habilidade de Observar; 1.2.2 Habilidade para escutar; 1.2.3 Habilidade para falar; 2 Erros comportamentais; 3 Considerações Finais
INTRODUÇÃO
Um advogado é um profissional liberal, bacharel em Direito e autorizado pelas instituições competentes de cada país a exercer o jus postulandi, ou seja, a representação dos legítimos interesses das pessoas físicas ou jurídicas em juízo ou fora dele, quer entre si, quer ante o Estado.
O advogado, segundo preceito contido na Constituição da República de 1988, é uma peça essencial para a administração da justiça e instrumento básico para assegurar a defesa dos interesses das partes em juízo.
Por essa razão, a advocacia não é simplesmente uma profissão, mas, um munus publicum, ou seja, um encargo público, já que, embora não seja agente estatal, compõe um dos elementos da administração democrática do Poder Judiciário.
Pode-se decompor a atuação da advocacia em sete funções jurídicas básicas: 1. Assessoria jurídica (interna ou externa, inclusive no apoio negocial, em tempo real); 2. Consultoria jurídica (Externa ou interna - Outside Counsel - In-House Counsel); 3. Procuradoria jurídica; 4. Auditoria jurídica; 5. Controladoria jurídica; 6. Planejamento jurídico e o 7. Ensino jurídico. Mas a principal atribuição de um advogado, é postular em juízo (mover ações judiciais), a direito seu ou de outrem.
Em qualquer uma dessas áreas de atuação, relacionamentos interpessoais são constantes na prática do ofício: clientes, testemunhas, colegas, juízes, promotores veem-se em constante interação (nem sempre prazerosa, diga-se de passagem). (FIORELLI, FIORELLI, MALHADAS JUNIOR, 2010, p.196)
Assim, o presente trabalho busca uma análise dessa interlocução existente diariamente, entre o exercício da advocacia como função fundamental e a psicologia, que interfere diretamente nesse exercício. Tal interferência será demonstrada por meio do comportamento do profissional, a ser avaliada.
1 Habilidades pessoais e interpessoais
1.1. Autoconhecimento
Imprimir efetividade nas relações interpessoais inerentes à profissão é um dos grandes objetivos e desafios profissionais e pessoais dos advogados – bem como dos demais profissionais liberais, sobretudo - no contexto moderno. É de interesse do advogado construir boas relações, sobretudo por imaginar que tais relações possam passar a ser contratos profissionais.
Segundo José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli e Marcos Julio Olivé Malhadas Júnior, em obra Psicologia Aplicada ao Direito: “Dois elementos, independentes, são basilares para o relacionamento profissional saudável e produtivo: o autoconhecimento e a percepção do outro – aquele com quem se interage.” (FIORELLI, 2010, p.196)
O autoconhecimento possibilita (e estimula) o desenvolvimento da percepção do outro; percebendo o outro. A percepção do outro torna a pessoa capaz de se perceber – autoconhecimento - em meio aos demais e fazer comparações, buscando arriscar-se e conhecer, cada vez mais, a fim de buscar novas comparações. Por conseguinte, está formado assim um ciclo, em que a pessoa ganha confiança e motivação para se desenvolver.
Segundo Fiorelli e outros: “O autoconhecimento, ainda que desafiador, é o bilhete da viagem, para a “ilha desconhecida”, onde paisagens inexploradas demonstrarão que valei a pena um grande esforço para desenvolvê-lo continuamente” (FIORELLI, 2010, p.196)
O caminho para o autoconhecimento, ensina Rosy Greca, exige o poder de si para poder observar-se. O olho, porém, não olha pra dentro de si. Para se conhecer, a pessoa deve sentir a apreender as opiniões dos outros. É apenas por outro que a pessoa se encontra; por seus anseios, mágoas, prazeres, realizações compreende a extensão e o teor desses sentimentos nela mesma. Não há conhecimento absoluto, apenas a relatividade cria as bases para uma autoavaliação. Importante citar a importância do autoconhecimento:
O autoconhecimento revela potenciais ocultos, virtudes, defeitos e características, de personalidade merecedoras de aperfeiçoamento, atenuação ou controle, abrindo novas possibilidades de desempenho para o indivíduo. Ele amplia a compreensão das foças que atuam no íntimo de cada um, capazes de influenciar nos relacionamentos, sem que a pessoa se dê conta de que isso acontece. (FIORELLI, 2010, p.197)
Aplicado ao profissional do direito, o autoconhecimento é de suma importância. Ter uma boa autoavaliação de si evita preconceitos de profissionais em relação aos seus clientes e suas convicções. Isso ocorre principalmente no âmbito do direito penal, já que existe, desde sempre, um preconceito em relação aqueles que cometeram um crime ou uma contravenção penal. Portanto, não é necessário que o advogado afaste suas emoções da causa que defende; deve apenas, se conhecer, a fim de construir uma relação de maior confiança com seu cliente e acreditar, de forma que o motive em seu labor, na vitória em um eventual processo.
Saber as verdades que traz consigo é a melhor forma de compreender a verdade existente dentro dos outros, uma vez que ela é relativa.
1.2 Habilidades Pessoais e Interpessoais
Habilidades e conhecimentos não se confundem. Uma habilidade é um conhecimento colocado em prática. Aquelas se manifestam em comportamentos, e são estes que fazem diferença na vida íntima/pessoal e profissional. O conhecimento somente frutifica quando se manifesta. (FIORELLI, 2010, p.198)]
Algumas habilidades são imprescindíveis na vida do advogado e seus colaboradores, merecendo destaque nesse trabalho.
1.2.1 Habilidade de Observar
A habilidade de bem observar constitui a base de todo o sucesso no relacionamento interpessoal. Nas palavras de José Fiorelli e outros, esta se constitui em:
a) Perceber as mensagens não verbais contidas nos comportamentos das pessoas; b) Identificar comportamento dos clientes, favoráveis e não favoráveis aos objetivos pretendidos, a forma como eles acontecem e os fenômenos que desencadeiam; c) Discriminar os detalhes dos comportamentos que passam despercebidos pelas pessoas que os emitem, desde aspectos relacionados à postura física até inflexões de voz. (FIORELLI, 2010, p.198)
O observador atento identifica detalhes reveladores de características de personalidade potencialmente capazes de influenciar a percepção dos demais a respeito do cliente ou de seu oponente.
O bom observador tem de um modo geral, determinadas características que compreendem, de um modo sucinto: paciência; busca por detalhes, por reconhecer que podem fazer a diferença; discrição; respeito à privacidade; persecução da neutralidade. A última característica é a mais delicada, uma vez que de forma inconsciente, é normal que se aflore nas pessoas preconceitos e mecanismos de defesa.
1.2.2 Habilidade para Escutar
A grande dificuldade existente quando se fala em habilidade de escutar, se encontra na dificuldade que se tem para escutar o que não quer se escutado. Mecanismos inconscientes de defesa dificultam a escuta, uma vez que existe um medo de se escutar algo que não se pode responder ou lidar de forma adequada. É mais fácil ouvir o que se domina, e é mais fácil controlar a comunicação.
Os advogados sabem que aquilo que um cônjuge traz de queixa em relação ao outro dificilmente corresponde ao que o outro acredita ter feito; há uma notória subjetividade na “verdade”. (FIORELLI, 2010, p.200)
Algumas das importantes características da habilidade de escutar, que os advogados, além dos demais operadores do direito, devem saber, são: a) Falar tem efeito terapêutico, b) A função terapêutica da fala não depende da proximidade ou viabilidade da solução pretendida; c) Quando se fala, a pessoa ordena suas ideias, baseado no binômio: raciocinar – concluir.
Ouvir, entretanto, requer muita disposição para aceitar e compreender o outro. Poucos advogados conseguem desenvolver com perfeição essa habilidade, sobretudo aqueles que baseiam sua atividade profissional apenas na habilidade para falar.
1.2.3 Habilidade para falar
O momento da fala deve ser cuidadosamente aproveitado, para que ela revele com os quatro atributos que a tornam preciosa, produtiva e esperada. São esses quatro atributos, nas palavras de Fiorelli:
a) precisão: direta ao ponto, sem rodeios inúteis que apenas cansam o ouvinte; b) concisão: tão curta quanto as condições permitirem; a objetividade facilita a compreensão; c) clareza: sem dar margem a interpretações dúbias; d) correção, do ponto de vista gramatical. (FIORELLI, 2010, p.201)
Ao falar, a pessoa sinaliza o grau em que ocorreu a compreensão e, muitas vezes, a única demanda do cliente é ser compreendido. O advogado deve evitar ainda inadequações, tais como:
a) deslocamento para outro assunto; b) identificação com o que fala, para criar uma falsa identidade e, até mesmo, justificar a impossibilidade de qualquer ação; c) distração, expressa no ingênuo “queira repetir, por favor, alguns detalhes, eu gostaria de me aprofundar”; há clientes que hábeis em identificar o desligamento do interlocutor; d) fantasia: “veja, vamos enxergar sob um outro prisma; imagine que nada disso tivesse acontecido...”, o cliente, com certeza, sabe o que aconteceu, e não está ali para abstrações; e) negação da realidade; o advogado deve conscientizar-se que a realidade psíquica do cliente é o que vale pra ele; f) racionalização: “você tem razão no que fala, mas vejamos isso percentualmente”; talvez seja o pior argumento, porque nega a importância do cliente para ele mesmo, reduzindo-o para a insignificância da uma estatística (FIORELLI, 2010, p.201, 202)
A comunicação por meio da palavra é essencial para o processo de orientar, que consiste em procedimento mais complexo que o falar, pois exige identificar o que deve ser comunicado, utilizar a forma adequada para promover a comunicação, comunicar no momento adequado, diagnosticar o motivo para que a orientação possa e deva ser feita e escolher local, para que a pessoa seja valorizada, bem como o tema a ser tratado.
A fala deve ser ainda adequada gramaticalmente, erros desse tipo podem passar a ideia de despreparo e incompetência.
Outros comportamentos que transmitem a imagem de incompetência – e até de falta de honestidade - são apresentação trêmula, tabagismo nervoso, desalinho com o cabelo e com as roupas.
Ainda em se tratando da linguagem corporal, algumas demonstrações de interesse podem fazer diferença para a construção de um ambiente produtivo para o advogado em sua relação com o cliente. Entre essas demonstrações estão: a) conduzir a pessoa segurando-a levemente pelo braço; b) olhar nos olhos, mesmo quando são faladas coisas desagradáveis; c) manter-se em posição de atenção concentrada, o que inclui a forma de sentar-se, movimentar-se, etc; d) demonstrar que se encontra preparado para o caso, sabendo, precipuamente, manusear os movimentos do processo; e) apertar a mão com firmeza, para receber e despedir-se.
2. ERROS COMPORTAMENTAIS
Alguns erros podem desvalorizar a relação de confiança entre o advogado e o cliente. Tais erros estão baseados em comportamentos dos profissionais que podem ser difíceis de ser aceitos.
Realizar atividades paralelas enquanto atende o cliente é sinal de má educação, além de dar a impressão de que se desvaloriza o cliente; Permitir que outras pessoas interrompam o diálogo tem o mesmo efeito, colocando o interlocutor numa situação de falta de privilégio; Quando se fala em interrupção, outro comportamento de má educação é interromper a conversa em momentos inadequados. (FIORELLI, 2010, p.208) É necessário que o cliente possa se expressar livremente, qualquer interrupção pode causar uma barreira ou isolamento do interlocutor.
Outro erro comportamental de natureza grave, e que, nem advogados nem juízes estão imunes é o atendimento em momento ou situação errada. Tal equívoco ocorre, sobretudo, quando o profissional não tem tempo suficiente para se afastar de seus problemas familiares e pessoais, e acaba envolvendo-os em seus atendimentos. Também se manifesta como nervosismo e impaciência ao atender as pessoas. A melhor situação nesses casos é a franqueza na fala: reconhecer a impossibilidade da escuta e, consequentemente, a impossibilidade da comunicação. Outra solução possível, sobretudo em situações mais graves, é o afastamento temporário da profissão, uma vez que a comunicação saudável é imprescindível.
A comunicação dos profissionais do direito, em especial dos advogados, deve ser baseado na escuta. Por conseguinte, o advogado não deve, de forma alguma, se preocupar em julgar mais que escutar. Como supramencionado, muitas vezes o interlocutor tem a vontade maior de ser ouvido, mesmo sabendo que seu problema é de difícil resolução. Ademais, julgar ou censurar o cliente é uma forma de inibir a manifestação de ideias deste.
Transferir o atendimento a outra pessoa é mais uma forma de desvalorização do cliente. A correria da vida, expressão utilizada como desculpa para ganância, não pode ser desculpa para “passar para frente” a escuta para estagiários ou outros empregados. Isso ocorre principalmente em grandes escritórios. (FIORELLI, 2010. p.209)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sintetizando as observações acerca das habilidades pessoais e interpessoais, destacamos os seguintes comportamentos que devem ser considerados em qualquer tipo de situação.
a) Voz e expressão constituem importantes veículos de comunicação;
b) a ambientação do escritório exerce influência sobre as pessoas; cores vivas aumentam a ansiedade; escuras deprimem; há muitas combinações interessantes de cores intermediárias, com as quais um bom profissional de arquitetura podem trabalhar;
c) deve-se evitar a falta e o excesso de luz, preferindo-se a natural, sempre que possível;
d) compreender o cliente possui tanta importância quanto compreender a questão do ponto de vista técnico;
e) pessoas, com dificuldades para se comunicar valem-se de artifícios do tipo: falar demais, manter-se calada, inserção de detalhes irrelevantes; o advogado deve permanecer atento a esses mecanismos de defesa.
f) falar muito e ouvir pouco constitui um erro comum dos iniciantes; a passividade excessiva, por outro lado, também é inadequada;
g) ficar sempre atento a assuntos ou situações que o cliente evita; elas podem esconder aspectos importantes da questão;
h) levar em consideração tudo o que a pessoa fala, mesmo que parece inicialmente irrelevante;
i) deixar sempre muito clara a relação de cumplicidade entre advogado e cliente;
j) prestar atenção ao tom emotivo da pessoa.
O conjunto das habilidades analisadas nos capítulos anteriores facilidade o relacionamento interpessoal de modo geral. A boa escuta, a observação inteligente, o emprego da linguagem do cliente, a sintonia com o raciocínio por ele empregado estabelecem os vínculos necessários.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8906.htm, acesso em 3 de dezembro de 2012, as 14h01
DE FREITAS CAIRES, Maria Adelaide. Psicologia Jurídica – Implicações Conceituais e Aplicações Práticas. 1.ed. São Paulo: Editora Vetor, 2003
FIORELLI, José Osmir. Psicologia aplicada ao direito. 3.ed. São Paulo: LTr, 2010
PAULO, Beatrice Marinho. Psicologia na Prática Jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva: 2012
UNIMONTES. Resolução do CEPEX-nº182/2008. In: www.unimontes.br, acesso em 05/04/2011, às 19h.