GARANTIAS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Análise da progressão de regime como garantia para os condenados

JULYANNA MARTINS DE ARAÚJO[1]

TIAGO GOMES AROUCHE[2]

 

Sumário: Introdução. 1. Breves comentários acerca da Lei de Execução Penal 1.1 Garantias Constitucionais na LEP 2. Dos Regimes 3. A Progressão de Regime. Conclusão. Referências.

RESUMO

Inicia-se o artigo científico tecendo breves comentários acerca da Lei de Execução Penal, expondo seus objetivos e sua proteção aos condenados. Analisa-se as garantias processuais constitucionais encontradas na Lei de Execução Penal, bem como os princípios constitucionais.  Estuda-se os diferentes tipos de regimes expostos pela LEP. Aborda-se de forma crítica a progressão de regime como garantia para os condenados, bem como sua ausência na realidade carcerária maranhense. Analisa-se o papel do Conselho Nacional de Justiça no que tange à promoção de programas que visam a revisão processual dos condenados.

PALAVRAS-CHAVE

Lei de Execução Penal. Regimes. Progressão de Regimes.

 

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal brasileira juntamente com a Lei de Execução Penal apresentam alguns direitos aos condenados, quando se encontram no cárcere. Direitos como assistência material (vestimentas, etc) e outros, como a progressão de regime, são alguns benefícios os quais na teoria, os condenados possuem.

Porém, tendo em vista a situação precária pela qual se encontra o sistema carcerário brasileiro, em especial o de São Luís do Maranhão (Penitenciária de Pedrinhas), é sabido que os direitos são desconhecidos pelos detentos, os quais passam por situações degradantes, como o cumprimento de pena maior que o estabelecido. A progressão de regime, objeto de estudo deste artigo científico, é um dos muitos direitos desconhecidos pelos condenados.

 

  1. 1.     BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

A Lei de Execução Penal, n. 7.210 de 11 de julho de 1984, tem por objetivo principal a consolidação da sentença condenatória. Consoante afirma Renato Marcão,

A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar (MARCÃO, 2007, p. 1).

Portanto, sabemos que a real função da execução penal, além da proteção à sociedade, é de reinserir o condenado à sociedade após o cumprimento da pena. Porém, essa ressocialização é pouco eficaz no Brasil, uma vez comprovados os altos índices de reincidência, além da falta de condições carcerárias adequadas para isso.

Segundo os dizeres de Gessé Marques Jr., a Lei de Execução Penal pode ser interpretada como sendo composta de três objetivos primordiais: “aqueles que dizem respeito à garantia de bem-estar do condenado; à necessidade de classificação do indivíduo e a individualização da pena; e à assistência necessária dentro do cárcere – e os deveres de disciplina –, enquanto estiver cumprindo a pena” (MARQUES JR., 2009).

Pode-se encontrar inseridos implicitamente nesses objetivos algumas garantias processuais constitucionais, como aquela consolidada no inciso LXIII da Constituição Federal, o qual afirma que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (BRASIL, 1988). Sobre o assunto, Mirabete afirma que “reconhece-se que muitas de suas normas têm caráter material e que na Constituição Federal (...) estão consagradas regras características da execução penal (...), por exemplo, as proibições de prisão por dívida e dos princípios da personalidade e individualização da pena.     

 

1.1  GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA LEP

Para o estrito e correto funcionamento das normas expostas no Código Penal é necessário o uso do instrumento denominado processo, no qual, consoante os dizeres de Paulo Lúcio Nogueira, citado no livro de Renato Marcão,

 “devem ser observados os princípios e as garantias constitucionais a saber: legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade do juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa das partes, publicidade, oficialidade e duplo grau de jurisdição, entres outros.”(NOGUEIRA cit. MARCÃO, 2007, pag. 4)

O uso dos princípios já explicitados é importante na execução da pena condenatória, pois é a partir deles que se constitui um devido processo legal, que é uma garantia processual descrita no art.5º, LIV, da Constituição Federal.

Ainda há de se falar, em se tratando da lei de execução penal, no princípio da humanização da pena que diz respeito aos direitos e deveres do condenado, uma vez que o mesmo tem por dever cumprir sua pena e por direito que esta seja imposta de maneira humana e eficaz, para a reinserção do preso no âmbito social. Essa reinserção é um assunto polêmico e alvo de inúmeras discussões no campo de conhecimento jurídico e social.

Uma garantia constitucional importante para a correta aplicabilidade da LEP, é a da individualização da pena que está incluída no rol de direitos e garantias fundamentais do indivíduo, segundo a qual a pessoa terá pena coerente com a gravidade do crime cometido. O inciso XLIX do artigo 5º da Constituição Federal, assegura aos condenados sua integridade física e moral, garantia esta de grande importância, com o objetivo de alcançar a melhor forma de o condenado cumprir sua pena sem sofrer danos, consoante as normas que norteiam os Direitos humanos.

  1. 2.     DOS REGIMES

No ordenamento jurídico brasileiro, são adotados três regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme leciona Paulo Lúcio Nogueira, quais sejam

a) o fechado, que consiste no cumprimento da pena em estabelecimentos de segurança máxima ou média, quais sejam a penitenciária, as casas de detenção, os presídios, ou mesmo as cadeias públicas, embora consideradas recolhimentos de presos provisórios; b) o semi-aberto, em que a execução da pena será em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (...); c) o aberto, que consagra a prisão-albergue, pois a execução da pena será em casa de albergado ou estabelecimento adequado (NOGUEIRA, 1990, p. 132-133)

No art. 110 da Lei de Execução Penal, é taxado que o juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade. De acordo com Mirabete (2002, p. 307), “estabelecido o regime inicial de cumprimento da pena pelo juiz da sentença condenatória, sem recurso das partes, faz a decisão coisa julgada formal e material a esse respeito. Não pode, assim, ser modificada a decisão pelo juiz da execução a não ser em decorrência de fatos supervenientes”.

 

  1. 3.     A PROGRESSÃO DE REGIME

No Brasil, os condenados teoricamente possuem alguns direitos (benefícios) enquanto cumprem a sua pena. O artigo LXIII expõe taxativamente que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Outro direito assegurado ao condenado é o da progressão de regime, assegurado no artigo 112 da Lei de Execução Penal, o qual afirma que

A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Vale ressaltar que Mirabete nos informa que

Não havendo condições de promover-se o fim da pena no ambiente agressivo do cárcere em regime fechado e sendo necessária a gradual integração social do condenado, possibilita-se que ele conquiste a progressão quando dê sinais de modificação de comportamento depois de ter recebido orientação adequada, instrução e ensinamentos com vistas a sua profissionalização ou aperfeiçoamento. (grifos nossos). (MIRABETE, 2002, p. 358-359).

Ressalta que “por força do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072, de 25-7-90, os autores dos crimes hediondos, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e de terrorismo devem cumprir a pena integralmente em regime fechado” (MIRABETE, 2002, p. 359). Ou seja, aos autores desses crimes não é concedido o benefício da progressão de regimes.

Para início do regime fechado, Paulo Lúcio Nogueira afirma que “foi instituído o exame criminológico para classificação dos condenados, que será feito por Comissão Técnica de Classificação, que elabora o programa individualizador e acompanhar a execução das penas, propondo às autoridades as progressões e regressões, bem como as conversões das penas.”

Em entrevista de campo feita com o ex-detento R.N.P. da S, hoje desempregado e freqüentador de uma Igreja evangélica no Cohatrac, nos foi possível conhecer a real situação instalada na penitenciária de Pedrinhas. O ex-detento afirma que

foram os piores dias da minha vida. Na cela em que eu fiquei, tinham mais 14 presos, e não tinha ninguém pra avaliar se a gente tava se comportando bem ou não. Era revoltante, porque tinha muita gente ali dentro que tava lá porque não tinha dinheiro pra “bancar” advogado, que já era pra estar solto, mas não sabia o que fazer. Alguns de nós “podia” ir pra Igreja nos finais de semana, e foi lá que eu conheci Jesus.

R.N.P. da S. afirmou que esteve detido por ter cometido furto qualificado, e afirma ter passado mais tempo que o necessário. Foi solto através de um mutirão ocorrido na Penitenciária de Pedrinhas no ano de 2006, e desde então só trabalhou como ajudante de pedreiro. Não gozou da prerrogativa da progressão re regimes. Adverte Mirabete que “a progressão, porém, deve ser efetuada por etapas já que, nas penas de longa duração, a realidade ensina que se deve agir com prudência para não permitir que o condenado salte do regime fechado para o aberto”. Evidencia-se o quão deficiente é o sistema carcerário brasileiro, uma vez que a realidade não é a taxada nas leis.

Em entrevista com o advogado Paulo Henrique Galvão Rodrigues[3], soubemos que a maioria dos presos não conhece seus direitos.

Alguns pensam que sabem de alguma coisa, pois são reincidentes e chegam a afirmar que seus casos prescreveram e coisas desse tipo, porém é um conhecimento muito superficial. Dentro da Penitenciária de Pedrinhas, a assistência dada aos presos é muito precária, pois o que ocorre é que há uma superlotação, então muitos são esquecidos lá dentro. Nem a Defensoria Pública, órgão que deveria dar assistência jurídica aos mais necessitados, não consegue superar essa deficiência, pois são poucos os defensores públicos e a demanda é muito alta.

 

 

Partindo destas informações, é possível perceber que os direitos dos condenados não são de fato efetivados, sendo que não são assistidos da forma como deveriam ser. Cumprem penas maiores do que as que deveriam, e a maioria não goza do benefício da progressão de regime pela ausência de um Conselho Penitenciário, órgão que, dentre outras competências, é encarregado de “emitir parecer sobre livramento condicional, indulto e comutação de pena”, como exposto no inciso I do Art. 70, da Lei de Execução Penal. “O Conselho Penitenciário estadual surgiu com a criação, pelo Decreto n. 16.665/24, do livramento condicional, porque lhe cabia, como cabe, além de fiscalizar o cumprimento da pena, dar parecer a respeito da concessão do benefício, depois de ouvir o diretor do estabelecimento onde o réu estiver recolhido.” (NOGUEIRA, Paulo Lúcio. 1990, p.83-84).

Porém, é importante ressaltar que o CNJ vem exercendo papel significativo para reverter esta situação, propondo mutirões carcerários juntamente com o Tribunal de Justiça, com a finalidade de rever processos e conceber benefícios judiciais. O último mutirão ocorrido na Penitenciária de Pedrinhas foi realizado no mês de março de 2010.

Samuel Pereira, 25 anos, condenado a três anos e dez meses em regime fechado, foi um dos beneficiados. Ele que já havia cumprido um sexto da pena, fez o pedido para progressão da pena, mas apenas durante o mutirão teve o benefício concedido. “Essa é uma oportunidade que eu pretendo aproveitar da melhor forma possível. Vou estudar para conquistar um espaço no mercado de trabalho”, comentou. (NASCIMENTO, 2010).

É uma alternativa para que os presos tenham suas penas revistas, ou mesmo para terem alguns benefícios, como a progressão de regime e a liberdade provisória, porém não é uma solução que possa ter caráter definitivo, pois é necessário que haja um acompanhamento de dentro da Penitenciária para que os detentos tenham seus direitos efetivados.

 

CONCLUSÃO

 

Conclui-se que os condenados possuem certos direitos taxados nas Leis de Execução Penal, bem como na Constituição Federal (garantias processuais constitucionais), porém a maioria não tem conhecimento, e os órgãos responsáveis por assisti-los não possuem estrutura necessária para atender toda a demanda, tal como a Defensoria Pública e o Conselho Penitenciário. A progressão de regime, benefício pelo qual alguns condenados podem ter acesso, é uma medida eficaz para que o detento seja reinserido na sociedade de forma graduada, porém o que ocorre é que muitos não gozam desse direito, e acabam saindo do regime fechado para a liberdade, pois já cumpriram suas penas. Conclui-se que uma reforma no sistema carcerário brasileiro que venha a efetivar os direitos dos detentos, bem como assisti-los, é necessária. Porém, ressalta-se a importância do papel do CNJ em propor programas que revejam os processos dos detentos, como os mutirões carcerários.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984.

 

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. Editora Saraiva, 5ª Ed., 2007, São Paulo

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10 ed. rev. at. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

NASCIMENTO, Joelma. II Mutirão Carcerário concede benefício judicial a 95 presos em São Luís. Portal do Poder Judiciário – Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. São Luís, 22 mar. 2010.

 

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1990.

 



[1] Aluna do segundo período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. E-mail: [email protected]

 

[2] Aluno do segundo período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. E-mail: [email protected]

[3] Advogado especialista em Direito Penal