FILIAÇÃO BIOLÓGICA X FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA:

O Direito de Família brasileiro e o melhor interesse do menor[1]

 

Larissa R. de Amorim Reis e

Marina Godinho[2]

Anna Valéria de M. A. Cabral[3]

 

Sumário: Introdução; 1. Filiação Socioafetiva; 2. Filiação Biológica x Filiação Socioafetiva; 3. Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho aponta que o vínculo de parentesco não mais se define apenas pelo vínculo biológico, mas pelo vínculo de afeto, de amor. O Direito brasileiro, dialogando com as demais ciências psico-sociais, superou os limites da norma escrita e levando em consideração os princípios da dignidade humana e do melhor interesse do menor, preceituados na Constituição Brasileira de 1988 e no estuto da Criança e do Adolescente, fazendo prevalescer também um outro princípio Constitucional importantíssimo, o da Igualdade, vedando qualquer discriminação relativa à filiação.

 

Palavras-Chave: Filiação Biológica. Filiação Socioafetiva. Família. Afeto.

INTRODUÇÃO

O Direito de familia brasileiro, como o próprio nome indica, tem por objeto a familia, que deve ser marcada pela afetividade como elo de união entre seus componentes, favorendo-lhes o desenvolvimento integral. Este ramo do Direito apresenta uma natureza mista, pois estão presentes elementos público e privado, identificando-se a primeira em momentos que o Estado tutela os direitos que fogem a autonomia da natureza privada. Clovis Bevilaqua ensina que o “direito de familia tem por objeto a exposicão dos principios de direito que regem as relações de familia, do ponto de vista da influência dessas relações não só sobre as pessoas como sobre os bens”.[4]

Assim, o Direito de Familia abrange o casamento, a união estável, institutos de direitos protetivos e as relações de parentesco. Esta última, que é objeto deste trabalho, é regida sob a égide do Direito Parental que versa sobre filiação, poder familiar, alimentos e adoção.

As transformações ocorridas na sociedade trouxeram uma nova realidade e diferentes modelos familiares, fazendo com que as normas se adequassem de modo a responder às necessidades dessas novas demandas. O Código Civil de 1916 tinha como referência a família a partir do matrimônio, patriarcal, que priorizava o patrimônio. A Constituição brasileira de 1988 pode ser considerada um divisor de águas para o Direito de Família, pois o foco principal deixa de ser o patrimônio e passa a centrar-se em princípios estruturantes da família, como: Princípo dignidade da pessoa humana, Principio da afetividade, Princípio da igualdade em relação aos filhos, Princípio do melhor interesse do menor, entre outros.

A legislação pátria avançou muito no que se refere a defesa e proteção da família, tornando a afetividade um fator primordial. Assim, o conceito de filiação agora pauta-se nas relações desenvolvidas no seio familiar entre seus membros, em virtude do afeto, do amor e não mais na consanguinidade. A família sócioafetiva portanto, é marcada pelo amor, pelos laços afetivos, sendo considerada tão importante, quanto a família biológica, tendo ambas a mesma proteção legal. Amplia-se dessa forma o conceito de Família.

  1. 1.      FILIAÇÃO SÓCIOAFETIVA

A evolução da sociedade e do direito brasileiro que a acompanhou, fez com que o Direito Civil fosse entendido sob a luz da Constituição Federal. Os filhos advindos de relações extramatrimoniais são simplesmente filhos, em condições de igualdade com seus irmãos fruto de uma relação matrimonial e não sendo mais tratados como ilegítimos (art. 337 e seguintes do Código Civil de 1916). A Constituição Federal em seu artigo 227 § 6º, consagra o princípio da igualdade em relação aos filhos.

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1593 nos diz: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. Apesar da lei não falar expressamente de filiação socioafetiva, a doutrina entende que esta se insere no parentesco de “outra origem”, podendo ser entendida como parentesco civil, configurando o vínculo socioafetivo. Assim, verifica-se que a importância atribuída ao afeto vem redefinindo as consequências jurídicas das relações familiares, fazendo com que a cada vez mais a concepção patriarcal de família se distancie de nossa realidade, sendo imperativo a relativização do conceito de consaguineidade.

De acordo com Maria Berenice Dias, no seu texto “Entre o ventre e o coração”, nos ensina que: “O desafio dos dias de hoje é buscar o toque diferenciador das estruturas familiares que permita inseri-las no Direito de Família. Mister isolar o elemento que enseja delimitar o conceito de entidade familiar. Para isso, é necessário ter uma visão pluralista das relações interpessoais. Induvidosamente são o envolvimento emocional, o sentimento de amor, que fundem as almas e confundem patrimônios, fazendo gerar responsabilidades e comprometimentos mútuos, que revelam a presença de uma família. Assim, não se pode deixar de reconhecer que é o afeto que enlaça e define os mais diversos arranjos familiares. Vínculo afetivo e vínculo familiar se fundem e se confundem.”

O Código Civil de 1916 atribuia a presunção pater is est , tendo o matrimônio como pressuposto para a paternidade, sendo considerado pai aquele que fosse casado com a mãe, pouco importando os vínculos afetivos ali estabelecidos. Em função das transformações vividas pela sociedade, a Constituição Federal de 1988 fez com que o Direito de família ampliasse os seus horizontes, deixando este de se restringir ao matrimônio, valorizando a filiação de ordem socioafetiva, objetivando o cumprimento do Princípio do melhor interesse do melhor.

O estado de filho na relação socioafetiva não se dá com o nascimento, mas com a manifestação de vontade, estabelecida pelo afeto. Ou seja, a partir do instante que um casal ou uma mulher ou ainda um homem se dispõe a cuidar de uma criança atribuindo a esta o status de filho, através da dedicação, do amor, do carinho, do respeito a esta criança dispensados, alí estará estabelecido o vínculo que estabelece a posse do estado de pais (ou mãe ou ainda pai).

Para Paulo Luiz Netto Lobo: “O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consangüinidade legítima. (...) A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida.” Em muitos casos, nem sempre a convivência com pais biológicos atendem ao melhor interesse do menor, pois, muito embora tenham vínculo cosanguíneo com essa criança,estão ausentes nessa relação o acolhimento, a afetividade, o respeito, que são imprescindíveis na relação entre pais e filhos, o que pode trazer prejuízos de ordem psicológica para essa criança ou adulto futuro,  que nem sempre será possível ser revertido.

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, o nome, o tratamento e a fama, formam o tripé que garante a experiência de família e o pressuposto do afeto. Porém, entende-se que o nome em si, não constitui um elemento imprescindível, visto que nem sempre a criança carregará o sobrenome dos pais. O mais importante, no entanto, é o tratamento dispensado ao filho, a relação de amor estabelecida entre pais e filhos, de modo a garantir-lhes toda a assistência necessária para seu desenvolvimento pleno e que esta relação seja reconhecida como tal pela sociedade.

 

  1. 2.                  FILIAÇÃO BIOLÓGICA X FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

A filiação socioafetiva passa a ser valorizada com a Constituição Federal de 1988, que ao se pautar no Princípio da igualdade entre os filhos faz com que o Direito de família considere este tipo de filiação tão importante quanto a filiação biológica. Esse fato, faz com que ocorra o fenômeno da desbiologização da paternidade, batizada assim pelos doutrinadores.

O direito de conhecer a origem genética está relacionada ao Direito da Personalidade, ao contrário do reconhecimento de paternidade que está vinculado ao Direito de Família. A discussão sobre a prevalência do tipo de paternidade (filiação biológica X filiação socioafetiva) vem movimentando a seara jurídica, bem como os doutrinadores à respeito do tema.

A jurisprudência entende que há possibilidade de haver confronto entre a paternidade socioafetiva e a paternidade biológica, colocando muitas vezes o judiciário em cheque, frente aos desafio de estabelecer os critérios a se adotar nos casos concretos.

A filiação socioafetiva deverá prevalescer sempre que estiverem presentes  a posse do estado de filho, a convivência familiar harmônica, o afeto, entre outros fatores que identificam a família e que favoreçam o melhor interesse do menor como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 3º e 15 e o artigo 227 da Constituição Federal. Por serem estes, seres humanos em desenvolvimento, deve a família e o Estado assegurar-lhes todos os meios que garantam seu desenvolvimento integral e todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Havendo conflito entre a paternidade socioafetiva e paternidade biológica, deverá prevalescer sempre o melhor interesse do menor e não o o interesse dos pais biológicos que geralmente alegam que os vínculos de consanguineidade devem prevalescer sobre os vínculos afetivos. Assim, a afetividade passa a ser um novo e importante critério na defesa do melhor interesse do menor, quando se apresentar o conflito entre a paternidade socioafetiva e paternidade biológica.

  1. 3.                  CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tranformações ocorridas na sociedade e no modelo familiar brasileiro, fizeram com que as leis buscassem acompanhar tais tranformações, muito embora num rítmo diferenciado. A Constituição Federal de 1988 tentou definir o conceito de Família tendo como base a proteção estatal. O Direito de Família também busca alcançar essas transformações sociais traçando parâmetros para que a sociedade sinta-se atendida em seus anseios.

A filiação socioafetiva é um exemplo dessa mudança ocorrida na sociedade brasileira, que pauta a família em conceitos de afetividade, sendo esta a base da relação familiar. O Direito de Família, nesse contexto, transforma em garantia a máxima popular que assegura que “mãe, não é a que dá a luz, mas é aquela que cria”. Ou seja, não é o fator biológico que determina a relação familiar, mas é o afeto dedicado àquele filho, a responsabilidade pelo seu desenvolvimento integral como ser humano, que cumpre com as obrigações parentais é que determina o vínculo familiar.

A filiação socioafetiva traz ao Direito de Família um novo horizonte e por ser um tema ainda recente, suscita muitas reflexões e discussões. Por não conseguir acompanhar em tempo real as transformações sociais, o Direito Brasileiro apesar de ter avançado muito, precisa dar respostas à sociedade através da tutela expressa acerca da filiação socioafetiva, como forma de assegurar de fato o melhor interesse do menor, garantindo-lhes o respeito a todos os direitos fundamentais que lhes são assegurados pela Constituição Federal e pelo estatuto da Criança e do Adolescente.

BIBLIOGRAFIA

 

DIAS, Maria Berenice. Entre o ventre e o coração. Disponível em: http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?0,10. Acesso em: 23 de abril de 2012.

______________________. Manual de direito das famílias. 8ª ed. São Paulo: Editora RT, 2011.

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil – Família. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

 

 

 



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do Cuirso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] Professora Orientadora

[4] Codigo Civil Comentado, 1. Ed., 1954, v.2, p.06 Lafayette Rodrigues Pereira.