FATOR SOCIAL NA CRIMINALIDADE

 

A criminalidade está presente desde as primeiras civilizações, ao passo que o homem tornou-se um ser social, devendo respeitar as regras de conduta para um convívio pacífico e harmônico, houve sempre quem desrespeitasse normas estabelecidas, sendo estes vistos como criminosos e sujeitos a penalidades. Analisaremos brevemente, as mais notáveis teorias da Sociologia Criminal que surgiu em meados dos séculos XIX, em relação à contribuição da sociedade com os fatores que levam a criminalidade, logo após uma importante diferenciação entre microcriminalidade e macrocriminalidade, respectivamente, crimes comuns inerente a toda sociedade com problemas de cunho social, por outro lado, crimes realizados de forma organizada, sob uma perspectiva empresarial. 

É de grande importância sobre o tema, um breve estudo sobre a Criminologia, sendo esta uma ciência multidisciplinar voltada ao estudo do delito e perfil do criminoso, objetivando avaliar os conflitos macrossociais existentes na sociedade, definida por Senderey apud Mirabete (2006, p. 31): “a Criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam os fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente e sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo.” Desta feita, a grande contribuição dessa ciência reside na análise das medidas indicadas para evitar as causas do crime, ou mesmo soluções para recuperar o criminoso. 

Salientamos a existência de uma ligação da Criminologia com o Direito Penal, nessa perspectiva Álvaro Mayrink da Costa (2005, p. 295):

 

Nos dias atuais, a Criminologia e o Direito Penal podem e devem contribuir para o desenvolvimento social, sem olvidar nem exagerar o respeito ao desenvolvimento individual. O Direito Penal, para contribuir para o desenvolvimento social, deve reconstruir democrática e cientificamente seus mecanismos sobre a delinqüência, a realidade social normal, o delinqüente (sujeito de direito e não de objeto ao serviço de uma classe dominante) e os controles sociais. Para que o Direito Penal possa obter a reconstrução radical de suas estruturas, deve intensificar seus relacionamentos científicos com a Criminologia contemporânea (crítica) e a Teologia. A relação interdisciplinar com a teologia deve evitar toda a “moralização” do Direito Penal, respeitando a unidade de cada ciência.

 

No tocante a interdisciplinaridade, apesar de suas diferenças, unindo a dogmática no estudo das normas penais do Direito Penal e o estudo mais profundo em um liame entre o delito e quem o cometeu e todos os fatores que o influenciaram, seu objetivo é o alcance de um resultado satisfatório que contribua efetivamente em uma solução para o controle da criminalidade.

 

Sociologia Criminal

É inegável a influência do fator social na origem da criminalidade, trazendo a Sociologia Criminal de Enrico Ferri como outra ciência importante na compreensão do fato criminoso, preocupando-se com os fatores externos no cometimento dos crimes e as consequências para a coletividade.

Enrico Ferri era adepto a Escola Antropológica ou “Nuova Scuola”, variante da Escola Positiva – Determinista, era mais voltado ao estudo sociológico, teve sua teoria na influencia do criminoso por fatores antropológicos, físicos e sociais, aquele é determinado por motivos alheios a sua vontade, a finalidade da pena é a retirada do individuo delinquente do meio social.

Defendia a existência de um código de defesa social substituindo o Código Penal, e ainda a classificação dos criminosos em: nato, aquele que já nasce predisposto ao crime, não tem nenhuma noção dos preceitos morais; o louco, indivíduos que cometem crimes tendo como causa um desequilíbrio mental; ocasional, alguém que possivelmente cometerá um crime em situações onde o delito se apresentará diante dele e não resistirá; habitual, aqueles que fazem do crime sua profissão, o chamado reincidente; e por fim o passional, pessoas vulneráveis, que vão a extremos, e em um descontrole emocional é capaz de cometer um crime.

 Ainda nessa mesma Escola, Filippo Grispigni ponderou alguns entendimentos radicais de Ferri, em entendimento que o Direito Penal era apenas um ramo da Sociologia Criminal, eliminando assim a ciência dogmático – jurídico. Desta feita, Grispigni denominava essa ciência, como estudo do fenômeno social da criminalidade, o objeto do seu estudo é o fenômeno social comum da a natureza e o método, em outro aspecto tem apenas a criminalidade como objeto específico. Nas palavras do autor Álvaro Mayrink da Costa (2005, p. 295):

 

Partindo da premissa de que os fatos sociais são resultantes de componentes positivos e negativos, Grispigni compreendeu a criminalidade como um fato de patologia social, no que tange à normalidade da filosofia de uma sociedade, concebendo, dentro de um prisma, o delito como fato de oposição às normas da convivência social estabelecida. Paralelamente, assinalou o valor sintomático do delito, quando em relação a uma série de fatores causais, sejam de valores endógenos ou exógena.

 

 

Outra variante da Escola Positiva, a Escola Critica ou Eclética, vê o crime como uma ação anti-social afirmando o criminoso como produto de condições sociais defeituosas, tinha como representante no Brasil Clóvis Beviláqua, a respeito desse assunto discorre Newton e Valter Fernandes (2002, p.101):

A sociedade tem os criminosos que merece[1]; os degenerados e suscetíveis que ela faz, mais facilmente se impressionam às causas sociais de delinquência; o criminoso é responsável, não porque seja livre, mas porque, sendo são e bem desenvolvido, tem aptidão para determinar a vontade por idéias e representações oriundas da Moral, do Direito, do senso prático, que regulam a conduta de todos, porque tem, em uma palavra, responsabilidade moral.

 

Em síntese, uma sociedade que não está à mercê de mazelas que comprometam o senso de Moral e de Direito da sua comunidade, não haverá espaço para a supremacia do crime nela, pois os que infringirem as normas saberão que vão arcar com as responsabilidades, logo acionarão o freio moral.

Em entendimento contrário está Émille Durkhein, outro pilar da Sociologia Criminal, ao analisar a criminalidade não via o crime de maneira patológica, qualificava-o como fato social, atribuindo certa normalidade. Durkhein apud Fabretti:

O crime não se produz só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades, qualquer que seja o tipo destas. Não há nenhuma em que não haja criminalidade. Muda de forma, os atos assim classificados não são os mesmos em todo o lado; mas em todo o lado e em todos os tempos existiram homens que se conduziram de tal modo que a repressão penal se abateu sobre eles.

O sociólogo de modo geral entende o crime como um fator social normal, inerente a toda e qualquer sociedade, não vendo isso como um ponto negativo, patológico, todavia prevê a hipótese da criminalidade tomar dimensões anormais no momento em que assume elevadas proporções.

Aplicando essas teorias aos dias hodiernos, reconhecemos que as mazelas de uma sociedade contribuem de forma efetiva para a existência do crime, a falta de condições básicas para se ter uma vida digna, que o Estado deveria proporcionar aos cidadãos, mas não o faz e sua ineficiência ao cuidar das consequências da sua inércia é o estopim para desencadear o crescimento das ações criminosas, até alcançar o caráter anormal descrito por Durkhein, onde o crime entra em disputa com o Estado medindo o poder, como no caso do crime organizado.

Micro e Macrocriminalidade

Sob aspecto cronológico, o fenômeno da criminalidade organizada tem maior repercussão após a Revolução Industrial, com a globalização, o avanço tecnológico e a maior relevância do sistema financeiro, tecnologia genética e nuclear. Nesse sentido, Sá e Shecaira (2008, p.216):

 

A evolução da sociedade acarreta também uma evolução na prática de crimes. Então, delitos cuja repercussão era apenas de âmbito local passam a gerar uma potencialidade lesiva muito maior, de âmbito regional e até mesmo mundial. Com isto, surge a criminalidade organizada que, dentre outras características, trabalha com produtos ou serviços ilícitos e suborno de agentes estatais, portanto, contando com o vínculo estatal.

 

Destarte o Direito Penal passa a se preocupar com os direitos coletivos, difusos, diferentemente dos bens jurídicos protegidos no início do século XVIII, que eram os direitos individuais, onde predominava a existência de crimes como homicídios e furtos, muitas vezes de caráter passional, ou mesmo de vingança, sendo a criminalidade individual ou no máximo em simples concurso de pessoas.

Hodiernamente, diante de tantos problemas que assolam a sociedade brasileira como a má distribuição de renda, a falta de serviços básicos (educação, saúde, moradia), o desemprego, tudo isso propicia um campo fértil para o nascimento da criminalidade. Nesse contexto, uma diferenciação entre ondas de crimes que ocorrem no dia-a-dia e ações do crime organizado propriamente dito é oportuna neste momento. Pois nem todo crime é ato de facções, diante a gama de problemas sociais existentes no nosso país, principalmente no que diz respeito às condições econômicas, estas exercem grande influência no nosso modelo de sociedade capitalista e de um Estado com legislações inertes, complementando o entendimento os autores Newton Fernandes e Valter Fernandes (2002, p. 384):

 

Por serem tíbias e muitas vezes unilaterais as leis, pouco fazem para proteger a comunidade da pressão negativa desses abusos (desemprego, baixo poder aquisitivo popular, inflação, especulação), propiciando os avanços onzenários em busca do enriquecimento cada vez maior e a impunidade dos potentados da exploração da economia popular. Como resultado, muitos dos explorados partem para o crime, e a situação às vezes se multiplica de tal forma que a criminalidade toma, segundo Liszt[2], “um caráter patológico-social”.

 

Em distinção realizada pelo autor Marcelo Valdir Montenegro, ele tem como criminalidade de massa, ou microcriminalidade os pequenos crimes corriqueiros que tem como causa a heterogeneidade de classes sociais, o baixo poder aquisitivo leva ao cometimento de crimes de furto e roubo, principalmente, nos seguintes termos Sá e Shecaira (2008, p.217):

 

A criminalidade de massa é aquela que surge principalmente como decorrência da desigualdade social na sociedade moderna e consumista, como é o caso dos crimes de furto, roubo e dano, praticados pelos criminosos oriundos das classes menos favorecidas economicamente.

 

 

As vítimas atingidas por estes crimes são certamente individuais e geralmente não costumam denunciar o fato à polícia, pela descrença no órgão em saber da dificuldade em identificar o autor do fato. A prisão é o principal meio de repressão social a esse tipo de criminalidade.

De outro lado, está a criminalidade organizada, ou macrocriminalidade, em um nível mais elevado quanto aos danos que causa a sociedade, visto que suas atividades atingem tanto individualmente, em sequestros, extorsões e assassinatos, quanto a população em geral, com o tráfico de drogas, a corrupção, lavagem de dinheiro, ainda Sá e Shecaira (2008, p.218):

 

Já a criminalidade organizada pressupõe uma potenciabilidade maior para a sociedade do que os crimes individuais. Isto se deve ao fato de que a criminalidade , assim como a sociedade, evoluiu. A criminalidade moderna vem ao encontro da criminalidade organizada, pois os crimes são das mais diversas espécies, lesionando além dos bens jurídicos individuais, também os bens coletivos e para isso utilizam das facilidades tecnológicas existentes, de divisão de trabalho, corrupção policial, judicial e/ou política etc.

 

 

Diferentemente do crime de massa, a vitima deste crime, por vezes não é individualizada, alcança a coletividade em pessoas indeterminadas. O Estado tem enorme deficiência em controlar esse tipo de crime por ter seus agentes envolvidos diretamente com o crime, unido a ineficiência dos seus órgãos. E um controle social informal é completamente inviável diante da grandiosidade dessa modalidade, pelo simples fato de não ter como reconhecer quem está envolvido.

Diante o exposto, essa distinção não tem finalidade de separar ou retirar o fato social das origens do crime organizado, uma vez que problemas sociais dão espaço à criminalidade em geral, que pode se desenvolver num ideal de coletividade junto a outras características tornando-se organizado e de maior potencialidade ou permanecer em ações isoladas, o caráter dessa diferenciação é o de alertar sobre a possível punição que deverá ser proporcional a dimensão dos efeitos que causam. Portanto, Roesles (2004):

 

A falácia do combate ao crime organizado assume várias formas. Seja no engodo de fazer acreditar que toda criminalidade violenta atual está ligada às organizações criminosas, seja no atropelo de atribuições praticado pelos órgãos de repressão do Estado. É necessário ter a sensibilidade para saber diferenciar a criminalidade comum dos atos praticados pelo chamado crime organizado.

 

Essa sensibilidade sugerida pelo autor ao diferenciarmos os crimes em geral da forma organizada é verdadeiramente imprescindível, pois em tempos que o fenômeno crime organizado está sob os holofotes da sociedade e do próprio Estado, este em uma necessidade de se mostrar operante diante do problema pode equivocar-se atribuindo ao crime de massa, formação de bando ou quadrilha, por exemplo, um caráter de crime organizado.

CONCLUSÕES

 

Ao abordarmos a área sociológica no sentido de dar a devida importância à interdisciplinaridade para análise, interpretação e solução a um dado problema, considerando a relevância do fator social na existência da criminalidade, que é inerente a toda sociedade, mas se agrava quando esta possui deficiências em setores básicos, deixando os indivíduos expostos ao mundo do crime, em elevadas proporções e aperfeiçoamento das práticas, abrindo espaço para modalidades como o crime organizado.

 

REFERÊNCIAS

COSTA. Álvaro Mayrink da. Criminologia. 4 ed. atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

FERNANDES, Newton. Valter. Criminologia Integrada. 2. ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato. Manual de direito penal – parte geral, v. I. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

ROESLER, Átila Da Rold. A falácia do combate ao crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 318, 21 maio 2004. Disponívelem: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5214>. Acesso em: 16 maio. 2011.

SÁ, Augusto Alvino de; SHECAIRA, Sérgio Salomão (org.). Criminologia e os problemas da atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.

 



[1] Frase de Alexandre Lacassagne, ao observar que a medida que há uma desorganização social, eleva-se a criminalidade, ao contrário, em uma menor desorganização diminuirá a quantidade de crimes.

FERNANDES, Newton. Valter. Criminologia Integrada. 2. ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

[2] Von Frans Liszt, considerado Pai da Política Criminal e principal teórico e fundador da Teoria Finalista do Direito Penal.