EXECUÇÃO PENAL: CRIME, PENA E ESTRUTURAS BASILARES

 

ELINE LUQUE TEIXEIRA PAIM[1]

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Sumário: Introdução; 1. Do crime e das penas; 2. Da execução penal; 3. Conclusão; Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar as principais características e singularidade da Lei 7.210 de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema. Será feita análise de preceitos e institutos fundamentais como crime, pena, execução penal, intentando explanar os principais elementos e razões da Lei em questão.

Palavras-chave:Crime; Pena; Execução Penal.

Introdução

A prática de atribuir uma pena à aquele que descumpre determinada imposição normativa acompanha os homens desde que estes organizaram-se na forma de sociedade.

Quanto à definição de pena, discorre Leal[2]:

“Em seu sentido filosófico, a pena tem sido definida como um castigo a ser suportado pelo indivíduo de um mal ao seu próximo ou à sociedade. Do ponto de vista jurídico-penal, a acepção é a mesma: pena é o castigo, é reprimenda ao indivíduo que agiu com culpa, violando uma norma de conduta estabelecida pela Estado, representante dos interesses da coletiva ou de suas classes sociais.

Podemos defini-la como uma medida de caráter repreensivo, consistente na privação de determinado nem jurídico, aplicado pelo Estado ao autor de uma infração”.

            A ato de penalizar infratores guarda relação íntima com o próprio Direito Penal, uma vez que, este preocupa-se em punir e obstar a prática criminosa, valendo do poder coibitivo das penas como ferramenta mor para tal fim, conforme assevera Capez[3]:

“A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc... denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas, sobretudo pela celebração de compromisso éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela a convicção da sua necessidade e justiça”.

            Em um primeiro instante a aplicação das penas ignorava todo e qualquer princípio humanista, sendo, invariavelmente, pautada em métodos cruéis, sem quaisquer intenções de reintegração do infrator à sociedade, visando tão somente suprir o desejo de vingança.

            Com o desenvolvimento de normas que visavam assegurar os direitos humanos básicos, essas penas foram sendo deixadas para trás, adquirindo uma finalidade além da meramente vingativa, ganhando respeito à dignidade humana dentro dos Estados Democráticos de Direito.

Conforme expõe Rosa[4], a pena passou a ter que atender determinados critérios, não se pautando mais tão somente na sede por retribuição ao dano causado:

“1) A pena deve ser proporcional ao crime: Acabaram-se aquelas crueldades inomináveis e absurdas de condenações à morte por delitos insignificantes; a falta de critérios que existia para estabelecer qualquer tipo ou espécie de castigo, bem como o tempo de duração da pena.

2) Deve ser pessoal: A individualização da pena representou mais importante avanço em sua concepção científica. Ao fixar a pena o juiz deverá examinar as condições pessoais de cada criminoso.

3) Deve ser legal: Só tem valor a pena quando decorrente de uma sentença proferida por juiz competente, através de processo regular, obedecidas as formalidades legais.

4) Deve ser igual para todos: [...] os condenados devem receber o mesmo tratamento, sujeitando-se aos mesmos regulamentos a mesma disciplina carcerária [...].

5) Deve ser, o máximo possível, correcional: [...] Cumpre ao

Estado exercer todos os esforços para tentar corrigir o criminoso, criando-lhe novos hábitos e vocação para o trabalho”.

1. Do crime e das penas

Antes de tratar da execução penal faz-se necessário explicar institutos chaves do Direito Penal.

            O conceito de crime é analisado de maneiras distintas, compreendendo o conceito formal, o conceito material e o conceito analítico.

            O conceito formal de crime é aquele que leva em conta apenas os dizeres da norma que estabelece o delito, conforme explica Gonçalves[5]:

“Crimes formais são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado mero exaurimento do delito. Ex.: o art. 159 do Código Penal descreve o crime de extorsão mediante sequestro: sequestrar pessoa (ação) com o fim de obter qualquer vantagem como condição ou preço do resgate (resultado). O crime por ser formal, consuma-se no exato momento em que a vítima e sequestrada. A obtenção do resgate é irrelevante para o fim da consumação, sendo, portanto, mero exaurimento”.

            De acordo com o conceito formal o resultado não interfere em nada para a constatação ou não do crime.

            O conceito material de crime faz a análise do delito enfocando uma ação humana que gera ou pode vir a gerar lesão à bem jurídico penalmente tutelado.

            Preleciona Fragoso[6] quanto ao conceito material de crime:

“Crime é, assim, numa definição material, a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena”.

            O conceito analítico de crime, por sua vez, avalia uma gama considerável de elementos, como ação ou omissão do agente e culpabilidade, para o critério bipartido, e, adicionado o elemento da tipicidade, para critério tripartido para verificar a ocorrência ou não de prática criminosa, conforme discorre Leal[7]:

“Trata-se de construção doutrinaria, que ainda hoje não pode ser considerada definitivamente acabada. Até o século XX a doutrina concebia o crime a partir de um critério bipartido, constituído de dois elementos, um objetivo representado pela ação ou omissão e o outro subjetivo, representado pela culpabilidade. Em 1906 o jurista Alemão Ernst Von Beling, reformulou o conceito analítico do crime, inserindo um novo elemento a tipicidade, e o crime passou a ser definido no ponto de vista dogmático, como conduta humana, típica, antijurídica e culpável”.

            Conforme já exposto, a pena consiste na resposta dada à prática delituosa, possuindo hodiernamente, a função de reintegrar o infrator à sociedade.

            Na tentativa de explicar a finalidade das penas, surgiram três principais teorias: as teorias absolutas, as teorias preventivas e a teoria unificadora da pena.

            As teorias absolutas, também chamadas de retributivas, enxergam a aplicação de pena não como meio de alcançar a reeducação do criminoso e, posterior reinserção do mesmo à sociedade, mas sim como simples fim, mera consequência pela desobediência de uma norma existente, como leciona Noronha[8]:

“As teorias absolutas fundam-se numa exigência de justiça: pune-se porque se cometeu crime (puniturquiapeccatum est.) Negam elas fins utilitários a pena, que se explica plenamente pela retribuição jurídica. É ela simples conseqüência do delito. É o mal justo aplicado ao mal injusto do crime”.

            As teorias preventivas que, dividem-se em preventiva geral e preventiva especial, através da aplicação de uma pena finalizam desincentivar a reiteração da conduta antijurídica. Sobre essa teoria elucida Barros[9]:

“A pena serve a uma dupla prevenção: a geral e a especial. Prevenção geral porque a intimidação que se supõe alcançar através da ameaça da pena surte efeitos em todos os membros da coletividade, atemorizando os virtuais infratores. Prevenção especial porque atua sobre a consciência do infrator da lei penal, fazendo o medir o mal que praticou, inibindo-o, através do sofrimento que lhe é inerente, a cometer novos delitos”.

            Por fim, a teoria unificadora da pena funde os elementos das duas teorias supracitadas, atribuindo tanto o caráter retributivo como o caráter preventivo à pena. É a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro.

            Com relação à teoria unificadora da pena, leciona Barros[10]

            “[...] a pena tem caráter retributivo-preventivo. Retributivo porque consiste numa expiação do crime, imposta até mesmo aos delinqüentes que não necessitam de nenhuma ressocialização. Preventivo porque vem acompanhada de uma finalidade prática, qual seja, a recuperação ou reeducação do criminoso, funcionando ainda como fator de intimidação geral”.

2. Da execução penal

Regulada pela Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, a execução penal tem por objetivo reinserir o condenado, após a reeducação deste, ao convívio social, conferindo um caráter mais humanizado à pena.

Sobre as influências na criação da Lei de Execução Penal, assevera Jesus[11]:

“A lei de Execução Penal foi influenciada, por esses estudos, pela preocupação por buscar a individualização da execução da pena, respeitar o preso como pessoa, como cidadão e não simplesmente, como criminoso. Nesta linha de respeito pela pessoa do preso, a Lei de Execução Penal prevê a realização de exame de personalidade, diferenciando essencialmente do exame criminológico, já que investiga a relação crime – criminoso, enquanto o de personalidade busca a compreender o preso enquanto pessoa, “para além das grades”, visando uma investigação de todo um histórico de vida, numa abordagem, bem mais abrangente e profundo”.

O objetivo da Lei de Execução Penal[12] encontra-se explicitando disposto no corpo da mesma, em seu artigo 1º, conforme transcreve-se:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

            Ainda quanto ao objetivo da Lei 7.210/84, discorre Nogueira[13]:

“A execução é a mais importante fase do direito punitivo, pois de nada adianta a condenação sem a qual haja a respectiva execução da pena imposta. Daí o objetivo da execução penal, que é justamente tornar exequível ou efetiva a sentença criminal que impôs ao condenado determinada sanção pelo crime praticado”.

            Em virtude da missão de ressocialização do detento a Lei de Execução Penal previu uma série de garantias a este, dentre as quais destacam-se a assistência jurídica, médica, educacional, social, religiosa e material.

            A Lei 7.210/84[14] traz consigo o sistema progressivo da pena, conforme denota-se em seu artigo 33, § 2º:

“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”.

            A finalidade da progressão de regime é a aceleração do processo de ressocialização do detento, premiando o bom comportamento do mesmo e amenizando a dureza da sanção a este imposta.

            Os regimes de cumprimento da pena previstos na Lei de Execução Penal para pena privativa de liberdade, observando a progressividade, consistem, nas palavras de Santos[15]:

 

“Os regimes de execução da pena privativa de liberdade são estruturados conforme critérios de progressividade(regra) ou de regressividade (exceção), instituídos com o objetivo explícito de humanizar a pena privativa de liberdade, segundo duas variáveis: o mérito do condenado e o tempo de execução da pena [...].

O regime inicial de execução da pena privativa de liberdade é determinado na sentença criminal condenatória (art. 59, III, CP): o regime fechado depende exclusivamente da quantidade da pena aplicada; o regime semi-aberto e o regime aberto dependem da quantidade”.

            Uma das mais severas críticas à efetividade da Lei de Execução Penal versa sobre o sistema prisional brasileiro, como aponta Gomes[16]:

“A pena de prisão, na atualidade, longe está de cumprir sua missão (ou finalidade) ressocializadora. Aliás, não tem cumprido bem nem sequer a função inocuizadora (isolamento), visto que, com freqüência, há fugas no nosso sistema. A pena de prisão no nosso país hoje é cumprida de maneira totalmente inconstitucional (é desumana, cruel e torturante). Os presídios não apresentam sequer condições mínimas para ressocializar alguém. Ao contrário, dessocializam, produzindo efeitos devastadores na personalidade da pessoa. Presídios superlotados, vida sub-humana etc. Essa é a realidade. Pouco ou nada é feito para se cumprir o disposto no art. 1º da LEP (implantação de condições propícias à integração social do preso)”.

 

Conclusão

O Direito Penal, desde os primórdios da organização do homem em forma de sociedade, guarda estrita relação com a pena, ao utilizá-la com o fim de coibir a prática de condutas criminosas, punindo os infratores.

No transcurso do tempo a forma e destinação da pena viu-se humanizada, objetivando não apenas punir o agente do crime, e, sim, reeducá-lo para reinseri-lo no meio social, conforme observa-se pela adoção da Teoria Unificadora da Pena pelo Código Penal Brasileiro.

A Lei de Execução Penal veio para garantir a eficiência da reeducação e reinserção do detento ao convívio social, garantindo-lhe direitos e adotando o sistema progressivo de cumprimento da pena e, embora existam críticas quanto a efetividade desta, a mesma mostra-se um valioso meio coibitório da prática criminosa.

Referências bibliográficas

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LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3.ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004.

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NORONHA, E. Magalhães. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003..

ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito Penal. 1. São Paulo: RT, 1995.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 3. ed. rev. e ampliada. Curitiba: ICPC, 2008.



[1]Advogada (graduada na Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduanda em Contratos pelo INAGE - USP Ribeirão Preto/SP).

[2]LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3.ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p.379.

[3]CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral.  15ª Ed.São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011, p. 19.

[4]ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito Penal. 1. São Paulo: RT, 1995, p.421-422.

[5]GONÇALVES,Victor Eduardo Rios. Direito penal, p. 54

[6]FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral, p. 144.

[7]LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3.ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p.184.

[8]NORONHA, E. Magalhães. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 225.

[9]BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. 3. ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 62.

[10]BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. 3. ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 434.

[11]JESUS, Valentina Luiza de. Ressocialização: mito ou realidade? Disponível em: <http://na1312.my1blog.com/2007/09/12/ressocializacao-mito-ou-realidade/>. Acesso em 8mar. 2015.

[12] BRASIL. Lei de execução penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm> Acesso em 8 mar. 2015.

[13]NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à lei de execução penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 33.

[14] BRASIL. Lei de execução penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm> Acesso em 8 mar. 2015.

[15]SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 3. ed. rev. e ampliada. Curitiba: ICPC, 2008, p. 514-515.

[16]GOMES, Luiz Flávio. Funções da pena no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1037, 4 maio 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8334>. Acesso em 7 mar. 2015.