Digo isso, porque considero amigos aqueles que nutrem por mim os mesmos sentimentos que tenho pelos mesmos. Não que tenha inimigos, não os tenho. É verdade, conheço muitas pessoas, e admiro a todas, pois sem exceção são virtuosas no que fazem, e independentemente da opinião deste ou daquele, tenho certeza que seus atos têm como base a boa intenção. Não vou dizer que não conheci gente da qual não me afeiçoei, naturalmente que isso aconteceu muitas vezes. Todavia, nestas ocasiões, apenas fui prudente em evitar ser afetado por uma vibração que, pelo menos naquele momento, não me faria confortável.

E neste sentido tem sido minha existência. Rodeado de pessoas que quero muito bem e sei da reciprocidade. Até porque a todo instante sinto-me bombardeado de carinho, que na maioria das vezes não consigo retribuir à altura. Em alguns casos, a retribuição torna-se impossível (pelo menos nesta vida), e isso já aconteceu duas vezes nos últimos anos. A segunda, recentemente, para ser mais preciso há dois dias.

Há alguns anos, estava ainda em Santana do Livramento, recebi um telefonema de alguém que se identificou como Paulo Renato. Como não recordei conhecer ninguém com esse nome, ele procurou se identificar com uma expressão que, sabíamos os dois, era inevitável o reconhecimento: Sou o Renato dos Tigres!

As lágrimas me brotaram à face, imediatamente, e foi difícil articular palavras. Já haviam se passado quase trinta anos em que nós formávamos um dos grupos musicais mais bem solicitados de Pelotas. Éramos uma família, e dela participavam (pelo menos no auge de nossa atuação) o Renato do pistão, o João ´Locomotiva´ no trombone, o Batata na bateria, o Beto na guitarra solo, o Candonga na base, eu no baixo, e o Quadrado ´em todas as posições´, oficialmente o engenheiro de som.

Depois de, com muita emoção, relembrarmos aqueles momentos, e ele me contar que me buscava há muito tempo, trocamos e-mails e a promessa de não perdermos o contato jamais. Naquele dia minha noite foi um devaneio de recordações, e imediatamente ao acordar no outro dia busquei o computador para enviar meu primeiro e-mail, que foi respondido em seguida, porém não houve mais retorno por mais que eu insistisse. Infelizmente não anotei o telefone, e na ocasião não tinha ´bina´.

Alguns anos depois, quando mudei para minha cidade natal, soube que o meu querido amigo e irmão Renato havia falecido de repente. Tinha me contatado para a despedida...

Semana passada, mais precisamente quinta-feira, com a decisão do meu retorno à Santana do Livramento, eis que decido fazer esse fato do conhecimento dos poucos amigos que ainda estão na cidade. O primeiro telefonema foi ao Quadrado e depois ao Beto Mereb. Os demais, pouco os vejo, e seus telefones não atenderam ou os números foram trocados.

Na sexta-feira, fui surpreendido pelo Quadrado (Jorge Luiz Cicca Quadrado) aparecendo com seu sorriso bonachão em minha casa, e foi logo dizendo que sabia não ser possível reverter minha decisão (de mudar-me), mas mesmo assim queria me fazer uma visita antes de ir-me. Cheguei a articular as primeiras palavras para completar a pergunta: - ‘Por que a vinda dele tão rapidamente, afinal eu teria muitos preparativos antes de mudar-me, e a casa - aqui - ainda nem estava alugada?! Mas por qualquer motivo, acabei convidando-o a sentar e me esperar, pois iria na padaria comprar algo para tomarmos um café, ao que ele, com dificuldade para caminhar, mesmo sob meu protesto para que me esperasse, não me deu atenção e foi saindo, devagarinho, e me acompanhou até a padaria.

Conversamos muito, e afinal, muitas perguntas dos ‘bons tempos´, que várias vezes havia arquitetado em perguntar-lhe (e acabava esquecendo em outras visitas), desta vez vieram todas à tona, e ele me recordou, para minha alegria e satisfação. Afinal ficamos de naturalmente nos vermos outras vezes antes de minha ida para Santana, mas chamava atenção para o fato de que hoje temos internet, e que havia lhe presenteado com uma webcam, e, mesmo ´longe,´ estaríamos sempre em contato.

Terça-feira, como por encanto, acordei e saltei da cama cedo. Também me surpreendi, e antes mesmo do café, o telefone tocou. A voz do outro lado da linha apenas me disse: - Júlio, estou na CTI, o nosso amigo está mal...

Era a esposa do Quadrado me dizendo que entre outros problemas na noite de segunda-feira, o Quadrado havia tido um problema sério nos rins, pulmões e tinha tido uma parada cardíaca. Estava no ´tratamento intensivo´, em coma-induzida e não sabiam o que esperar para as próximas horas. Eu naquele momento já sabia, as poucas palavras me traziam mais do que o que elas queriam dizer...

Na terça-feira fiz questão em passar, com o Quadrado, a última noite juntos. A exemplo de tantas noites que compartilhamos na década de 60. Naquela época em bailes memoráveis, desta vez apenas uma despedida silenciosa. Ele estava morto.

Quadrado, dá um abraço no Renato aí. Logo estarei com vocês!!!