Bianca Oliveira de Freitas Fernandes[1] 

Utilizando-se dos pressupostos que serão avaliados no estudo de caso (Violência Urbana, Desigualdade Social e Pobreza), podemos observar, no filme Última Parada 174, que todos esses assuntos estão interligados de uma maneira indignante.  O filme retrata, com clareza, uma das mais chocantes demonstrações da realidade em que estamos inseridos.

O roteiro ficcional exemplifica seu foco principal através de dois personagens, Marisa e Sandro. Ela, uma mãe com vida sofrida, tem seu filho, Alessandro, tomado dos seus braços e é expulsa da comunidade em que vivia. A memória de seu filho, que afinal ainda tem esperanças em encontrar, e a religião são os refúgios de uma mãe desesperada com o paradeiro de seu futuro. Já o rapaz tem sua infância marcada pela violência, haja vista que quase presenciou o assassinato de sua mãe, chegando logo após e vendo-a morta, posta completamente ensanguentada.

O destino não é nada generoso com os dois e promove vidas bastante ásperas e sofridas. Marisa levando uma vida solitária com esperanças de encontrar o seu filho e Sandro, cansado de ser repreendido quase que todos os dias pelo marido de sua tia (que se propôs em criá-lo após a morte de sua mãe), decide “fugir de casa”. Na rua ele conhece outros garotos que passam pela mesma situação que ele e acaba vivendo junto com eles por um bom tempo, sempre no mesmo local (próximo a Igreja da Candelária).

Por praticarem vários assaltos naquelas proximidades, os comerciantes e autoridades que estavam se sentindo prejudicados com a presença deles, delegam um atentado contra os meninos de rua. Sandro escapa por se fingir de morto e, mais uma vez, presencia a injustiça explicitada através de mortes àqueles que não fazem nenhuma diferença estando vivos ou mortos na sociedade.

Com o passar do filme os dois protagonistas acabam se ligando na história por, além de sofrerem com praticamente a mesma realidade de vida, Sandro, depois de ser pego pela polícia, acaba na mesma penitenciária para menores que Alessandro, filho de Marisa. Lá eles dois selam uma boa amizade e depois de um tempo juntam-se para fugir da prisão. Ao conseguir fugir eles acabam morando juntos e para sobreviver eles praticam uma onda de assaltos. Em um desses assaltos, Sandro não tem o sangue frio de matar uma mulher que estava “dificultando” pra eles. Por esse motivo Alessandro resolve expulsar Sandro de sua casa.

Por não saber mais pra onde ir, Sandro vai parar na casa de Marisa, que acredita que é sua mãe (mas afinal ela é mãe de Alessandro). Lá ela tenta, sem muito resultado, ajuda-lo e fazer com que ele mude, mesmo que para isso ela teve que se separar de seu marido. Todo o esforço de Marisa não resultou em nada. Sandro acaba roubando uma arma e dinheiro do ex-marido de sua “mãe” e compra todo de drogas.

Depois de está bastante drogado, Sandro entra num ônibus e se descuida deixando a sua arma à amostra. Nesse meio termo um dos passageiros ver que ele está armado e desce pedindo ajuda a um carro-ronda da polícia. Recebidas essas informações pela força policial, logo depois o motorista do ônibus é imperado a pará-lo. Por conseguinte, horas de pânico sucedem a vida de quem ficou dentro do referido Ônibus da linha 174 Humaitá.

A conclusão desse episódio não poderia ser pior: uma das vítimas de Sandro morta e, minutos depois, o próprio é morto asfixiado por policiais envolvidos na sua captura.

1 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

 1.1 – Descrição das Decisões Possíveis

Sandro pode ser considerado:

  • Uma das vítimas do descaso com a classe pobre, da violência, da desigualdade social;
  • Um criminoso.

1.2 – Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão

  • Pode-se começar a exemplificar uma fundamentação desse tópico com a opinião de Luiz Eduardo Soares[2] sobre o caso: “Esse Sandro é um exemplo dos meninos invisíveis que eventualmente emergem, tomam a cena e nos confrontam com a sua violência, que é um grito desesperado, que é um grito impotente”.

Levando como pressuposto esse comentário, podemos observar que na verdade o que aconteceu com Sandro não foi o primeiro nem o último caso com essas características. Tudo bem que o desfecho do que aconteceu com ele apareceu na mídia e repercutiu de uma maneira maior do que as outras situações similares a essa. Entretanto, o que aconteceu com esse rapaz de vida sofrida é comum, infelizmente, em uma parte significativa da sociedade em todo o território brasileiro.

Percebe-se também que a assistência dada a essas pessoas é mínima ou simplesmente nenhuma. Nada os torna pessoas “visíveis”, haja vista que:

 “Há duas maneiras de produzir a ‘invisibilidade’ nos miseráveis: a) essa gente é invisível porque nós não os vemos, negligenciamos a sua presença, nós os desdenhamos; b) ou porque projetamos sobre eles um estigma, um preconceito. Nós só vemos o que projetamos, nós, com nosso preconceito, projetamos.” (You Tube , 2010 – Documentário: “Invisibilidade Social”).

Além de tudo isso ainda é preciso deixar bem claro que isso acontece por um verdadeiro “efeito dominó”, pois tudo começa com a pobreza (ou mesmo estado de miséria, como podemos observar no filme), que afinal é um agravante bastante expressivo na realidade. Depois, por consequência deste “estado financeiro”, a desigualdade social aparece de uma maneira arrasadora e indignante. E por fim, não menos importante, os personagens desse fato social, não tendo outras escolhas, acabam sendo vítimas e personagens principais da violência urbana. Em frente a isso se pode utilizar outro comentário de Luiz Eduardo Soares: “Provocar o medo: maneira de recuperar sua ‘visibilidade’, sua autoestima, sua existência”.

Enfim, Sandro pode ser considerado vítima por vários motivos impostos até mesmo pela sociedade que o cerca (ou cercava) e não deve ser julgado negativamente por nenhum indivíduo da mesma.

  • Por outro lado podemos considerar que Sandro tinha sim possibilidades de ser uma boa pessoa, mesmo dentro de uma sociedade que não lhe deu muita ou nenhuma oportunidade.

Pode-se, buscando argumentos contra ele, fazer analogia de sua história à de Nelson Mandela[3], afinal suas vidas não foram muito diferentes (exemplos: quase que da mesma idade em que Sandro perdeu sua mãe, Nelson perdeu seu pai; Nelson é negro e também já passou por muito preconceito; Nelson já foi preso, assim como Sandro tinha sido). Contrapartida a isso, Nelson, diferentemente de Sandro, aproximou-se dos estudos e não chegou perto das drogas. O resultado das ações de ambos foi contrastante ao ponto de chamarem atenção e deixar uma indagação interessante: Por que, apesar de muita semelhança na vida dos dois e poucas adversidades, um conseguiu vencer e o outro acabou morrendo?! A resposta não é bem simples, mas está relacionada, diretamente, a essas adversidades referidas ali mesmo, na proposição da pergunta.

A escolha de Sandro, em meio infelizmente às dificuldades, de parar de estudar, o levaram ao encontro da criminalidade e ao caminho das drogas. Esse, em regra geral, foi o agravante de sua vida. Foi, fatalmente, o que o direcionou para o fim ao qual se resultou.  

Entende-se, dessa forma, que Sandro não fez uma boa escolha ao se deixar corromper pela sociedade ao qual o rodeava. Portanto, nada o impedia de tomar decisões favoráveis a si próprio. Nada o forçava a fazer o que fez. Enfim, assim como ele não teve escrúpulos consigo mesmo, não se deve enxergá-lo com bons olhos a fim de absolver do que acabou fazendo no caso do Ônibus 174.

3 – REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO 

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: As consequências humanas - (Introdução). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

[1] Graduanda em Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Antropólogo que fala sobre o caso no documentário INVISIBILIDADE SOCIAL, posto no site You Tube (www.youtube.com).

[3] Nelson Rolihlahla Mandela foi um líder rebelde que passou por muitas dificuldades, mas que, posteriormente, chegou à presidência da África do Sul de 1994 a 1999. Principal representante do movimento antiapartheid, considerado pelo povo um guerreiro em luta pela liberdade.