Parecer. Ementa. Estudo de Caso. Direito do Consumidor. Fato e vício do produto. Realização de recall que não exonera o fornecedor da obrigação de eventuais danos posteriores à convocação. Responsabilidade do fabricante de produto, respondendo apenas subsidiariamente o comerciante, em caso de fato, nas hipóteses legalmente previstas. Legitimidade passiva para reparação de danos causados ao consumidor que pode ser atribuída apenas ao fabricante. Contrato de financiamento. Autonomia. Acidente de consumo que não rescinde o contrato de financiamento. Consumidor por equiparação ou bystander que pode promover ação de reparação de danos em desfavor do fabricante Toyota.

                                               Parecer acerca do estudo de caso proposto para análise na disciplina “responsabilidade pelo fato e pelo vício do produto e responsabilidade pelo fato e pelo vício do serviço”, ministrada pelo Professor Especialista Gervásio Protásio dos Santos Júnior, como forma de avaliação, que se faz da forma seguinte

                                               RELATÓRIO FÁTICO

                                               A situação fática apresentada diz respeito à situação do consumidor “A”, que adquiriu um veículo marca Toyota, modelo “Corolla”, na concessionária “X-Sport”, compra ocorrida no dia 15.04.2010, mediante financiamento no Banco BMG, em 60 (sessenta) parcelas, tendo sido informado, na oportunidade da aquisição, que o produto teria uma garantia contratual de  36 (trinta e seis) meses.

                                               Após os 12 (doze) primeiros meses de uso, o veículo apresentou um mal funcionamento no sistema de freios ABS, e foi encaminhado para a concessionária, sendo o problema supostamente solucionado, e o veículo devolvido dentro de 05 (cinco) dias. Posteriormente, cerca de 24 (vinte e quatro) meses após a compra, o veículo apresentou o mesmo problema, acarretando a necessidade de trocar uma mangueira do sistema ABS, serviço que foi realizado no prazo de 10 (dez) dias.

                                               No dia 16.10.2012, o fabricante detectou um defeito crônico no sistema de ABS de todos os veículos “Corolla”, fabricados nos anos de 2010 e 2011, acarretando a necessidade de realizar um recall, para substituição de todos os componentes do sistema, chamado que não foi atendido pelo consumidor “A”, que não atentou para a convocação do fabricante, especialmente porque após o último reparo, não ocorreram novos problemas.

                                               Em 14.07.2013, quando trafegava na via pública, o consumidor “A” acionou os freios, que não responderam, acarretando um acidente, ao colidir na traseira de um ônibus de uma empresa concessionária de transporte público. Em consequência do acidente, “A” sofreu escoriações no rosto, e o pedestre “B”, que embarcava no ônibus, caiu no chão, fraturando a coluna cervical.

                                               Feitas estas considerações, procede-se à análise das questões propostas.

                                               DIREITO

                                               DA POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DOS DANOS SOFRIDOS PELO CONSUMIDOR “A” QUE NÃO ATENDEU AO “RECALL” DO FABRICANTE E ANTE AO EXAURIMENTO DO PRAZO DE GARANTIA CONTRATUAL – PRIMEIRA QUESTÃO

                                               Conforme mencionado alhures, o consumidor “A”, após reiteradas idas à assistência técnica do fabricante, julgou que o problema no sistema de freios do seu veículo houvesse sido sanado, e não atendeu ao recall  realizado pelo fabricante para substituição do sistema de freios ABS do seu veículo, tendo se envolvido, posteriormente, por falha nos citados componentes, em acidente que provocou a perda total do seu carro, bem como escoriações em seu rosto e danos à integridade física de um pedestre.

                                               Agora, questiona-se a respeito da possibilidade de reparação dos danos causados ao “consumidor A”, ainda que o mesmo não tenha atendido ao recall organizado pelo fabricante, e ainda que já estivesse exaurida a garantia contratual do veículo.

                                               Primeiramente, cabe frisar que as práticas de recall consistem na convocação dos consumidores para reparo de algum vício ou defeito apresentado pelo produto ou serviço adquirido pelo consumidor. Trata-se de medida adotada diante do exercício de prevenção de eventuais danos, em respeito a um dos direitos básicos do consumidor, consagrado no art. 6º, VI do Código de Defesa.

   Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

 

[...]

 

        VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

                                               Além disso, é principiológico à política nacional das relações de consumo o “incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços”, sendo o recall uma ferramenta de eficácia bastante para a correção de vícios de qualidade que possam reduzir o valor do bem de consumo ou, posteriormente, acarretar acidentes de consumo, migrando para a hipótese do fato.

  Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

 

[...]

 

        V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

                                               No caso em tela, é de frisar-se desde já que, realizado o recall, a simples convocação dos consumidores para tentativa de correção de vício constatado pelo fabricante, não exonera este segundo da obrigação de reparar eventuais danos causados ao consumidor, ainda que este não venha a atender ao chamado realizado. Tal é medida que se impõe diante da consagração da tutela do consumidor enquanto polo hipossuficiente da relação de consumo, que pode, eventualmente, não atentar para o chamado do fabricante.

                                               Assevera-se, ainda, que o fornecedor não pode estabelecer prazo para realização do recall, negando-se, como consequência, a realizar os serviços corretivos no produto levado a si pelo consumidor, após o encerramento do prazo estabelecido unilateralmente. A respeito este tema, inúmeros são artigos científicos elaborados e disponibilizados na rede mundial de computadores, conforme o trecho abaixo, de um deles extraído:

“Ressalta-se que o fornecedor não pode estabelecer prazo para a realização do recall. A qualquer tempo o consumidor terá o direito de se encaminhar ao estabelecimento do fornecedor para pleitear gratuitamente os reparos necessários. Mesmo após a divulgação do recall , o fornecedor não está isento de arcar com o pagamento de indenizações decorrentes de eventuais acidentes provocados pelos vícios no processo de fabricação e montagem das peças do produto. Nem mesmo se houver a desídia do consumidor em atender o recall, não exime o fornecedor de arcar com as responsabilidades de um acidente que vier a ser provocado pelo vício”. (Marcia José Trovisco de Abreu. Responsabilidade por vício oculto do produto. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8032. Acesso em 21.10.2013, às 13h32min) (destacou-se).

                                               Desta feita, o recall é, em verdade, uma manifestação pública de reconhecimento, por parte dos fabricantes, da existência de vício constatado nos produtos que disponibilizou no mercado, e é realizado para minimizar eventuais danos que tais produtos viciados ou defeituosos possam causar aos consumidores, não exonerando-os da responsabilidade pela reparação de eventuais danos causados. Assim tem sido, inclusive, o entendimento jurisprudencial majoritário, trazendo-se à baila um interessante julgado acerca do tema.

ABILIDADE CIVIL - CONTRATO DE SEGURO - INDENIZAÇÃO DO SEGURADO - SUB-ROGACÃO PELA SEGURADORA - DEFEITO DE FABRICAÇÃO DE AUTOMÓVEL - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - DESNECESSÁRIA JUNTADA DAS CLÁUSULAS GERAIS DO SEGURO - SUFICIENTES A APÓLICE E O RECIBO DE QUITAÇÃO - RECALL PARA TROCA DE PEÇA - RECONHECIMENTO DO FABRICANTE DO DEFEITO QUE OCASIONOU O DANO - NÃO ATENDIMENTO PELO CONSUMIDOR QUE NÃO GERA DESONERAÇÃO DO FORNECEDOR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. A seguradora ao indenizar o segurado passa a ter direito de ação contra o causador do infortúnio, a fim de que possa reaver aquilo que pagou em decorrência do contrato de seguro, pois seu objetivo social não é a remissão dos incautos, eximindo-os de responder pelos danos causados a terceiros quando estes estiverem acobertados pelo contrato de seguro, aplicando-se ao caso o que preceitua o art. 988 do Código Civil, vigente à época, ou seja, "a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo" credor.O chamado recall, operação através da qual o fornecedor de produtos procura minimizar os efeitos funestos de sua má atuação, ao colocar no mercado consumidor produtos defeituosos, não o desonera da responsabilidade pelos eventuais danos causados pelo vício dos produtos.Se o defeito de fabricação dos veículos daquele modelo foi expressamente reconhecido pelo fabricante no chamamento público aos consumidores para reparos, sobrevindo incêndio que destruiu totalmente o veículo, conseqüência antevista pela fábrica face o defeito constatado, inexorável sua responsabilização. (TJ-PR - AC: 2776421 PR Apelação Cível - 0277642-1, Relator: Anny Mary Kuss, Data de Julgamento: 30/11/2004, Sexta Câmara Cível (extinto TA), Data de Publicação: 04/02/2005 DJ: 6802) (destacou-se).

                                               Assim também tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

Processo

REsp 1010392 / RJ

RECURSO ESPECIAL

2006/0232129-5

Relator(a)

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS

Órgão Julgador

T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento

24/03/2008

Data da Publicação/Fonte

DJe 13/05/2008

RDDP vol. 66 p. 120

Ementa

CIVIL. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE. RECALL. NÃO

COMPARECIMENTO DO COMPRADOR. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE.

- A circunstância de o adquirente não levar o veículo para conserto, em atenção a RECALL, não isenta o fabricante da obrigação de indenizar. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não  conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Nancy Andrighi e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. (destacou-se).

                                               Com relação ao prazo da garantia contratual, exaurindo-se este, ainda conta o consumidor com o prazo de garantia legal que, para produtos duráveis, é de 90 (noventa) dias, podendo lançar mão do prazo estabelecido em lei após o exaurimento do prazo de garantia contratual. Isto se dá pela incidência do art. 50 do Código de Defesa do Consumidor, de clareza solar, in verbis:

Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

                                               No caso concreto, verifica-se, primeiramente, que o veículo foi adquirido no dia 15.04.2010, com uma garantia contratual de 36 (trinta e seis) meses, ou seja, 03 (três) anos, perdurando, assim, até o dia 15.04.2013. O acidente de consumo ocorreu no dia 14.07.2013, entretanto, após o término da garantia contratual, o consumidor que adquiriu um bem de consumo durável, in casu, o veículo, ainda conta com a garantia complementar, da lei, de 90 (noventa) dias, e que somente terminaria, assim, no dia 15.07.2013, um dia após o acidente.

                                               CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS LEGITIMADOS PARA RESPONDER À AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS PROPOSTA PELO CONSUMIDOR, E ACERCA DOS PEDIDOS QUE PODERIAM SER FORMULADOS – SEGUNDA QUESTÃO.

                                               Ab initio, verifica-se que o legitimado para responder à ação de reparação de danos morais e materiais, no caso concreto, seria a montadora Toyota, pois o fabricante responde, no casos de fato do produto (acidente de consumo), sendo o comerciante responsável apenas subsidiariamente em tais casos. É o que se percebe pela redação dos arts. 12 e 13 do Código de Defesa, que determina a responsabilidade do comerciante somente em casos específicos, senão vejamos:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

 

        § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

 

        I - sua apresentação;

 

        II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

 

        III - a época em que foi colocado em circulação.

 

[...]

 

        Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

 

        I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

 

        II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

 

        III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

                                               Assim, não verificando-se as hipóteses do art. 13 do CDC, não deverá o comerciante ser responsabilizado pelo fato do produto, já que o acidente de consumo, via de regra, ocorre por defeitos de projeto, fabricação, construção ou montagem dos produtos. Se não puder o fabricante, construtor ou importador serem identificados, ou nos casos de produtos perecíveis não conservados adequadamente, será responsabilizado o comerciante. Assim tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

 

Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Consumo de produto colocado em circulação quando seu prazo de validade já havia transcorrido. "Arrozina Tradicional" vencida que foi consumida por bebês que tinham apenas três meses de vida, causando-lhes gastroenterite aguda. Vício de segurança. Responsabilidade do fabricante. Possibilidade. Comerciante que não pode ser tido como terceiro estranho à relação de consumo. Não configuração de culpa exclusiva de terceiro. - Produto alimentício destinado especificamente para bebês exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido, que coloca em risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida, causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização por fato do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do CDC. - O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia de produção e distribuição, razão pela qual não podem ser tidos como terceiros estranhos à relação de consumo. - A eventual configuração da culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade vencido não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da mercadoria estragada em face do fabricante. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 980860 SP 2007/0197831-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/04/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/06/2009) (destacou-se).

 

                                               Com relação aos pedidos que podem ser formulados em eventual ação de perdas e danos morais e materiais, além daqueles óbvios, como o pedido de citação e de inversão do ônus probatório, poder-se-ia pedir indenização por danos materiais, consistentes na perda total do automóvel, destruído com a colisão,  indenização por danos morais, consistentes nas angústias e sofrimentos da vítima do acidente, que teve várias escoriações pelo corpo, passou por momentos de grande tensão com o ocorrido, e ainda causou, ainda que por via transversa, graves lesões a um pedestre. Ainda, seria possível elaborar pedido de indenização por perdas e danos, consistentes no valor a ser pago durante o financiamento do veículo, que certamente supera o valor à vista do referido bem, o que se faria com fulcro no art. 18, §1º, II do CDC.

                                               DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO CELEBRADO COM O BANCO BMG – TERCEIRA QUESTÃO

                                               O contrato de financiamento é autônomo em relação ao contrato de compra e venda celebrado entre o comerciante o consumidor, e, por isso, os seus efeitos perduram, mesmo após o acidente de consumo que destruiu o bem financiado. Isso ocorre pois o objeto do contrato é o fornecimento de crédito, e não a compra e venda de determinado bem. Uma saída viável, para sanar os prejuízos experimentados pelo consumidor, é a formulação de pedido de reparação de perdas e danos, conforme tratado no tópico anterior. Assim tem sido o entendimento dos tribunais de Justiça em âmbito nacional:

RESCISÃO DE FINANCIAMENTO Dinheiro destinado à aquisição de veículo Irregularidade na documentação que se não pode opor à financiadora Situação resolvível, exclusivamente, entre comprador e vendedor Autonomia do contrato de financiamento Vício redibitório insuscetível de ensejar nulidade ou rescisão daquele Sentença mantida Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 9059634322004826 SP 9059634-32.2004.8.26.0000, Relator: Vicentini Barroso, Data de Julgamento: 27/09/2011, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/09/2011) (destacou-se).

CONSUMIDOR - COMPRA DE VEÍCULO USADO - FINANCIAMENTO MEDIANTE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA - VÍCIO NO MOTOR - IMPOSSIBILIDASDE DE TRANSFERÊNCIA DO AUTOMÓVEL JUNTO AO DETRAN/DF - RESCISÃO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - DANO MORAL INEXISTENTE - SENTENÇA MANTIDA. 1. A AUTONOMIA ENTRE OS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO E O DE COMPRA E VENDA, FIRMADOS PELO CONSUMIDOR, IMPOSSIBILITA UMA DESCONSTITUIÇÃO ABSOLUTA DE AMBOS OS PACTOS, QUANDO O VÍCIO ALEGADO PROVÉM EXCLUSIVAMENTE DA TRANSAÇÃO DE AQUISIÇÃO DO BEM, SOBRE A QUAL INEXISTIU P ARTICIPAÇÃO DA ENTIDADE FINANCEIRA. 2. AS PERTURBAÇÕES INERENTES A NEGÓCIOS MALSUCEDIDOS NÃO DEVEM, POR SI SÓ, RENDER ENSEJO A REPARAÇÕES CIVIS, SOB PENA DE TORNAR INÓSPITA A VIDA EM SOCIEDADE. ESTANDO PATENTE QUE OS INCÔMODOS NÃO ALCANÇAM UMA OFENSA MAIOR, CAPAZ DE ANIQUILAR DIREITOS DA PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR, INSATISFEITO COM A COMPRA, INADMISSÍVEL É A CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. 3. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJ-DF - APL: 559045520088070001 DF 0055904-55.2008.807.0001, Relator: HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, Data de Julgamento: 23/03/2011, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 31/03/2011, DJ-e Pág. 177) (destacou-se).

                                               Bem como tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Processo

REsp 1102539 / PE

RECURSO ESPECIAL

2008/0264049-0

Relator(a)

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)

Relator(a) p/ Acórdão

Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI (1145)

Órgão Julgador

T4 - QUARTA TURMA

Data do Julgamento

09/08/2011

Data da Publicação/Fonte

DJe 06/02/2012

RSTJ vol. 226 p. 559

Ementa

RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PEDIDO DE

COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO.

ILEGITIMIDADE.

1. Ação em que se postula complementação de cobertura securitária, em decorrência danos físicos ao imóvel (vício de construção), ajuizada contra a seguradora e a instituição financeira estipulante do seguro. Comunhão de interesses entre a instituição financeira estipulante (titular da garantia hipotecária) e o mutuário (segurado), no contrato de seguro, em face da seguradora, esta a devedora da cobertura securitária. Ilegitimidade passiva da instituição financeira estipulante para responder pela pretendida complementação de cobertura securitária. 2. A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de

atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda.

3. Nas hipóteses em que atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, não ostenta a CEF legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada. Sua responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato. A previsão contratual e regulamentar da fiscalização da obra pelo agente financeiro justifica-se em função de seu interesse em que o empréstimo seja utilizado para os fins descritos no contrato de mútuo, sendo de se ressaltar que o imóvel lhe é dado em garantia hipotecária. 4. Hipótese em que não se afirma, na inicial, que a CEF tenha assumido qualquer outra obrigação contratual, exceto a liberação de recursos para a construção. Não integra a causa de pedir a alegação de que a CEF tenha atuado como agente promotor da obra, escolhido a construtora ou tido qualquer responsabilidade relativa à elaboração ao projeto. 5. Recurso especial provido para reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam do agente financeiro recorrente. (destacou-se).

                                               DA (IM)POSSIBILIDADE DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE, PELO “CONSUMIDOR A”, TRAZENDO AO PROCESSO A CONCESSIONÁRIA (COMERCIANTE) COM O OBJETIVO DE OBTER RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS ACARRETADOS POR AÇÃO PROPOSTA PELA EMPRESA PROPRIETÁRIA DO ÔNIBUS DANIFICADO

                                               De antemão, afirma-se ser inviável a denunciação da lide, para trazer ao processo o comerciante (concessionária de veículos) no caso em tela, primeiramente, porque, conforme já foi amplamente tratado, a responsabilidade do comerciante, em tais casos de acidentes de consumo, é apenas subsidiária, sendo o responsável efetivo pela reparação dos danos oriundos do fato tão somente o fabricante, importador ou montador.

                                               Ademais, conforme o art. 13, §º único do Código de Defesa do Consumidor, que trata da responsabilidade pela reparação dos danos oriundo dos acidentes de consumo, aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado somente poderá exercer direito de regresso contra aqueles que possuam participação direta no evento danoso. Ainda, em tais casos, nos termos do art. 88, é vedada a denunciação da lide. Assim é a letra da lei:

Art. 13. Omissis

 

[...]

 

        Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

 

      Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.

                                               DA POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DE AÇÃO DE REPARAÇÃO POR PARTE DO PEDESTRE “B”, VÍTIMA DO ACIDENTE DE CONSUMO.

                                               Conforme os ensinamentos de Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, todas as vítimas do acidente de consumo equiparam-se ao consumidor, para fins de tutela legal por parte do Código de Defesa (Sanseverino; 2002). Conforme os ensinamentos do mencionado jurista, passam a ser considerados como “bystander”, pois atingidos por um evento danoso oriundo de um fato ou defeito do produto ou serviço. Conforme os ensinamentos de Zelmo Denari, este, por sua vez, considera que esta é uma medida para tentar impor ao fornecedor uma forma de controle de segurança de seus produtos ou serviços (Denari; 1996).

                                               Integrando os fatos como vítima do acidente de consumo, o “pedestre b” insere-se no conceito de consumidor por equiparação, nos moldes do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, abaixo transcrito, sendo parte legítima para exigir indenização reparatória pelos danos de qualquer natureza, eventualmente sofridos.

        Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

                                               A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona, neste aspecto, conforme é possível aferir abaixo. Inclusive, no segundo julgado transcrito, tem-se caso que muito assemelha-se àquele ora em pauta.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL.ACIDENTE DE CONSUMO. EXPLOSÃO DE GARRAFA PERFURANDO O OLHO ESQUERDODO CONSUMIDOR. NEXO CAUSAL. DEFEITO DO PRODUTO. ÔNUS DA PROVA.PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA. RECURSOESPECIAL PROVIDO. 1 - Comerciante atingido em seu olho esquerdo pelos estilhaços deuma garrafa de cerveja, que estourou em suas mãos quando a colocavaem um freezer, causando graves lesões. 2 - Enquadramento do comerciante, que é vítima de um acidente deconsumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regrado art. 17 do CDC ("bystander"). 3 - Reconhecimento do nexo causal entre as lesões sofridas peloconsumidor e o estouro da garrafa de cerveja. 4 - Ônus da prova da inexistência de defeito do produto atribuídopelo legislador ao fabricante. 5 - Caracterização da violação à regra do inciso II do § 3º do art. 12 do CDC. 6 - Recurso especial provido, julgando-se procedente a demanda nostermos da sentença de primeiro grau. (STJ - REsp: 1288008 MG 2011/0248142-9, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 04/04/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/04/2013) (destacou-se).

CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO.PRAZO. CONFLITO INTERTEMPORAL. CC/16 E CC/02. ACIDENTE DE TRÂNSITOENVOLVENDO FORNECEDOR DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE PESSOAS. TERCEIRO,ALHEIO À RELAÇÃO DE CONSUMO, ENVOLVIDO NO ACIDENTE. CONSUMIDOR POREQUIPARAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO OMISSA. INTUITOPROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA. 1. Em relação à regra de transição do art. 2.028 do CC/02, doisrequisitos cumulativos devem estar presentes para viabilizar aincidência do prazo prescricional do CC/16: i) o prazo da leianterior deve ter sido reduzido pelo CC/02; e ii) mais da metade doprazo estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido nomomento em que o CC/02 entrou em vigor. Precedentes. 2. Os novos prazos fixados pelo CC/02 e sujeitos à regra detransição do art. 2.028 devem ser contados a partir da sua entradaem vigor, isto é, 11 de janeiro de 2003.3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimasde evento danoso decorrente dessa relação.4. Em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de serviço detransporte, o terceiro vitimado em decorrência dessa relação deconsumo deve ser considerado consumidor por equiparação.Excepciona-se essa regra se, no momento do acidente, o fornecedornão estiver prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relaçãode consumo de onde se possa extrair, por equiparação, a condição deconsumidor do terceiro.5. Tendo os embargos de declaração sido opostos objetivando sanaromissão presente no julgado, não há como reputá-los protelatórios,sendo incabível a condenação do embargante na multa do art. 538,parágrafo único, do CPC.6. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1125276 RJ 2009/0034458-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 28/02/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2012) (destacou-se).

                                               DA CONCLUSÃO

                                               Os fatos e fundamentos jurídicos que embasam os posicionamentos aqui exarados encontram-se suficientemente delineados ao longo deste parecer, sendo desnecessária a sua mera repetição. De modo geral, verifica-se que o recall não exime o fornecedor de bens de consumo de arcar com os danos oriundos de defeitos nestes, bem como justifica-se a legitimidade ativa da fabricante de veículos, para responder à ação proposta.

                                               O contrato de financiamento, por sua vez, é autônomo em relação ao contrato principal, não extinguindo-se com a destruição do bem financiado, ainda que por meio de acidente de consumo. A denunciação da lide não é possível, pelos fundamentos expostos, e o “pedestre b”, por inserir-se na hipótese do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, possui legitimidade ativa para propositura de ação reparatória.

 

 

 

 

 

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ABREU. Marcia José Trovisco de. Responsabilidade por vício oculto do produto. Disponívelem:http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8032. Acesso em 21.10.2013, às 13h32min.

DENARI. Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos autores do anteprojeto. 4ª. Edição. Rio de Janeiro. Ed. Forense Universitária. 1996.

SANSEVERINO. Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. São Paulo. Ed. Saraiva. 2002.