CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

ESCOLA DE DIREITO

LUCAS CARDUZ SCATTONE

A LEGALIDADE FUNDAMENTAL DO GRAMPO TELEFÔNICO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

SÃO PAULO – SP

2019

A LEGALIDADE FUNDAMENTAL DO GRAMPO TELEFÔNICO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Artigo científico apresentado ao curso de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel, sob a orientação da Profª. Beatriz Lopes de Oliveira.

Data da Aprovação: 5/12/2019

Banca Examinadora:

Professora Orientadora: Beatriz Lopes de Oliveira

Professora: Maíra Feltrín Alves

Professora: Janaina Daniel Varalli

SÃO PAULO – SP

2019

A LEGALIDADE FUNDAMENTAL DO GRAMPO TELEFÔNICO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Lucas Carduz Scattone, Estudante universitário do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas.

Resumo: Este artigo analisa a admissibilidade das provas obtidas, mediante a utilização da interceptação telefônica, durante um contexto digital, o qual é marcado pelo aumento da criminalidade. Assim, busca-se analisar o conflito desta medida cautelar com os direitos fundamentais instaurados na Carta Magna de 1988.

Palavras-chave: Interceptação; Fundamental; Admissibilidade; Legal; Digital

THE FUNDAMENTAL LEGALITY OF TELEPHONE CLIP IN THE INFORMATION SOCIETY

Abstract: This article examines the admissibility of evidence detected using telephone interception in a digital context of crime. So, seeks to analyze the conflict of this precautionary measure with the fundamental rights established in the Constitution of 1988.

Key Words: Interception; Fundamental; Admissibility; Legal; Digital

Introdução

O objetivo deste artigo é apresentar uma hermenêutica com validez legal, no tocante ao inciso XII do artigo  da Constituição Federal, que abrange uma exceção quanto ao aspecto de violação das comunicações telefônicas.

Metodologicamente, tendo em vista o campo de pesquisa no direito, na qualidade de ciência social aplicada, o artigo cientifico abrange, de modo sucinto, a caracterização de “provas ilícitas”, e a posteriori o conceito doutrinário do princípio da proporcionalidade.

Assim, objetivando uma ponderação analítica do grampo telefônico frente aos direitos fundamentais, serão ressaltadas as vantagens e desvantagens do trâmite processual no meio digital. Por conseguinte, procede-se uma pesquisa bibliográfica explicativa, notoriamente jurídica, embasada em jurisprudências relevantes e na doutrina relacionada ao tema.

1. Provas ilícitas (art. 5º, LVI): revisão analítica conceitual na sociedade da informação

O princípio da inafastabilidade da jurisdição, descrito no artigo art. , inciso XXXV da Constituição Federal prevê que: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Deste modo, é assegurado a todos os indivíduos o direito de ação, sendo este abstrato e genérico, conjurador de uma atividade jurisdicional, caracterizado por ser um direito público subjetivo. Assim, o requerimento do exame de mérito em juízo, é uma garantia de direito fundamental do indivíduo, prevalecendo hierarquicamente acima de qualquer lei e norma, conforme está expresso na pirâmide conceitual do excelentíssimo jurista Hans Kelsen[1], quando são respeitados os princípios constitucionais do processo.

Desse modo, quando princípios constitucionais e direitos fundamentais, como o sigilo das comunicações telefônicas, são violados, nasceria para o sujeito o direito de buscar reparação no campo civil, sendo certo que no campo penal, caso as informações interceptadas ilegalmente sejam utilizadas como meio de prova, abriria-se espaço para sua invalidação.

Porém, em uma época marcada pelo aumento crescente da criminalidade, na qual o direito se apresenta como instrumento vinculado ao meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais, as provas obtidas por meios ilícitos, dentre elas as interceptações telefônicas, podem eventualmente constituir ferramenta utilizável para a garantia da segurança pública.

Ratificando a gravidade da crescente delinquência penal, o professor Scarance Fernandes[2] frisa a dificuldade de equilíbrio no uso destas provas, salientando a necessidade do Estado combater a criminalidade crescente, violenta e organizada. Contradizendo Scarence Fernandes no que se refere a restringir o poder do Estado em utilizar provas ilícitas como instrumento de combate do crime, temos a colocação de Auriney Uchôa de Brito: “Quem possui a capacidade de gerir o conteúdo das informações, possui um poder incomensurável que pode modificar todo o futuro politico, econômico e social de um povo”.[3]

Nessa linha, com a expansão de meios materiais informativos pelo Estado, no caso as evidências jurídicas ilegais, amplia-se o controle deste sobre o destino da sociedade como um todo. Como consequência os indivíduos ficam à mercê da vontade do poder governante.

Conforme avulta Moraes[4], citando jurisprudência do STF, a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, que só excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em respeito às liberdades públicas e ao princípio da dignidade da pessoa humana na coleta de provas e na própria persecução penal do Estado.

Constituição Federal de 1988 determinou no inciso LVI do art.  que são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito no processo penal. No mesmo sentido, o Código de Processo Penal, conforme o artigo 157, com redação dada pela Lei nº 11.690/08, que estabelece: "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".

Na essência, a ilicitude é una, no sentido de manifestar uma possível ofensa ao Direito como um todo. No caso das provas ilícitas, trata-se de uma prova obtida, produzida, introduzida e concretamente valorada de modo contrário à determinada previsão legal. Assim, a prova ilícita tem lugar quando a sua obtenção infringe direito material ou princípio constitucional.

A prova pode ser ilícita em três situações: em virtude da ilicitude do próprio meio que a integra, caso este não seja compatível com a cultura do processo moderno, que exige uma racionalidade e respeito à integridade da pessoa humana; em virtude da imoralidade ou impossibilidade de sua produção.

Na sequência, serão expostas algumas teorias que envolvem as provas ilícitas, todas de origem norte americana, sendo extremamente reconhecidas, se não positivadas no ordenamento jurídico nacional.

1.1. Provas ilícitas (art. 5º, LVI): prova ilícita obtida por derivação

É válido o apontamento, referente a existência da prova ilícita por derivação. Esta prova encontra-se prevista no Processo Penal e foi inspirada na teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree). A positivação desta teoria encontra-se no § 1º do art. 157, do CPP que dispõe que:

Art. 157. (...)

§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das provas ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

A doutrina majoritária manifesta-se pela inadmissibilidade da prova, que embora produzida licitamente, na espécie, decorra de uma prova considerada ilícita. Contudo, constatando-se a presença da prova ilícita, o regular processo criminal não deverá ser interrompido. Isto porque poderão existir outras evidências livres de ilicitude e que não tenham sido contaminadas por aquela.

Existem outras teorias de excepcionalidade de ilicitude, dentre as quais merecem ser expostas neste artigo cientifico e são extremamente aceitas pela jurisprudência pátria.

1.2. Provas ilícitas (art. 5º, LVI): prova ilícita obtida inevitavelmente

Destaca-se a teoria da prova autônoma ou descoberta inevitável, em que a evidência probatória é obtida por fonte independe da que originou a prova ilícita. Esta teoria tem sido adotada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Conceituados doutrinadores consideram que a referida teoria está prevista no artigo 157§ 2º do CPP:

Art. 157. (...)

§ 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

1.3. Provas ilícitas (art. 5º, LVI): prova ilícita obtida de boa-fé

Sem prejuízo, cabe pontuar outra exceção à regra da exclusão da prova ilícita, advinda do direito norte-americano. Trata-se da teoria da boa-fé.

Conforme a teoria da boa-fé, quando a prova for produzida com a crença de estar agindo dentro das previsões legais, mediante pureza de intenção, poderá a referida evidência probatória ser aceita, ainda que ilícita.

Douglas Fischer cita essa teoria:

De relevo ainda mencionar outras exceções à regra da exclusão da prova ilícita no direito norteamericano, como se vê quando invocada a teoria da boa-fé, na qual se examina a justificação da conduta do agente produtor da prova ilícita, para fins de sua validação ou não, alem de outras de menor alcance.[5]

As citadas evidências probatórias, caso sejam admitidas, tornam-se, em determinados casos, elementos responsáveis na demonstração da veracidade dos fatos alegados na denúncia do processo penal. Não se descarta, entretanto, que estas provas causem mudanças significativas às garantias fundamentais dos indivíduos, com a tecnologia aplicada no processo jurídico.

Estas consequências fundamentais das provas ilícitas serão apresentadas, após abordar-se o princípio da proporcionalidade.

2. Princípio da proporcionalidade: o instrumento analítico de normas e direitos

No enquadramento da sociedade da informação, conforme menciona Auriney Uchôa de Brito[6], o conflito entre princípios constitucionais, como a liberdade de expressão e pensamento, a presunção de inocência e a inviolabilidade da honra e da imagem dos acusados deve ser analisado com ponderação para que se alcance uma forma de coexistência pacífica na sociedade da informação.

Estes princípios, no entanto, devem sofrer uma necessária limitação, bem como um consequente balanceamento. Nessa linha, Filho ressalta que:

Não há princípio do qual se possa pretender seja acatado de forma absoluta, em toda e qualquer hipótese, pois uma tal obediência unilateral e irrestrita a determinada pauta valorativa - digamos, individual - termina por infringir uma outra - por exemplo, coletiva. Dai se dizer que há uma necessidade lógica, e ate axiológica, de se postular um princípio de proporcionalidade para que se possa respeitar normas, como princípios, tendentes a colidir, quando se opera concretamente com o Direito.[7]

No desenvolvimento deste raciocínio lógico, faz-se necessário questionar a admissibilidade da interceptação telefônica ilegal como prova, através da utilização do referido princípio da proporcionalidade, de modo analítico, no Estado Democrático de Direito.

A maior parte dos doutrinadores do direito enfatiza que a origem e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade encontram-se ligados à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, quando o Estado de Direito surge na Europa.

O marco histórico para o surgimento da concepção do Estado de Direito e a consequente noção de proporcionalidade, conforme Santiago, encontra-se na Magna Carta Inglesa, de 1212, que, por sua vez, esclarece: "O homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito".[8]

Gomes traz uma consideração relevante no aspecto prático deste instrumento, quando destaca a sua consequente limitação da liberdade dos indivíduos:

A importância do princípio da proporcionalidade encontra-se relacionada à verificação de que, num Estado Democrático de Direito, a liberdade constitui o bem primordialmente tutelado juridicamente, o que traz como consequência o fato de que qualquer limitação sua deve, necessariamente, ser balanceada a fim de que ocorra apenas quando se apresentar claramente necessária, idônea e proporcional à proteção de determinado bem jurídico constitucional.[9]

A realização da ponderação de direitos deve ser realizada, mediante três subprincípios, também considerados requisitos, todos advindos do princípio da proporcionalidade. Estes serão de suma importância, quando houver direitos fundamentais em conflitos. Miranda sintetiza os referidos, de modo didático, sendo:

a) adequação, que significa que a providência se mostra adequada ao objetivo almejado (...); envolve, pois, correspondência de meios e fins; b) necessidade, que supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão; equivale a exigibilidade desta intervenção; e c) proporcionalidade stricto sensu, que implica em justa medida; que a providência não fica aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido, nem mais, nem menos; e porque trata de limites, de restrições e de suspensão de direitos fundamentais, ela traduz-se em proibição do excesso.[10]

Em suma, o primeiro subprincípio (adequação) determina que o meio utilizado deva ser adequado para alcançar o fim. O segundo (necessidade) assevera que o meio escolhido deve ser aquele que imponha o menor sacrifício, para o direito fundamental não prevalente na solução do caso concreto. E o terceiro (proporcionalidade em sentido estrito) indica o meio mais adequado e necessário em razão de somar mais vantagens, tendo por base, o maior número de interesses em disputa.

É importante mencionar que o Supremo Tribunal Federal utiliza constantemente o princípio da proporcionalidade para solucionar contrariedades entre princípios fundamentais, a exemplo da prova obtida pela interceptação telefônica, analisada neste artigo, conforme se observa abaixo:

EMENTA: "Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido.

Não deve ser ignorada, ainda, uma possível subjetividade ocorrida durante o manejo do princípio supracitado. Caso contrário, estaríamos cegos e presos no exterior da "caverna" de Platão[11], sendo que não veríamos a árdua realidade.

A técnica de ponderação deve ser alcançada através de critérios objetivos, conforme já estabelece a Constituição Federal, no aspecto da irrenunciável "motivação" das decisões judiciais. Cheli sustenta que:

Em todos os casos, é sempre a motivação o que torna funcional o juízo de proporcionalidade; o resultado é que quanto mais se aumenta o poder do juiz constitucional e as margens da sua atuação no controle das leis, tanto maior é a exigência a uma motivação que torne transparente e persuasiva a sua pronúncia.[12]

O critérios de embasamento da referida motivação judicial, caso sejam realmente pouco discricionários e mais objetivos, deverão ser utilizados em outros casos concretos.

Este ponto é observado por Barroso, durante a sua análise do controle da argumentação jurídica, quando esta envolve a técnica de ponderação:

Por força do imperativo de isonomia, espera-se que os critérios empregados para a solução de determinado caso concreto possam ser transformados em regra geral para situações semelhantes.[13]

Assim, embora no final deste artigo, conclua-se por uma possível admissibilidade da analisada medida cautelar, perante situações excepcionais, consequências imediatas podem surgir, dependendo dos fatos e valores ponderados, conforme alerta Barroso: "O fato de uma norma ser constitucional em tese não exclui a possibilidade de ser inconstitucional in concreto, à vista da situação submetida a exame".[14]

3. A interceptação telefônica e a intimidade fundamental na sociedade da informação

A globalização e o desenvolvimento da tecnologia permitiram à sociedade a ampliação do mercado financeiro e o conhecimento sobre distintas culturas, o que contribuiu para geração de um universalismo sobre os direitos humanos fundamentais, celebrados mundialmente pelo consenso entre seres humanos com a Declaração Universal do Direitos Humanos de 1948, além de possibilitar ao indivíduo um suposto maior controle sobre o meio em que habita, através da troca imediata de informações, privadas ou não, por meio eletrônico.

Ampliando-se o campo histórico estruturado dos direitos e garantias fundamentais no contexto da globalização, o professor Barreto Junior[15] salienta que, para aqueles que veem os direitos humanos como conquista, os principais marcos foram: a revolução francesa de 1789; a luta contra a escravatura no século XIX; o movimento operário da Ribeira na metade do século XIX e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas de 1948). No aspecto do Brasil, a Constituição Federal de 1988 merece a devida ênfase.

A globalização, quando inclusa predominantemente na sociedade da informação como agravante de propagação de informações, determina inevitável característica de transfiguração no desenvolvimento das tecnologias, condições socioeconômicas, com a ampliação de conhecimento e a intensificação dos meios de comunicação, elementos que segundo Bobbio resultam na criação de convicções para o nascimento de inusitadas carências sociais e novas demandas de liberdade e poderes.[16]

Como se enquadra a interceptação telefônica telefônica no conflito entre liberdade e poder estabelecido?

Constituição Federal de 1988 ao estipular no seu artigo 5º, inciso XII que: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, admitiu excepcionalmente a quebra do direito à privacidade e intimidade, admitindo que seja realizada a interceptação telefônica em hipóteses e nos termos previstos na lei.

A regulamentação da referida medida cautelar preparatória está prevista na Lei de nº 9.296 de 1996.

Além disso, a interceptação das comunicações telefônicas também vem prevista como meio de obtenção de prova da Lei nº 12.850/2013.

Em breve síntese, o grampo telefônico consiste em mecanismo de cruzamento e controle de informações de intercomunicações à distância, no qual um terceiro não pertencente ao diálogo inicial abordado, capta as mensagens trocadas, sem o consentimento prévio dos respectivos interlocutores.

Especificamente, a interceptação telefônica é um meio de investigação, pesquisa ou de obtenção da prova, que eventualmente leva elementos probatórios ao processo.

A referida medida cautelar preparatória do processo penal vem prevista no artigo  da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que estabelece:

Art. 1º. A interceptação de comunicações telefônicas em qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá da ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Em um olhar atento ao primeiro dispositivo legal da lei do grampo telefônico, torna-se evidente a prudência do legislador, no tocante à observação do direito fundamental de privacidade e intimidade, ambos vinculados ao artigo , inciso XII, da Constituição Federal (inviolabilidade de correspondência e o sigilo das comunicações). Esta observação ocorreu através da menção do "segredo de justiça", que deverá ser observado, caso o juiz competente autorize o uso da interceptação telefônica, para fins de investigação criminal.

A tecnologia inerente ao grampo telefônico, entretanto, pode facilitar a quebra do sigilo de novas vítimas de crimes. Nesta hipótese, os criminosos aproveitam-se deste utensílio, a fim de invadir a comunicação dos partícipes da ligação e obter informações. O desenvolvimento tecnológico alcançado pela globalização, deste modo, pode contribuir na violação da intimidade dos integrantes da conversa, além de favorecer o cometimento de novos delitos.

Neste ângulo de estudo, considera-se importante a seguinte declaração de Castells, sobre o controle das comunicações na sociedade da informação:

A universalidade da linguagem digital e a lógica pura do sistema de comunicação em rede criaram as condições tecnológicas para a comunicação horizontal global. Ademais, a arquitetura dessa tecnologia de rede é tal, que sua censura ou controle tornam-se muito difíceis.[17]

Deste modo, é inegável a deficiência na segurança jurídica contra invasores, que desprovidos de autorização legal, quebram a dignidade, a honra da pessoa humana e a privacidade dos partícipes de ligações.

Diante dos fatos expostos, na sequência, abordaremos uma excepcionalidade, na qual eventualmente as provas obtidas com grampo telefônico deveriam ser aceitas. Esta hipótese será justificada, a partir da extrema necessidade do caso concreto, devendo a medida cautelar estar adequada aos fatos de modo proporcional em sentido estrito.

4. A eventual excepcionalidade da prova obtida pela interceptação telefônica, sem autorização judicial

4.1. A excepcionalidade da prova obtida pela interceptação telefônica, sem autorização judicial e o combate aos inimigos

Considerando todos os pontos anteriormente abordados, restou evidente a imensa interferência tecnológica no setor das comunicações. A persecução penal apresenta-se cada vez mais efetiva, mediante a utilização de novos instrumentos digitais de coletas de provas, porém esta tecnologia também armou os acusados, durante o respectivo confronto contra o Estado e a sociedade.

Neste dilema, o Estado Democrático de Direito buscou preservar as garantias fundamentais dos indivíduos, motivo pelo qual a interceptação telefônica segue um estreito caminho, antes desta medida cautelar ser deferida judicialmente pelos Magistrados.

Tendo em vista o aspecto negativo advindo do meio digital no setor das comunicações, apresenta-se uma reflexão de destaque quanto aos acusados de alta periculosidade. Estes indivíduos possuem uma ilusória noção de impunidade, após cometerem delitos.

A maioria dos referidos indivíduos são integrantes de grandes organizações criminosas e responsáveis pela prática de delitos de difícil apuração. A plena e irrestrita liberdade deste tipo de malfeitor é impensável, pois decorre da iminente ameaça à garantia fundamental da segurança pública.

Nesta busca, a preservação concreta e eficiente da segurança pública prevalece acima de outros direitos e garantias fundamentais, quando objetiva-se o bem estar social e coletivo. Visando o alcance harmônico e concreto da coletividade, a excepcionalidade jurídica da interceptação telefônica sem autorização judicial torna-se plausível.

A criticada Teoria do Direito Penal do Inimigo, do alemão Jakobs[18], sobrevém como doutrina indispensável dentre as demais teorias vistas anteriormente, a fim de chegar-se na referida excepcionalidade de autorização judicial do grampo. O ilustre jurista e filósofo Jakobs valorizou uma nova ordem de regramento da sociedade, quando visualizou a evidente e ininterrupta guerra entre o Estado e os membros do crime organizado.

A Teoria do Direito Penal do Inimigo de Jakobs estabelece que os homens tendem a se enquadrar em dois grupos: o primeiro seria o grupo dos transgressores penais comuns, que devem ter as suas garantias fundamentais preservadas e podem ser reinseridos na sociedade, através da aplicação de uma pena.

O segundo grupo de indivíduos seriam inimigos, que se afastaram do Direito, de maneira extensiva, pois são um "perigo latente" que, em consequência, não mais abrangem a qualidade de pessoa.

Este grupo de inimigos deveria receber um adiantamento da punibilidade, tendo eventualmente penas desproporcionais, cenário em que haveria uma necessária relativização e suspensão das garantias constitucionais, segundo Jakobs. Neste raciocínio, o doutrinador conclui que a sociedade estaria protegida, pois o potencial lesivo destes criminosos seria combatido. Todavia, não seriam medidos eventuais direitos fundamentais diminuídos ou extintos.

Dentre as possíveis consequências da execução desta concepção originária do autor alemão perante o infrator possuidor de uma mentalidade de impunibilidade, poderia haver a instituição de um confronto com o Estado Democrático de Direito na era digital, sendo que este conflito ocorreria porque a presunção de inocência do acusado se tornaria extinta. Os acusados seriam punidos de modo diferente daquele definido pelo legislador, partindo de uma premissa objetiva de culpabilidade concreta, a qual seria favorecida com os meios investigatórios tecnológicos mordemos da sociedade da informação.

A rápida troca de dados e rastreamento em tempo real, como a interceptação telefônica, justificaria a implantação da prisão preventiva, por exemplo.

Finalmente, o Estado deixaria de estabelecer garantias incabíveis aos membros de organizações criminosas e aumentaria o seu poder de retenção individual e coletivo.

Corroborando a referida necessária relativização de direitos fundamentais, torna-se apropriada a manifestação de Bobbio:

Deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela desses encontrarem certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente.[19]

Diante do exposto, cabe fazer um importante adendo: não é digno incluir mais indivíduos que não os correspondentes ao grupo de classificação anteriormente mencionado, pois os demais infratores não se enquadrariam na mencionada mentalidade supralegal.

De fato, por indisponibilidade de novos recursos punitivos estatais deve prevalecer um processo mais apurado e prolongado de persecução penal. Nesta linha, será mais ponderada e equitativa a presunção de inocência dos delinquentes e assim, poderá ser evitado um retrocesso histórico ao regime político ditatorial, este marcado por um governo autoritário e de supremacia do poder executivo restritivo de direitos e garantias fundamentais.

4.2. A excepcionalidade da prova obtida pela interceptação telefônica, sem autorização judicial, quando analisada proporcionalmente

O conflito de direitos fundamentais entre a preservação da segurança pública e a privacidade dos indivíduos quando ocorre o grampo telefônico, deve ser analisado.

O exame deste confronto de normas merece ser trabalhado pelo manejo do apresentado princípio da proporcionalidade e seus requisitos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

No que tange à adequação do grampo telefônico, não é questionada a sua promoção, tendo em mente a sua finalidade: a escuta de conversas telefônicas relacionadas ao crime cuja materialidade probatória se deseja apurar, sem o conhecimento dos investigados, é inequivocamente apta para a promoção do fim almejado. Só haveria a inadequação desta medida caso o fim objetivado não fosse alcançado. No entanto, a materialidade do crime nesta circunstância resta apurada, sendo a prova obtida potencialmente condenatória.

O requisito da necessidade da escuta telefônica, por outro lado, torna-se um pouco mais restrito. Em razão da preservação da privacidade, é necessária a existência de outros meios à quebra do sigilo, que não restrinjam na mesma intensidade a privacidade fundamental. A lei já estipula o carácter excepcional da aplicação da medida, entretanto, as vitimas de criminosos de alta periculosidade são inúmeras, motivo pelo qual, a preservação coletiva fundamental da vida humana justificaria, nesta hipótese, a aplicação da interceptação telefônica, sem autorização judicial.

Neste exemplo, observa-se que a segurança pública se encontra relacionada com a vida de todos os membros da sociedade.

O legislador observou o aspecto relacionado à preservação da proporcionalidade em sentido estrito, pois não se justifica a aplicação do grampo para apuração de ofensas de bens jurídicos passíveis de detenção. Nesse raciocínio, é notório que criminosos de mentalidade supralegal cometem crimes gravíssimos passíveis de pena de reclusão.

Por analogia, a quebra de uma comunicação telefônica sem autorização judicial, quando direcionada aos líderes de organizações criminosas, também valoriza a segurança pública. Os crimes de alto potencial lesivo têm uma extensão muito mais abrangente, a qual vai além do sigilo destes delinquentes nas comunicações telefônicas.

A privacidade fundamental dos indivíduos no balanceamento apresentado deverá ceder, a fim de alcançar-se a paz coletiva.

Considerações finais

Neste artigo cientifico foram apresentados aspectos positivos e negativos a respeito da eventual admissibilidade de provas ilícitas, motivada pelo combate à crescente criminalidade, com enfoque na instauração da interceptação telefônica, e no seu consequente e ocasional conflito com as garantias fundamentais, observando-se o contexto da sociedade da informação, bem como os seus desdobramentos no direito.

Assim, é plausível apresentar uma possível interpretação da validade legal almejada, com base nos aspectos abordados sobre o tema, após a finalização das reflexões analíticas apresentadas.

O grampo telefônico, como uma medida cautelar eventualmente instaurada na sociedade da informação, consiste em um exequível método de garantir um harmônico bem estar social coletivo, sendo um instrumento de obtenção de provas necessário, quando utilizado pelo Estado, a fim de combater a criminalidade.

A interceptação telefônica, ao ser aprovada pelo Juiz competente no processo penal, resulta no maior controle do Estado perante a sociedade. Ressalta-se, contudo, que esta deverá ser a última ferramenta de averiguação dos atos ilícitos praticados pelos criminosos. Necessitará ocorrer uma proporcionalidade, durante a execução desta medida cautelar, para alcance máximo e efetivo de limitação do criminoso. Assim, deve ser mantida uma preservação do "segredo de justiça", pois ocasionalmente ocorrerá uma quebra fundamental da intimidade e privacidade do investigado.

A tecnologia desenvolvida durante a terceira revolução industrial, possibilitou e facilitou a invasão de dados pelos criminosos. Em compensação, este mesmo desenvolvimento tecnológico também resultou no equitativo controle destes infratores legais, através dos mesmos instrumentos digitais utilizados contra a boa-fé. Destaca-se uma nova oportunidade de conter líderes de grandes organizações criminosas, além de indivíduos detentores de uma mentalidade supralegal.

O acusado poderá na sua contestação, com razão, alegar a ocorrência de vício de nulidade legal contaminador das provas obtidas pela grampo telefônico. Entretanto, insta salientar, que se deverá comprovar nos autos do processo criminal, a ausência de autorização judicial e a tentativa de instauração de métodos alternativos possíveis antes do referido acontecimento.

Contra delinquentes pertencentes a uma faixa de alta periculosidade, líderes de organizações e facções criminosas e possuidores de pena máxima estabelecida pelo legislador, seria vantajoso o uso do grampo telefônico, sem prévia autorização judicial. Considerando-se, neste desfecho, que poderá haver conflitos de direitos fundamentais, mas que, entretanto, estes criminosos representam iminente dano para toda a sociedade.

Portanto, conclui-se, que é válido e prudente admitir excepcionalmente as provas obtidas pela interceptação telefônica realizada sem autorização judicial.

Chega-se neste resultado ao ponderar-se a fundamental segurança pública, com as garantias de intimidade e privacidade dos indivíduos. É dever do Estado proporcionar segurança a todos indivíduos, visando o bem estar social coletivo, através do combate à criminalidade crescente e evidente, também na era digital.

Portanto, o legislador aderiu a uma preocupação em relação a dignidade da pessoa humana, dando ênfase à intimidade e privacidade dos indivíduos sob persecução penal, seguindo os valores e condutas estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito.

Em casos práticos, nota-se que há uma quebra da privacidade fundamental dos indivíduos nas comunicações, quando ocorre o grampo telefônico, expandindo-se o descobrimento de objetos e informações sigilosas incriminadoras. A grande divergência apresenta-se na tentativa de estabelecer conexão entre o Estado Democrático de Direito, que se caracteriza, enfaticamente, pelo respeito do Estado perante todas as liberdades civis, sobretudo os direitos e garantias fundamentais, com o cenário jurídico tecnológico vigente.

Referências

______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 74678-1. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, DF, 10 de junho de 1997.

BARRETO JR. Direito da sociedade da informação:Temas Jurídicos Relevantes. 1º ed., São Paulo: Editora Quartier Latin. 2013.

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da históriaa nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed., Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.

BRASIL. Código PenalDecreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 30 de setembro de 2019.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9296.htm>. Acesso em: 27 de setembro de 2019.

BRASIL. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em: 05 de setembro de 2019.

BRITO, Auriney Uchoa de. Direito da sociedade da informação: Temas Jurídicos Relevantes. 1º ed., São Paulo: Quartier Latin, 2013.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Vol. I. 5ª. ed. São Paulo: Paz e Terra. 2001.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5º. Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

FISCHER, Douglas. Críticas à Jurisprudência brasileira na declaração das nulidades em razão de (suposta) prova ilícita no processo penal. In: SALGADO, Danie de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (org.). A prova do enfrentamento à macrocriminaliade. Salvador: JusPodium, 2016.

GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003.

GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica: Considerações sobre a Lei nº 9.296/96. 3. ed. Brasil: Saraiva, 2015.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional, cit., pp. 47 ss., passim; Id., Teoria Proceual da Constituiçãopp. 75 .,ss 185 ssss. e Processo Constitucional e Direitos Fundamentais,.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 200.

JAKOBS, Günther apud MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo Noções e Críticas. 6. ed. São Paulo: Livraria do Advogado. 2015.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2000, Hermenêutica Jurídica.

LEITE, George Salomão (coord.). Dos princípios constitucionais: Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. 2. ed. São Paulo: Método, 2008.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 6ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1998.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29ªed. São Paulo: Atlas. 2013.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral. São Paulo: Atlas, 2013.

PLATÃO. A República. Tradução Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2000.

015. ed. São Paulo: Saraiva,2015.