EGRESSOS PRISIONAIS X MERCADO DE TRABALHO:

uma luta contra o preconceito e a busca por oportunidades 

Ana Vanessa Vieira Fernandes[1]

Nathália Thereza de Carvalho[2]                                                                                

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Globalização e neoliberalismo; 3 Preconceito, desemprego e reincidência; 4 Conclusão. Referências

RESUMO

Neste presente artigo, buscou-se analisar a dificuldade que os egressos do sistema prisional encontram ao se debaterem com a questão da busca de emprego, tendo por base as conseqüências do neoliberalismo e da globalização, e do preconceito que sofrem pela sociedade por serem ex-detentos, para se inserirem no mercado de trabalho. Dessa forma, pôde-se perceber que a maioria, por não conseguir uma oportunidade para empregar-se, não resiste à possibilidade de obter “dinheiro fácil” e acaba reincidindo no crime.

 Palavras-chave: Egressos. Preconceito. Desemprego. Mercado de Trabalho

1 INTRODUÇÃO                              

             A sociedade possui costumes, modos de vivência, bastante arraigados, e quando alguns indivíduos agem de forma contrária ao que ela dita, são considerados ameaças, são vistos como “anormais”, já que não correspondem a normalidade do cotidiano. E por isso, precisam ser punidos para se “reenquadrarem” no padrão que a mesma impõe.

            Com o advento da globalização, que faz da distância um mero descaso, que aproxima as pessoas de forma exorbitante, tentando torná-las o mais parecida possível, ao empregar a cultura do consumismo, que sempre rejeita, descarta o velho, não vê com “bons olhos” e exclui a quem não cumpre com seu papel de consumidor dentro de tal cultura. Fazendo da prisão, um “depósito” desses seres dito anormais, dos excluídos, que não seguem os padrões definidos pela sociedade.

            Na melhor das hipóteses, a intenção de “reabilitar”, “reformar”, “reeducar” e devolver a ovelha desgarrada ao rebanho é ocasionalmente louvada da boca para fora. De forma explícita, o principal e talvez único propósito das prisões não é ser apenas um depósito de lixo qualquer, mas o depósito final, definitivo. Uma vez rejeitado, sempre rejeitado. Para um ex-presidiário sob condicional ou sursis, retornar à sociedade é quase impossível, mas é quase certo retornar à prisão.[3]

            “Lixo humano” seriam essas pessoas vistas como anormais, excluídas e rejeitadas. E estas, ao almejarem reconstruir suas vidas, trabalhando honestamente, participando da economia formal, quando saem dos cárceres, ao invés de encontrarem apoio, respeito, só encontram preconceito.

2 GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO:

            A globalização é um processo de integração mundial que não é de cunho exclusivamente econômico, também possui dimensões política, social e cultural.

            Nessa “nova ordem mundial” a revolução nos meios de transporte e das comunicações, e as rápidas mudanças na área tecnológica e nas relações de trabalho desenvolvem um papel fundamental na formação cultural global: a cultura do consumismo. Pois ditam um padrão de vida e de consumo a ser seguido e que precisam ser parecidos em qualquer lugar do mundo. “A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor” [4].

            O processo de globalização pode ser considerado como uma forma de integrar ou adequar as economias nacionais à economia mundial, que proporcionou um grande progresso no sistema capitalista com o advento da revolução técnico-científica, em que a informática invadiu desde bancos e bolsas de valores às casas das pessoas. Porém, a globalização é cruel, pois na mesma velocidade em que gera riqueza, sofisticação, conforto e melhoria de vida (para poucos), gera também miséria, aumenta o desemprego e as desigualdades sociais (para muitos). Com ela, aumentou-se a demanda por mão-de-obra qualificada, e ao mesmo tempo, reduziu-se a oferta para trabalhadores sem o preparo necessário.

            A globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especula com eficiência cada vez maior.

Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos pobres do mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial.[5]

            O mercado de trabalho cada vez mais exige qualificação e especialização profissional. Para uma pessoa desempregada que possui a “ficha limpa” já está difícil conseguir um emprego, imagine para um ex-detento.

            Num mundo em constante mudança e cada vez mais competitivo, o empregado além de mão-de-obra qualificada, deve estar em constante aperfeiçoamento para que possa acompanhar as mudanças tecnológicas que surgem e mudam a cada dia.[6]

            Esse lado cruel da globalização (alto índice de desemprego, desigualdades sociais, miséria etc.) e as suas criações (a política neoliberal e as transnacionais, por exemplo) geram muitos protestos em todo o mundo, por ser uma forma excludente de organização.

            Levando-se em consideração a política neoliberal que defendia a volta dos princípios do Liberalismo Clássico do século XVIII (laissez-faire ou livre mercado) bem como a “não-intervenção” do Estado na economia e na sociedade, e que foi implementada com o fim do Walfare State (Estado do Bem-Estar Social), pode-se enumerar uma série de conseqüências: recessão econômica, desemprego, aumento do trabalho informal, pobreza, aumento do índice de violência etc.

          A obra “As Prisões da Miséria”, de Loïc Wacquant, retrata bem essa passagem do Walfare State ou Estado do Bem-Estar Social, cujo denomina de “Estado Providência” -em virtude de este preocupar-se em assegurar condições básicas de saúde, educação, salário etc. para a população, ou seja, é um Estado que se caracteriza pela máxima intervenção na economia e na sociedade – para o Estado Neoliberal, que o autor chama de “Estado Penitência”, o mesmo caracteriza-se pela mínima intervenção na economia e na sociedade - o que gera uma enorme exclusão social (já que são reduzidos os recursos destinados aos programas sociais) - e pelo crescimento de um “Estado Policial e Penal”, tendo em vista a política de “tolerância zero” que tem como alvo pequenos ilícitos criminais e condutas que perturbam a paz (ex: vandalismo, vadiagem, pedir esmolas, embriaguez em público etc.) para reduzir ou evitar futuros crimes mais graves, desta forma, acaba por criminalizar a miséria.

           Portanto, o neoliberalismo e de fato a globalização contribuem para aumentar as desigualdades sociais, pois reduzem as oportunidades de emprego dando margem ao ingresso no mercado de trabalho informal e, principalmente, com a criminalização da miséria, excluindo os “indesejáveis” ao instituir uma política policial-penal como instrumento para eliminar a pobreza (nesse sentido, é como se os “excluídos” do Sistema Econômico, ou os “indesejáveis”, gerassem lucro para o Estado através dos cárceres).

            O trabalho que deveria ser um dos meios para acabar com as desigualdades, acaba evidenciando-se ainda mais, principalmente quando acontece o aumento do desemprego. Este estigmatiza o indivíduo, colocando-o num patamar de inferioridade em relação aos outros, além disso as oportunidades ficam escassas. É visto pela sociedade como uma pessoa que não representa seu papel de forma eficaz na sociedade, alterando assim todo o sistema de relações ao seu redor, tornando-o um excluído. [7]

 3 PRECONCEITO, DESEMPREGO E REINCIDÊNCIA

            Ao ser proferida uma sentença, o preso é “contemplado” com duas penas: uma dentro do cárcere outra fora do mesmo. A sociedade tende a oferecer uma vida muito mais cruel aos ex-detentos do que a disponibilizada dentro da prisão.

            Dentro das penitenciárias, os indivíduos ao menos têm um “status” – “prestígio ou distinção social”[8] -, desempenham papéis ou funções. Ao sair da mesma, o indivíduo torna-se redundante, é rejeitado, visto apenas como uma ameaça. A sociedade o pune mais uma vez, o castigando com a exclusão, notando os mesmos apenas pelo estigma “ex-detento”.

            Os egressos do sistema prisional pertencem aos grupos sociais vítimas de intolerância, como mostra a pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, a qual revela que 21% dos brasileiros não desejariam ver ou encontrar com ex-presidiários[9]. E mais, “despertam repulsa ou ódio em 5% dos brasileiros”[10]. O que abre espaço a um enorme parêntese: Como conseguir trabalho dentro da economia formal, se esses egressos são indesejados dentro da sociedade?

            Se para um cidadão com a ficha criminal limpa já é difícil encontrar emprego com carteira assinada – números revelados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística afirmam que “o contingente de desempregados atingiu, em março, cerca de 2 milhões de pessoas”[11] - para alguém que passou algum tempo “fora da civilização”, em cárcere privado, é praticamente impossível. E a falta de oportunidade perante um emprego é um dos motivos que levam o preso a reincidir no crime. Fato esse que pode ser comprovado pelo seguinte exemplo:

O paulistano Carlos Martins de Oliveira passou os últimos quatro anos atrás das grades. Em liberdade desde 17 de julho, depois de cumprir pena por furtos e assaltos (...). Oliveira já foi solto e retornou a cadeia quatro vezes. Sempre pelo mesmo motivo: sem conseguir emprego, por causa de seu passado como detento, não resistiu ao dinheiro aparentemente fácil da vida bandida. Agora, um mês após ter saído da prisão, conta que já recusou oito convites para voltar ao crime. Ainda não encontrou oferta de trabalho honesto. "O pessoal não esquece que a gente pisou na bola, principalmente nas entrevistas para emprego", diz o ex-presidiário de 28 anos, que vive num albergue para indigentes do Brás, em São Paulo. "No Brasil, não existe pena de quatro ou dez anos. Você cumpre pena o resto da vida", sentencia.[12]

             No ato da seleção ou admissão a um cargo, em suma, é requisitado a ficha de antecedentes criminais, e quando esta é pedida aos ex-detentos, eles se vêem mais uma vez longe do objetivo almejado de participar ativamente da economia formal, para assim recomeçarem suas vidas. Além disso, o Sistema Penitenciário não oferece cursos profissionalizantes que atendem às exigências do mercado formal. Mais uma desvantagem para os egressos.

"Quando ficam sabendo que você tem a ficha suja, a fisionomia até muda. Dizem que vão te ligar e não ligam. nunca mais", conta Carlos Tadeu Bin, de 47 anos, que, cansado de revelar o passado nas fichas de emprego, optou por trabalhar como pintor de paredes.[13]

              Casos esses que não são meras exceções, é algo do cotidiano, rotineiro. Ao se depararem com vida fora dos presídios, muitos tentam voltar aos mesmos, para terem ao menos abrigo e alimentação. Já que por não conseguirem emprego, passam fome, ou voltam a cometer delitos a fim de suprir necessidades básicas.

            As pessoas que não correspondem ao padrão ditado pela sociedade são empurradas para longe, para que não possam ser percebidas ou notadas. Porém elas, sem dúvida alguma, são resultado inevitável do sistema econômico que compartilhamos, o capitalismo, que visa primordialmente à obtenção de lucro. Em uma sociedade de consumidores, quem não compete com essa função tende a ser excluído, porque são declaradas como um problema financeiro, essas pessoas têm que ser “providas”. Citando Zygmun Bauman: “Os seres humanos refugados (os ‘excessivos’ e ‘redundantes’, ou seja, os que não puderam ou não quiseram ser reconhecidos ou obter permissão para ficar), é um produto inevitável da modernização, e um acompanhante inseparável da modernidade”[14].

 4 CONCLUSÃO

                Diante de tudo o que foi exposto conclui-se que os egressos do sistema prisional não conseguem se reintegrar à sociedade posto que são discriminados pelo “simples” fato de já terem sido presos pelo menos uma vez na vida e que o Sistema Penitenciário também não contribui para que isso aconteça, pois o mesmo não promove o mínimo de qualificação para o encarcerado alcançar um enquadramento no mercado de trabalho formal (que seria o meio mais adequado para fazer com que esses indivíduos reconstruíssem suas vidas e retornassem ao convívio em sociedade), tornando-se uma das principais causas que fazem o egresso cair na reincidência criminal.

                 No contexto desta pesquisa, buscou-se analisar as conseqüências sucedidas da globalização e da política neoliberal que afetam, direta e/ou indiretamente, a vida de indivíduos que cumprem pena e tentam retornar à convivência social, ou seja, que esperam alcançar um espaço no mercado formal, mas só conseguem ser notados com o estigma de ex-presidiários, sofrendo preconceitos com isso.

                 Deveria haver, por parte do governo, um maior incentivo e uma maior assistência ao egresso no sentido de promover a qualificação dessa mão-de-obra, para que o mesmo, ao sair do cárcere, tenha condições de, pelo menos, lutar dignamente por uma vaga no mercado de trabalho formal.

 

 Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas; tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. Cap. 3 e 4.

CARVALHO, Vinícius. Preconceito impede a reabilitação de ex-presos. O diário do norte do Paraná. Paraná, 25 abril 2009. Disponível em: <http://odiariomaringa.com.br/noticia/215989>. Acesso em: 13 ago 2009.

FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. O Dicionário da Língua Portuguesa. 6. ed. rev. e atualiz.  Curitiba: Positivo, 2004.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil – 2008.  Disponível em: <http://www.informes.org.br/documentos/FPA_Pesquisa.pdfv>. Acesso em: 13 ago 2009.

MAIA, Denise da Conceição. A falta de qualificação profissional como um dos fatores na reincidência do preso. Curitiba: UFPA, 2003.  45 p. Tese (Monografia) - Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003.

VIEIRA, Isabela. Desemprego no Brasil atinge número recorde de 2 milhões de pessoas, segundo IBGE. Agência Brasil. São Paulo, 24 abril 2009. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/04/24/materia.2009-04-24.1649658432/view>. Acesso em: 13 ago 2009.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria; tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.



[1] Aluna do 9º período do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco ([email protected])

[2] Aluna do 2º período do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco ([email protected]) –In memorian

[3] BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 107

[4] Id. Globalização: as conseqüências humanas; tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. Cap. 4. p. 88

 [5] KAVANAGH apud Bauman.  Globalização: as conseqüências humanas; tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. Cap. 3. p. 79

[6] MAIA, Denise da Conceição. A falta de qualificação profissional como um dos fatores na reincidência do preso. Curitiba: UFPA, 2003.  45 p. Tese (Monografia) - Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003. p. 19

[7] Ibid.

[8] FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. O Dicionário da Língua Portuguesa. 6. ed. rev. e atualiz.  Curitiba: Positivo, 2004.

[9] FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil – 2008.  Disponível em: <http://www.informes.org.br/documentos/FPA_Pesquisa.pdfv>. Acesso em: 13 ago 2009.

[10] CARVALHO, Vinícius. Preconceito impede a reabilitação de ex-presos. O diário do norte do Paraná. Paraná, 25 abril 2009. Disponível em: <http://odiariomaringa.com.br/noticia/215989>. Acesso em: 13 ago 2009.

[11] VIEIRA, Isabela. Desemprego no Brasil atinge número recorde de 2 milhões de pessoas, segundo IBGE. Agência Brasil. São Paulo, 24 abril 2009. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/04/24/materia.2009-04-24.1649658432/view>. Acesso em: 13 ago 2009.

[12] MAIA, op. cit. p. 33

[13] Ibid. p. 34

[14] BAUMAN, op. cit. p. 12