Silmenne Natalie Gomes de Jesus

1 INTRODUÇÃO

O Direito de Vizinhança, posto nos artigos 1277 a 1313 do Código Civil de 2002, está trazendo hoje cada vez mais discussões sobre sua aplicabilidade, e entendimento, não sendo tão pacífico o proveniente dos Tribunais Superiores e doutrinas. É certo, contudo, que esta parte do Código Civil, em consonância com os Direitos de Propriedade, visa proteger o uso indevido da propriedade, vez que o Direito Real de propriedade é uma relação jurídica real, de uma coisa com seu proprietário ou possuidor, ou vice-versa, sendo este direito sobre a coisa, direito potestativo, contudo, não poderia o Direito assegurar o gozo total da propriedade por seu proprietário ou possuidor, omitindo-se em relação àqueles sujeitos de direitos que são lesados pelas ações do proprietário ou possuidor em relação à sua coisa, desta forma, fez-se necessário o Direito de Vizinhança, que visa proteger o Direito de terceiro à relação real existente entre a coisa e seu possuidor. Observa-se que o Direito de Vizinhança veio do código de 1916, mas lapidou-se no novo código, vez que o antigo não se preocupava muito com o Direito de Vizinhança, exercido pelo possuidor.

Não podemos considerar justo, que o Direito de Vizinhança cause prejuízo moral ou material para um terceiro que nada fez, sendo este proveniente da má fé, ou inadequado uso do proprietário ou possuidor, lembrando sempre que o sujeito prejudicado, e que sempre guarda a boa fé, deve ser indenizado.

Conforme posto no Art. 1.277 do Código Civil de 2002, pode o proprietário ou possuidor de um prédio "fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, dos que habitam provocadas pela utilização de propriedade vizinha". Vale lembrar que o código revogado trazia este direito apenas para o proprietário, e que fora estendido ao possuidor pelo novo código.

Conforme acima elucidado, o bem jurídico tutelado pelo Direito de Vizinhança será a segurança, sossego e a saúde. Serão estes protegidos do uso indevido da propriedade, vez que não pode um sujeito, apropriar-se ou apossar-se de um apartamento, onde os fins a que ele se destina sejam apenas residenciais, fazer dali um criatório de animais, deve guardar o proprietário ou possuidor, o máximo cuidado com a finalidade a que se destina o suo da res.

Diante isso será analisado sendo objeto principal deste trabalho, a Natureza Jurídica do Direito de Vizinhança dentre outros assuntos.

2 A PROPRIEDADE

A propriedade é sempre um bem material, seja ele móvel ou imóvel, nos casos dos bens imóveis em que o homem pode usar, gozar e abusar tem seu fundamento na iniciativa privada e no regime liberal-capitalista que vigora em quase todo o mundo desde o período romano até os dias atuais. A propriedade também pode ser entendida como o direito de o proprietário sobre a coisa, é um direito amplo, sólido e exclusivo que foi positivado pela primeira vez pelo Códe Napoleon, o código civil francês ao ponto de ficar conhecido como um direito absoluto. Tal direito teve seu surgimento na antiga Roma em que o homem podia usar e fazer o que quisesse com sua propriedade sem que os demais (que ao tempo não eram muitos) se incomodassem.

O direito de propriedade não é absoluto como dizia o código francês, mas sofre algumas limitações como já foi discutido na doutrina brasileira.

A partir do "boom" demográfico e o progresso econômico/social, acompanhado das novas necessidades criadas pelo homem para o próprio homem, houve uma supervalorização do direito de propriedade de modo que a sua expansão que vem se dando desde o feudalismo se analisarmos o desfazimento das comunidades que vivam nos feudos; hoje chegamos a um nível que um mesmo terreno que comporta apenas uma casa com uma família de 5 membros pode, comportar até 20 famílias cada uma com até 5 membros se, no mesmo terreno, for construído um prédio de 10 andares com 2 apartamentos por andar. Com isso há um crescente aumento dos contatos humanos o que, de certa forma, limita a liberdade e atenua os conflitos.

Então, notadamente, face a este novo estado de coisas o jus untendi, fuendi et abutendi vai se tornando cada vez mais cerceado em que deve-se, sobrepujar os direitos coletivos e sociais em face dos direitos individuais. Lógico que, cada país estabelece lei complementar de maneira que se adeqüe a seu modelo estatal e o seu modelo de sociedade como as leis que tratam do Código de Águas, do Código Florestal, da lei de Condomínio em edificações e etc.

3 O DIREITO DE VIZINHANÇA

De acordo com Limongi França direitos de vizinhança são o complexo de direitos e obrigações recíprocas que regulam o direito da propriedade imóvel entre vizinhos Atesta ainda que existam não direitos, mas sim relações de vizinhança porque não há só direitos, mas, também, obrigações.

Contudo, Carlos Roberto Gonçalves nos atenta a não confundirmos as limitações impostas à propriedade com servidões, pois as limitações são resultantes da vontade entre as partes ao passo que estas últimas, emanam da força da lei.

Na verdade o que acontece é que tais limitações vêm com o único fim de garantir uma boa convivência entre os moradores vizinhos em que um não deverá exceder os seus limites e, nem extrapolar os limites de respeito ao outro.

Os direitos de vizinhança são obrigações propter rem, porque vinculam os confinantes acompanhando a coisa. É transmissível ao sucessor a título particular e, por ser transferida a novos ocupantes do imóvel – ambulat cum domino,é por isso também denominada obrigação ambulatória.

De acordo com Daibert ao ser citado na obra de Maria Helena Diniz, afirmar que:

"Direitos de vizinhança são limitações impostas por normas jurídicas a propriedades individuais, com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência social".

A limitação do domínio dos proprietários de prédios contíguos em favor da harmonia social e da boa convivência busca reduzir ao máximo as discórdias entre vizinhos impondo-lhes este sacrifício que deve ser suportado par que haja uma boa convivência e para que haja também o respeito à propriedade

4 A NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO

No que concerne à natureza jurídica dos direitos de vizinha há duas concepções em que a primeira considera as servidões legais e, a segunda, as limitações legais da propriedade.

Aqui se acredita na segunda proposição em que temos o direito de vizinhança como uma limitação do direito à propriedade cujas normas reguladoras visam impedir a prática de atos que causem danos ou até um incômodo ao morador do prédio vizinho.

Sílvio Rodrigues também utiliza o termo (limitações), mas em sentido lato, pois afirma serem os direitos de vizinhança obrigações "propter rem".

Alguns direitos de vizinhança criam direitos pessoais enquanto outros, como a servidão, por exemplo, são estritamente direitos reais.

Como limitações ao direito de propriedade, as normas que o regulam entram na categoria de "in rem scriptae", as relações de vizinhança podem ser objeto de convenção entre os interessados quando são regidos, por exemplo, por disposições legais as obrigações têm em quase sua totalidade, a natureza de obrigações reais, persistindo portanto, a opinião de que os direitos de vizinhança correlatos são de natureza pessoal, porque podem ser exigidos de qualquer possuidor direto.

Há hoje uma tendência muito difundida na doutrina para considerá-los modalidades de obrigações que se caracterizam pela aderência a coisa, onde alguns concebem alguns direitos de vizinhança como sendo de natureza pessoal e outros, real.

5 O DIREITO DE VIZINHANÇA ENQUANTO EXTENSÃO RESTRITIVA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

O direito a propriedade deve atender à sua função social cujo limite visa regular a intensidade de seu exercício tendo em vista o princípio geral regulador que proíbe o uso anormal da propriedade de forma que cause certo prejuízo a alguém.

O que se pretende ao regular as relações sociais que envolvem propriedade, bem como a forma como se utiliza um terreno privado é evitar as eventuais discórdias entre vizinhos que vêm sendo alvo de muitos conflitos processuais.

Existem três modalidades de interferências prejudiciais que são identificadas como integrantes de conflitos entre vizinhos são eles: os ilegais, os abusivos e os lesivos.

Os ilegais são aqueles atos que quando praticados visam oferecer um dano efetivo ao vizinho, como nos casos de ateamento de fogo no prédio vizinho, por exemplo, colocação de insetos em caixa aberta na entrada do apartamento do vizinho e etc. Os abusivos são um dos mais comumente vistos e sofridos, são os que embora realizados dentro do âmbito de sua propriedade particular o autor a faz como fim de irritar, incomodar e/prejudicar o vizinho como nos casos de barulho excessivo. Capazes de retirar a paz e o sossego daqueles que se encontram no seu derredor. Lesivos são os que causam dano ao vizinho sem que o agente esteja fazendo um uso anormal de sua propriedade e, por vezes, a atividade é autorizada pelo próprio poder público, como nos caos de liberação para indústria de fuligem esteja prejudicando ou poluindo o ambiente.

O uso anormal é tanto o ilícito quanto o abusivo que praticado em desacordo com sua finalidade econômica ou social, boa fé ou bons costumes. Para que se possa conferir uma anormalidade na utilização do imóvel deve-se ater na verificação da extensão do dano ou do incômodo causado se ultrapassou ou não o limite do tolerável, examinar a zona onde ocorre o conflito, bem como os usos e costumes locais sem falar na anterioridade da posse.

6 DAS LIMITAÇÕES LEGAIS À PROPRIEDADE

Árvores são plantas muito comuns quando se fala em direitos de vizinhança, portanto, para que não haja conflitos por causa de uma simples árvore e seus frutos têm-se que duas possibilidades: uma segundo a qual a árvore pertence aquele cujo terreno ela se encontra plantada, se a árvore estiver num terreno limítrofe ou, na linha divisória de um e de outro, esta pertencerá a ambos, bem como os seus frutos. Caso um deles esteja insatisfeito com a presença da árvore, só poderá cortá-la com permissão do outro.12 Caso não haja um consenso e esta lhe esteja causando um prejuízo ou desconforto, o incomodado deverá recorrer ao judiciário.

Quanto aos frutos, pertencerá àquele cujo solo tombar13 o que acaba com a máxima de que o acessório segue o principal.

De acordo com Silvio Rodrigues14 a finalidade é exterminar a possibilidade contendas que surgiriam a cada vez que um vizinho tentasse apanhar os frutos, o que nos leva a concluir que não compete ao vizinho o direito de "sacudir" ou, até mesmo, forçar a queda dos frutos em face de seu próprio benefício.

No que tange às raízes, estas poderão ser cortadas até o plano vertical divisório, trata-se de uma medida assecuratória ante a negligência de o vizinho que acaba por põr em risco vias públicas e fios de alta tensão. 15 Tal direito tem natureza imprescritível, pois só pode ser exercido pelo proprietário.16

A passagem forçada é um direito direcionado a um proprietário de prédio que não tem acesso a via pública, porto ou nascente, mas que, deverá tê-lo mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe conceder passagem que, caso seja necessário, poderá ser solicitada mediante vias judiciais.17 Tal instituto tem por escopo atender ao interesse social, ele só se consubstancia se o encerramento for natural e absoluto, não sendo considerado encravado aquele que contiver outra saída, ainda que mais difícil ou penosa.18, ou seja, não pode ser invocado como mera opção para encurtamento de aminho. No caso da passagem de cabos e tubulações deve haver uma necessidade do Estado em atender a coletividade que, geralmente, são os vizinhos do proprietário cujo terreno sofrerá uma desvalorização devido à introdução de cabos e tubulações, lógico, se somente realizado a partir de uma indenização.19

Trata-se, portanto, de servidões legais de cunho administrativo, uma vez que tem ônus reais de uso, impostos pela administração pública com o fim de levar a cabo obras com serviços públicos.20

No que concerne às águas, o legislador impôs uma restrição ao direito de propriedade em favor do vizinho no Código de Águas que em muitos casos se assemelha a uma expropriação feita em interesse particular Há uma previsão de indenização ao proprietário que sofre prejuízo com a construção de obra destinada á canalização (§1º), mas o proprietário tem o direito de exigir que a canalização seja subterrânea de modo que não afete suas hortas, jardins e etc.

O referido diploma também proíbe o desvio do curso natural das águas remanescentes pelos prédios, inferiores tratam-se da servidão supérflua,21através do qual o prédio inferior pode adquirir das sobras de uma servidão destinada a usos domésticos. Águas de origem pluvial são coisas sem dono, desde que perpassem por terrenos particulares se tornam propriedades.22

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Então, a partir dos dados aqui dispostos e, devidamente analisados temos que a propriedade apesar de ser um bem de ordem privada, no caso que ora tornara-se objeto de análise, nos remete a uma supressão parcial dos direitos inerentes à propriedade que teria seu usufruto comprometido em face dos direitos de outrem ou, terceiros.

Portanto, pode-se concluir que o direito de vizinhança trata-se tão somente de uma forma de limitação do direito de propriedade em que se suprime ainda que de maneira parcial o direito à liberdade em si e, melhor, em suas mais diversas searas, seja para ouvir uma música, seja na reforma de algum compartimento de um de seus aposentos enfim, o proprietário acaba tendo que levar em consideração em quase todas as suas ações a opinião ou a não invasão do direito dos outros os que, paripassu, suprime de um modo ou de outro a sua liberdade que, em tese, deveria exercer na comodidade de seu lar.

ABSTRACT

Analyze the Law Neighborhood with its emphasis Nature Law. It makes a brief overview on the property essential to the understanding of the law Neighborhood. Highlights the limitations of the property.

Keywords: Right Neighborhood. Nature Law. Property.

REFERÊNCIAS

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Bacharel em Fisioterapia pela Faculdade Santa Terezinha (CEST) e graduanda do 5º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). E-mail: [email protected]

Sebastião Roque, Direito das Coisas, p. 85.

Sebastião Roque, ao tratar da mesma matéria, p. 86.

Limongi França, p. 464.

Carlos Roberto Gonçalves, p. 323.

Carlos Roberto Gonçalves, p. 324.

Conforme Maria Helena Diniz, p. 264.

Silvio Rodrigues, Direito Civil, Direito das Coisas. v. 5, n. 64, p.114.

idem ibidem, n. 66, p. 115

Orlando Gomes, p. 188.

Orlando Gomes, p. 189.

Segundo uma classificação utilizada por Carlos Roberto Gonçalves ao versar sobre a matéria.

Carlos Roberto Gonçalves, p. 326.

Carlos Roberto Gonçalves, p.328.

12 Carlos Roberto Gonçalves, p.332.

13 Art. 1232, CC

.14 Silvio Rodrigues, p.137.

15 Carlos Roberto Gonçalves, p. 333.

16 Washington de Barros Monteiro, p. 140.

17 Art. 1285, CC

18 Carlos Roberto Gonçalves, p. 334-335.

19 Maria Helena Diniz, p. 269.

20 Maria Helena Diniz, p. 277.

21 Art. 1290, CC.

22 Carlos Roberto Gonçalves, p. 338.