DIREITO DE PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE: A CONSTRUÇÃO DO DIREITO À MORADIA[1] 

Allynny Hetienne Feitoza da Silva

Rejanne Silva Pinheiro[2]

RESUMO

Entre os princípios que norteia o direito ambiental, temos o que trata da função social-ambiental da propriedade, do qual pode ser encontrado no artigo 5º da CF/88, nos incisos XIII e XXII. O presente trabalho tem como escopo fazer um linha tênue sobre a evolução do direito à propriedade, demonstrando a efetivação do Direito à Moradia e a um Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, como direitos fundamentais, fazendo uma analise do momento em que estes se colidem, devido o déficit habitacional que se vivencia, a responsabilidade por parte dos Estados, e por fim as soluções, presenciadas no Plano Diretor e o Estatuto da Cidade, bem como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV).

 

PALAVRAS CHAVE

Função social-ambiental da propriedade. Direito à Moradia. Direito a um Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Plano Diretor e o Estatuto da Cidade. Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

INTRODUÇÃO

 

Com a eclosão da Revolução Industrial no século XVIII, o cenário urbano revolucionou, pessoas deixaram seus pequenos vilarejos para tentarem uma vida mais digna nas grandes metrópoles, mas quando estes chegavam suas vidas realmente mudavam, mas não do jeito que preconizavam.

Atualmente a realidade não se distancia do cenário do século XVIII, pois indivíduos saem da sua vida simples e pacata da zona rural, para vivenciarem seus horrores nas zonas urbanas.

O Brasil possui uma população equivalente a 193.946.886[3] (estimativa 2012), mesmo com uma área territorial tão encontra-se em déficit com o principio de direito de propriedade e função social-ambiental. A resposta se encontra nos problemas sociais.

Um desses problemas sociais advêm do direito de propriedade privada, que em breve conceito dá poderes de propriedade da coisa ao titular. O problema não é ter a propriedade, mas a ganância que gera ao seu titular, que sempre almeja ter mais.

Entretanto, o art. 5º, incisos XIII e XXII tem tornado a visão da propriedade privada, mais humanizada àqueles que necessitam de um lugar para morar, pois limitou-a pensando na coletividade.

O presente trabalho inicia-se em um cunho de Direito Civil, ou seja, demonstrando a evolução do Direito de Propriedade, a partir, do segundo tópico irá ser abordado a efetivação do Direito à Moradia e Direito a um Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado com direitos fundamentais, e o momento em que estes podem colidir, devido às moradias irregulares, apontando a responsabilidade por parte do Estado.

Por fim, será demonstrado possui aspectos essenciais para a harmonização e efetivação dos dois direitos fundamentais aqui questionados, entre estas soluções o Plano Diretor e o Estatuto da Cidade e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA).

2.         Evolução Histórica do Direito de Propriedade

 

Ao longo da historia, à questão sobre direito de propriedade sofreu densas transformações, começando pelo Direito Romano até chegar ao Direito Contemporâneo, marcado por uma justiça mais social presenciado pela nossa Constituição Federal de 1988.

Os direitos do homem são direitos históricos que nascem e se modificam de acordo com as condições históricas e com o contexto social, político e jurídico em que se inserem (BOBBIO, 1992).

A raiz evolutiva de propriedade veio do direito romano, do qual era avaliada como um direito absoluto[4]. A propriedade em Roma não era um direito ilimitado, pois sofria restrições tanto da esfera publica como da privada. Ao decorrer do tempo, com modificações advindas da politica, sociedade e cultura, os romanos foram transformando a propriedade, o que logo fez adentrar o direito, conforme explica Cretella Júnior,

“(...) sofreu inúmeras transformações no longo do período em que vigorou o Direito romano, a partir da antiga concepção, poder ilimitado e soberano, profundamente individualista, até a concepção justinianéia, arejada por um novo e altruísta sentido social” (CRETELLA JÚNIOR, 2001).

Passando do Direito Romano, a propriedade também teve ênfase na Idade Média, neste momento da história a propriedade passa a ser totalmente privatista, ou seja, de um lado o senhor do feudo, e de outro, os servos[5]. Isso ocorria devido ao reflexo da politica da época. “O direito de propriedade imobiliário evoluiu para uma complexa pirâmide de ‘direitos’, superpondo-se os poderes do ‘senhor feudal’ aos direitos dos ‘servos’. Concebiam-se variadas formas de propriedade: a comunal, a alodial, a beneficiária, a censual e a servil” (GUEDES, 2003).

Mas foi com a Revolução Francesa (1789), que inaugurou o mundo contemporâneo que quebrou o paradigma de propriedade. O senhor feudal sumiu, dando azo à propriedade do Direito Romano, ou seja, novamente surge a concepção individualista da propriedade. “Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo, que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado” (BOBBIO, 1992).

Na Era Contemporânea, à medida que a sociedade veio a evoluir, a propriedade sofreu algumas mudanças, em relação à concepção individualista, esta ainda possui tais traços do Direito Romano (com alterações), e também trouxe a não intervenção estatal, uma das mudanças. Logo, pode-se compreender que propriedade contém uma ampla liberdade, resguardada pelos direitos legais ao titular desta.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, traz em sua essência o direito à propriedade. Atualmente, em nosso ordenamento jurídico a propriedade é ponderada a uma função social. O artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal∕88 ressalva sobre a função social.

Artigo 5º: (verbis)

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição (BRASIL, 1988) (Grifos nossos).

Por fim, pode-se concluir que a propriedade tem uma dupla função, uma inerente ao direito fundamental referente a uma concepção individualista, e a outra, a um direito fundamental relacionada à função social. Em verdade, na atual situação do Brasil, o que predominando é a concepção individualista.

3.         Direito à Moradia e Direito a um Ambiente Ecologicamente Equilibrado

O direito à moradia foi inserido no contexto mundial como um direito fundamental decorrente da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil por meio do Decreto 591∕92, traz o direito à moradia que brota do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu artigo 11, §1º:

Artigo 11, §1º:  Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. (BRASIL, 1992). (Grifos nossos).

O direito à moradia surge como um proveniente da dignidade da pessoa humana ter uma boa residência, de se relacionar (no caso, com os vizinhos), de ter e dar segurança à sua família, direito à privacidade, à saúde física e mental, sendo garantido pelo Estado. Corroborando com o assunto Silviana L. Henkes aduz:

O direito à moradia é classificado como um direito social [...] devem ser efetivados, assegurados pelo Estado, ou seja, não se trata da não intervenção estatal, mas do agir do Estado para proporcionar melhores condições de vida ao cidadão, visando sobretudo a igualdade material. (HENKES, 2006) (Grifos nossos)

Em relação ao direito ecologicamente equilibrado, advém das imensas transformações que o Planeta Terra vive sofrendo. Foi com a Conferência de Estocolmo[6] (1972) que nasceu a preocupação com a sustentabilidade do Planeta, surgindo mais conferências em relação ao assunto, e logo, assuntos legais, como tratados e constituições sobre o meio ambiente.

Na América do Sul, pode-se perceber essa cooperação ao meio ambiente através da Declaração Rio∕92, Protocolo de Ouro Preto (1994), entre outros, e atualmente podemos citar a Rio+20 (2012), que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro.

“A cooperação no Direito Internacional tem sido apontada como sendo o início da solução de muitos problemas que assolam o planeta Terra. Percorrendo-se a Declaração Rio∕92 constatam-se várias formas indicadas para a cooperação ambiental. Na América do Sul [...] No MERCOSUL, o Protocolo de Ouro Preto de 1994, que veio aperfeiçoar o Tratado de Assunção de 1991, afirma em seu art. 25, que o progresso da integração leva à harmonização das legislações dos países integrantes”. (MACHADO, 2007).

O direito à moradia, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também faz parte do rol de garantias fundamentais, conforme Constituição Federal de 1988, no seu artigo 225:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988) (Grifos nossos)

Tanto o direito à moradia como o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado são conexas, a partir do momento em que ambas pertencem ao mesmo rol de direitos fundamentais e preveem uma vida digna à qualquer individuo.

Em tese, ambas deveriam funcionar juntas, porém, com as diversas variedades que a sociedade vive, a realidade é outra, logo tornando um problema.

3.1       Da Colisão do Direito à Moradia e do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, com ressalvas ao Princípio da Função Socio-Ambiental da Propriedade

 

No espaço urbano, onde é maior, a densidade da população, classifica-se o meio ambiente como artificial, pois esta é estruturada por edifícios e equipamentos públicos. “Todo o espaço construído, bem como todos os espaços habitáveis pelo homem compõem o meio ambiente artificial” (FIORILLO, 2001).

Em cidades brasileiras de grande densidade populacional, e também medianas, suas edificações, espaços são inúmeras, entretanto, é visível que nesse meio ambiente artificial o déficit habitacional é presente, tendo como solução por aqueles que possuem uma renda economicamente menos favorecida, ‘infringir’ áreas de proteção ambiental. Em relação sobre áreas de proteção ambiental, Guilherme J. P. de Figueiredo ensina, que “’áreas de preservação permanente’, como definidas no Código Florestal, ou se ‘áreas de proteção ambiental’, unidades de conservação da natureza hoje reguladas pela Lei nº 9.985/00”. (FIGUEIREDO, 2003).

A função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens (SILVA, 1997).

Ou seja, entende-se que a função social da propriedade possui como elemento chave a predeterminação dos modos de aquisição, pode-se entender que a habitação em áreas de proteção ambiental, por àqueles que não têm onde morar poderia ser legal.

“No mundo atual a definição antes referida não seria mais válida na medida em que os estabelecimentos ‘irregulares’ vem crescendo com muita maior velocidade que os chamados estabelecimentos ‘regulares’, abrigando, no inicio do século XXI, em muitos países, a maioria da população”. (FIORILLO, 2009).

Alex Fernandes Santiago, ainda corrobora ao ressaltar as dificuldades da implementação do direito à moradia sobre essas áreas de proteção ambiental.

“O direito à moradia, bem como outros direitos fundamentais em países subdesenvolvidos, enfrenta problemas de eficácia. [...] Nos direitos sociais a situação é especificamente delicada, quando se considera que neste âmbito, “a efetividade não se apresenta como condição ulterior do direito, mas antes como condição de existência do próprio direito. Não basta, pois, o reconhecimento formal dos direitos fundamentais; imprescindível existir meios para concretizá-los”. (SANTIAGO, 2011)

Porém, meio ambiente ecologicamente equilibrado também é um direito fundamental, logo havendo um choque de direitos.

“Sendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental de terceira dimensão, impõem-se que atos e normas visando a flexibilização da legislação e da legalização de situações ilegais que coloquem ou possuam colocar em perigo o equilíbrio ambiental sejam declarados inconstitucionais”. (HENKES, 2006).

O choque principal é, porque a o direito ambiental alem de resguardar direitos dos presentes, também protege os direitos das futuras gerações, ou seja, como poderá haver amparo às áreas de proteção, se estas estão sendo ocupadas de forma desorganizada?

Sendo as áreas de proteção ambiental reguladas por legislação e abarcadas pelo rol do direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225º da CF/88), a responsabilidade é abarcada, não somente ao Estado como também para a sociedade. Ou seja, a partir, do momento em que áreas de proteção ambiental (como, mananciais) são invadidas com a finalidade habitacional, estas são suscetíveis a indenização – ressalva-se que não há legislação de cunho nacional que responsabilize o Estado, mas há em alguns Estados legislação municipal que prevê esse tipo de sanção.

À questão, é que os déficits habitacionais são causados devido à imensa desigualdade social que se alastra, o principio da função social não está sendo utilizado como enseja sua essência. Fazendo que indivíduos de renda econômica precária procurem moradias para suas famílias em áreas protegidas, não havendo nenhuma justificativa de má-fé por parte destes, somente a necessidade eclodindo.

Nelson Saule Jr e Evangelina Pinho, apontam como o direito à moradia poderia caminhar ao lado do direito ao meio ambiente, sem nenhuma colisão:

“O equilíbrio entre direito ao meio ambiente e o direito à moradia deve ser alçando com a aplicação do principio da função social da propriedade [...] verificada a relação lógica entre o uso da propriedade e os interesses da coletividade e o interesse social, quer dizer se a forma de utilização de uma propriedade urbana é compatível com as atividades que atendem os interesses da coletividades”. (SAULE JUNIOR, e PINHO, apud FIGUEIREDO, 2011).

É visível que esses indivíduos não podem ser indenizados, primeiramente pelo fator econômico, e segundo, pois por impotência do Estado, estes foram fazer jus à finalidade da função social de propriedade por suas próprias mãos.

Analisando desse ponto de vista, pode-se entender que o maior responsável por esse choque entre direito à moradia e direito ambiental é do próprio Estado (sendo que o Brasil aderiu o Tratado, reconheceu na Constituição de 88), por não dar jus aos preâmbulos da constituição federal, desrespeitando o principio da função social-ambiental da propriedade, pois não investe em políticas publicas desse caráter.

Por fim, é explícito que direitos fundamentais estão sendo feridos, e o principio da função social-ambiental da propriedade não efetivado, isso devido a um descaso por parte do Estado, e diga-se de passagem da coletividade, a partir do momento que não cobra daquele a efetivação dos direitos de todos. Procurando soluções em políticas publicas.

4.         O Plano Diretor e o Estatuto da Cidade

 

Um novo instrumento para legislar sobre a gestão urbana está presente no Brasil: o Estatuto da Cidade. O referido diploma legal promulgado em 2001 na Lei nº. 10.257, instaurou um cenário de novas perspectivas para o planejamento urbano e trouxe consigo a revisão das práticas de gestão das cidades. Cidade e propriedade adquirem novo significado e alcance no contexto da ordem jurídico urbanística brasileira frente à exigibilidade constitucional de que ambas têm de atender a funções sociais quanto ao acesso, utilização e distribuição de suas riquezas e possibilidades.

O Estatuto da Cidade tem como base os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988 e comporta normas de interesse social, regulamentadoras da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. A teor do seu artigo 2°, o objetivo central da Política Urbana é o de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”. O referido dispositivo legal, no que concerne ao tema proposto, enumera como primeiro objetivo o direito a uma cidade sustentável, que nos ensinamentos de Oliveira (2002):

[...] é aquela apropriada a fornecer a seus habitantes as condições mínimas de bemestar, segurança, vida saudável, etc. Onde o direito à moradia ocupa posição de destaque, na qualidade de coluna cervical da política urbana, merecendo cuidados e dedicação especiais e especializados, uma vez que a moradia não pode ser inapropriada,ou seja, sem esgoto, água, luz, etc. Pelo contrário, deve reunir toda a condição de infraestrutura urbana: do saneamento básico ao transporte público de qualidade, com acesso à cultura, lazer, trabalho, e demais serviços públicos, como educação, saúde, etc. Isso para preservar as presentes e futuras gerações (inciso I do art. 2º).

A extensão do direito de uso e disposição da propriedade é limitada em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e condicionado ao cumprimento de uma função social. O Estatuto apresenta os instrumentos para a gestão democrática da ocupação do solo urbano, que devem ser regulamentados através do Plano Diretor de modo a fazer cumprir a “função social da propriedade”. O Plano Diretor é instrumento básico da política urbana do município cuja finalidade é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e assim garantir o bem-estar da comunidade local devendo vincular as funções da propriedade às diretrizes e objetivos da política urbana estabelecida democraticamente no município.

O poder público municipal, por meio do plano diretor, pode exigir o cumprimento do dever do proprietário em benefício da coletividade, o que implica numa destinação concreta do seu imóvel para atender a uma função social, que poderá ser para uma finalidade econômica, habitacional, de preservação ambiental, corrigir distorções do crescimento urbano, etc. De acordo com Nelson Saule Júnior,

“A obrigatoriedade do Município em promover uma política urbana de desenvolvimento deve estar fundamentada em princípios de um desenvolvimento de forma sustentável. E assim, poderá adotar medidas concretas contra os usos indevidos da propriedade como as geradoras de poluição ambiental e deterioração do meio ambiente, principalmente em áreas de preservação e áreas com produção industrial poluente” (SAULE JUNIOR, 1999).

Pode-se perceber que o Estatuto da Cidade e Plano Diretor inovam no que tange à administração pública e à sua instrumentalização jurídica, revelando o cuidado com o meio ambiente local, porquanto definem diretrizes para questões de cunho ambiental. Mas não é o suficiente para estabelecer as obrigações e definir o comportamento adequado dos particulares. Cabendo à sociedade civil o exercício do seu papel nessa conjuntura de discussão, elaboração, aprovação e fiscalização, a fim de que não se tornem mais um dos instrumentos da política urbana presentes no ordenamento jurídico, de tratar da ordenação das cidades, mas sem efetividade real para tanto.

4.1       Estudo Prévio de Impacto Ambiental

 

O Estatuto da Cidade disciplina em seu artigo 4º os instrumentos de política urbana e no inciso IV refere-se a dois estudos destinados a assegurar a preservação do meio ambiente urbano: o estudo prévio de impacto ambiental e o estudo prévio de impacto de vizinhança.

O Estudo de Impacto Ambiental, instituído pela Lei nº 6.938/1981e inserido no inc. IV, § 1º, art. 225 da CF/88 buscou criar um sistema coerente e estruturado de medidas a serem adotadas para o alcance dos objetivos fixados no seu texto normativo. O diploma legal inseriu a conciliação entre o desenvolvimento econômico-social e a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos naturais, com o intuito de utilização racional e disponibilidade permanente, conforme disposto no art. 4, incs. I e VI da referida Lei. A realização dos objetivos fixados pela Política Nacional do Meio Ambiente é auxiliada pelo EIA que tem como base o principio da prevenção sem qualquer limitação ou condicionante, já que é exigível tanto nos projetos públicos quanto particulares, industriais ou não industriais, urbanos ou rurais. O EIA é definido por Machado:

“O Estudo de Impacto Ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9o, inc. III, da Lei Federal no 6.938, de 31.8.1981). [...] As verificações e análises do Estudo de Impacto Ambiental terminam por um juízo de valor, ou seja, uma avaliação favorável ou desfavorável ao projeto. Não se admite um Estudo de Impacto Ambiental que se abstenha de emitir a avaliação do projeto”. (MACHADO, 2007).

Esse estudo é um instrumento de planejamento e controle ambiental a ser elaborado antes da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental devendo ser um documento substancialmente técnico de coleta de dados com devida avaliação dos impactos pautada em um juízo de compatibilidade entre o projeto e o dever constitucional de defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

4.2       Estudo Prévio do Impacto de Vizinhança

 

A política urbana visa ordenar o desenvolvimento das cidades de forma a proporcionar o desenvolvimento sustentável e a efetivação da função social da propriedade urbana. Para tanto, criou o Estudo Prévio de Impacto de vizinhança (CECCONELLO, 2009)[7].

O estudo prévio do impacto de vizinhança é um das mais importantes inovações legislativas do estatuto, constituindo-se em instrumentos de política urbana que contempla os efeitos positivos e negativos dos empreendedorismos ou atividades quanto à qualidade de vida da população residentes na área e nas proximidades, cuja aplicabilidade está condicionada à aprovação de Lei municipal. O objetivo do EIV é democratizar o sistema de tomada de decisões sobre grandes empreendimentos a serem realizados na cidade.

Sobre o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança, Suely Araújo, contribui quais fatores a serem analisados.

“No EIV, devem ser analisadas questões como adensamento populacional, ao sobrecarga sobre a infra-estrutura urbana, a geração de tráfego e a demanda por transporte público, e os possíveis danos à paisagem urbana. É claro que essas questões também podem ser entendidas como ambientais, uma vez que se referem ao meio ambiente construído, mas elas apresentam antes de tudo uma preocupação urbanística”. (ARAUJO, 2003).

O estudo de impacto de vizinhança levará em consideração, ao analisar os impactos do novo empreendimento: o aumento da população na vizinhança; a capacidade e existência dos equipamentos urbanos e comunitários; o uso e a ocupação do solo no entorno do empreendimento previsto; o tráfego que vai ser gerado e a demanda por transporte público; as condições de ventilação e de iluminação; bem como as conseqüências, para a paisagem, da inserção deste novo empreendimento no tecido urbano e, também suas implicações no patrimônio cultural e natural. Milaré (2007) explica que mesmo tendo sido exigido o EIV, este não se revelando suficiente para análise dos possíveis impactos, poderá ser exigido o EIA, que é mais abrangente.

“A importância do EIV está no conhecimento antecipado dos impactos que serão causados pelo empreendimento ou pela atividade no local indicado, podendo-se evitar tais efeitos ou mitigá-los. A percepção cuidadosa e o detalhamento dos efeitos trazem benefícios futuros para a tutela do meio ambiente na cidade, pois refletem uma cognição mais profunda do projeto e de seus impactos, além de trazerem maior publicidade a tais efeitos”. (TOBA, 2004).

Desta forma os instrumentos de estudos prévios – de impacto ambiental e de vizinhança– se bem aplicados pelas municipalidades, poderão afiançar para a população urbana, a garantia de que o equilíbrio ambiental será resguardado.

CONCLUSÃO

No presente trabalho, foi demonstrado a evolução por parte do direito de propriedade, e que a partir deste momento, em relação às constantes transformações que a sociedade presenciava, veio a aclamação por direitos sociais.

De um lado surgiu o direito à moradia, que visava um ambiente digno de se viver, e de outro lado a preocupação pelo meio ambiente (Conferência de Estocolmo 1972) fez surgir o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Todavia, aos problemas advindos das desigualdades sociais corroboram para a colisão dos direitos fundamentais analisados. Pois a partir do momento, em que os indivíduos de baixa renda econômica não possuí um imóvel, que possa servir de moradia, sua solução foi procurar no meio ambiente, muitos desses ambientes considerados inadequados, e outros de áreas de proteção ambiental.

Por sua vez, quando ocorre a ocupação em áreas de proteção ambiental, confrontam o dispositivo do artigo 225, da Constituição Federal, o problema maior, ou seja, um direito se sobressaindo ao outro, em vez de funcionarem juntos.

Pode-se relatar, que o maior responsável pelos problemas de desigualdades sociais, a ocupação indevida em áreas protegidas ambientalmente, é do Estado, por não favorecer uma politica publica adequada, pois pela analise do presente trabalho o direito à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado podem funcionar juntas, tanto que, o principio da função social-ambiental da propriedade é prova dessa fusão, e também por não possuir um legislação em âmbito nacional que o indenize pelo ato.

Por fim, se a civilização se conscientizar, em se informar sobre o assunto (dentre outros), insistir, obrigar o Estado a cumprir seu dever, de procurar soluções de cunho social, econômico e politico, como se demonstrou nas soluções à partir do momento em que uma cidade possui o Plano Diretor, analisado o EIA e o EIV, como dito anteriormente, o principio da função social-ambiental da propriedade terá sua efetivação, e não será desrespeitado nem o direito à moradia, e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 1992.

CECCONELLO, Vanessa Marini. O estudo de impacto ambiental. Porto Alegre: Direito & Justiça, v. 35, n. 2, jul./dez. 2009.

CRETELLA JÚNIOR, José. Direito romano moderno: introdução ao direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Ocupação humana em áreas de mananciais e saneamento ambiental. In. BENJAMIN, Antônio Herman. (Org.). Congresso Internacional de Direito Ambiental. v. 2. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9ª ed., rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

―――――, Natureza jurídica da favela no direito ambiental brasileiro e sua tutela vinculada ao meio ambiente artificial. In. AHMED, Flávio. e COUTINHO, Ronaldo. (coords.). Cidades Sustentáveis no Brasil e sua Tutela Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

GUEDES, Jefferson Carús. Função social das propriedades: da funcionalidade primitiva ao conceito atual de função social. IN:       Aspectos controvertidos do novo código civil: escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo, SP. Editora: RT, 343-360, 2003.

HENKES, Silviana L. Colisão de direitos fundamentais: meio ambiente ecologicamente equilibrado e acesso á moradia em áreas protegidas. In. BENJAMIN, Antônio Herman. (Org.). Congresso Internacional de Direito Ambiental. v. 2. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15ª ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. Doutrina, jurisprudência e glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São
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SANTIAGO, Alex Fernandes. O direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – ocupação de áreas protegidas conflito entre direitos fundamentais. In. MIIARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Orgs.). Direito ambiental: fundamentos do direito ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SAULE JÚNIOR, Nelson. O direito à moradia como responsabilidade do estado brasileiro. In. SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à cidade – Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. Editora: Max Limonad, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 14ª ed., São Paulo: Malheiros. 1997.

TOBA, Marcos Maurício. Dos Instrumentos da Política Urbana. p. 235. In: MEDAUAR, Odete (coord.); ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (coord.). Estatuto da Cidade: Lei nº 10.257, de 10.07.2001. Comentários. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

PERÍODICOS

ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. O Estatuto da Cidade e a Questão Ambiental. Brasília/DF: Câmara dos Deputados – Consultoria Legislativa, 2003. Disponível em www.camara.gov.br/internet/diretoria/conleg/Estudos/304366.pdf. Acessado em: 16 de Nov. de 2012.



[1] Paper elaborado à disciplina de Direito Ambiental, ministrada pela profª. Thaís Viegas vem com o presente trabalho obter a II nota do semestre.

[2] Alunas do 10º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] IBGE divulga as estimativas populacionais dos municípios em 2012. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2204&id_pagina=1. Acessado em : 19 de out. 2012.

[4] São aqueles direitos que exercem uma superioridade aos demais direitos. Exemplo: a Carta da ONU, possui um dispositivo (art. 103), que relata sua supremacia às demais normas do Direito Internacional Pública.

[5] No período da Idade Média, ficou conhecido como o do feudalismo, as relações de vassalagem e suserania. O suserano era quem dava um lote de terra ao vassalo, sendo que este último deveria prestar fidelidade e ajuda ao seu suserano. O vassalo oferece ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho, em troca de proteção e um lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem se estendiam por várias regiões, sendo o rei o suserano mais poderoso. Todos os poderes, jurídico, econômico e político concentravam-se nas mãos dos senhores feudais, donos de lotes de terras (feudos). Disponível em: http://www.suapesquisa.com/feudalismo/. Acessado em: 16 de Nov. de 2012.

[6] A Conferência de Estocolmo, realizada entre os dias 5 a 16 de junho de 1972 foi a primeira atitude mundial em tentar organizar as relações de Homem e Meio Ambiente. Na capital da Suécia, Estocolmo, a sociedade científica já detectava graves problemas futuros por razão da poluição atmosférica provocada pelas indústrias. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Estocolmo. Acessado em: 16 de  Nov. 2012.

[7] A mesma salienta a necessidade da proteção ambiental no crescimento e organização das cidades.