RESUMO: O presente trabalho teve por finalidade analisar a questão do direito à cidade a partir do conceito de direito à moradia e sua garantia de forma efetiva. Para tanto tenta entender uma análise de caso sobre a questão da cidade de Belém-PA, em que há um conflito de entendimento a respeito da propriedade dos terrenos localizados na margem de seus rios, o que se torna um entrave para a solução dos conflitos fundiários de moradia.

Palavras-chave: Direito de Moradia; Belém; Sesmarias; Direito à Cidade; Terreno de Marinha.

ABSTRACT: This study aimed to examine the issue of the right to the city from the concept of right to housing and its effectively guarantee. For that tries to understand a case study on the question of the city of Belém-PA, where there is a conflict of understanding about the ownership of land located on the edge of its rivers, which becomes an obstacle to solving land conflicts housing.

Keywords: Housing law; Belém; Sesmarias; Right to the City; Marine ground.

1. INTRODUÇÃO.            

                O Direito à Cidade é um assunto que começa a ser debatido ao longo do crescimento histórico e exponencial das cidades. Ocorre que grande parte da população acabou migrando ao longo dos anos para os centros urbanos em busca no capital, como forma de esperança por qualidade de vida, oportunidade de trabalho, moradia e garantia de direitos. Dessa forma as cidades inflaram e dentro delas iniciaram-se uma série de embates com relação aos mais diversos assuntos, de segurança pública ao direito à moradia.

                Nesse sentido, conceitua-se o Direito à Cidade como um conjunto de direitos e garantias existentes no contexto urbano, mas dentre todos este trabalho busca destacar o direito à moradia. Este que é um dos direitos mais complexos dentro das questões da cidade, pois trata não apenas de um item importante para se alcançar a dignidade da pessoa humana dentro de seu espaço urbano, mas de um conjunto de outros elementos que, se ausente, podem chegar a desconfigurar a efetividade desse direito.

                No caso de Belém, capital do estado do Pará, norte do Brasil, o principal problema existente para a efetivação desse direito é o conflito jurídico fundiário com relação à propriedade dos terrenos ocupados.

                Ocorre historicamente houve uma divisão de terras em sesmarias, como uma forma de proteção do território nacional nos tempos de colonização. Nessa divisão, a Câmara Municipal de Belém recebeu sua área demarcada e confirmada em 1708. Entretanto, posteriormente a Coroa Portuguesa, ainda com o objetivo de resguardar o território, implantou os terrenos de marinha, estes que estabelecem as margens localizadas a 33 metros da linha preamar média como propriedade nacional.

                Desta forma, então surge a indagação se os terrenos localizados as margens dos rios na cidade de Belém pertencem à União ou ao Municipio, relativizando assim a forma de concessão de moradia a depender do posicionamento dado para esta questão.

2. DIREITO À CIDADE.

                Admite-se e reconhece-se que a população em sua maioria habita os centros urbanos e a tendência é que os números hoje existentes com relação a essa população só aumente.

                Para ser mais exata, de acordo com a Carta Mundial do Direito à Cidade, assinada no Forum Social Mundial de 2001, até 2050, 61% da população mundial habitará as cidades. Isso ocorre pela forma como se organiza a economia e a estrutura urbana. Os centros das cidades, em regra, é onde se localiza o grande capital financeiro do Estado e, portanto, as maiores oportunidades de emprego. Entretanto, a legislações não são devidamente implantadas, provocando segregação e desigualdade.

                Tendo isso em vista, Lefebvre levanta a temática do direito à cidade ao falar primeiramente das necessidades da vida humana, em que dentre estas estão a de segurança, moradia, trabalho, saúde e lazer. Nesse sentido, observa-se que para que sejam supridas as necessidades dentro de uma perspectiva  urbana ideal, seria preciso uma análise detalhada do que Lefebvre chama de ciência das cidades, que leva em conta suas deficiências e os anseios da sociedade urbana.

                O estudo das cidades observa os direitos nela existentes e "esses "direitos"concretos vêm complementar os direitos abstratos do homem e do cidadão" (Lefebvre, 2001) pertencentes às cidades, não mais como mero direitos individuais, mas como direitos coletivos e democráticos.

                No âmbito internacional encontra-se como principal documento acerca do direito à cidade a Carta Mundial do Direito à Cidade. Nela encontram-se alguns princípios fundamentais que resguardam o ideal de uma cidade justa, democrática e sustentável. Seriam eles: gestão democrática da cidade; função social da propriedade; igualdade; proteção especial de pessoas em situação de vulnerabilidade; compromisso social do setor privado e economia solidária.

                Partindo desses princípios a Carta Mundial do Direito à Cidade traz em seu corpo o direito à moradia, como um dos direitos básicos necessários para se alcançar a efetividade do Direito à Cidade.

                O direito à moradia inclui uma série de responsabilidades por parte da cidade. Esta deve ser inclusiva e dar acesso igualitário para todos os seus habitantes, ou seja, condições de moradia de qualidade. Essas moradias de qualidade, por sua vez, não se limitam a moradia física, mas também ao contexto em que ela se encontra. Uma moradia sem acessibilidade aos demais direitos e instrumentos da cidade (segurança, trabalho, transporte, lazer, saúde, educação), não é uma moradia que respeite a dignidade da pessoa humana.

                No mesmo sentido garantista dos direitos à cidade, encontra-se nossa Carta Magna de 1988 que em seus artigos 182 e 183 discorre sobre algumas diretrizes fundamentais urbanas. Mais tarde desenvolvidas mais detalhadamente pelo Estatuto da Cidade. Este documento traz logo em seu primeiro artigo a proposta de "estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em pros do bem comum".

3. SESMARIAS E TERRENOS DE MARINHA NA CIDADE DE BELÉM-PA.

                Primeiramente é importante salientar sobre as questões dos conflitos fundiários existentes no território Brasileiro. Muito dessa discussão surge por envolver a questão da propriedade, tão valorizada e ressaltada na Constituição Federal de 1988 como direito fundamental, bem como a condiciona a uma função social. Seria dizer, portanto que toda propriedade possui um encargo de interesse público e bem comunitário.

                Observado isso, passa-se a observar contextos mais particulares, especificamente o caso de Belém no estado do Pará, região norte do país. Local onde o principal problema com relação a regularização fundiária e, portanto, a total e completa efetividade do direito à moradia, encontra-se na indefinição da propriedade do terreno a ser regularizado.

                A questão toda começa com a demarcação do terreno de Santa Maria de Belém do Grão Pará por Francisco Caldeira Castelo Branco em 1616, hoje conhecida apenas como Belém. Sua demarcação foi estratégica para a Coroa Portuguesa por conta de sua localização privilegiada rodeada por rios e ilhas. A concessão dessa Sesmaria ocorreu em meados de 1623 e sua demarcação consistia na extensão que vai do Forte do Presépio até o bairro do Marco, pegando todos os bairros centrais. Essa demarcação se deu por meio de uma Carta de Doação, em que a Coroa abriria mão do terreno de marinha em nome da sesmaria contanto tal afirmativa no Decreto de junho de 1621.

                Já com relação à questão do terreno de marinha, o que acabaria por acarretar a propriedade do território para a União, deve-se considerar a importância estratégica e a necessidade de manipulação da Coroa sobre o terreno da capital paraense.

                Por ter essa característica peculiar, era tratada de forma diferenciada pela Coroa, que mantinha a Sesmaria em subordinação direta. A partir disso, fica claro entender que o crescimento da cidade de Belém ocorreu a partir do seu principal ponto histórico que é justamente o Forte do Presépio (atual Forte do Castelo) - construído para conter ataques e invasões.

                Neste sentido, passa-se a observar a grande questão debatida, pois parte do terreno de marinha demarcado como forma de defesa nacional, também pertence a Sesmaria Santa Maria de Belém do Grão Pará. E justamente pelo crescimento da cidade ter se dado a partir da região onde se localiza o Forte, que boa parte da área urbanizada e habitada de Belém encontra-se sob esse embate patrimonial, mais especificamente, conforme Borges (2001), 45,87% de sua área total.

                Por fim, observa-se então que esse embate histórico vem a refletir nos problemas atuais. Isso ocorre uma vez que é necessário estabelecer a competência para regularizar a área. Pois de um lado a Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém - CODEM, diz que a Carta de Doação foi bem clara em conceder a área de terreno de marinha ao município, retirando a competência da União. Já por outro lado, a Secretaria do Patrimônio Público da União, defende que em momento algum os terrenos de marinha foram incluídos na carta de sesmaria, por falta de requisitos necessários e aponta, ainda, que a Constituição Federal reitera a competência da União sob esses terrenos.

                Quais os principais efeitos de ser eleito um ou outro como competente sobre a regularização dessa área? Se reconhece-se o Município como competente, há a possibilidade de acesso ao título de propriedade, se reconhece a União, será apenas Concessão Especial para fins de Moradia (COEM). Outro impacto é com relação à tributação, o primeiro geraria a cobrança de IPTU, o segundo a cobrança de taxa de ocupação prevista no Decreto-Lei 9.760/46. O que por sua vez provoca mais um efeito que é onde o dinheiro arrecadado será aplicado, já que no caso da taxa federal, não há nada que obrigue uma contraprestação na mesma área e para fins de beneficiar o terreno com o tributo recolhido.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

                Diante deste contexto fica claro que para solucionar esse conflito de interesses patrimoniais, além de observar as questões inteiramente legais, também é importante observar a aplicação dos princípios.

                Para se reconhecer a propriedade e atribuir a competência, deve-se observar a função social da propriedade, ou seja, sob qual competência a população e a cidade como um todo será mais beneficiada.

                Outro ponto relevante é a efetividade do direito à cidade e o acesso ao direito à moradia, uma vez que a garantia da propriedade seria executada por competência municipal. Da mesma forma que os recursos arrecadados com impostos gera contraprestação por parte do ente federado.

                Lembrando, mais uma vez, que o direito a moradia inclui o acesso aos demais direitos e instrumentos da cidade, dos quais compete ao Município, por meio de seu Plano Diretor, Instrumento este instituído pelo Estatuto da Cidade, com a finalidade de inserir diretrizes e meios para o alcance do direito à cidade no contexto brasileiro.

                Ademais, concluo que a competência para a regularização fundiária nas áreas às margens dos rios beleneses (Rio Guamá e Baía do Guajará) deve ser do Município, para assim atender aos interesses locais, melhor ordenar seu território e executar mais fielmente a o direito à moradia. Sendo, desta forma, possível um debate mais concreto e palpável de como solucionar conflitos fundiários nos casos das habitações irregulares (ex.: favelas que se constroem em palafitas).

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BORGES, Paulo Torminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1998

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

CABRAL, Rafaella de Fátima Lopes Cabral; DIAS, Maurício Leal. A evolução histórica das Sesmarias e Terrenos de Marinha e seus Reflexos Fundiários na Cidade de Belém. Belém - UFPa, 2013.

Carta Mundial do Direito à Cidade. Disponível em: <http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf>. Acesso em 08 dez. 2014.

LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.

TEACCANI, Girolamo Domenico. Violência e Grilagem: instrumentos de aquisição de terras no Pará. Belém: UFPa, ITERPA, 2001.