DEPRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO ENQUANTO DOENÇA OCUPACIONAL E RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR: A SÍNDROME DE BURNOUT. COMO REFLEXO DAS MÁS CONDIÇÕES DE TRABALHO.

 

Fábio Ferro Fontes

Rubens Bonacorso Casal Del Rey[1]

 

Sumário: Introdução; 1. A Síndrome de Burnout ; 1.1 Ramos mais afetados 2. A Saúde mental do trabalhador. 3. Responsabilidade do empregador na síndrome de Burnout. Considerações finais; Referências

 

 

RESUMO

 

Este trabalho apresenta uma análise sobre a doença denominada burnout, ou síndrome do esgotamento profissional. O surgimento da doença enquanto fato gerado pelas más condições do trabalho, as medidas que o empregador pode tomar para a manutenção da saúde física e mental de seus empregados, e as eventuais medidas jurídicas que o judiciário pode adotar para que não ocorram abusos ao trabalhador, e se eventuais abusos forem consumados, as medidas protetivas para que não voltem a ocorrem e inclusive as de natureza punitiva ao empregador.

PALAVRAS-CHAVE

 

Síndrome do esgotamento profissional, Burnout, Depressão, Doenças psíquicas no ambiente de trabalho, Responsabilização do empregador.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Atualmente as doenças de caráter psicossomático têm atingido cada vez maior parcela da população, não só no Brasil, mas no mundo, e consequentemente a classe trabalhadora. De acordo com a OMS, a Organização Mundial de Saúde, cerca de 30 milhões de brasileiros sofrem de depressão ou alguma doença psicossomática.[2]

A escolha da síndrome de burnout, não foi a esmo, visto que síndrome tem intrínseca relação com o trabalho, como poderemos perceber ao longo do trabalho.

  1. 1.             A SINDROME DE BURNOUT

A síndrome de Burnout ou síndrome do esgotamento profissional, tem como conceito do renomado Doutor Dráuzio Varella:

 

“É um distúrbio psíquico descrito em 1974 por Freudenberger, um médico americano. O transtorno está registrado no Grupo V da CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde). Sua principal característica é o estado de tensão emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes. A síndrome se manifesta especialmente em pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e intenso.”[3]

Temos outro conceito, do próprio médico americano, Herbert J. Freudenberger, “um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional". Percebe-se que a doença, está intrinsecamente correlacionada com a atividade profissional e de caráter psicossomático-depressivo.

A síndrome do esgotamento profissional, ou Burnout é um tipo de doença psicossomática muito confundida com a depressão. Por certo, é uma doença mais específica sendo classificada por alguns estudiosos como espécie do gênero. Não devendo ser confundida com esta para nossa análise de estudo. A síndrome é uma conseqüência de diversos estados sucessivos estressantes, que comprometem a saúde física e mental do trabalhador e do ambiente de trabalho, podendo ainda atingir mais de um empregado simultaneamente.

Sabemos que a síndrome de esgotamento profissional tem caráter eminentemente psicológico-emocional, entretanto reflete severamente na saúde física do indivíduo, podendo resultar em dores de cabeça, sudorese, palpitações, pressão alta, e outros fatores que interferem na qualidade de vida do trabalhador.

1.1.RAMOS MAIS AFETADOS

 

Os ramos mais afetados são os de serviços humanos, com forte relação interpessoal, não com seus pares, mas com aquele que demanda a atividade laborativa. As atividades de ajuda, como enfermagem, medicina, serviço social e educação primária. Além também de setores que trabalham preponderantemente com o cumprimento de metas, tais como os bancários, os trabalhadores do setor financeiro e os altos executivos.

  1. 2.             A SAÚDE MENTAL NO TRABALHO

 

O conceito de saúde pela OMS: "um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”[4]

Entretanto, esse conceito muda quando falamos em medicina do trabalho, o conceito legal e o adotado pelos empregadores varia nesse sentido:

Lei 8213/91. Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Como podemos perceber, o conceito legal é insuficiente perante ao conceito adotado pelo OMS.

“A saúde da Medicina do Trabalho e Engenharia de Segurança, [...]é uma visão hegemônica, que reduz o conceito de saúde à ausência de doenças e de acidentes de trabalho, ou seja, as demais formas de prejuízo à saúde não são objetos da atuação dessa área, há uma rejeição dos conceitos de saúde, tais como o social e psicológico.”[5]

Todavia, a saúde do empregado vem sendo cada vez mais motivo de preocupação para o empregador, não somente pelo fato de ser responsabilidade deste, mas como condição fundamental de um bom rendimento e produtividade.

“Ou seja, para que se atinja produtividade e qualidade, é preciso ter indivíduos saudáveis e atribuídos de qualidade. Em contrapartida, a organização atua de forma onde muitas vezes pressiona-se o indivíduo, levando-o a estados de doenças, de insatisfação e desmotivação. Dentre estes, encontra-se a fadiga, distúrbios do sono, alcoolismo, estresse e a síndrome de Burnout.”[6]

 

Nesse sentido é preciso analisar a responsabilidade civil do empregador perante os fatores danosos à saúde do empregado.

  1. 3.             RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PERANTE A SÍNDROME DE BURNOUT

É cediço que o trabalhador possui direito à integridade física, psíquica e moral. Assim, não pode o empregador submeter o obreiro a jornadas de trabalho excessivamente desgastantes e extenuantes, sob pena de colocar em risco a saúde do empregado.

Conforme exposto nos tópicos antecedentes, a síndrome de burnout está intrinsecamente relacionada com as condições de trabalho do empregado, seja pela constante pressão no trabalho, metas draconianas e ambiente hostil; seja pelo excesso de atribuições e cumulação de cargos; ou, ainda, pelo assédio moral empreendido pelo empregador.

No ponto, é de se ressaltar a correlação existente entre a síndrome de burnout e o assédio moral, também chamado de psicoterrorismo. Nas palavras de Vólia Bonfim Cassar, caracterizam assédio moral:

“Práticas como: retirar a autonomia do empregado que a detinha; transferir seus poderes a outro, isolar o trabalhador no ambiente de trabalho; premiar o “dedo-duro” por entregar as falhas do outro, causando disputa entre os pares; fomentar a inveja de um trabalhador pelo cargo do outro, estimulando-o à competição desleal; criar metas impossíveis de atingimento; rebaixar; diminuir o salário; conceder prazos exíguos para atividades complexas, de forma que o trabalho jamais saia perfeito, etc. Todos estes atos, praticados de forma repetida por meses ou anos, afetam as saúde mental do trabalhador que passa a ter dúvida de sua própria competência”.[7] (original sem grifos)

Neste cenário, faz-se necessário destacar a responsabilidade do patrão perante o eventual desenvolvimento da síndrome de burnout no empregado. Comumente, a causa da doença será erroneamente reputada ao próprio trabalhador, devido à sua suposta falta de “inteligência emocional” ou “fragilidade mental”. Não é essa a visão, contudo, que deve ser reproduzida e anuída pelo Direito do Trabalho, haja vista a função eminentemente protetiva deste ramo jurídico.

Amiúde, a doença em questão resultará justamente do vilipêndio daquele direito à integridade psíquica e moral do trabalhador. Exsurge daí a nítida responsabilidade do empregador de reparar o dano que causou dolosa ou culposamente à saúde mental do obreiro.

Valentin Carrion[8] define dano moral como aquele que “atinge os direitos da personalidade, sem valor econômico, tal como a dor mental ou psíquica ou física”. A síndrome de burnout, como já dito, impõe ao paciente profundos males de ordem psíquica, com quadros de depressão e desgaste emocional que podem até mesmo caracterizar invalidez.

Ainda são poucos os julgados que imputam ao empregador o dever de indenizar o empregado vitimado pela síndrome de burnout. Vale destacar a jurisprudência firmada no Paraná, conforme se aduz dos arestos a seguir transcritos:

DOENÇA OCUPACIONAL. SÍNDROME DE "BURNOUT". INDENIZAÇÃO. Comprovado que a Autora está acometida de doença ocupacional (art. 20, II, Lei n.º 8.212/91), consistente em "síndrome de burnout", originada de ambiente de trabalho hostil e inadequado, no qual a forma encontrada pela empresa para a administração do seu pessoal é a prática constante de assédio moral, passível de desencadear sintomas físicos e psíquicos graves às vítimas, deve ser fixada indenização pelos danos materiais e morais decorrentes da violação de direitos da personalidade da trabalhadora.

(TRT-PR-09748-2007-015-09-00-2-ACO-26273-2009 - 4A. TURMA Relator: LUIZ CELSO NAPP Publicado no DJPR em 18-08-2009)

EPISÓDIO DEPRESSIVO GRAVE. SÍNDROME DE BURNOUT. NEXO DE CAUSALIDADE COM O TRABALHO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Hipótese em que constam nos autos atestados médicos e declarações firmadas por psiquiatra que revelam que a reclamante sofreu tratamento especializado por quadro de transtorno depressivo grave, com diminuição do desempenho profissional, esgotamento emocional, despersonalização e perda de produtividade ("síndrome de burnout"), e que a sua saúde física e mental estava sendo abalada no local de trabalho. O INSS reconheceu, por meio de parecer técnico médico pericial, o nexo causal entre a atividade da autora e a doença apresentada, justificando a concessão do benefício como acidentário, com CID F322, que corresponde a episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos. É fato notório que a categoria em questão é vitimada pela "síndrome de burnout", justamente em razão dos métodos de gestão assediosos, das situações com que lidam os trabalhadores, da excessiva cobrança quanto ao cumprimento de tarefas, aliada a uma jornada de trabalho exaustiva, o que sugere, inclusive, inversão do ônus da prova, no caso, despiciendo. Recurso ordinário da autora a que se dá provimento para reconhecer a responsabilidade civil da ré pela doença que a acomete e condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais.

(TRT-PR-29260-2009-014-09-00-7-ACO-36414-2011 - 2A. TURMA Relator: RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA Publicado no DEJT em 09-09-2011)

Exemplificando o contexto de atividade laboral apta a ensejar a síndrome de burnout, veja-se trecho do primeiro dos julgados colacionados:

Tanto o laudo pericial quanto o parecer técnico elaborado pela assistente da Recorrente foram categóricos em reconhecer que a doença ocupacional que lhe acomete teve origem no ambiente de trabalho hostil, quando foi transferida para laborar na Agência Centro, ocasião em que passou a ser assediada moralmente pela supervisora ARACELIS, através da prática de diversas condutas que visavam desestabilizar emocionalmente a trabalhadora, tais como chamar a atenção na frente de clientes, nominá-la de louca e desequilibrada em reunião, acusá-la de incompetente, avaliar de forma depreciativa o trabalho desenvolvido (fl. 188) e exigir labor extraordinário no dia do seu casamento. (grifo do original).

Nesse diapasão, revela-se clara a responsabilidade do empregador perante o quadro do burnout desenvolvido pelo trabalhador, pois é dever do empregador zelar pela saúde mental do obreiro, sendo necessária a manutenção de um ambiente de trabalho harmônico e saudável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A síndrome de burnout é um grave transtorno psíquico que se origina em ambientes laborais desgastantes e impróprios para a saúde mental do ser humano.

Por outro lado, é direito do trabalhador ter preservada a sua integridade mental, configurando-se, ao mesmo tempo, o dever do empregador de não infringir tal direito. Desse modo, não pode o empregador submeter o obreiro a condições hostis de trabalho, sob pena de ser responsabilizado pelo desgaste psíquico do trabalhador.

Assim, conclui-se que a síndrome de burnout não pode ser usualmente reputada ao trabalhador, mas, ao revés, exige cuidadoso exame da situação laboral do indivíduo. Frequentemente, tal análise evidenciará que o empregador foi o principal responsável pelo desenvolvimento da doença, devendo ser responsável, nessas hipóteses, por indenizar o obreiro em decorrência do dano moral por este sofrido.

REFERÊNCIAS

 

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 29. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

SILVA, Flavia Pietá. Burnout: um desafio à saúde do trabalhador.

Disponível em: http://www.uel.br/ccb/psicologia/revista/textov2n15.htm

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2007. Pg. 909.

Organização mundial de saúde.

 

http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=25076

VARELLA, Dráuzio. Síndrome de Bournout.

Disponível em: http://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/sindrome-de-burnout.



[1] Alunos do 7º Período do Curso de Direito da UNDB.

[2] http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=25076

[3] VARELLA, Dráuzio. Síndrome de Bournout. Disponível em: http://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/sindrome-de-burnout.

[4] Organização mundial de saúde.

[5] SILVA, Flavia Pietá. Burnout: um desafio à saúde do trabalhador.

[6] SILVA, Flavia Pietá. Burnout: um desafio à saúde do trabalhador. Disponível em: http://www.uel.br/ccb/psicologia/revista/textov2n15.htm

[7] CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2007. Pg. 909.

[8] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 29. Ed. São Paulo: Saraiv, 2004. Pg. 359.