Jéssica Léda Freire[2]

Ana Valéria de M. A. Cabral Marques[3]

RESUMO

O presente trabalho apresenta a discussão acerca das práticas neoeugênicas,dentro da seara do Biodireito no que tange aos aspectos da família e reprodução artificial. A partir da noção acerca de reprodução assistida e da Bioética enseja-se utilizar os princípios relativos à autonomia privada como embate ao direito de personalidade e autonomia da vontade para servir como fundamento para dissertar sobre os limites jurídicos dos direitos reprodutivos da mulher, e consequentemente a proteção do patrimônio humano genético defendido pela Constituição Federal de 1988, no art. 225, como princípio fundamental constitucional. Os parâmetros utilizados para aferir acerca da interferência no genoma humano transcenderão os aspectos médicos, com a Resolução 1957 do Conselho Federal de Medicina se fundará no campo jurídico e ético com base nas lições inseridas nos artigos científicosde Ana Thereza Meireles, Eduardo de Oliveira Leite e Mônica Aguiar.

Palavras-chave: Biodireito; Práticas neoeugênicas; Genoma humano.

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista os avanços tecnológicos no âmbito da medicina e biotecnologia, e as relações jurídicas destes com o Direito, percebe-se a necessidade de estabelecer limites a tais avanços com o intuito de evitar danos ao corpo e à dignidade dos seres humanos, bem como ao patrimônio genético. Diante do exposto, indaga-se: quais são os limites dos direitos reprodutivos por práticas neoeugênicas?

As discussões acerca da neoeugenia em reprodução humana artificial são de grande relevância no contexto social, para desenvolver o conhecimento em razão do crescimento deste tipo de tratamento no Brasil.

Para as autoras a escolha deste tema para elaborar a pesquisa deve-se a inserção do Biodireito constantemente na mídia e no cotidiano. Deste modo, o conhecimento acerca deste tema permite ampliar a lente sobre este Direito e a compreensão dos direitos constitucionais fundamentais.

No contexto acadêmico a pesquisa permite que as autoras a desenvolvam com a intenção de contribuir e descobrir meios de se proteger os direitos dos indivíduos em questão, a partir da doutrina oportuna e artigos eletrônicos o que promove a ampliação da percepção sobre a prática da neoeugenia e os limites do direito reprodutivo da mulher no procedimento de reprodução exposto.    

O Biodireito define-se como o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana em face dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da Medicina (ARNAUD, 1999, p.100). Constitui-se em uma concepção atual para tratar de temas bastante discutidos como transplante de órgãos, anencefalia e reprodução assistida.

 Quanto às fontes do direito, o Biodireito relaciona-se com o Direito Civil, no qual há o elemento da personalidade restrita ao indivíduo; com o Direito Constitucional no que tange à proteção dos direitos fundamentais e com o Direito Penal pelo fato de penalizar as condutas que cerceiam este direito (PARISE, 2003). Por meio destes aspectos corrobora-se para se institucionalizar este direito, e consequentemente os dos indivíduos.

 Para Geoffrey Cooper (2007, p. 171) "o estado atual do conhecimento acerca dos dados genéticos do ser humano partiu do Projeto Genoma Humano [...], que promoveu o sequenciamento, para a leitura delas, [...] passou a relacioná-las com o fenótipo do indivíduo [...]". Tem-se desta forma uma forma inovadora de caracterizar a genética humana a partir do mapeamento de seus caracteres, o que possibilitou a manipulação da ciência para obter vantagens, como a transmissibilidade de características humanas.

A Constituição Federal no art.225 explana que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Ao analisar este caput depreende-se a substancialidade da proteção dos dados genéticos humanos bem como a manipulação destes em prol de melhorias à espécie humana.

A eugenia, definida como seleção de caracteres humanos possui nova roupagem, conhecida como neoeugenia. Todavia, Fraga (2011, p.195) demonstra que há uma polarização entre objetivo de ambas:

Sendo assim não é difícil reconhecer um ponto em comum entre a eugenia tradicional e a neo-eugenia, uma vez que hoje, em função de interesses econômicos e sociais se age da mesma maneira coercitiva que antes, quando se obedecia a uma finalidade de purificação racial, sacrificando direitos individuais fundamentais em atendimento a anseios coletivos. 

 

A supressão dos direitos coletivos em favor dos direitos individuais fundamentais constituiu-se um problema, aliado ao desejo de purificação racial que destoava da noção de defesa dos direitos de todos os grupos sociais e de todas as raças. Nota-se ainda a permanência do padrão coercitivo de manter uma raça única e pura.   

 Para Leo Pessini e Christian Barchifontaine (1996, p.11) a bioética “estuda a moralidade da conduta humana no campo das ciências da vida". Tem, portanto, como objeto o conhecimento humano aliado à ciência. Neste contexto, defende Paulo Otero (1999) a existência de três elementos de base constitucional que norteiam os avanços na bioética: a personalidade, a identidade pessoal e a identidade genética.  

A prática da neoeugenia em reprodução assistida tende a acometer uma supressão do direito de personalidade, dado que haverá uma manipulação genética das características físicas do indivíduo conforme vontade dos pais. Sobre a temática pontua Junges:

O uso de embriões vivos excedentes para experiências que poderão trazer benefícios futuros para o aperfeiçoamento da fecundação e gestação não se justifica em nenhum caso, assim como não se justifica manipular qualquer pessoa a serviço de interesses científicos, porque significa a sua redução a meio e a consequente negação da sua dignidade. A ciência deve progredir, mas não através de meios que firam a dignidade humana. Ela precisa ser criativa e buscar caminhos alternativos de pesquisa que atinjam a integridade física do embrião e de qualquer ser humano (1999, p. 153).

 

Há lesão dos direitos constitucionalmente expressos, como o direito fundamental da autonomia da vontade e da dignidade e estes são cerceados quando ocorrem estas práticas neoeugênicas de predileção de características físicas humanas.

Há divergência doutrinária quanto ao embrião ser um sujeito de direitos. Sob o ponto de defesa desta tese Meireles (2003, p. 93) defende fundamentadamente que:

[...] que os embriões de laboratório podem representar as gerações futuras; e, sob a ótica oposta, os seres humanos já nascidos foram, também, embriões, na sua etapa inicial de desenvolvimento (e muitos deles foram embriões de laboratório). Logo, considerados os embriões humanos concebidos e mantidos in vitro como pertencentes à mesma natureza das pessoas humanas nascidas, pela via da similitude, a eles são perfeitamente aplicáveis o princípio fundamental relativo a dignidade humana e a proteção ao direito a vida. Inadmissível dissociá-los desses que são os fundamentos basilares de amparo aos indivíduos nascidos, seus semelhantes (2003, p.95).

 

A aproximação do conceito de embrião ao de feto, sujeito legitimamente de direitos apresentada pelo autor é enfática no quesito natureza humana, demonstrando que o primeiro é um "projeto" do segundo, estando ainda em desenvolvimento. Atribuindo este fundamento corrobora-se a defesa dos direitos de personalidade dentro desta perspectiva de conflito de direitos dos pais e do embrião.