DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL


BREVE ANÁLISE DAS LEIS 7.492/86 E 9.613/98: IMPOSIÇÃO DE NOVAS (?) TAREFAS À DOGMÁTICA PENAL


1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Tendo como manancial o seminário presidido pelo ilustre professor Mário Saveri Liotti Duarte Raffaele , o presente artigo objetiva tecer algumas considerações acerca dos diplomas legais 7.492/86 e 9.613/98.
Sucintos apontamentos serão feitos quanto ao bem jurídico tutelado e, em análise crítica, demonstrar-se-á o desafio apresentado ao Direito Penal no que tange às tentativas de tornar crime certas condutas lesivas ao sistema financeiro nacional.
Ocorre que, para alguns, à dogmática penal tradicional, nos dias hodiernos, apresenta-se um novo objeto de análise: o fundamento econômico que se expressa na denominada criminalidade econômica.
Além disso, parcela da Doutrina afirma que a comunidade jurídica está diante da necessidade de uma visão transnacional sobre bem jurídico penalmente tutelado e mais especificamente diante de nova maneira de analisar, compreender e punir delitos de cunho econômico.
Em linhas conclusivas, sem pretensão de esgotar tema tão vasto, será deixado um convite à reflexão sobre a intenção de serem criadas figuras delitivas que lesionam o sistema financeiro acima mencionado.

2 - BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO

Com respaldo nas lições de ZAFFARONI , entende-se por bem jurídico tutelado pelo Direito Penal a relação de disponibilidade de uma pessoa com um objeto, protegida pelo Estado.
Percebe-se que, na atualidade, o papel estatal de tutelar essas relações tende à necessidade de constante ampliação. Não pelo fato de aqui se pretender defender alguma corrente de Direito Penal cuja intervenção seja máxima mas sim pelo novo fundamento (assim entendem alguns) de cunho econômico que desafia a Dogmática Penal tradicional.
Em razão disso, fica nítido que existe uma tendência de coletivização ao se definir bem jurídico tutelado e, principalmente, em casos de delitos praticados contra o sistema financeiro nacional. Esse sistema deve então ser protegido penalmente.
Vale lembrar que assim como ocorre nos delitos contra a ordem econômica, a lesão ou exposição a perigo se dá, por muitas vezes, face a um patrimônio individual.
Porém, quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional, a tutela penal está mais delimitada sendo considerado digno de tutela penal o bem jurídico supra-individual, o bom e regular funcionamento do sistema financeiro nacional (espécie de bem jurídico mais geral da ordem econômica).
Aponta JÚNIOR , os seguintes aspectos quanto ao que se busca proteger com a fixação sistema financeiro nacional com bem jurídico penal: a organização do mercado e a regularidade dos seus instrumentos assim como a confiabilidade neles exigida, e de igual maneira, a segurança dos negócios.
Convém ressaltar que, fixar o caráter supra-individual da proteção penal não permite conceder abstração ao bem jurídico que se busca tutelar e, da mesma forma, não se deve furtar à verificação de ocorrência delituosa nos casos concretos.

CASTRO ressalta que:
"(...) A questão central é a da confusão, comumente ocorrida, em imaginar-se a tutela necessária à caracterização dos crimes contra o sistema financeiro nacional sobre o patrimônio de instituições financeiras ou de investidores, quando, em verdade, o atingimento (sic) a estes bens é secundário, em face do valor efetivamente tutelado, para que se tenha a incidência dos tipos da Lei nº 7492/86 (...)".
Isso nos leva à reflexão de que não basta circunscrever o bem jurídico a ser protegido como sendo o patrimônio da instituição financeira ou o patrimônio de seus investidores.
Não é o que basta para efetuar o enquadramento de alguma conduta tipificada, por exemplo, na Lei nº 7.492/86 já que, agindo dessa maneira, estar-se-ia diante de uma dualidade: crimes contra o patrimônio ou crimes contra o sistema financeiro nacional.
Sem prejuízo de outros exemplos que não serão trazidos no presente artigo, vejam-se as comparações da legislação esparsa em comento com o que dispõe o Código Penal Brasileiro:

Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Lei 7.492/86).

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Código Penal).

Art. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a preservação dos interesses e valores da ordem econômico-financeira:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Lei 7.492/86).
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Código Penal).

Mostra-se imperioso, conforme as lições de LIMA , ressaltar que a gravidade do "crime comum" é diferente da gravidade do "crime econômico": enquanto naquele a gravidade circunscreve-se, em regra, a certos limites territoriais; nesse a gravidade vai, por vezes além-fronteiras.
Pelo fato de várias serem as conseqüências da circulação ilícita de capitais, tendo como base delitos contra o sistema financeiro (apesar de nacional), tais como o descrédito nas agências políticas de representação, desmoralização da Administração Pública, dentre outros fatores, Estados agregam esforços no sentido de sanar e/ou minimizar os reflexos negativos sejam eles patrimoniais ou não.
É o que se percebe na assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre Delinqüência Organizada Transnacional ? Conferência realizada nos dias 12 e 15 de dezembro de 2000 em Palermo, na Itália.
Na referida Convenção, é possível verificar que os Estados integrantes buscam definir grupo estruturado, delito grave, estabilidade, etc.
Como se vê, parte respeitada da Doutrina entende haver um novo desafio para o Direito Penal em razão de esse "novo bem jurídico" exigir uma dogmática diversa da tradicional.

3 ? APONTAMENTO ACERCA DA LEI 9.613/98

Com precisão, analisando apenas um artigo, JESUS evidencia:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
Tendo-se, portanto, ocultação e afins como provenientes de contravenção não há delito de previsto na lei de lavagem de capitais.
Resta saber qual a dificuldade dogmática (ou será política ?) para inclusão da contravenção no artigo acima mencionado.
Fácil perceber que, salvo entendimento mais abalizado, não se exige muito esforço daqueles que buscam não serem alcançados pela lei supra quando praticarem a "lavagem de dinheiro".
4 - AS "BRECHAS" LEGISLATIVAS
Inúmeras poderiam ser a críticas a serem feitas não só aos diplomas legais aqui tratados ou a quaisquer outras do mesmo gênero ou espécie.
Contudo, limitamo-nos a fundamentar em FOUCAULT, citado por BELO , em trabalho no qual esse segundo autor descortina e esclarece ser o bom funcionamento da ?regularidade social? um fato previsto, desejado e regulado legalmente.
As lacunas são intencionais. Protegem certas regularidades (ou irregularidades) buscadas por determinados segmentos do corpo social. Trata-se da criminalidade dourada cuja blindagem, além de jurídica é política.

5 - NOTAS CONCLUSIVAS

Em sede de tudo acima exposto, percebe-se que muito mais do que a aparência de um novo desafio imposto à Dogmática Penal tem-se uma situação regular na qual se mostra uma aparente tentativa de punição de delitos econômicos.
Dizer que o Direito Penal é seletivo seria redundante. Preferível é dizer que se trata de um ramo de Direito cujo vetor preponderante é a exclusão.
Afinal, não só com fulcro nos delitos de cunho econômico transnacional é que se percebe isso. Basta uma breve análise acerca das penas, em abstrato (no aspecto quantitativo), que são cominadas ao delito de lesão corporal (modalidade simples, art. 129 do Código Penal Brasileiro) e ao delito de furto (modalidade simples, art. 155 também do Código Penal Brasileiro).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS. In: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2818/ali-baba-e-o-crime-de-lavagem-de-dinheiro.

ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO. In: http://www.elciopinheirodecastro.com.br/artigos.asp

EUGENIO RAÚL ZAFFARONI. Tratado de Derecho Penal ? parte general. Buenos Aires: Ediar, 1981. v. III. In: ROGÉRIO GRECO. Direito Penal do Equilibro. Niterói, RJ: Impetus, 2009. p. 64.

JOÃO MARCELLO DE ARAÚJO JÚNIOR. Os crimes contra o sistema financeiro no esboço de nova parte especial do Código Penal de 1994. In: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3589

VINÍCIUS DE MELO LIMA. In: Apostila IEC ? Instituto de Educação Continuada ? A Nova Criminalidade.

WARLEY BELO. In: http://conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.21054.