CRIME IMPOSSÍVEL

 

Arnaldo Alegria[1]

 

A pesquisa possui o desígnio de argumentar os aspectos duvidosos do crime impossível, através da recapitularão de definições doutrinárias, compreendendo assim o motivo de divergências de jurisprudências entre os Tribunais de Justiça. A incerteza quanto à realidade de um fato, ou a veracidade de uma informação, prende-se a paradigmas históricos do Direito Penal, onde existia possibilidade de punição pela tentativa de crime, baseada na periculosidade do agente, mesmo havendo impossibilidade de sua consumação, teoria esta não aceita pelo legislador pátrio. O tema busca a reflexão da veracidade da proposição, pois o foco a ser levado em consideração é o risco do bem jurídico, evitando que transgressões ilegais, sofram mutações, tornando-se legais pela jurisprudência, beneficiando o agente criminoso. Quando o legislador trata do crime impossível, parte do pressuposto que o agente já ingressou na fase de execução do delito e que este não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade.

Palavras chave: Crime impossível. Ineficácia do objeto. Impropriedade do meio. Crime tentado.  Teoria objetiva

 

1 INTRODUÇÃO

 

A importância da pesquisa é buscar uma reflexão sobre o crime impossível, buscando o entendimento da tentativa inidônea ou inadequada que isenta o autor de culpa.

È também chamado de quase crime, onde o agente fica isento de pena pela tentativa, ou seja, “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”, previsão do artigo 17 “caput” do código Penal.

Recai sobre a tentativa inidônea, a interpretação do princípio constitucional, intrínseco no art. 5°, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, onde socialmente, o princípio da lesividade, impõe limites à subjetividade do poder de punir, lembrando que, superior a norma formal, o princípio traz fundamento para ausência de punição do crime impossível, pois, encontra no fato ou na conduta do agente, absoluta incapacidade do meio escolhido ou  impropriedade do objeto, não sendo capaz de lesar  de forma alguma, a esfera de interesses de um terceiro.

O trabalho transporta três hipóteses em que o Direito Penal não pune, nem responsabiliza o crime de tentativa quando o agente não consegue chegar à consumação, assim sendo, pela ineficácia absoluta do meio, pela impossibilidade por impropriedade absoluta do objeto material e por obra do agente provocador.

A correta interpretação analítica dos princípios constitucionais e a observação dos princípios do Direito Penal direcionam os tribunais de Justiça para formalizar as Jurisprudências sobre o assunto, quebrando os paradigmas do atroz Direito Penal do autor.

No código Penal de 1940, antes das alterações introduzidas pela nova legislação penal, ocorridas em 1984, o agente, pela prática do quase crime, ficava isento da pena, mas muitas vezes, ficava sujeito a aplicação de medidas de segurança, inclusive tendo sua liberdade vigiada, devido sua periculosidade, ao contrário disso, hoje se adota a teoria objetiva, onde o autor do quase  crime permanece isento de pena e de medida de segurança.

O crime de tentativa está capitulado no Código Penal no inciso II do artigo 14, portanto, para caracterização da tentativa é necessário juntar a subjetividade da intenção do agente para executar o ato tipificado, dar início imediato neste ato e possuir objetividade na falha da consumação tipificada, havendo esta somatória, aplica-se o parágrafo único do mesmo artigo, pois, deixa de existir a disposição em contrário do crime impossível, e pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

Independente do artigo 14 do Código Penal, a doutrina divide a tentativa em inacabada ou imperfeita, que ocorre quando o agente não esgota toda sua ofensividade contra o bem jurídico tutelado, ocorrendo uma interrupção na ação executória ou na tentativa  perfeita, conhecida esta por crime falho, ocorrido inteiramente na fase da execução, o agente não consegue a consumação por circunstâncias alheia a sua vontade, no entanto, ambas tentativas são punidas da mesma forma.

 

2 CRIME IMPOSSÍVEL

 

Crime Impossível, ou tentativa inidônea, na exata dicção de Fernando Capez “é aquele que, pela ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material é impossível de se consumar”. Também conhecido como quase crime, possui disciplina jurídica contida no artigo 17 do Código Penal: “não se pune tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. (2007, p 256).

Nesse sentido avulta demonstrar a perfeita crítica de Evangelista de Jesus Damásio, que “em determinados casos, após a prática do fato, verifica-se que o agente nunca poderia consumar o crime, quer pela ineficácia absoluta do meio empregado, quer pela absoluta impropriedade do objeto material”, em verdade, de forma alguma, o agente conseguiria chegar à consumação do crime, também , o crime impossível por obra de agente provocador é motivo pelo qual a lei deixa de responsabilizá-lo pelos atos praticados. (1999, p 347).

A mesma conclusão da existência de duas espécies de crime impossível teve Julio Fabbrini Mirabete, pois “de forma alguma o agente coseguiria chegar à consumação, motivo pelo qual a lei deixa de responsabilizá-lo pelos atos praticados”. (1994, p.158).

Assim, há duas hipóteses em que a ação representa atos que, se fossem idôneos os meios e próprios os objetivos, configurariam o princípio da execução de um crime. A primeira, sendo um delito impossível por ineficácia absoluta do meio, a segunda, sendo um delito impossível por impropriedade absoluta do objeto.

Consoante à lição, sempre oportuna, de Cezar Roberto Bitencourt, “são hipóteses em que, se os meios fossem idôneos ou próprios fossem os objetos, haveria no mínimo início de execução de um crime”. (2009, p 440).

Em remate, quando o meio empregado pelo agente, pela sua própria natureza, é absolutamente ineficaz e incapaz de produzir o resultado pretendido, não se pune a tentativa, assim é exemplificado por Damásio, “o agente, pretendendo matar a vítima mediante propinação de veneno, ministra açúcar em sua alimentação, supondo-o arsênico”. Outro exemplo: com o mesmo intuito, aciona o gatilho de revolver, mas a arma esta descarregada. (1999 p.347).

Neste diapasão, Bitecourt afirma que “é indispensável que o meio seja inteiramente ineficaz. Se a ineficácia do meio for relativa, haverá tentativa punível”. (2009, p 440).

Damásio leciona que “quando inexiste o objeto material sobre o qual deveria recair a conduta, ou quando, pela sua situação ou condição, torna impossível a produção do resultado visado pelo agente”, não se pune a tentativa, e assim exemplifica:.

 

A, pensando que seu desafeto está a dormir, desfere punhaladas, vindo a provar-se que já estava morto; A, supondo que seu inimigo esta no leito, dispara tiros de revolver, quando o mesmo ainda não se recolhera; a mulher, supondo em estado de gravidez, pratica manobras abortivas; o agente, supondo de outrem um objeto, tira o próprio. (1999, p 347)

 

Nas duas hipóteses de crime impossível, onde a inidoneidade é absoluta por ineficácia do meio ou por impropriedade do objeto, não há tentativa por ausência de tipicidade. (BITENCOURT, 2009. P 440).

 

O crime impossível por impropriedade absoluta do objeto é espécie do delito putativo, filiando-se à figura do crime putativo por erro de tipo. Na figura que estamos analisando, a impropriedade do objeto e a ineficácia do meio empregado não são do conhecimento do agente: se inexiste o erro, não haveria o quase crime. A conduta inidônea, empreendida com o conhecimento da sua inidoneidade, não pode deixar de ser uma ação penalmente irrelevante, já que quem assim procede não tem intenção de praticar o crime. Aquele que sabe que açúcar não envenena, e o ministra à vítima, não está tentando cometer um homicídio. No crime impossível, o erro incidi sobre o modo de agir ou sobre a finalidade da conduta. (DAMÁSIO, 1999, p 347).

 

Havendo  ineficácia relativa do meio, ou seja, seria eficaz na produção do resultado, mas, este não ocorre por circunstâncias acidentais, caracteriza sem sombra de dúvidas a tentativa do crime. Exemplificando, seria o caso do agente que pretende desfechar um tiro de revolver contra á vítima, mas o projétil para no cano do revolver, ou a arma nega fogo. Sobre mais, o conceito acerca da execução iniciada de um crime, com ausência de consumação é extraída do art 14, II, CP, determinando "quando, iniciada a execução, não se consuma, por circunstancias alheias a vontade do agente".

Há impropriedade relativa do objeto quando: a) uma condição acidental do próprio objeto material neutraliza a eficiência do meio utilizado pelo agente; B) presente o objeto na fase inicial da conduta, vem a ausentar-se no instante do ataque. Ex.: a cigarreira da vítima desvia o projétil; o agente dispara tiros de revolver no leito da vítima, que dele saíra segundos antes.

Por conseguinte, Mirabete reconhece há tentativa de crime, na utilização de meio relativamente inidôneo, ou seja, quando há perigo para o bem jurídico que o agente pretende atingir, mesmo que seja mínimo, inclusive afirma que as condições de saúde da vítima, podem tornar idôneo um meio que seria ineficaz a uma vítima saudável, a exemplo, basta presumir o risco de perder a vida, quando o agente ministra glicose, numa substancia a ser ingerido por um diabético ou então provocar um susto em pessoa portadora de distúrbio cardíaco, portanto, o meio que seria ineficaz, torna-se exemplos eficazes, podendo além da tentativa, até a consumação do crime. (1994, p 158).

Existem várias teorias a respeito do quase crime, uma delas, que não é seguida pelo legislador pátrio, trata-se da “Teoria sintomática”, onde o critério decisivo é a periculosidade do agente, sendo imprescindível sua temibilidade criminal, essa teoria, examina através da conduta do agente sua periculosidade. Mesmo na tentativa inidônea, isto é, na hipótese de crime impossível, se esta revelar indícios da presença de periculosidade no agente, deverá ser punido. Não há duvidas de que esta teoria atende melhor aos interesses da defesa social, mas e absolutamente inadequada à garantia dos direitos fundamentais do cidadão, além de ser incompatível com o moderno Direito Penal de culpabilidade, de um Estado Social e Democrático de Direito, pois se encontra contaminada por ranços típicos de um direito penal de autor. (BITENCOURT, 2009, p 441)

Tornando um pouco mais inteligível esta Teoria, em sua concepção o Direito Penal não deveria castigar o ato, que em si mesmo não expressa muito valor, mas sim a atitude interna jurídica corrompida do agente, pois, aplicando esta teoria o delito em si tem um significado sintomático.

Na teoria subjetiva “o fator que decide a questão é a intenção do agente, pois existe inidoneidade em qual quer tentativa, uma vez que o agente não produz o evento. Assim, o autor de um crime impossível deve sofrer a mesma pena cominada à tentativa”. A propósito, é certo que esta teoria provoca choques com os princípios do Direito Penal, não deve ser aceita, alem disso, confunde a tentativa com a consumação do crime. (DAMÁSIO, 1999, P 349).

 

Toda tentativa é em si mesma inidônea, uma vez que não alcança o resultado visado. A inidoneidade, porém, deve ser apreciada não conforme a realidade dos fatos, mas segundo a avaliação do agente no momento da ação. Assim, o autor de um crime impossível deve sofrer a mesma pena da tentativa. (BITENCOURT, 2009 p 441)

 

Em realidade, não havendo idoneidade nem nos meios, nem no objeto, não se pune a tentativa, portanto, o crime impossível constitui figura atípica e essa foi a teoria adotada pelo nosso código, em boa hora mantida pela reforma penal de 1984.

A teoria objetiva é adotada hodiernamente, possui a concepção que a imputação de um fato possui elementos objetivos e subjetivos, afirmando que a ausência do primeiro elemento, descaracteriza a tentativa, pois o elemento objetivo é o perigo real para os bens penalmente tutelados, advindo desta circunstância o conceito de inidoneidade. “Se a conduta não possui inidoneidade para lesar o bem jurídico, não constitui tentativa”, e ainda, sobre a teoria adotada pelo legislador penal que mesmo por obra do agente provocador, se a conduta não causar nenhum risco objetivo ao interesse do bem tutelado, inexiste a tentativa de crime. (DAMÁSIO, 1999, p 348 e 349).

Para “essa teoria, como não há no crime impossível os elementos objetivos da tentativa e o bem jurídico não corre perigo, não há tentativa e o agente não deve ser punido”. Vale lembrar que, a justificativa para a punição do crime tentado é o perigo objetivo ao bem jurídico. “E esse perigo só existirá se os meios empregados na tentativa forem adequados à produção do resultado e se o objeto visado apresentar as condições necessárias para que esse resultado se produza”. (BITENCOURT, 2009, p 442)

 Ao lecionar, Damásio divide a teoria objetiva em duas:

 

a) TEORIA OBJETIVA PURA - não há tentativa em qual quer caso, seja a inidoneidade absoluta, seja relativa. A tentativa é uma parte do delito consumado e, assim, não se pode apresentar no caso de a conduta ser incapaz, desde o início, de conduzir à finalidade da consumação. Seja absoluta, seja relativa a inidoneidade, inexiste objeto jurídico em perigo de lesão, não havendo conduta punível.

b) TEORIA OBJETIVA TEMPERADA - exige serem absolutamente inidôneos o meio empregado pelo agente e o objeto sobre o qual a conduta recai. Em caso de inidoneidade relativa, há tentativa. (1999, p 349)

 

O crime impossível não constitui figura típica, portanto, não enseja a aplicação de pena nem de medida de segurança, pois não coloca em risco o bem jurídico tutelado.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Torna-se relevante a reflexão do conteúdo da pesquisa para compreender que as jurisprudências sobre diferentes casos concretos, mas, relacionados com o tema, surgiram da interpretação dos princípios constitucionais acerca da ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, portanto os Tribunais têm se pautado na teoria objetiva temperada e no risco exposto pelo bem jurídico, para julgar a existência ou não do crime impossível.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de direito Penal, Parte Geral, V1, 14 ed São Paulo: Saraiva 2009.

 

BRASIL. Código Penal Brasileiro. 46ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n.ºs 1/92 a 57/20086 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n.ºs 1 a 6/94 – 31 ED - Brasília: Câmara dos deputados, Edições Câmara,2009.

 

CAPEZ Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral. São Paulo, Saraiva 2007.

 

DAMASIO, Evangelista de Jesus. Direito penal, parte geral. São Paulo: Saraiva 1999.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 8. ed. – São Paulo: Atlas, 1994.

 

 



[1] Aluno Universitário – Curso de Bacharelado em Direito

Faculdade Estácio de Sá – Ourinhos – FAESO

Orientador: Professor Hilário Vetore Neto.

[email protected]