INTRODUÇÃO

No Direito Romano não havia a possibilidade de rixa como crime, quando esta ocorria e dela resultava homicídio ou lesões corporais graves, estas hipóteses que seriam consideradas para a criminalização. Contudo, o crime de rixa passou a ser admitido como um crime autônomo no Direito Brasileiro a partir do Código Penal de 1940, está incluso dentro dos crimes contra pessoa inserido no Código Penal brasileiro, em seu artigo 137, trata-se de um crime de concurso necessário, plurissubjetivo e recíproco, assim sendo requer a presença de, pelo menos, três pessoas que briguem indistintamente. É caracterizado como um crime comum, portanto, pode ser realizado por qualquer pessoa, contendo o sujeito ativo e sujeito passivo no mesmo crime, uma vez que agem sem distinção uns com os outros.

Entretanto, ressalta-se os elementos objetivos e subjetivos do crime em questão, o primeiro diz respeito a participar da rixa, segundo Bitencourt (2007) se caracteriza pela existência de agressões recíprocas generalizadas, a doutrina ainda distingue esse elemento objetivo em material (quando a pessoa participa da rixa fisicamente) e moral (quando a pessoa participa apenas instigando, induzindo a outra), já o segundo elemento é o dolo, visto que há consciência e vontade de participar da rixa.

Em se tratando da rixa qualificada, tem-se quando o teor é mais violento e desenfreado, causando entre os rixosos lesão corporal grave ou morte. Diante disso surgirá então o impasse da responsabilidade penal do agente, logo, a fim de esclarecer o assunto em debate, colocar – se – á os questionamentos feitos dentro da doutrina e da jurisprudência, em relação a esse problema que está em debate no presente trabalho.

Tendo em vista a importância e complexidade do tema abordado, será demonstrado inicialmente uma visão geral sobre o crime de rixa, envolvendo a época em que o Código Penal o adotou como crime independente, suas características gerais, os elementos que o compõe, fazendo assim uma análise histórico-social do mesmo. Em seguida, abordar-se-á a natureza da rixa qualificada destacando algumas teorias que a argumentam, priorizando a discussão sobre a responsabilidade penal do agente dentro do referido crime. Por fim, será tratado a respeito dos pontos controvertidos na doutrina sobre o último tópico do tema.

1 Considerações gerais sobre o crime de rixa

Antigamente o crime de rixa não era visto como crime autônomo, destaca-se assim o Direito Romano e as legislações medievais, que segundo o autor Luiz Regis Prado estas, “somente se ocupavam da rixa quando dela adviesse homicídio, não lhe conferindo autonomia, Logo, aqueles que não contribuíssem diretamente para o evento letal eram isentos de pena” (2004, pág. 215).

Contudo, o Código Brasileiro atual adotou o sistema da autonomia para tratar do crime de rixa, estabelecendo que se ocorresse morte ou lesão grave dentro deste, isto somente iria qualificar o crime, Cezar Roberto Bitencourt acrescenta que:

O atual Código não recepcionou os conhecidos sistemas da solidariedade absoluta e da cumplicidade correspectiva; pelo primeiro, todos os rixosos respondem pelo homicídio ou lesão grave, se ocorrer durante a rixa; pelo segundo, não sendo apurados os autores dos ferimentos causadores da morte ou das lesões graves, todos responderiam por esse resultado, fixando-se, porém, a pena num termo médio entre a que caberia ao autor e aquela que se aplicaria ao partícipe (sistema adotado pelo Código Zanardelli de 1889).

Entretanto, faz-se necessário trazer um conceito que esclareça este tipo de crime, Damásio coloca que a rixa “é a briga entre mais de duas pessoas, acompanhada de vias de fato ou violências físicas recíprocas” (2001, pág. 191). Dessa forma, atenta-se para a expressão “recíproca” que o autor coloca em seu texto, uma vez que se não há, dentro da luta, reciprocidade de golpes, ou seja, se um grupo não entra em conflito com o outro, mantendo-se estático, não há que se falar em rixa.

A partir do exposto é necessário destacar os sujeitos presentes no crime de rixa, a princípio ressalta-se o posicionamento do autor Damásio sobre o tema, em sua obra ele afirma que “a rixa é crime de perigo, coletivo, ou plurissubjetivo ou de participação necessária. Só há delito quando três ou mais pessoas se agridem reciprocamente. Diante disso, trata-se de crime de concurso necessário, em que os rixosos são ao mesmo tempo sujeitos ativos e passivos.” (2001, pág. 192).

Com base nessa fundamentação, o sujeito ativo é caracterizado por todos aqueles que participam dos atos que envolvem a briga, sendo estes - vias de fato ou lesões corporais recíprocas, os sujeitos passivos são os próprios participantes da rixa denominados, rixosos. Bitencourt afirma que “o rixoso é sujeito ativo da conduta que pratica em relação aos demais e sujeito passivo das condutas praticadas pelos demais rixosos. Os rixosos agem uns contra os outros; por isso, esse misto de sujeito ativo-passivo do mesmo crime”. (2007, pág. 270). Damásio acrescenta ainda que “no número mínimo exigido para a existência da rixa não importa que um dos rixosos seja inimputável; desde que um das pessoas seja imputável, é irrelevante a situação pessoal das outras.” (2001, pág. 192). Ainda tratando-se dos sujeitos do crime de rixa, Bitencourt acrescenta em seu texto mais um aspecto peculiar quando se trata do sujeito passivo, o autor afirma que “o sujeito passivo pode ser, inclusive, alguém estranho à rixa, que acaba sendo atingido por ela.” (2007, pág. 270).

Outra consideração relevante a ser exposta sobre o crime de rixa é a sua objetividade jurídica, segundo Damásio “o legislador protege a vida e a saúde física e mental da pessoa humana. A ordem pública não é objeto jurídico principal do delito de rixa. Entretanto é tutelada por via indireta.” (2001, pág. 192).Com relação ao tipo subjetivo do crime, o autor Cleber Masson esclarece que “é dolo de perigo abstrato ou presumido, pouco importando o motivo que ensejou o surgimento de rixa. Deve estar presente o animus rixandi(vontade de participar da rixa). Não constitui fato típico a rixa simulada ou aparente, com o animus jocandi (vontade de brincar)” (2013, pág. 175).Há, contudo, Rogério Greco que ousa discordar afirmando que “quando da ocorrência do delito, o perigo a que estão expostas a vida e saúde serão, na verdade, concretos, passíveis de demonstrar” (2013, pág. 388).

Já o elemento objetivo do crime é a conduta, isto é, “participar da rixa”, esta vem expressa no artigo 137 do Código Penal com o seguinte texto - “participar de rixa, salvo para salvar os contendores”. (VADE MECUM, 2013, pág. 538).

A pena na rixa simples é a detenção de quinze dias a dois meses, ou multa (art. 137, caput), caso ocorra lesão corporal grave é aplicado a pena da rixa qualificada, sendo esta, detenção de seis meses a dois anos (art. 137, parágrafo único), advinda da participação na rixa. Temos que a ação penal é pública incondicionada, tanto para a rixa simples quanto para a rixa qualificada, o autor Luiz Regis Prado coloca que estes delitos serão processados e julgados perante os:

Juizados Especiais Criminais, pois em virtude da pena máxima abstratamente cominada (inferior a um ano), é considerado infração penal de menor potencial ofensivo (art. 61, Lei 9.099/1995). A alteração promovida pela Lei 10.259, de 12 de julho de 2001 (art.2º), considerando infrações de menor potencial ofensivo todos os delitos cuja pena máxima abstratamente cominada não ultrapasse dois anos, permite que o processo e julgamento do delito previsto no art. 137, parágrafo único, também seja de competência dos Juizados Especiais Criminais. O tipo penal básico(art. 137, caput) e a qualificadora prevista no parágrafo único permitem a suspensão condicional do processo (art.89, Lei 9.099/1995).

Além disso, Greco acrescenta uma afirmação relevante no que diz respeito a pena deste crime quando a rixa é de natureza simples, onde afirma que, neste caso, “poderá o julgador, observando a parte final do art. 59 do Código Penal, determinar a aplicação de uma pena privativa de liberdade ou uma pena de multa, apontando, fundamentadamente, qual delas melhor atenderá ás funções que lhe são reservadas, vale dizer, reprovação e aprovação do crime.” (2013. pág. 393).

Por fim, o autor Bruno Anibal traz uma considerável colocação em seu livro afirmando que:

O Direito Moderno viu na rixa, antes de tudo, um crime de perigo para a incolumidade pessoal, mas a preocupação maior está com o dano que dela resulta, e sem haver ainda alcançado uma fórmula que se possa realmente dizer satisfatória, procura conciliar os interesses de justiça, com os da proteção social, definindo como crime a simples participação na rixa e punindo mais severamente os casos em que resulta morte ou lesão grave, ou fazendo dessas ocorrências condição objetiva de punibilidade. (Pág. 254).

  1. Possibilidades de tentativa, participação e tentativa na rixa

Inicialmente é importante abordar sobre o momento em que se consuma o crime de rixa, autores como Magalhães de Noronha sustenta a ideia de que este crime é consumado “no momento e no lugar onde cessou a atividade dos contendores” (2001, pág. 113). Ao contrário desse pensamento Bitencourt afirma que “consuma-se o crime de rixa com a eclosão das agressões recíprocas, isto é, quando os contendores iniciam o conflito. Consuma-se no instante em que o participante entra na rixa para tomar parte dela voluntariamente” (2007, pág. 272).

Há divergência também quando o assunto é “tentativa” na rixa, uma vez que não é admitido a tentativa, contudo, há autores que admitem esta, quando trata-se de rixa ex proposito ou preordenada (quando a rixa é previamente planejada). Bitencourt afirma que “pela natureza complexa da ação nuclear é praticamente impossível configurar-se a tentativa” (2007, pág. 273). Ainda concordando com a impossibilidade da tentativa, Mirabete cita Valdir Sznick em seu texto, afirmando que “é inadmissível a tentativa porque a conduta e o evento se exaurem simultaneamente” (2004, pág. 149).

Tratando-se da possibilidade de tentativa no crime de rixa destaca-se autores como Damásio (2001) e Magalhães Noronha (2001) que admitem tal, quando esta for previamente combinada, ou seja, na hipótese ex proposito. Noronha fundamenta essa posição com dois fatores, o primeiro deles é “porque o delito de perigo não impede a tentativa, depois, porque não é indispensável a subtaneidade da rixa; não é necessário que ela surja ex improviso, apresentando, então, grande diferença entre a rixa e o duelo - duelo coletivo, mas duelo” (2001, pág. 114), como exemplo, tem-se a intervenção policial, quando a polícia é avisada da briga, esta será apenas tentada.

Entretanto, há outro fator a ser considerado no crime de rixa, sendo este, portanto, a participação, porém, é relevante fazer a diferença entre a participação na rixa e participação no crime de rixa. O autor Luiz Regis Prado coloca que “é comum a distinção feita entre participação na rixa e participação no crime de rixa: na primeira hipótese, há a interferência direta na briga, ou seja, o efetivo ingresso na luta; na segunda, o agente induz, instiga ou auxilia - material ou moralmente - os rixosos, sem, contudo, intervir pessoalmente na rixa” (2004, pág. 220). Greco, na mesma linha de raciocínio entende que “essa participação pode ocorrer desde o início da contenda, ou mesmo depois de já iniciada, mas enquanto durar a rixa” (2013, pág. 399).

Dessa forma, há então o que se denomina de partícipe de rixa - resultado da participação material, na qual o agente efetivamente participa da briga cometendo atos dentro da mesma - e há também o partícipe do crime de rixa - aqui resulta-se da participação moral onde o agente apenas instiga quem briga, vale ressaltar que este instigador não precisa necessariamente está presente no local da luta, aqueles que estão atirando ou arremessando algo, por exemplo, também participarão da rixa à distância. Logo, tem-se o núcleo do tipo que é “participar”, assim sendo, AntonioMagarinos Torres, citado por Bitencourt afirma que:

 O Código Penal brasileiro, independentemente de identificar quem é o autor da morte ou das lesões, se houver, pune a todos os participantes da rixa, pelo simples fato de ter participado dela, pois, na visão do legislador brasileiro, ele representa uma ameaça concreta à ordem e segurança públicas e, particularmente, expõe a risco a vida e a integridade fisiopsíquica não só dos rixosos como de terceiros estranhos a ela (2007, pág. 270).

Contudo, Greco nos traz uma modalidade de participação omissiva no crime de rixa, podendo esta ser possível “quando o omitente gozar do status de garantidor” (2013, pág. 392). Dessa forma, o autor traz em seu texto um exemplo de um carcereiro que tem esta qualidade de garantidor e acaba se omitindo diante de uma briga que estava ocorrendo dentro de uma cela de uma delegacia, acrescenta, portanto, o autor que “nesse caso, poderá o carcereiro, na qualidade de garantidor, ser responsabilizado pelo delito de rixa, por omissão.” (2013, pág. 392).

Tratando da legítima defesa na rixa, acontece que pode ocorrer tanto antes, quanto depois da rixa, como já foi posto anteriormente os participantes da rixa serão condenados pelo crime caso as agressões realizadas no ato forem injustas, isto é, os contendores atuando de forma ilícita uns com os outros. Com base nessa ideia, Greco afirma em seu texto que “se alguém intervém não com a finalidade de também participar da rixa, mas, sim, com o propósito de defender um terceiro, como no caso daquele que percebe que seu irmão está sendo duramente espancado por um dos seus contendores e atua querendo salvá-lo, poderá ser beneficiado com o raciocínio da legítima defesa de terceiro.” (2013, pág. 401). Essa possibilidade de legítima defesa de terceiros encontra-se na segunda parte do artigo 137 do Código Penal.

Porém, há que se falar na legítima defesa propriamente dita que pode também ocorrer na rixa, o autor João Carlos Carollo em seu artigo “Crime de rixa e sua vexata quaestio” esclarece o assunto expondo a seguinte situação:

A hipótese é a do rixoso que, durante a rixa, saca de uma arma (faca ou arma de fogo) com o propósito de matar outro rixoso, e este, então, em legítima defesa, mata o seu agressor. À primeira vista para os neófitos, pode parecer estranha a legítima defesa nessas circunstâncias, dado que parece faltar o requisito básico da legítima defesa, que é a injustiça da agressão, pois, se todos estavam agredindo e todos estavam cometendo conduta ilícita, como se justificar a legítima defesa, uma vez que o comportamento de todos é injusto? A verdade é que, em alguns casos concretos, como o descrito acima, a legítima defesa será possível. Basta pensar na desproporcionalidade de condutas para poder vislumbrar tal possibilidade, amparada no princípio da relação de proporção entre causa e efeito, ou seja, quando o partícipe no crime de rixa toma parte na contenda, em nenhum momento adere ou visualiza uma violência maior do que uma briga.

2 Rixa qualificada

O parágrafo único do artigo 137 prevê as causas da rixa qualificada, em que se resulta morte ou lesão corporal de natureza grave, neste caso, se conduz à exasperação das margens penais. É na rixa qualificada que identificam-se as particularidades desse crime que o distingue dos demais crimes de perigo, uma vez que o resultado qualificador pode ser tanto a título de dolo ou de culpa, este último somente para alguns autores. Desta forma, responderá o autor identificado em concurso material com a rixa, simples ou qualificada, excluindo-se apenas as vias de fatos, que são integrantes do conteúdo do crime de rixa. Cleber Masson (2013) também considera a rixa qualificada, como rixa complexa.

 Neste aspecto Damásio discerne que “a morte e a lesão corporal de natureza grave são punidas, em princípio, a título de culpa. Isto significa que em regra a rixa qualificada pelo resultado é um crime preterintencional ou preterdoloso, em que o primeiro delito, a rixa é punido a título de dolo de perigo, enquanto o resultado qualificador, é punido a título de culpa (CP, art. 19)”(2001, pág. 197).

Contudo, Magalhães Noronha aponta que “na rixa, apesar dos participantes quererem a luta ou contenda, havendo consequentemente o dolo, o evento lesão grave ou morte, embora não querido, é previsível com isso há culpa. Poder-se-ia falar em preterdolo, todavia, esse outro crime não é preterdoloso, porque falta aos rixosos a ação causal do evento mais grave, sendo certo que foi só um ou alguns deles que a praticaram. Não há, desta forma, responsabilidade objetiva, devido à previsibilidade” (2001, pág. 115).

É relevante destacar que os eventos devem ocorrer contemporâneos a rixa – não antecede-lo e nem sucedê-lo. Heleno Cláudio Fragoso citador por Bitencourt destaca que “a morte e as lesões graves devem ocorrer durante a rixa ou em razão dela. Assim, se ocorrerem antes não a qualificam, simplesmente porque não foram sua consequência, mas sua causa” (2007, pág. 274). Bitencourt(2007) na mesma linha de raciocíniocomplementa que “a ocorrência de mais de uma morte ou lesão grave não altera a unidade da rixa qualificada, que continua sendo crime único, embora devam ser consideradas na dosimetria penal as ‘consequências do crime’”.

Segundo Luiz Regis Padro:

Todos os rixosos – mesmo aqueles que não concorreram para a prática do homicídio ou das lesões corporais – respondem, pela simples participação na rixa, pelo resultado que agrava especialmente a pena. É indiferente, para o reconhecimento da qualificadora, que a morte ou a lesão corporal grave tenha sido produzidas dolosa ou culposamente. Também não é necessário que a vítima seja, precisamente um dos contendores. Assim, se, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o a gente, em vez de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, estranha a rixa, responde como se tivesse praticado crime contra àquela e incorre nas penas previstas para rixa qualificada. (2004, págs. 222 – 223).

Há também hipóteses em que a rixa qualificada é colocada em questão, Rogério Greco analisa que: “a) contendor que ingressa na rixa após ter ocorrido a morte ou a lesão corporal grave, neste caso, o agente não poderá ser responsabilizado pelo delito qualificado, pois a sua participação em nada contribui para a ocorrência daqueles resultados; b) contendor que sai da rixa antes da ocorrência da morte ou da lesão corporal de natureza grave, neste caso, responderá o agente por rixa qualificada” (2013, pág. 396).

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